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(Artigo) COMPA: Nosso posicionamento frente a conjuntura nacional – opinião e perspectivas

Por Coletivo Mineiro Popular Anarquista (COMPA).

Retirado originalmente daqui.

1. Está em curso uma ofensiva da direita no Brasil, que vem conquistando mais espaço na política nacional.

Existe no país uma ofensiva de setores conservadores e de direita que estão em maior ou menor medida coordenados em várias frentes (parlamentar, poder judiciário, influências internacionais, centrais sindicais pelegas e vendidas, grupos empresariais e federações burguesas, veículos de mídia e imprensa, altas patentes militares, movimentos de redes sociais e de rua etc.) e que vem conquistando cada vez mais espaço na política nacional. Essa ofensiva mira intensificar a aplicação de um programa reacionário, neoliberal e conservador, que, embora tenha sido aplicado de forma tímida por meio do próprio governo petista, retirando o PT do poder nesse momento acelerarão sua aplicação, se dando de forma mais contundente e eficaz.

Assim, utilizam o PT e a “corrupção” como “bodes expiatórios” para atacar direitos históricos conquistados pelas lutas do povo pobre e trabalhador, bem como os programas sociais atuais. Elencamos alguns dos objetivos dessa ofensiva da direita:

  • Dentre os parlamentares e as grandes empresas envolvidas em corrupção, há um objetivo principal em colocar fim às investigações através do impeachment, constituindo um novo governo que controle a Polícia Federal, a grande imprensa, juízes federais e o Supremo Tribunal Federal, freando a Lava Jato e as demais investigações em curso;
  • Redução do Estado brasileiro, seguindo uma lógica neoliberal perversa;
  • Garantir que a economia nacional seja pautada pelos grandes bancos e submissa à política econômica nociva do FMI, Banco Mundial e outros perniciosos espoliadores internacionais;
  • Implementar uma política internacional submissa ao imperialismo estadunidense, servindo-se, como consequência, como um efetivo “QG político” do imperialismo na América Latina;
  • Privatização das maiores estatais, especialmente a Petrobras.
  • Passar a cobrar ou privatizar os serviços públicos (saúde – SUS, educação, segurança – presídios, etc.);
  • Flexibilização das leis trabalhistas e consequente prejuízo depositado nas costas dos trabalhadores (terceirização, priorização das convenções coletivas em relação à CLT, revisão da lei do trabalho escravo, aposentadoria para mulheres e homens em igual idade, a despeito da sobrecarga de trabalho por parte das mulheres, que na maioria das vezes é responsável também pelo trabalho doméstico e cuidados com os filhos);
  • Corte de direitos constituídos (por exemplo, a revisão de demarcação de terras indígenas, não demarcação das terras quilombolas; completa ausência de políticas voltadas à diversidade de orientações sexuais; etc.);
  • Corte (gradual ou instantâneo) dos programas sociais do governo (Bolsa Família; Fies; Pronatec; Minha Casa, Minha Vida; Minha Casa Minha Vida-Entidades; Mais Médicos, dentre outros).
  • Acentuar a “policialização” do Estado brasileiro ampliando o monitoramento, a repressão e a criminalização aos movimentos sociais e de esquerda e uma propaganda ideológica de que esquerda é sinônimo de corrupção, crime, baderna;
  • Impulsionar uma política conservadora e retrógrada nas escolas, minando as discussões sobre política, gênero, raça etc., impulsionando conceitos preconceituosos e intolerantes.

Dentre outros objetivos perversos.

Buscando atingir esses objetivos, a direita vem ganhando corpo, espaço e conquistando sucessivas vitórias na política nacional, seja no parlamento ou no campo ideológico, escondendo-se por trás da máscara da “anti-corrupção”, do “anti-petismo” ou mesmo do primitivo (mas preocupante) “anti-comunismo”.

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(Artigo) Anarquismo e 1º de Maio no Brasil

Manifestação operária em 1º de Maio de 1919 no Rio de Janeiro. Reproduzida da Revista da Semana, 10 de maio de 1919.

O Brasil conhecerá seu primeiro grande surto de industrialização a partir da última década do Império (1881-1889). Apesar do grosso da economia do país ainda assentar na exportação em grande escala de matérias primas e produtos agrícolas (com predominância para o café nesta fase), o número de estabelecimentos industriais, que era pouco mais de 200 em 1851 sobe para mais de 500 em 1889. Do total do capital investido nas atividades industriais naquela época, 60% concentram-se na indústria têxtil, 15% na da alimentação, 10% na de produtos químicos, 4% na indústria de madeira, 3,5% na do vestuário e 3% na metalurgia. Estas atividades produtivas manterão suas posições neste ranking durante as décadas seguintes. No período de 1890 a 1895 serão fundadas mais 425 fábricas, com investimento equivalente a 50% do capital investido no início dos anos 1880. Um primeiro censo geral das indústrias brasileiras realizado em 1907 mostrará a existência de 3.258 estabelecimentos industriais, empregando 15.841 operários. 33% destas fábricas estavam localizadas no Rio de Janeiro, então capital da recém proclamada república (1889), percentual a que se poderiam somar os 7% do antigo estado do Rio de Janeiro, 16% em São Paulo e 15% no Rio Grande do Sul. A hegemonia industrial do Rio de Janeiro cederia para São Paulo no período entre 1920-1938. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) dará grande impulso à indústria nacional, com a diminuição da importação dos países envolvidos no conflito e também com a diminuição da concorrência estrangeira, devido à forte queda do câmbio.

O período do início desta primeira industrialização do país coincide com a abolição jurídica da escravidão, trazendo alteração na política do Estado brasileiro em relação à mão-de-obra, passando o governo federal e os dos estados a elaborar leis e programas de subsídio à imigração de trabalhadores europeus e mais tarde asiáticos (japoneses). Entre 1871 e 1920, 3.390.000 imigrantes chegaram ao Brasil. 1.373.000 eram italianos, 901.000 portugueses e 500.000 espanhóis. A maioria deles estabeleceu-se no estado de São Paulo, cujo governo foi o mais ativo na criação de subsídios à imigração. A atividade a que os imigrantes eram inicialmente destinados era a agricultura, porém grandes parcelas encaminhavam-se para os grandes centros urbanos em função da nascente industrialização do país, em parte financiada pelos próprios fazendeiros. A imensa maioria destes imigrantes europeus tomou conhecimento da chamada “questão social” após sua chegada ao Brasil, e não vieram de seus países de origem já imbuídos da ideologia anarquista, desmentindo a imagem da “planta exótica” transplantada para o meio do trabalhador brasileiro cordato e bom. As condições de vida e de trabalho no campo e nas cidades por si já conduziam à luta social. Everardo Dias escreve, a propósito:

“O exíguo grupo capitalista, aglutinado em oligarquia patronal, que se havia abalançado à criação de fábricas geralmente de tecelagem e metalurgia, estabelecera seus cálculos sobre uma base salarial baixíssima, salário de escravo, exploração bruta do braço humilde que se encontrava com abundância no país, gente de pé descalço e alimentação parca (um punhado de farinha de mandioca, feijão, arroz, carne seca) artigos alimentares baratos e abundantes no mercado; café adoçado com mascavo, e um pouco de farinha, pois pão era artigo de luxo, bem como o leite, a carne, os condimentos, os legumes (esses últimos desconhecidos na casa do trabalhador). E quanto à moradia, estava confinada em barracões de fundo de quintal, em porões insalubres, em casebres geminados (cortiços), próximos às fábricas e pelos quais pagava de aluguel mensal 15, 20, 30 mil réis. Esse proletariado fabril, em grande parte feminino e constituído de mocinhas, era o preferido para a indústria têxtil, trabalhando das 6 da manhã às 7 e 8 horas da noite. (…) Na indústria metalúrgica ou mecânica o número de menores também era predominante, sendo que aqui o sexo aceito era o masculino. (…) Todos, ou quase todos, analfabetos, supersticiosos, tímidos, humilhados por palavrões e insultos depreciativos. Ignorância total. Ser dispensado do serviço significava mais fome, mais miséria em casa. Encarava-se o desemprego com arrepios de terror.”

Já os patrões julgavam “estar prestando um grande favor, praticando um ato de benemerência em dar trabalho para proteger essa pobre gente esfomeada… Os gerentes e diretores assumiam, por isso, ares altaneiros e superiores de grão-senhores, aos quais só se podia falar de chapéu sobre o peito, fazendo vênia de beija-mão, numa humildade de escravo.”

E é em uma São Paulo ainda com poucas fábricas que dezessete militantes operários reúnem-se no centro da cidade, à rua Líbero Badaró, número 110, a 15 de abril de 1894. Ali é aprovada a resolução do Congresso Socialista de Paris de 1889, que instituía o 1º de Maio como dia de luta e de protesto contra a condenação e execução dos mártires de Chicago. Os presentes pretendiam mesmo estudar a melhor maneira de comemorar o 1º de maio vindouro. Mas a reunião foi suspensa com a chegada da polícia, mobilizada por uma denúncia, segundo se acredita, do cônsul italiano. O grupo era composto por brasileiros e imigrantes italianos. Espancados e advertidos de que se persistissem em agitar os operários seriam castigados exemplarmente, foram separados em dois grupos, sendo dez deles, os de origem italiana, encaminhados à Casa de Detenção do Rio de Janeiro, de onde só seriam liberados a 12 de dezembro. Ao chegar à cidade de Santos para embarque para o Rio de Janeiro, um deles, Artur Campagnoli, teria conseguido fugir lançando-se ao mar, depois de ter perguntado durante a viagem de trem aos policiais de sua escolta se sabiam nadar. Campagnoli, ourives de profissão, depois de passagens pela França e pela Inglaterra, instalara com seu irmão Luciano uma colônia libertária na cidade de Guararema no interior de São Paulo já nos últimos anos da monarquia (1888).

A polícia de São Paulo colocou-se de prontidão no dia 1º de Maio daquele ano, temendo manifestações operárias e conflitos, que não ocorreram. No entanto, bombas explodiram em dois palacetes da burguesia paulistana e outra no Largo do Carmo, próximo ao quartel do 5º Batalhão de Polícia.

A libertação dos que passaram meses presos no Rio, segundo texto de um deles, Felix Vezzani, enviado ainda da prisão e publicado no jornal Il Risveglio (São Paulo, 2 de dezembro de 1894) só seria possível graças à intervenção do Apostolado Positivista junto ao recém empossado Presidente da República, Prudente de Moraes. Avisados por telegrama de sua libertação, os companheiros de São Paulo acorreram à estação ferroviária para saudar os camaradas que voltavam da então capital federal, furando o cordão de isolamento de soldados com baioneta calada, unindo-se aos libertos no canto da Internacional.

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(Reflexão) As antinomias e os Grupos de Afinidade

gama

Por GAMA – Grupo de Afinidades e Movimentação Anarquista

Postado originalmente no Das Lutas

A liberdade do outro estende a minha ao infinito.

Mikhail A. Bakunin        

Para Proudhon, a dialética é a demonstração do real. O processo dialético é menos o movimento, em si, que a constatação da sua existência. É, por assim dizer, um fato,  na sua mais elaborada evidência, seu demonstrativo, uma vez que, para o próprio fato, contribuíram ainda um sem número de ações e iniciativas.  Assim: “A síntese não destrói realmente, mas formalmente, a tese e a antítese.” (A Criação da Ordem na Humanidade). Como evidência do perpétuo movimento, não a sua razão, ou motor, a dialética serial esforça-se mais por credenciar-se como sintoma que como causa dos processos em curso. Para Proudhon: “A teoria serial não é um método de descoberta… a teoria serial é… essencialmente demonstrativa…” (A Criação da Ordem na Humanidade).

Na condição e simultaneamente no aspecto de uma dualidade, cada antinomia é, em si, elemento potencializador da sua oposição. Provoca a reação da outra, revela a estrutura e denuncia sua natureza e propósitos constitutivos: “A antinomia é a concepção de uma lei de face dupla, uma positiva, a outra negativa… A antinomia não faz mais do que exprimir um fato, e impõe-se imperiosamente ao espírito: a contradição propriamente dita é uma absurdo.” (Sistema das Contradições Econômicas). Com lógica própria, ditado pelo ineditismo das ações humanas, bem como pelas inúmeras outras variáveis, o processo tem autonomia sobre a teoria. Tal autonomia, sempre atravessada pela multiplicidade de atores e atos, assenta-se sempre e invariavelmente sobre uma estabilidade precária: “Se se destrói o equilíbrio, o movimento não se paralisa, mas antes se desenvolve de uma maneira subversiva: a oposição dos elementos se converte em antagonismo; a sociedade passa ao estado revolucionário.” (Contradições Políticas).

Uma vez que os membros de um grupo de afinidade anarquista, ainda que identificados com a mesma premissa política, são, ainda assim, o resultado de múltiplas experiências e vivências, cabe aqui demonstrar, na mesma medida, as peculiaridades através da dialética serial.

Os militantes de um GA de intenção revolucionária, no geral, são egressos de outros grupos ou organizações com objetivos táticos e estratégicos mais amplos e gerais que aqueles observados em GA de caráter político, ou seja, específicos. Normalmente, a afinidade política se encontra no campo da concepção teórica e de um lastro histórico, simbólico e imagético, de longa duração da própria ideia política sustentada pelo GA.

No caso de cada militante, supondo-se que cada um esteja localizado em outra atividade complementar e social, torna-se fundamental entender que os espaços de inserção devem ter preservadas, no interior do GA, as suas autonomias. Uma lógica que estimula a autodeterminação de cada um, em relação ao seu trabalho, e garante as peculiaridades de cada tarefa social assumida voluntariamente, quer por inclinação pessoal, quer por autoatribuição ou ainda pelas necessidades do GA.

Nesse sentido, é primordial que cada experiência no âmbito social (de gênero, transgênero, educacional, classista, racial, territorial etc.) seja reconhecida pelo GA sem qualquer hierarquia, tanto nos propósitos, quanto na relevância, para a elaboração, por exemplo, de um plano geral estratégico, ou mesmo para o estabelecimento de regras internas de gestão do GA. A isonomia das tarefas e o reconhecimento tácito dessa equidistância são imprescindíveis para o desenvolvimento e a aplicação das linhas gerais que, dentro da mesma lógica, só podem ser estabelecidas, sem os habituais “silenciamentos”, após a assimilação, por todxs, das premissas enunciadas anteriormente.

Dessa forma, é preciso, dentro do GA, federalizar radicalmente as sensibilidades sociais de cada militância, respeitando e entendendo a ênfase de cada uma delas, bem como a relevância para a luta de cada ator coletivo e individual específico e de cada esfera de atuação. É fundamental que seja do entendimento dos membros do GA que a experiência de qualquer militante em uma esfera de atuação, por mais dilatada que seja, não valida sua opinião, no sentido mais absoluto, sobre a atuação dos outros militantes, igualmente localizados em outras esferas de atuação. Na mesma medida, cabe a cada militante entender os seus próprios limites ao contribuir com o plano estratégico geral do GA, exatamente por força da sua limitada concepção sobre espaços com os quais tem relações superficiais e periféricas.

Assim pensando, podemos inferir de tal raciocínio que o primeiro esforço de um GA deve ser pela autoinstituição das experiências concretas de militância social em seu interior. Pela sua plena expressão, entendimento e circulação. Deve ficar claro para todos que cada experiência, pelos seus muitos significados subjetivos e práticos, é única e intransferível e que, se os militantes de uma determinada esfera não gozam de toda a autoridade dentro do GA, é exatamente pelo fato de terem experimentado, apenas, uma parte do todo que interessa ao GA.

As esferas de militância social são, portanto, agentes de identidade e de pluralidade internas do GA. São a sua estrutura e simultaneamente serão o aspecto mais visível do próprio grupo quando este, se assim desejar ou precisar, se anunciar publicamente. Seus documentos devem ser a expressão disso e a sua ação concreta, uma evidência, um reforço do que ele efetivamente é. Assim, o que o GA realizar será, sempre e invariavelmente, efeito de sua constituição, sem charlatanismos ou performances compensatórias.

Todavia, para que as esferas sociais autoinstituídas não redundem em uma insularização de cada trabalho, em um tipo de emulação de egos dentro do GA, é fundamental entender e estimular a dinâmica e a necessária dialogia entre as partes. Dizemos isso porque entendemos que o caminho da unidade não é o da uniformidade e que a integração plena das experiências sociais no interior de um GA encontra-se na relação entre elas.

Para nós, perceber cada experiência, como única, cada sensibilidade, como específica, implica necessariamente criar mecanismos relacionais. Implica entender que, se a importância da experiência de cada esfera social é um fato, não é menos importante pensar que, para que não haja uma sobreposição de relevâncias, é preciso deslocar o eixo de cada uma delas para, enfim, localizá-lo na relação entre todas. Ou seja, a centralidade da dinâmica orgânica do GA deve se encontrar na relação entre as experiências militantes nas esferas sociais. É na relação que está a possibilidade de articulação dos muitos trabalhos concretos, é nela que se realiza a unidade, sem uniformidade, e se efetiva o pacto federativo, sem a subordinação. É ainda na relação que vão aparecer, não necessariamente de forma explícita, as incongruências, as contradições e mesmo as inconsistências do militante frente às demais experiências e mesmo diante da sua própria.

Escapando à lógica dicotômica entre as esferas social e política, ousando dar passos além da concepção segundo a qual há uma simples complementariedade entre essas esferas, é possível, com ênfase na relação, criar consensos, estabelecer orientações gerais e assinar documentos com a genuinidade. Sem subordinação, menos ainda com qualquer tipo de constrangimento, a relação promove a parte, em proveito do todo, e possibilita a apresentação do todo, como expressão genuína das partes. As antinomias, como queria Proudhon, se potencializam; as contradições, por serem inevitáveis, tornam-se parte pedagógica do processo.

Diante do que foi aqui exposto, é possível entender como nosso grande desafio não apenas o da transformação, mas potencializar, na mesma medida, a relação. Relacionar-se é ampliar as possibilidades e não amesquinhar as pretensões. A relação dentro do GA é, por assim dizer, o campo simultâneo do encontro e do estranhamento, da disciplina e da indisciplina, das permanências e das rupturas. É preciso encarar o GA como aquele que, em promessa, encerra os valores da sociedade que se deseja construir. Na mesma medida em que entendemos que os fins já devem aparecer nos meios, é preciso que os nossos objetivos revolucionários se traduzam em relações revolucionárias. Não há revolução na subalternidade de qualquer demanda humana, assim como não é possível a transformação com a condescendência diante das injustiças sociais.

A consigna dxs trabalhadorxs da Internacional, “paz entre nós e guerra aos senhores”, não pode e nem deve encerrar-se no seu sentido tradicional, única e exclusivamente, classista. Sabe-se hoje que, por trás da luta pelas 8 horas de trabalho e reajuste salarial, existiam ainda muitas outras. E que se a pauta econômica unificava, nem por isso resolvia todos os problemas. Emma Goldman e Malatesta, ao defenderem que o sindicalismo “não era um fim em si mesmo”, já anunciavam que, na futura sociedade sem classes, seria ainda preciso avançar. E que se a estratégia geral econômica unificava, o entendimento desta como única podia enrijecer e limitar os caminhos da revolução. Mais que tudo, e os fatos dão hoje testemunho inquestionável, pensar o GA sem seus múltiplos trabalhos sociais é amputar o processo revolucionário das suas forças mais vibrantes.

(Piauí) Carta de Fundação da Organização Anarquista Zabelê

organização anarquista zabelê1

Saudações libertárias a todas e todos!

Após várias experiências e labor, debruçadas e debruçados sobre os estudos e primeiras vivências no seio social dos princípios anarquistas, algumas e alguns militantes, enxergaram a necessidade de se organizar mais e mais para se concluir a caminhada para revolução social que tanto almejamos E esta revolução não se realizará de forma mágica. Fazem-se necessários elementos orgânicos que estejam atuando firmemente agora no presente, para fazer gerar as condições para estes objetivos.

Os quase dois anos do Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí – GEAPI foram um laboratório sem igual, que permitiu acesso e conhecimento sobre o anarquismo no Piauí, colocando novamente socialismo libertário em pauta nas esferas dos movimentos populares. Mas a estrutura de grupo de estudos tem certas limitações, tanto na questão programática, quanto em organização política, que impedem alcançar resultados mais objetivos na luta contra o Estado e o capitalismo.

O momento atual exige de nós anarquistas, olharmos para os princípios com disciplina, planejamentos, empenho, em suma, organizados e organizados. Como já observou Dalton:

“A questão, então, nos é colocada de frente, sem possibilidade de evitá-la: podemos estar sinceramente satisfeitos com a propaganda? A propaganda, já admitimos, foi necessária para construir um movimento como o que temos hoje em dia. Mas não pode continuar sendo o foco exclusivo de nossos esforços atuais – a propaganda não pode determinar as necessidades da organização; são as necessidades da organização que devem determinar a propaganda. Podemos estar satisfeitos, com toda honestidade, indo de luta em luta divulgando nossos princípios? Nesta altura, deveríamos estabelecer algo mais para nós, deveríamos buscar uma linha de ação e de pensamento estratégico, que dê coerência à nossa participação (ou não participação) em uma ou outra luta. É hora de assumir responsavelmente a importância que nosso movimento conseguiu e deveríamos começar a nos comportar de acordo com esta circunstância’’

Não há outra caminhada para militantes que desejam provocar rupturas senão a da organização. Num processo dialético, a (o) militante precisa da organização e a mesma precisa do militante extremante afinado e disposto a desenvolver o trabalho sério junto com as camadas oprimidas pelo Estado e pelo capitalismo. Não com a intencionalidade de representá-las, nem falar por elas e muito menos doutriná-las a partir de verdades pré-estabelecidas. O nosso papel, enquanto militantes e organização é de provocar e construir os meios e jeitos para a população organizar-se e dar a resposta necessária para nossos algozes. Nosso papel é construir conjuntamente, a nível social os caminhos para transformação da realidade, que não virá de forma espontânea.

Diante disso tudo, nós, grupo de militantes anarquistas, no auge de suas reflexões, enxergando todos os desafios e barreiras impostas, e acreditando na organização como ferramenta fundamental para se chegar a um futuro justo e livre de toda ordem de opressão, fundamos a OAZ (Organização Anarquista Zabelê), que leva em seu nome uma grande guerreira indígena piauiense chamada Zabelê, que fazia parte da tribo Amanajós, localizada a poucos quilômetros de Oeiras, Zabelê foi morta e Tupã resolveu transformar a índia em uma ave que canta triste sempre ao entardecer. Enxergamos em Zabelê uma grande guerreira e queremos visibilizar as minorias que sempre estiveram presentes em nossa história, então decidimos carregar conosco um grande símbolos de nossa raiz, nesse contexto surge o nome Organização Anarquista Zabelê – OAZ!

“Zabelê foi uma grande guerreira indígena piauiense chamada Zabelê, que fazia parte da tribo Amanajós, localizada a poucos quilômetros de Oeiras, Zabelê foi morta e Tupã resolveu transformar a índia em uma ave que canta triste sempre ao entardecer. Enxergamos em Zabelê uma grande guerreira e queremos visibilizar as minorias que sempre estiveram presentes em nossa história, então decidimos carregar conosco um grande símbolos de nossa raiz, nesse contexto surge o nome Organização Anarquista Zabelê – OAZ!”

Por Organização Anarquista Zabelê (OAZ) | Acesse aqui a página da OAZ.

(Artigo) Teses fundamentais que ficaram ausentes do debate – uma análise anarquista da crise institucional do governo Dilma

Junho de 2013 - Rio de Janeiro
Junho de 2013 – Rio de Janeiro

Por Wallace dos Santos Moraes [1]. Texto original aqui.

Durante as primeiras décadas do século XX, as revoltas e revoluções populares se agigantaram em grande parte do mundo e dependendo do lugar emergiram em função delas diferentes modelos econômicos e de Estado: o socialismo de estado, o welfare state, o nacional-desenvolvimentismo, o keynesianismo e algumas poucas e rápidas experiências libertárias. Assim, interesses dos trabalhadores foram contemplados em maior ou menor medida dependendo da força e da radicalidade da classe trabalhadora.

Por outro lado, também surgiram como reação às lutas populares as fatídicas experiências fascistas propiciadas por um conjunto de fatores que levaram a derrocada dos movimentos dos trabalhadores, principalmente na Alemanha, na Itália e na Espanha, onde os movimentos revolucionários, por incrível que possa parecer, eram mais fortes. As propostas autoritárias propugnavam uma sociedade hierarquizada, racista, machista, com um nacionalismo xenófobo, e uma cega obediência ao chefe. A maior parte dos capitalistas ficou muito feliz com essas características.

Foi exatamente na terra de Hitler e sob seu governo que a grande mídia passou a ser usada com maior eficácia para a dominação de classe. Seu ministro das comunicações foi bastante eficaz em jogar toda uma nação para a insanidade da guerra. Uma frase clássica sua era: “uma mentira dita mil vezes, torna-se verdade”. E essa máxima guia até hoje muitos de nossos monopólios de comunicação de massa criando a indústria cultural e propagandeando o capitalismo, quando possível, com garantias individuais, mas quando o sistema está sob ameaça apoiam abertamente a supressão das liberdades civis para garantia do sistema do capital.

Na América Latina, durante as décadas de 1950/60/70 os movimentos populares ganharam novos impulsos principalmente em função de dois movimentos: 1) quando setores sociais institucionalizados pensaram em aplicar medidas distributivas e reformas de base por meio da ação de governos de nacionalismo radical, para usar uma expressão de Katz, mas sem acabar com o capitalismo e/ou 2) quando setores de estudantes, operários e camponeses pensaram na tomada do poder via luta armada para implantar o socialismo.

Entretanto, mais uma vez na história recente, percebendo o a avanço da liberdade e dos setores revolucionários, as classes privilegiadas e os conservadores retomaram o poder amiúde por meio de golpes militares com amplo apoio dos oligopólios de comunicação de massa e das elites econômicas locais, gerando um grande retrocesso aos anseios dos governados, através da aplicação de ditaduras covardes e sangrentas.

Poderíamos lembrar e aprofundar as experiências de Salvador Allende no Chile, ou dos Sandinistas na Nicarágua, todavia o melhor exemplo é o da Venezuela por ser uma experiência mais recente e igualmente latino-americana. Trata-se do golpe de estado sofrido por Hugo Chávez em 2002. Naquele 11 de abril os meios de comunicação privados articulados com as forças golpistas fizeram intensa campanha clamando a população para às ruas preparando as bases do golpe que aconteceu naquela noite. Alguns autores denominaram o golpe de político-midiático.

Por fim, no Brasil também temos exemplos de articulação entre setores conservadores e grande mídia contra governos reformistas. Em 1964, Dreiffus descreveu toda a conspiração realizada entre a grande imprensa, militares, empresários e setores da igreja e elitistas em geral. Segundo suas teses, eles prepararam durante semanas a população para o golpe fazendo propaganda dos militares, apresentando-os como defensores da sociedade, da pátria e dos valores da família cristã. Ao mesmo tempo, ligavam o governo Goulart ao comunismo internacional, por uma ofensiva midiática através de mentiras e meias verdades depreciavam o conceito de igualdade entre os homens.

Entendemos que os últimos acontecimentos no Brasil podem ser diretamente associados aos exemplos supracitados, mas não pelos motivos que algumas pessoas equivocadamente tentam associar.

O país vive uma das maiores crises institucionais de sua história e temos visto análises absolutamente fora da realidade movidas por uma paixão cega que não colabora para o entendimento mais amplo da questão é ainda jogam uma cortina de fumaça sobre exatamente aquilo que devíamos estar discutindo. Aliás, como normalmente fazem os mais fanáticos torcedores de futebol, as pessoas estão defendendo posições políticas que visam meramente atacar o adversário, apresentando uma anuência descarada para os problemas do grupo político que defendem.

Com efeito, a Rede Globo vem formando uma massa de cientistas políticos que analisam a política brasileira a partir das conjecturas estabelecidas por William Bonner, seu principal guru intelectual, desnecessário comentar os problemas advindos dessas teses.

Por outro lado, os petistas, que outrora defenderam com todo rigor a chamada ética na política, abandonaram essa máxima e passaram a aceitar e praticar os princípios de Maquiavel, sem qualquer tipo de pudor, para justificar a chegada ao poder e a sua manutenção.

Em contraposição, buscaremos apresentar uma exposição fundamentada em alguns fatos ignorados por ambos os lados na briga institucional maniqueísta que se instaurou no país desde a campanha eleitoral de 2014. É necessário dizer que essa análise é realizada a partir do Rio de Janeiro, pois outra questão metodológica importante é admitirmos que a lógica paulista, por exemplo, possui aspectos idiossincráticos. [2]

Aqui jaz o primeiro alerta: não é possível discutir política no Brasil sem tocar no papel exercido pelos oligopólios de comunicação de massa e é por esse caminho que seguiremos por todo o artigo.

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