(Estados Unidos) Relato de anarquistas de Pittsburgh sobre os confrontos no Comício de Trump

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Tradução pela Agência de Notícias Anarquistas-ANA

No dia 13 de abril, anarquistas de Pittsburgh participaram de um ataque a um comício da campanha de Donald Trump. Essa é uma mensagem de alguns dos organizadores desse contingente anarquista, trazendo reflexões sobre nossa atual situação.

No dia 11 de abril, a campanha de Trump anunciou planos para dois eventos num mesmo dia, em bairros diferentes de Pittsburgh. No início do dia, ele participaria de um town hall com Sean Hannity em Oakland, um bairro universitário da cidade, e à noite iria realizar um grande comício no centro da cidade. Quase imediatamente, diferentes setores da Esquerda lançaram chamadas para ações e começaram a planejar manifestações. Pouco depois, vieram as tão comuns ameaças da Direita de confronto armado com os manifestantes.

Ações contra o evento de Trump em Oakland foram convocadas por vários grupos ativistas estudantis no campus da Universidade de Pittsburgh, bem como pelo WHAT’S UP?!, um grupo local anti-racismo. O ANSWER, uma frente da seção de Pittsburgh do Partido pelo Socialismo e a Liberação, lançou um chamado para uma reunião e para a marcha ao evento principal da campanha de Trump no centro da cidade.

Anarquistas e antifascistas autônomos sabíamos desde o início que nosso objetivo principal era a perturbação total e o confronto tanto com Trump quanto com seus apoiadores. Nós sentimos que as organizações estabelecidas, como o WHATS UP?! e o ANSWER, poderiam ambas trabalhar para atrapalhar esse objetivo em favor de suas próprias visões do que consistiria numa ação anti-racista bem sucedida. Nós escolhemos organizar nosso contingente de um modo que maximizasse nossa autonomia e nosso controle de nossas ações e desejos.

As ações contra os eventos de Trump começaram no início da tarde em diferentes partes da cidade, mas, para os propósitos deste texto, focaremos nos eventos relacionados ao comício principal de sua campanha, no centro de Pittsburgh. Nós escolhemos esse foco porque foi aqui que se situaram as energias principais da organização antiautoritária, e também porque nós sentimos que ele oferece um roteiro para a luta contra a supremacia branca da Direita.

A aglomeração principal de anarquistas estava a algumas quadras do evento de Trump e estava programada para coincidir com a chegada de outras marchas de diferentes partes da cidade. Nós não estávamos cientes das intenções, número ou nível desejado de interferência dos outros grupos, mas imaginávamos que nossa melhor aposta era sincronizar nossa marcha para encontrar as outras aglomerações depois que já tivessem chegado ao centro de convenções. Isso nos permitiria levar uma onda de nossa energia e número, e ao mesmo tempo, fazer avançar com nossa força adentro na multidão de apoiadores de Trump para atingir nosso objetivo inicial de confrontação.

Fomos bem sucedidos com essa tática. Nosso contingente veio preparado com uma dúzia de bandeiras negras e bandeiras da Ação Antifascista, armadas sobre fortes mastros, e uma grande faixa preta. Ao chegarmos ao centro de convenções, marchamos e atravessamos uma aglomeração de apoiadores de Trump, afastamos barricadas e avançamos até a entrada principal do prédio. Muitos outros manifestantes já haviam chegado longe e estavam bloqueando as estradas; outros nos seguiam através do buraco que criamos na multidão. Quando o nosso contingente chegou à entrada, a confrontação física imedita irrompeu ao marcharmos diretamente para linha que leva para dentro do prédio. Apoiadores de Trump foram abordados, golpeados e atingidos com spray de pimenta à medida que tentávamos abrir caminho.

Durante esses combates, a polícia chegou, realizou algumas prisões aparentemente aleatórias daqueles não envolvidos nos combates e no uso dos sprays de pimenta e formou uma linha entre nós e o grupo de apoiadores de Trump. As pessoas então acenderam sinalizadores e começaram a arremessar objetos por cima da polícia na direção da linha de apoiadores, e repetidamente tentaram avançar. A esse ponto, estava claro que o comício lá dentro já havia começado e que as pessoas com as quais estávamos lutando eram aquelas presas do lado de fora, incapazes de entrar.

Após cerca de uma hora disso, o comício de Trump terminou e os presentes começaram a deixar o lugar pelas saídas. A multidão correu para as saídas, perseguindo-os, gritando com eles, empurrando-os e usando sprays de pimenta contra as pessoas enquanto saiam. As saídas foram bloqueadas e a polícia dentro do centro de convenções redirecionou os apoiadores para portas que estavam foram do nosso alcance. Apesar disso, retardatários continuaram a seguir caminho para dentro da nossa multidão e foram provocados e atacados. A polícia municipal e a polícia do condado finalmente vestiu o equipamento anti-motim e formou uma linha para limpar as ruas. Sem mais detenções, a multidão dispersou e o evento acabou.

Nossa situação:

Nós vemos o crescimento de Donald Trump como um aspecto importante da resposta direta da Direita ao movimento Black Lives Matter, à presidência de Barack Obama e àquilo eles vêem como uma ameaça existencial à supremacia branca nesse país. Essa reação da Direita tem assumido outras formas, como temos visto com o impasse armado do rancho Bundy, a ocupação do Malheur National Wildlife Refuge e o tiroteio sem vítimas fatais perpetrado por nacionalistas brancos contra manifestantes durante uma manifestação contra a violência policial em Minneapolis.

De acordo com The Atlantic, além dos marcadores demográficos de pertencimento às classes mais baixas, de branquidade e de baixo nível de escolaridade, o fator principal que une a base de Trump é o apoio ao autoritarismo e à supremacia branca. As principais questões políticas da campanha de Trump tem se enraizado na criminalização geral, detenção e expulsão de mulçumanxs, árabes, latinxs, negrxs e outrxs não-brancxs dos Estados Unidos.

O apoio a Donald Trump, e portanto também a esses objetivos, são o bastante para justificar-se como alvo de violência anti-racista.

Acreditamos que esses eventos recentes marcaram uma mudança na luta política desse país. Uma parte cada vez maior da população tem abandonado as forças políticas tradicionais em troca de “outsiders” vistos como estando nas margens, tais como Trump e Bernie Sanders. Nós vemos um desenvolvimento da demarcação entre a Esquerda e a Direita – entre aqueles que apoiam o controle corporativo de recursos, a expulsão de não-brancos e o aumento da militarização da polícia para a pacificação urbana, e aqueles que apoiam a autonomia individual, a propriedade coletiva dos recursos e a justiça racial e socioeconômica. A estrutura inerentemente bilateral do sistema americano de partidos políticos nos deixa com movimentos sociais e políticos corrompidos – a “Esquerda” deve abandonar suas tendências marxistas para adequar-se à narrativa Democrática, enquanto que a “Direita” deve se esforçar para encaixar sua ideologia supremacista branca judaico-cristã autoritária dentro do establishment Republicano.

Como pudemos ver no evento de campanha de Trump em Chicago, nas ruas de Minneapolis e no centro da cidade de Pittsburgh há algumas noites, o conflito físico entre militantes dessas duas forças – entre aqueles que querem manter a supremacia branca e aqueles que querem ver sua abolição – veio à tona e ao primeiro plano do discurso político americano. Nós vemos aqui uma oportunidade de atacar vigorosamente ambas as estruturas políticas americanas dominantes, e ao mesmo tempo contra-atacar as tendências de extrema-direita que observamos com a ascensão de Donald Trump à fama política.

Temos a esperança de que a ameaça colocada pela Direita supremacista branca, bem como o aproveitamento das oportunidades de que falamos, possam ajudar nossos movimentos a se situarem mais claramente na luta por libertação. A autodefesa combativa contra o autoritarismo pode ajudar a adquirir a autonomia individual e coletiva necessária em qualquer revolta libertadora que venha a ocorrer. Nós vemos este como um tempo para os anticapitalistas libertários aprenderem a levar a sério a ameaça colocada pela nova Direita e a dar os passos necessários para combater com força as estruturas da supremacia branca. Este não é um tempo para introspecção e auto-reflexão crítica sobre a práxis anti-racista popular, mas um tempo para a mútua autodefesa e a força coletiva contra o sistema americano de apartheid da supremacia branca.

Chegou o momento de Queimar a Colônia Americana.

De seus camaradas das colinas e vales de Pittsburgh, Pensilvânia.

 

(Paraná) Massacre de trabalhadores rurais em Quedas do Iguaçu: terrorismo premeditado pelo Estado em favor das Classes Dominantes

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Postado originalmente no Coletivo Quebrando Muros.

A semana passada foi marcada por duros ataques contra a luta dos povos do campo e das florestas. Em Quedas do Iguaçu, cidade do sudoeste do Paraná, Vilmar Bordim e Leomar Bhorbak, dois trabalhadores rurais e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que estavam numa caminhonete dentro do acampamento Dom Tomás Balduíno, foram assassinados por policiais militares e por capangas da Araupel – empresa madeireira que utiliza milhares de hectares de terras públicas griladas, como reconheceu a própria justiça do Paraná, e que por este motivo não existe qualquer ordem judicial de reintegração de posse. A versão canalha da Polícia Militar, foi que os policiais teriam sido chamados por seguranças da Araupel para combater um incêndio e teriam sido recebidos à bala pelos acampados, e por isso teriam reagido – uma mentira sórdida, que sequer se preocupa em mascarar o fato de que os trabalhadores foram mortos com tiros pelas costas, e nenhum policial sequer foi ferido. Não bastasse tamanha violência, ainda impediram o acesso dos outros acampados ao local do ataque para esconder seus crimes e ajeitar sua “versão” dos fatos.

A morte de Vilmar Bordim e Leomar Bhorbak, é a dura explicitação do massacre sistemático conduzido pelo Estado contra os movimentos sociais, sobretudo nas periferias e no campo, em favor dos interesses dos latifundiários, do agronegócio e das empreiteiras. Em fevereiro deste ano, Pobres Valdiro Chagas de Moura e Enilson Ribeiro dos Santos, militantes da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Acampamento Paulo Justino em Jaru, RO, foram também brutalmente assassinados por pistoleiros sob as vistas grossas da polícia local. De dezembro do ano passado para cá aconteceram 6 assassinatos e 3 desaparecimentos na região do Vale do Jamari (onde ficam o Paulo Justino e outros acampamentos), transformada pelo latifúndio e o Estado em verdadeiro campo da morte. E isso é uma pequena amostra da brutalidade que usam contra aqueles que lutam por direitos, quando esses afetam os interesses dos de cima.

Ao mesmo tempo, o genocídio contra os povos indígenas segue a pleno vapor, ancorado pelas políticas do Governo Federal, que tem um lado claro: o dos latifundiários e do agronegócio. Na mesma semana em que tombaram os dois companheiros do MST, o Cacique Baubau e seu irmão foram presos em Ilhéus (Bahia), enquanto resistiam a um violento despejo. E não é apenas nas aldeias que a violência aos indígenas tem acontecido: no dia 19 de março, o estudante da UFRGS Nerlei Fidelis foi espancado por estudantes da mesma universidade, pelo simples fato de ser indígena.

Os culpados por mais um massacre, além do governador Beto Richa (PSDB) responsável pela fascista PM-PR, é uma estrutura política muito mais ampla, que só age em favor dos burgueses. O governo Dilma Rousseff (PT) é igualmente responsável por manter a política de concentração de terras e de favorecimento incondicional e sistemático ao agronegócio, à guerra generalizada contra os pobres, à criminalização das lutas dos trabalhadores e do povo. Frente a esse cenário, sabemos que o único caminho é o da resistência e da organização coletiva nos locais de trabalho, estudo e moradia. Que nosso luto seja pelos companheiros assassinados, espancados e privados de uma vida digna, e que nossa solidariedade seja mais que palavra escrita e se estenda a todas e todos que lutam por um mundo mais justo, no campo, nas cidades e nas florestas.

(Marselha) Breve reportagem da manifestação selvagem noturna de 16 de Abril

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Fotos da Action Française [Ação Francesa] na Rua Navarin

Depois de muitas horas sentadxs no Noite de Pé [NuitDeBout], algumas pessoas tomaram a palavra para apelar a uma partida em manifestação selvagem. Grande parte da assembleia levantou-se para uma caminhada pela cidade…

Cerca das 23:30 duas centenas de pessoas descem a Rua Estelle aos gritos de “greve, bloqueio, manifestações selvagens”, “Marselha, de pé, levanta-te”, “lei, trabalho, retirada dos dois”. A manifestação dirigiu-se para o local do PS, que se encontra recoberto de palavrinhas, e cujas janelas se encontram altamente blindadas. Quase sem pausa, partiu-se para o pequeno local da frente nacional, bem escondido, perto da Praça Castellane. Lojas fechadas e alguns transeuntes incentivando a manifestação, aproximando-se e até a acompanhando num pequeno trajeto.

Reinicia-se em direção à baixa, desta vez pela Rua Navarin. E desta vez os fachos da Ação Francesa não têm a polícia anti-motim para proteger a sua sede. Sede na qual as janelas não são blindadas e onde a porta foi rapidamente destruída aos gritos de “Chega de fachos nos nossos bairros, chega de bairro para os fachos”  e com os sorrisos dxs habitantes do bairro – que vêem tudo o que se está a desenrolar – a acompanhar-nos.

Ainda a gritar palavras de ordem contra a lei El-Khomri, trabalho e polícia, a manifestação rapidamente atingiu a baixa, depois Cours Julien, onde o Noite de Pé seguiu o seu curso.

em francês via Marseille Autonomous Info  l  inglês

(Reflexão) As antinomias e os Grupos de Afinidade

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Por GAMA – Grupo de Afinidades e Movimentação Anarquista

Postado originalmente no Das Lutas

A liberdade do outro estende a minha ao infinito.

Mikhail A. Bakunin        

Para Proudhon, a dialética é a demonstração do real. O processo dialético é menos o movimento, em si, que a constatação da sua existência. É, por assim dizer, um fato,  na sua mais elaborada evidência, seu demonstrativo, uma vez que, para o próprio fato, contribuíram ainda um sem número de ações e iniciativas.  Assim: “A síntese não destrói realmente, mas formalmente, a tese e a antítese.” (A Criação da Ordem na Humanidade). Como evidência do perpétuo movimento, não a sua razão, ou motor, a dialética serial esforça-se mais por credenciar-se como sintoma que como causa dos processos em curso. Para Proudhon: “A teoria serial não é um método de descoberta… a teoria serial é… essencialmente demonstrativa…” (A Criação da Ordem na Humanidade).

Na condição e simultaneamente no aspecto de uma dualidade, cada antinomia é, em si, elemento potencializador da sua oposição. Provoca a reação da outra, revela a estrutura e denuncia sua natureza e propósitos constitutivos: “A antinomia é a concepção de uma lei de face dupla, uma positiva, a outra negativa… A antinomia não faz mais do que exprimir um fato, e impõe-se imperiosamente ao espírito: a contradição propriamente dita é uma absurdo.” (Sistema das Contradições Econômicas). Com lógica própria, ditado pelo ineditismo das ações humanas, bem como pelas inúmeras outras variáveis, o processo tem autonomia sobre a teoria. Tal autonomia, sempre atravessada pela multiplicidade de atores e atos, assenta-se sempre e invariavelmente sobre uma estabilidade precária: “Se se destrói o equilíbrio, o movimento não se paralisa, mas antes se desenvolve de uma maneira subversiva: a oposição dos elementos se converte em antagonismo; a sociedade passa ao estado revolucionário.” (Contradições Políticas).

Uma vez que os membros de um grupo de afinidade anarquista, ainda que identificados com a mesma premissa política, são, ainda assim, o resultado de múltiplas experiências e vivências, cabe aqui demonstrar, na mesma medida, as peculiaridades através da dialética serial.

Os militantes de um GA de intenção revolucionária, no geral, são egressos de outros grupos ou organizações com objetivos táticos e estratégicos mais amplos e gerais que aqueles observados em GA de caráter político, ou seja, específicos. Normalmente, a afinidade política se encontra no campo da concepção teórica e de um lastro histórico, simbólico e imagético, de longa duração da própria ideia política sustentada pelo GA.

No caso de cada militante, supondo-se que cada um esteja localizado em outra atividade complementar e social, torna-se fundamental entender que os espaços de inserção devem ter preservadas, no interior do GA, as suas autonomias. Uma lógica que estimula a autodeterminação de cada um, em relação ao seu trabalho, e garante as peculiaridades de cada tarefa social assumida voluntariamente, quer por inclinação pessoal, quer por autoatribuição ou ainda pelas necessidades do GA.

Nesse sentido, é primordial que cada experiência no âmbito social (de gênero, transgênero, educacional, classista, racial, territorial etc.) seja reconhecida pelo GA sem qualquer hierarquia, tanto nos propósitos, quanto na relevância, para a elaboração, por exemplo, de um plano geral estratégico, ou mesmo para o estabelecimento de regras internas de gestão do GA. A isonomia das tarefas e o reconhecimento tácito dessa equidistância são imprescindíveis para o desenvolvimento e a aplicação das linhas gerais que, dentro da mesma lógica, só podem ser estabelecidas, sem os habituais “silenciamentos”, após a assimilação, por todxs, das premissas enunciadas anteriormente.

Dessa forma, é preciso, dentro do GA, federalizar radicalmente as sensibilidades sociais de cada militância, respeitando e entendendo a ênfase de cada uma delas, bem como a relevância para a luta de cada ator coletivo e individual específico e de cada esfera de atuação. É fundamental que seja do entendimento dos membros do GA que a experiência de qualquer militante em uma esfera de atuação, por mais dilatada que seja, não valida sua opinião, no sentido mais absoluto, sobre a atuação dos outros militantes, igualmente localizados em outras esferas de atuação. Na mesma medida, cabe a cada militante entender os seus próprios limites ao contribuir com o plano estratégico geral do GA, exatamente por força da sua limitada concepção sobre espaços com os quais tem relações superficiais e periféricas.

Assim pensando, podemos inferir de tal raciocínio que o primeiro esforço de um GA deve ser pela autoinstituição das experiências concretas de militância social em seu interior. Pela sua plena expressão, entendimento e circulação. Deve ficar claro para todos que cada experiência, pelos seus muitos significados subjetivos e práticos, é única e intransferível e que, se os militantes de uma determinada esfera não gozam de toda a autoridade dentro do GA, é exatamente pelo fato de terem experimentado, apenas, uma parte do todo que interessa ao GA.

As esferas de militância social são, portanto, agentes de identidade e de pluralidade internas do GA. São a sua estrutura e simultaneamente serão o aspecto mais visível do próprio grupo quando este, se assim desejar ou precisar, se anunciar publicamente. Seus documentos devem ser a expressão disso e a sua ação concreta, uma evidência, um reforço do que ele efetivamente é. Assim, o que o GA realizar será, sempre e invariavelmente, efeito de sua constituição, sem charlatanismos ou performances compensatórias.

Todavia, para que as esferas sociais autoinstituídas não redundem em uma insularização de cada trabalho, em um tipo de emulação de egos dentro do GA, é fundamental entender e estimular a dinâmica e a necessária dialogia entre as partes. Dizemos isso porque entendemos que o caminho da unidade não é o da uniformidade e que a integração plena das experiências sociais no interior de um GA encontra-se na relação entre elas.

Para nós, perceber cada experiência, como única, cada sensibilidade, como específica, implica necessariamente criar mecanismos relacionais. Implica entender que, se a importância da experiência de cada esfera social é um fato, não é menos importante pensar que, para que não haja uma sobreposição de relevâncias, é preciso deslocar o eixo de cada uma delas para, enfim, localizá-lo na relação entre todas. Ou seja, a centralidade da dinâmica orgânica do GA deve se encontrar na relação entre as experiências militantes nas esferas sociais. É na relação que está a possibilidade de articulação dos muitos trabalhos concretos, é nela que se realiza a unidade, sem uniformidade, e se efetiva o pacto federativo, sem a subordinação. É ainda na relação que vão aparecer, não necessariamente de forma explícita, as incongruências, as contradições e mesmo as inconsistências do militante frente às demais experiências e mesmo diante da sua própria.

Escapando à lógica dicotômica entre as esferas social e política, ousando dar passos além da concepção segundo a qual há uma simples complementariedade entre essas esferas, é possível, com ênfase na relação, criar consensos, estabelecer orientações gerais e assinar documentos com a genuinidade. Sem subordinação, menos ainda com qualquer tipo de constrangimento, a relação promove a parte, em proveito do todo, e possibilita a apresentação do todo, como expressão genuína das partes. As antinomias, como queria Proudhon, se potencializam; as contradições, por serem inevitáveis, tornam-se parte pedagógica do processo.

Diante do que foi aqui exposto, é possível entender como nosso grande desafio não apenas o da transformação, mas potencializar, na mesma medida, a relação. Relacionar-se é ampliar as possibilidades e não amesquinhar as pretensões. A relação dentro do GA é, por assim dizer, o campo simultâneo do encontro e do estranhamento, da disciplina e da indisciplina, das permanências e das rupturas. É preciso encarar o GA como aquele que, em promessa, encerra os valores da sociedade que se deseja construir. Na mesma medida em que entendemos que os fins já devem aparecer nos meios, é preciso que os nossos objetivos revolucionários se traduzam em relações revolucionárias. Não há revolução na subalternidade de qualquer demanda humana, assim como não é possível a transformação com a condescendência diante das injustiças sociais.

A consigna dxs trabalhadorxs da Internacional, “paz entre nós e guerra aos senhores”, não pode e nem deve encerrar-se no seu sentido tradicional, única e exclusivamente, classista. Sabe-se hoje que, por trás da luta pelas 8 horas de trabalho e reajuste salarial, existiam ainda muitas outras. E que se a pauta econômica unificava, nem por isso resolvia todos os problemas. Emma Goldman e Malatesta, ao defenderem que o sindicalismo “não era um fim em si mesmo”, já anunciavam que, na futura sociedade sem classes, seria ainda preciso avançar. E que se a estratégia geral econômica unificava, o entendimento desta como única podia enrijecer e limitar os caminhos da revolução. Mais que tudo, e os fatos dão hoje testemunho inquestionável, pensar o GA sem seus múltiplos trabalhos sociais é amputar o processo revolucionário das suas forças mais vibrantes.

(Chile) Felipe Durán – preso por denunciar violência contra mapuches

FELIPE DURÁN, FOTÓGRAFO CHILENO ESTÁ PRESO HÁ MAIS DE 200 DIAS POR USAR SUA CÂMERA PARA DENUNCIAR AS VIOLÊNCIAS CONTRA COMUNIDADES MAPUCHES NO SUL DO CHILE

Publicado originalmente no Mídia Coletiva

Felipe Durán é um fotógrafo nascido na comuna de Cañete, cidade situada na província de Arauco, Região de Bío-Bío, sul do Chile – Felipe retratou distintos processos da nação mapuche no últimos anos. Marchas, ocupações de terras, repressões, organização de eventos, cerimônias, e fotografou como poucos os verdadeiros impactos do conflito que se vive na região.

Felipe foi detido em companhia de um comunero chamado Cristian Levinao, que se encontrava em clandestinidade despois de ter sido julgado na lei antiterrorismo que criminaliza diretamente Mapuches que estão tomando terras ancestrais das mãos dos latifundiários de Araucanía, principalmente. A polícia alega ter encontrado armas e explosivos em posse deles. Fato que sabemos consta de uma série de ‘montagens’ – flagrantes forjados pelos carabineiros – para criminalizar os que lutam pela autonomía dos movimentos mapuches no sul do Chile.

Felipe segue em prisão preventiva no Centro de Cumprimento Penitenciário da cidade de Temuco. No dia 23 será realizada uma marcha plurinacional da Rede de Defesa pelas Águas e Territórios, e está coordenada por diversas comunidades mapuches e não-mapuches, que dentre outras ações vai fazer um ato na porta do presídio onde Felipe e outros presos se encontram. Leia mais no MapuExpress e acompanhe as transmissões em cadeia de rádios livres que serão realizadas pela comissão de cobertura da marcha e diversos meios independentes.

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Leia esse post do MapuExpress sobre sua prisão e veja algumas fotos de Felipe Durán aqui.

COLETIVOS DE MÍDIA INDEPENDENTE LATINOS ASSINARAM UM MANIFESTO EM APOIO A NAÇÃO MAPUCHE E REPUDIANDO A PRISÃO PREVENTIVA DE FELIPE DURÁN

Nós, comunicadores populares de meios independentes declaramos nossa solidariedade ao fotógrafo chileno Felipe Durán, preso preventivamente no presídio de Temuco por mais de 200 dias, e reafirmamos nosso respeito as comunidades mapuches que resistem ao avanço da criminalização de sua cultura e organização comunitária no território de Wallmapu.

Felipe foi preso por carabineiros em Temuco no dia 22 de setembro de 2015, devido sua colaboração e compromisso política com a luta das comunidades mapuches que estão em risco. Sua câmera esteve a serviço da denúncia das violações de direitos humanos que sofrem os mapuches no sul do Chile, e por isso se converteu ele mesmo em alvo da repressão dos governos.

O governo chileno é funcional e obedece aos interesses das empresas transnacionais na região, e por isso é responsável direto pelos crimes que estão violando os direitos das comunidades indígenas.

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Assim como Felipe, diversos mapuches estão sendo processados pela justiça chilena em um contexto de montagens (flagrantes forjados), que vem realizando o governo contra os indígenas na região. Diversas machis, que são as curandeiras mapuches, também estão presas e processadas com provas falsas da polícia. Outros sofreram atentados contra suas vidas, com o objetivo de silenciar as lideranças que resistem contra as empresas que exploraram eucalipto e celulose, e que contratam empresas para-militares para realizar sua segurança privada, ameaçando e atentando contra a vida dos habitantes das comunidades.

Repudiamos o terrorismo do Estado contra o povo mapuche e somamos nossos meios independentes para desmoralizar o governo chileno e denunciar suas práticas racistas frente aos povos originários.

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