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Marchas contra a Austeridade no Rio de Janeiro – 11.11.16

Relato de uma mina moradora de favela sobre o ato realizado no Rio de Janeiro, no dia 11 novembro de 2016, contra as medidas de austeridade fiscal no estado e contra a PEC 241-55. 

11.11.16
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O ato se concentrou na Candelária e já estava cercado por policiais militares desde muito antes de começar a andar. Eles, os pms, estavam enfileirados por todo canto, devidamente armados com seus cacetetes, escudos e tudo o que têm direito. Ainda enquanto estávamos ali já chegavam informações de que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro -ALERJ, onde era o destino do ato, estava cercada por policiais também. A gente já sabia o que ia acontecer.

Andamos, palavras de ordem sendo ditas no carro de som, pessoas animadas durante o percurso até que conseguimos enxergar a escadaria e a ALERJ estava toda preta. Eram 4, eu diria até 5 fileiras de policiais nas escadas, logo na entrada do prédio. É como se eles já estivessem lá esperando a nossa chegada pra começar o “show” e assim foi feito.

A multidão se aglomerou, alguns se arriscaram a se aproximar da “escolta policial” que estava na escadaria mas a grande maioria observou de baixo, preferiu manter uma distância que fosse segura. Alguns fogos de artificio eram estourados durante a fala de algumas pessoas que estavam no carro de som, mas isso não estava impedindo o ato de começar ali. Num dado momento, enquanto estávamos parados ali, chegou pra nós a notícia de que a cavalaria da polícia havia chegado e estava montada em fileiras numa das laterais do ato (2016 ou 1964?). Enquanto isso, a tropa de choque da PMERJ estava ao lado oposto; estávamos cercados, quase um caldeirão Hamburgo. A gente tinha certeza sobre o que ia acontecer.

Um tempo depois as pessoas que estavam com o microfone do carro de som anunciaram o fim do ato. Vale ressaltar que pessoas do movimento ali representado haviam tentado agredir e criminalizar manifestantes, libertários e anarquistas, em atos anteriores, tendo relatos de que também estavam os entregando para policiais. Eles anunciaram o fim do ato mas deram o “start” para “brincadeira” da polícia começar. Foi ouvido um barulho, algo como uma bomba ou um rojão, e podíamos observar alguns policias descendo enfileirados pelas laterais das escadas da Alerj.

A movimentação de pessoas querendo sair dali foi imensa e mesmo assim eles partiram pra cima. Muita bomba de efeito moral, cavalaria indo pra cima de manifestantes mascarados, pessoas correndo pra todos os lados. Foi desesperador.

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Alguns amigos e eu entramos numa rua onde haviam bares e várias pessoas bebendo, comendo e afins. Ao ver o que tava rolando essas mesmas pessoas se levantaram e começaram a gritar palavras de ordem contra os policiais, o que foi mais um deixa pra eles agirem.

Tentávamos sair por várias outras ruas, mas em todas haviam cruzadas armadas pela polícia e a cada rua que entrávamos, sentíamos um cheiro muito forte de spray de pimenta, ouvíamos barulhos de bombas, sabíamos que em outro lugar eles estavam indo pra cima dos manifestantes. Até que conseguimos voltar pra ALERJ, onde haviam poucas pessoas, mas a cavalaria ainda se fazia presente jogando bomba e disparando em cima das pessoas.

11.11.16
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Tivemos que correr para não ficarmos sozinhos – nos perdemos e estávamos em três pessoas no inicio da confusão até então – no meio de todo aquele caos, achamos o grupo que estava conosco no inicio do ato e nos juntamos novamente. Enquanto corríamos, tínhamos consciência do que eles fariam se nos pegássemos numa minoria tão gritante. Eles nos perseguiram até a Candelária, continuaram jogando bombas e spray de pimenta na nossa direção, e chegando lá se agruparam na espera de terem outro motivo pra nos atacar.

O que a gente poderia fazer naqueles momentos além de correr? Eram as armas deles, armas que eles dizem ser não letais, mas ja cegaram várias pessoas, as forças deles, a suposta autoridade deles contra nós.

Quando nos acalmamos num lugar e eu consegui acompanhar as redes sociais, recebi a notícia de que duas amigas estavam cercadas dentro de um bar próximo de onde estávamos. Recebi a notícia de um midiativista que foi espancado. Recebi a notícia de pessoas feridas no hospital. Recebi fotos e vídeos de coisas que aconteceram enquanto eu procurava um lugar seguro pra ficar.

11.11.16
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E é doloroso tomar consciência do desfecho que uma manifestação toma. Manifestar é um direito nosso e SEMPRE é a mesma repressão. Dias atrás houve uma manifestação de Servidos Públicos onde policiais militares, policiais,  bombeiros e outros fizeram uma bagunça dentro do prédio da ALERJ. Que tipo de repressão sofreram? Não vi ninguém ferido, nenhuma bomba, nenhum tiro. Nada. O Estado com essas atitudes contra a população que luta pelos seus direitos acaba criando seu próprio inimigo e alimentando cada vez mais o ódio contra ele.

Dizem que a polícia do Rio de Janeiro não é bem preparada, eu descordo. Eles estão não muito bem preparados pra fazer todos os tipos de repressão contra as minorias e contra aqueles que dão o sangue e o suor na esperança de alguma mudança na nossa sociedade. E é por acreditar na mudança que gente não desiste, se amanhã tiver outro ato estaremos lá, estaremos juntos e estaremos prontos. Querem nos derrubar mas voltaremos mais fortes. Não vai ter arrego!

Que os ricos paguem a crise!

(AUSTERIDADE) Chamada para a luta contra a austeridade no Rio de Janeiro – Cinelândia 24 Junho às 18h

O Movimento Libertário Anti-Austeridade convida a todas e todos para uma roda de conversa na Cinelândia, próxima sexta-feira – 24 de junho às 18h. A proposta é discutirmos os efeitos da austeridade fiscal no Rio de Janeiro e construirmos, nas ruas, uma jornada de lutas que trave as imposições econômicas e políticas feitas contra os trabalhadores e trabalhadoras!

Hoje, 17 de Junho, três anos após a revolta da Alerj, fomos apresentados ao decreto de Calamidade Pública no Estado do Rio. Essa ação apenas ressalta a incapacidade dos administradores do poder público (legislativo, executivo e judiciário) frente uma crise que nunca foi nossa! Afinal, o Estado não está passando por uma crise: o Estado e seus vínculos corruptos com o dinheiro de empresas privadas são a crise!

Cabe a nós, trabalhadores e trabalhadoras, escolhermos qual caminho devemos seguir: o da resignação frente o assalto contra nossos direitos e nossos recursos ou a luta real (e não apenas imagética) contra o governo e as esferas de poder corruptas que hoje (e sempre!) nos escravizaram!

Não pague a conta! Estaremos sempre na rua!

Link: Chamada para a luta contra a austeridade no Rio de Janeiro

Manifesto: Manifesto Movimento Libertário Anti Austeridade

Evento Cinelândia 24/06 às 18h: Roda de Conversa sobre Austeridade no RJ

Movimento Libertário Anti  Austeridade

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(Artigo) COMPA: Nosso posicionamento frente a conjuntura nacional – opinião e perspectivas

Por Coletivo Mineiro Popular Anarquista (COMPA).

Retirado originalmente daqui.

1. Está em curso uma ofensiva da direita no Brasil, que vem conquistando mais espaço na política nacional.

Existe no país uma ofensiva de setores conservadores e de direita que estão em maior ou menor medida coordenados em várias frentes (parlamentar, poder judiciário, influências internacionais, centrais sindicais pelegas e vendidas, grupos empresariais e federações burguesas, veículos de mídia e imprensa, altas patentes militares, movimentos de redes sociais e de rua etc.) e que vem conquistando cada vez mais espaço na política nacional. Essa ofensiva mira intensificar a aplicação de um programa reacionário, neoliberal e conservador, que, embora tenha sido aplicado de forma tímida por meio do próprio governo petista, retirando o PT do poder nesse momento acelerarão sua aplicação, se dando de forma mais contundente e eficaz.

Assim, utilizam o PT e a “corrupção” como “bodes expiatórios” para atacar direitos históricos conquistados pelas lutas do povo pobre e trabalhador, bem como os programas sociais atuais. Elencamos alguns dos objetivos dessa ofensiva da direita:

  • Dentre os parlamentares e as grandes empresas envolvidas em corrupção, há um objetivo principal em colocar fim às investigações através do impeachment, constituindo um novo governo que controle a Polícia Federal, a grande imprensa, juízes federais e o Supremo Tribunal Federal, freando a Lava Jato e as demais investigações em curso;
  • Redução do Estado brasileiro, seguindo uma lógica neoliberal perversa;
  • Garantir que a economia nacional seja pautada pelos grandes bancos e submissa à política econômica nociva do FMI, Banco Mundial e outros perniciosos espoliadores internacionais;
  • Implementar uma política internacional submissa ao imperialismo estadunidense, servindo-se, como consequência, como um efetivo “QG político” do imperialismo na América Latina;
  • Privatização das maiores estatais, especialmente a Petrobras.
  • Passar a cobrar ou privatizar os serviços públicos (saúde – SUS, educação, segurança – presídios, etc.);
  • Flexibilização das leis trabalhistas e consequente prejuízo depositado nas costas dos trabalhadores (terceirização, priorização das convenções coletivas em relação à CLT, revisão da lei do trabalho escravo, aposentadoria para mulheres e homens em igual idade, a despeito da sobrecarga de trabalho por parte das mulheres, que na maioria das vezes é responsável também pelo trabalho doméstico e cuidados com os filhos);
  • Corte de direitos constituídos (por exemplo, a revisão de demarcação de terras indígenas, não demarcação das terras quilombolas; completa ausência de políticas voltadas à diversidade de orientações sexuais; etc.);
  • Corte (gradual ou instantâneo) dos programas sociais do governo (Bolsa Família; Fies; Pronatec; Minha Casa, Minha Vida; Minha Casa Minha Vida-Entidades; Mais Médicos, dentre outros).
  • Acentuar a “policialização” do Estado brasileiro ampliando o monitoramento, a repressão e a criminalização aos movimentos sociais e de esquerda e uma propaganda ideológica de que esquerda é sinônimo de corrupção, crime, baderna;
  • Impulsionar uma política conservadora e retrógrada nas escolas, minando as discussões sobre política, gênero, raça etc., impulsionando conceitos preconceituosos e intolerantes.

Dentre outros objetivos perversos.

Buscando atingir esses objetivos, a direita vem ganhando corpo, espaço e conquistando sucessivas vitórias na política nacional, seja no parlamento ou no campo ideológico, escondendo-se por trás da máscara da “anti-corrupção”, do “anti-petismo” ou mesmo do primitivo (mas preocupante) “anti-comunismo”.

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(Grécia) Por que eu vou votar “não” no plebiscito grego de Domingo

Em sua essência, a questão de domingo é uma de dignidade e sobre nossas vidas a partir desse momento.

Por Antonis Vradis

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Marcha pelo “não” em Atenas

O plebiscito de domingo não é sobre um detalhe fiscal ou outro, um acordo ruim ou outro menos pior. Na sua essência, a questão de domingo é sobre dignidade e sobre nossas vidas a partir desse momento.

É sobre a dignidade para acabar com as gangues de colarinho branco que fizeram com que a até então desprezível face do poder político parecesse bem intencionado e inocente. E é sobre uma questão de saber se nós (enquanto indivíduos, não essa ideia estranha de “povo”: mais sobre isso daqui a um momento) queremos continuar vivendo uma vida de incertezas excruciantes, ultimatos e emergências intermináveis, de humilhação e tristeza.

É uma questão que aqueles entre nós sortudos os suficientes para chegarem nas urnas terão que responder por aqueles que não conseguiram chegar. É por isso que eu, se o plebiscito for adiante, vou votar pela primeira vez na minha vida. Eu vou votar pelos meus amigos e familiares afugentados e a que foi negada a capacidade de viver aqui. Eu vou votar por um amigo querido que decidiu, nas horas mais escuras da crise, que a sua vida não valia ser vivida. Vou votar na esperança que assim ajudarei a fazer com que as vidas da gangue do mercado se tornem verdadeiramente inviáveis.

Como um anarquista, não tenho nenhuma fé no sistema de representação eleitoral, nem tenho vontade de entregar minhas demandas políticas para qualquer líder, por qualquer período de tempo. Mas isso não é o que esse plebiscito irá fazer. Seja ele um plano bem orquestrado pelo Syriza para fazer as pessoas engolirem o remédio da austeridade, o seu blefe já foi lançado. Com certeza, o voto “não” no domingo não irá garantir que mais um outro programa de austeridade não se siga a esse. Mas nós iremos lidar com isso se e quando tal programa chegar. E com certeza, ao votar “não” nós não temos nenhuma ideia para o que nós estamos votando “sim”.

Mas eu tenho uma ideia bem clara para quem o meu “não” se dirige. Esse “não” vai para o mercado, essa força onipresente que nós permitimos permear mesmo os nossos espaços mais íntimos, mesmo os mais internos, as fundações basilares de nossa existência. Vai para a escória parasitária em ternos e gravatas, os padres da ortodoxia bancária e sua pomposa e arrogante crença de que eles podem se manter comandando o show para sempre.

Não, vocês não podem. O voto vai para aqueles que estão alimentando o nacionalismo na Europa, vai contra a invocação do Syriza de um “povo” grego. Existe tal coisa como o “povo”? Claro que não; eu não tenho nenhuma ideia do que essa ideia significa. Onde se encontra qualquer comunalidade? Na língua que nós falamos? Nos espaços que nós habitamos? Nossos interesses são de alguma forma compatíveis, ou ao menos comuns, com a escória parasitária sugando o sangue para fora de nossas próprias vidas?

A esquerda nesses cantos, e no continente como um todo, será historicamente responsável por colocar essa ideia para frente, por alimentar nacionalismos, por ajudar a formar um ambiente onde em que a mais a mais desprezível das ideologias da extrema-direita pode prosperar. Nossas comunalidades não estão na língua, nossos laços não dependem de nossas proximidades físicas.

Há não muito tempo atrás nós conseguimos desenvolver um movimento anti-capitalista nesse continente baseado na seguinte compreensão: nós estamos no caminho de criar uma consciência política da Europa como um espaço comum. Esse “não” é uma homenagem ao nosso legado comum anti-capitalista e anti-autoritário, legado este que foi esmagado nesse cenário de emergência permanente e governo mercantil.

Agora é quando nós começamos a reimaginar nossas comunalidades e interesses trans-fronteiriços, agora é quando nós expomos nossos inimigos dentro e fora das fronteiras por aquilo que são, agora é quando nós trazemos para baixo a fachada do mercado e da unidade nacional. E tudo começa com esse “não”.

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Manifestante queima bandeira da União Européia em marcha pelo “não”

Texto originalmente publicado em inglês no portal Open Democracy e repassado pelo ativista Antonis Vradis para tradução e publicação na Rede de Informações Anarquistas.

Versão em inglês:

Sunday’s referendum vote is not about one fiscal detail or another, a bad agreement or one that is less so. In its essence, Sunday’s question is about dignity and our lives from this point on.

It is about the dignity to do away with the criminal gang-in-suits that has made even the otherwise despicable face of political power appear well-intended and innocent. And it is a question of whether we (as individuals, not as this weird idea of “a people”: more on this in a second) want to continue living a life of excruciating uncertainty, never-ending ultimatums and emergencies, of humiliation and sorrow.

It is a question those of us lucky enough to have made it to the ballot box will have to answer for those who didn’t make it. This is why, should the referendum go ahead, I will be casting a vote, for the first time in my life. I will be voting for my friends and family chased away and denied the capacity to live over here. I will be voting for my dear friend who decided, in the darkest hours of the crisis, that his was a life not worth living. I will be voting in the hope that doing so will help make the lives of the criminal market gang truly unlivable.

As an anarchist, I have no faith in the system of electoral representation, nor do I have the will to surrender my political demands to any leader, for any amount of time. But this is not what this referendum will do. Should this be a well-orchestrated plan on the side of Syriza to let people swallow the austerity medicine, their bluff is already called. Sure enough, a ‘no’ vote on Sunday doesn’t guarantee that yet another austerity programme won’t follow. But we’ll deal with that if and when it comes. And sure, in voting ‘no’ we have no idea what we are actually voting ‘yes’ to.

But I have a pretty good idea who my ‘no’ will go out to. This ‘no’ will go out to the market, this ubiquitous force we have allowed to permeate even the most intimate of our spaces, even the innermost, the core foundations of our existence. It will go out to the parasite scum in suits and ties, the priests of the banking orthodoxy and their pompous, arrogant belief that they can keep running the show, for ever.

No, you can’t. It will go out to those fueling nationalism in Europe, it will go out against Syriza’s invocation of a Greek “people”. Is there such a thing as a “people”? Of course not; I am not sure what the idea even means. Where does any such commonality lie? Is it in the language that we speak? In the spaces that we inhabit? Are our interests in any way compatible, let alone common, with the parasitic scum sucking the blood out of our very lives?

The Left on these shores, and in the continent as a whole, will be historically liable for putting this idea forward, for fueling nationalisms, for helping form an environment in which the most despicable of far-right ideologies can thrive. Our commonalities do not lie in language, our bonds do not depend upon our physical proximities.

Not too many years ago, we succeeded in developing an anti-capitalist movement on this continent based on this understanding: we were on course in creating a political consciousness of Europe as a common space. This ‘no’ is a homage to our common anti-capitalist, anti-authoritarian legacy, one that was crushed in this landscape of permanent emergency and market rule.

This is when we start re-imagining our cross-border commonalities and interests, this is when we expose our enemies within and beyond borders for what they are, this is when we bring down the facade of the market and national unity. And it all starts with this ‘no’.

Austeridade no Brasil: uma realidade inegável!

Na prática econômica, uma medida de austeridade fiscal tem por objetivo cortar gastos, endurecer o uso das verbas visando o reequilíbrio econômico de um sistema. Em teoria, o governo lança mão de recursos austeros na sua economia para favorecer a circulação de dinheiro, o que significa injetar mais recursos nas mãos de quem produz/detém capital e diminuir o uso do tesouro público com gastos que não geram retorno financeiro imediato. Porém, a prática é outra e muito mais agressiva à sociedade, principalmente aos mais pobres!

Numa realidade liberal como a que vivemos, apesar do governo brasileiro insistir na máscara do populismo, a austeridade fiscal corta imediatamente gastos de setores sociais e garantem, a todo custo, a manutenção do lucro de bancos e grandes empresas, os verdadeiros financiadores de todo o sistema. A realidade, que não é somente brasileira, mostra como o Estado está cada vez mais preso às dinâmicas econômicas de seus financiadores. Nenhuma política é elaborada sem passar pelo crivo daqueles que irão pagar parte da conta visando um retorno bem maior do que foi investido. E assim a máquina pública segue refém da voracidade capitalista.

É exatamente nesse quadro de grandes interesses atravessados às reais necessidades da população que assistimos a degradação diária da Educação no Brasil, por exemplo. Não adianta mais negar a adoção de pacotes que visam a austeridade fiscal no Brasil. Os governos, independente da esfera de poder e partido político, fazem esse exercício há anos, na tentativa de aproveitar a falta de atenção da população para o problema enquanto enriquecem seus próprios bolsos e os fundos bancários de seus financiadores. Mas uma hora a conta chega, a fumaça esvai-se e as mentiras (lembram-se da “marolinha”?) encontram seu fim. Nesse contexto, 2015 já pode entrar para a história recente do Brasil com uma enorme contradição: como pode um país ser pátria educadora com tantos cortes de verbas no setor da Educação espalhadas por cidades/capitais Brasil afora?

No Paraná, desde o anúncio dessas medidas pelo governador Beto Richa, que ficaram conhecidas como “pacotaço”, milhares de servidores públicos iniciaram mobilizações por todo o estado. Em nome dessa austeridade, Richa retiraria mais de 8 de reais do Fundo Previdenciário Estadual, recurso este destinado ao pagamento de servidores ativos. Somado a esse anúncio, inúmeros outros rombos nas contas públicas levaram os profissionais da Educação, um dos setores mais afetados pelo pacotaço, junto a outros servidores à ocuparem a ALEP – Assembleia Legislativa do Paraná. Com a ocupação, o pacotaço caiu. Porém a greve seguiu, uma vez que os cortes orçamentários na educação foram mantidos. No dia 25 de Fevereiro, mais de 50 mil pessoas tomaram as ruas de Curitiba em defesa da Educação no estado.

Ocupação da ALEP – 12/02/2015

Situação similar acontece no Rio Janeiro, mesmo após a histórica greve da educação em 2013, que reuniu, pela primeira vez em anos, profissionais da esfera estadual e municipal. No Rio, o governador Pezão já anuncia desde o início do ano que fará cortes orçamentários em suas secretarias. A estimativa é de que a tesoura nos gastos chegue à mais de 8 bilhões de reais. Entretanto, nenhum detalhe sobre quais áreas, especificamente, receberão esse reajuste foi liberado até o momento. Ainda assim, Pezão começa a demonstrar publicamente a falência de sua gestão, uma vez que já confirmou à imprensa que depende do Tribunal de Justiça para conseguir pagar os aposentados e pensionistas do Rio de Janeiro. Numa análise otimista, o dinheiro duraria alguns meses antes do governo declarar falência em seus cofres.

Mais uma vez, a educação volta a sentir a austeridade no Rio! Pezão cortou mais de 114 milhões de reais em verbas para as universidades estaduais (UERJ, UEZO e UENF). Dessas, a UERJ é a que mais sofre com a tesoura na educação, pois vem enfrentando crises administrativas, atrasos no pagamento das bolsas aos estudantes e aos funcionários terceirizados que trabalham no campus, principalmente nos setor de limpeza. Ainda assim, o governador, aliado ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro e com aval do governo federal, parecem estar longe de cortar os gastos com obras para eventos faraônicos (como as Olimpíadas em 2016), grandes remoções e militarização das favelas.

Ainda no setor da educação, o Rio conta com outra situação, desta vez na esfera federal: a UFRJ já enfrenta uma crise em relação às verbas. Após anúncio oficial do pedido de desligamento da Superintendência Geral de Políticas Estudantis, o professor Ericksson Rocha e sua equipe deixaram a pasta e publicaram uma carta aberta à comunidade acadêmica, onde deixa claro seu descontentamento com a falta de atenção dada pela administração da universidade às políticas de assistência estudantil. Vale lembrar que a UFRJ, assim como todas as universidades em âmbito federal, devem seguir o decreto Nº 7.234, de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES. Muitos estudantes da instituição ainda não tomaram conhecimento do fato, assim como também não estão cientes dos ajustes já anunciados em relação à assistência que visa auxiliar a permanência dos ingressos durante o primeiro ano letivo. Atualmente, a UFRJ encontra-se numa situação que, no mínimo, merece a atenção de seus estudantes, professores e técnicos-administrativos, uma vez que o calendário acadêmico teve início adiado em uma semana por falta de pagamento ao serviço terceirizado responsável pela limpeza das dependências da universidade (problema semelhante que levou a UERJ ao antecipar, vergonhosamente, o final do período letivo em 2014. Lá os funcionários da limpeza iniciaram uma greve).

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Manifestação dos profissionais terceirizados da UERJ – 29/01/2015
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Comunicado na página da SUPEREST sobre o reajuste (fim) da bolsa de acesso de permanência da UFRJ.

Esse quadro generalizado de cortes em verbas de setores que não geram capital imediato aos interesses dos governantes nos deixa uma inquietante pergunta: à quem servirá esse sistema? Certamente não será aos interesses da população, que vê seu dia-a-dia ficar cada vez mais caro e limitado. Num ano onde o grande fantasma dos parlamentares ainda é a falta sistemática de água no país, parece-nos, cada vez mais, que os governos estão interessados em tentar maquiar a austeridade, favorável à manutenção do capital na mão dos poucos produtores, para tentar impedir qualquer mobilização popular que conteste a ordem das coisas.

Todas essas medidas demonstram quem o Estado está longe de ser um protetorado às causas mais populares e necessárias a um desenvolvimento social justo e igualitário. Seus defensores, muitos ainda pautados por Keynes, por exemplo, acreditam ser a austeridade uma forma de intervenção estatal para salvaguardar os interesses da população. Mas nós perguntamos: que interesses? A quem interessa o aumento constante nos preços dos bens de consumo básico à vida de qualquer cidadão brasileiro ao mesmo tempo que assistimos direitos trabalhistas serem alterados? A quem interessa governos sem transparência real nos gastos públicos enquanto valores no setor de transporte público aumentam em todas as capitais brasileiras?

Seja na Europa, seja na América Latina: o Estado tende a falhar na sua proposta social através de seus interesses econômicos. Não importa se há bem-estar-social ou populismo, enquanto não houver uma compreensão real da necessidade de que todos os cidadãos de uma localidade devem ter acesso às máquinas de produção e participação direta nas decisões políticas de seu espaço, toda e qualquer intervenção será autoritária e terá como princípio resguardar os interesses de pequenos grupos de produtores em detrimento da sociedade. O Estado brasileiro já está dando sinais de sua limitada compreensão econômica em termos territoriais ao aprovar medidas que fazem prevalecer o sucesso dos mesmos grupos empresariais do eixo sul-sudeste. A nós, resta a organização contínua e manutenção das lutas contra esse modelo neo-desenvolvimentista, que pauta apenas o lucro dos grandes financiadores de partidos políticos, independente destes estarem no governo ou na oposição.