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(Salvador) Campanha financeira do jornal anarquista Café Preto

O Café Preto é um jornal popular sediado na cidade de Salvador-BA que surge da necessidade de noticiar um mundo tornado invisível, um mundo de lutas e resistências. Queremos noticiar os conflitos territoriais, desde as lutas quilombolas até as reivindicações dos trabalhadores nas periferias das cidades. Queremos questionar a história oficial da Bahia, sempre contada a partir de um olhar colonizador, e que insiste em vender a imagem do sempre feliz, satisfeito, e acolhedor povo baiano.

Para mostrar o outro lado da história, repleta de belas lutas e tristes fatos, é que surge o Café Preto, um jornal anarquista, que dialoga e constrói ombro a ombro uma outra perspectiva de comunicação.

Somos um jornal voltado para o público popular, desta forma seria contraditório cobrarmos a sua distribuição.

Até aqui temos colocado em prática a ajuda-mútua e o faça-você-mesmo para tocar nossas atividades, e para mantermos a sustentabilidade financeira do jornal, precisamos de
mais companheiros e companheiras nesta correria.

Diante disto, estamos aqui buscando ampliar nossa rede de cooperação entre aquelas e aqueles que simpatizam com o sabor do Café Preto. Precisamos da sua ajuda para complementar o pagamento dos nossos custos, pois o cobrador já já baterá às nossas portas.

Mas como funciona este jornal?

Como qualquer outro jornal, temos um objetivo maior de existência. Acreditamos que um outro mundo é possível, um mundo diverso e repleto de solidariedade, de apoio-mútuo, autonomia, horizontalidade e liberdade.

Funcionamos de forma autogestionária, sem hierarquias e extremamente organizada, onde todos exercem a democracia de forma direta, livre e solidária, desde a seleção das pautas, passando pela redação das matérias, a elaboração de fotografias e até a confecção de vídeos e a diagramação das versões impressas e online do jornal.

Buscamos utilizcafé pretoar uma linguagem popular e simples, abordando temas de extrema complexidade e do interesse da população baiana, sem perder a profundidade necessária para instigar uma análise crítica dos fatos apresentados. Tentamos dar visibilidade às lutas ocultas que a grande mídia corporativa jamais terá interesse em noticiar. Priorizamos a distribuição nas ruas, nos meios populares, nas periferias urbanas, nas comunidades rurais, mas também não esquecemos o nosso público antenado no meio digital. Dessa forma, além do nosso Jornal impresso, auto-gerimos uma página oficial, uma página de facebook e um canal no youtube.

Quais são os custos de produção?

Muitos! Até agora, alguns dos nossos custos principais são::

Custo por edição

  • Toner (recarga): R$ 250,00
  • Manutenção (Peças, mão-de-obra…): R$ 250,00
  • Papel para impressão: R$ 100,00
  • Operacional (transporte, alimentação…): R$ 150,00

TOTAL: R$ 750,00

Investimentos iniciais

  • Impressora: R$ 3.153,86

Investimentos futuros

  • Toldo (Distribuição do Jornal nas ruas, realização de eventos…): R$ 139,00
  • Câmera Digital: R$900
  • Tripé: R$100
  • Microfone Gravador: R$300
  • Sede?? =D

Como posso ajudar?

Como você viu, nossos custos são bem altos, então você pode nos ajudar fazendo uma doação mensal no valor que couber no seu bolso! Veja abaixo um passo a passo de como fazer isso:

Caso você não tenha um telefone fixo ou celular, pode colocar um número aleatório para completar o cadastro. O mesmo vale para o caso de você ter dificuldade de preencher qualquer um dos demais campos obrigatórios de cadastro.

Se a situação estiver difícil e não puder contribuir, tudo bem, você pode ajudar na divulgação do Jornal, nos ajudando com materiais (textos, imagens, vídeos) e, até mesmo, fazendo parte da construção desse cafezinho. O Café Preto agradece e fortalece!

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(Comunicado) Hoje talvez seja o dia para doar ao Riseup

Queridas pessoas que usam Riseup:

Saudações para você, você e você! Esta é nossa campanha anual de arrecadação de fundos, na qual esperamos sua doação para manter o Riseup em atividade durante nosso 16º de existência. Este está sendo um ano bruto com o vazamento da espionagem governamental e corporativa, e já que finalmente não precisamos mais provar para todo mundo porque existimos, estamos também servindo um número enorme de novas pessoas que se encheram dos serviços corporativos. Adicione a isso os custos de fazer algumas atualizações importantes de segurança no nosso sistema, e enfim, precisamos de dinheiro.

Para doar, clique aqui.

Primeiro, porém, aqui está como vemos nosso trabalho no Riseup: existem muitos projetos bonitos e necessários nesta longa marcha mundial rumo à liberdade e justiça, e nós somos uma pequena mas importante peça que promove o direito das pessoas e organizações de cochicho. Nem todo mundo precisa de privacidade o tempo todo, mas mobilizações contra ditaduras, organizar ações diretas contra multinacionais, e autonomia jornalística são apenas alguns exemplos nos quais a privacidade é essencial. Como sabemos, essa privacidade está sendo sistematicamente atacada. A forma como Riseup luta contra isto é provendo boa segurança embutida em nossos serviços o tempo todo. Assim, quando precisar de privacidade, não carece mudar seus meios de comunicação (embora você pode ainda usar outras medidas de segurança, como GPG).

O coletivo de Riseup gosta muito de construir infraestruturas tecnológicas alternativas que em suas raízes são inteligentes frente à vigilância e segurança. Amamos providenciar sistemas de ajuda que solucionam qualquer problema ou questão que você tenha. Adoramos passar nosso sábado fuçando e atualizando na salinha quente e barulhenta onde os servidores ficam e voltar para casa cheirando a metal pesado. Num acordo de ajuda mútua, não cobramos por nossos serviços, mesmo eles custando muito em tempo e dinheiro. Em contrapartida, nós dependemos daqueles que, dentre vocês, podem doar dinheiro. De tempos em tempos, vocês todos tem sido incrivelmente generosos em nos apoiar. Neste ano, precisamos de US$ 75.000 para cobrir as despesas dos nossos servidores e trabalhos.

Então, saudações para você, sim você, grande no coração e nos sonhos! Qualquer doação é maravilhosa, mas podemos sugerir uma contribuição mensal de 5 a 25 dólares estado-unidenses ou uma doação única de 15 a 100 dólares? Isto seria demais!

Quando você doa para Riseup, saiba que também está apoiando uma grande parte de pessoas que dependem de nossos serviços e não tem condições de nos dar dinheiro. Muitas vivem no chamado sul global, ou seja, países financeiramente saqueados pelo imperialismo e neoliberalismo, e preferimos e orientamos que se estiver nessa situação, doe para coletivos tecnológicos locais. Da mesma forma, muitas pessoas lidam com a devastação da pobreza. Não esperamos e nem pedimos para vocês, usuários e usuárias nestas condições para doar. Mas para todos os outros que podem trocar um pouco de ajuda mútua conosco, seu dinheiro não só apoiará nosso trabalho, mas a grande base de ativistas que damos suporte.

E, por fim, por favor, notem que não pedimos por doações levianamente. Para cada dinheiro doado, há muitos gastos nos quais eles podem ser destinados. Se puder doar para nós, saiba que cada dólar vai para membros do coletivo e/ou contas a pagar. Estaremos te azucrinando com mais alguns e-mail ao longo do próximo mês, não porque achamos isso divertido, mas porque realmente queremos continuar sendo parte das grandes lutas vitais do planeta das quais todos vocês fazem parte também.

Com amor,

A passarada Riseup

Há muitas formas de nos dar dinheir! Bitcoins! Gold dubloons! Ou, você sabe, Paypal ou transferências eletrônicas.

Para doar, clique aqui.

riseup.net-inline

(Artigo) Relato de como um gago se tornou anarquista

9413184Eu tinha apenas 10 anos quando comecei a compreender o que é ser uma pessoa gaga em uma sociedade discriminatória como a nossa. Apesar de, cedo assim, ter sofrido com as mazelas dessa conscientização, o curioso é notar que sempre fui gago, desde a primeira palavra falada, mas só anos depois, na sempre complicada transição entre infância e adolescência, que tal fato passou a ser um problema. Hoje o motivo por trás disso mostra-se claro como nunca. Algo havia mudado, não só para mim, mas para todas as pessoas que me cercavam.

Quando criança, mesmo estando apenas no começo do tratamento fonoaudiológico – onde minha fluência ainda estava longe da “ideal” –, a convivência com as outras crianças era leve e doce. A gagueira acentuada que portava não me impedia de ser uma criança normal, alegre e viva, cheia de amizades que me renderam boas lembranças. A fala não era um problema. Até hoje me recordo de uma situação onde, mesmo gaguejando, assumi a frente de uma apresentação escolar para pais e mães quando o restante do meu grupo ficou acuado diante da audiência. Fui aplaudido. A gagueira não era uma questão nem para mim, nem para os meus colegas. Contudo, ao entrar na adolescência, tudo mudou.

O motivo por trás disso busco nos escritos do geógrafo russo Piotr Kropotkin. “O que a gagueira e um teórico anarquista teriam a ver”, você provavelmente deve estar se perguntando. A resposta está em uma única palavra, cooperação. Kropotkin acreditava que a tendência natural de todo ser vivo, não só o humano, é a cooperação e o apoio mútuo. Baseado em suas experiências durante uma excursão científica na Manchúria e na Sibéria, argumentou que a competição agressiva por meio da seleção natural não é o principal fator para a evolução, como muitos darwinistas defendiam. Em seu livro Ajuda Mútua: Um Fator de Evolução, ao examinar evidências de cooperação em comunidades animais, sociedades pré-feudais e cidades medievais, o anarquista demonstrou que, embora a competição exista, o mutualismo e a cooperação são as principais forças a garantir a sobrevivência e a evolução de um grupo como todo.

É com base nessa ideia que acredito que a cooperação e o coletivismo presente entre as crianças nos espaços que circulei durante a infância foram cruciais para que eu pudesse me sentir parte integrante do grupo, como qualquer outra criança, independente das heterogeneidades existentes. No entanto, isso foi sendo modificado gradualmente conforme essas crianças eram sociabilizadas enquanto indivíduos que devem exercer uma função dentro de uma sociedade capitalista, sociedade a qual valores como competitividade e individualismo são predominantes. Utilizando o palavreado de Foucault, tais sujeitos foram sendo domesticados, se transformando em corpos dóceis, pois a escola e a família são instituições de poder e controle. A antes cooperação coletiva deu lugar a uma busca implacável por status e poder onde os indivíduos que não se encaixavam nos padrões ideais vigentes, como eu, acabavam sendo marginalizados, sofrendo, assim, com a humilhação cotidiana. Em uma sociedade que possui a capacidade retórica e a eloquência como virtudes que devem ser incansavelmente estimuladas, um gago não tem vez, nem voz. Foi nesse contexto que a gagueira passou a ser um problema.

Essa é a história de como fui transformado em um pária. Pois uma pessoa sem voz fluente é uma pessoa incapaz de exercer uma função social e, portanto, deve ser estigmatizada e posta a margem. Tal fato afeta drasticamente o desenvolvimento subjetivo de um indivíduo. Foram poucos os casos de preconceito explícito que sofri; a maior parte da discriminação vivenciada por pessoas gagas opera sutilmente. Porém, esses poucos casos se encontram bastante vívidos em minha memória. Desde uma paixão juvenil que justificou sua recusa por “ele é gago”, passando por um policial que, durante uma dura, me humilhou quando respondi a uma pergunta, chegando ao dia que uma pessoa que tinha como amiga me imitou pejorativamente diante do nosso grupo apenas para ganhar algumas gargalhadas. Isso sem contar nos inúmeros apelidos jocosos (quem se lembra do personagem Gaguinho das séries de animação Looney Tunes, o porquinho cuja gagueira era sua principal característica vendida como piada?), nas pessoas que perdiam a paciência quando não conseguia terminar uma frase e nas atenções que se desviavam quando eu começava a falar. Explícita ou sutil, a discriminação que sofri causou um agressivo impacto na minha personalidade.

A consequência disso foi um isolamento social quase que total que enfrentei por quase dez anos. Tudo isso fez com que a antes criança sociável, extrovertida e brincalhona se transformasse em um adolescente infeliz, solitário e tímido. Não que isso tivesse alterado, de fato, minha personalidade; mas o casulo o qual foi me imposto a aprisionou, impossibilitou a livre expressão do meu ser, fez com que eu ficasse preso dentro do meu próprio mundo. Acabei por desenvolver um estado depressivo que perdura até hoje. Felizmente, depois de 15 anos de tratamento fonoaudiológico, recebi alta há alguns anos atrás. Sempre acreditei que quando esse dia chegasse todos os meus problemas estariam resolvidos. Estava enganado. A discriminação e o consequente isolamento social não foram a pior parte. Como dito, as implicações subjetivas de uma opressão são terríveis. Aqui entra em cena algo que Bourdieu chamou em sua obra A Dominação Masculina de violência simbólica, uma violência que, a grosso modo, faz com que o oprimido passe a adotar os padrões do opressor.

Pois por mais que o tratamento tenha me fornecido as técnicas necessárias para melhorar a minha fluência e controlar a gagueira, ele possui um grave problema. Se sempre fui gago, por que só depois de anos a minha “deficiência” passou a ser uma questão? O tratamento fonoaudiológico falha em responder isso pois as suas premissas estão centradas em uma reabilitação do paciente, deixando de problematizar as pressões coercitivas da sociedade as quais esse paciente sofre. Em suma, a lógica é a de que há algo de “errado” com a pessoa gaga e que, portanto, tal pessoa necessita ser “curada”, ao invés de contextualizar e demonstrar que, na verdade, se há alguém que porta alguma “doença”, é a própria sociedade que marginaliza esse paciente. Devemos aprender a falar “direito” se quisermos ser ouvidos. Paralelos podem ser feitos aqui com outros tipos de opressões nas quais, por exemplo, a pessoa negra que deve “embranquecer” para não sofrer racismo, a mulher que deve se “vestir melhor” para não ser estuprada, o gay que deve “não dar pinta” para não ser espancado, entre tantos outros.

quem é perfeito
Afinal, quem é perfeito?

Tal reflexão provém de um feliz encontro. No começo do ano, tive a oportunidade de cruzar caminho com um potente texto chamado Não ao Tratamento Fonoaudiológico, o qual me fez começar a questionar o meu próprio tratamento. O que ele coloca é simples e direto: a de que a corrente dominante na fonoaudiologia compartilha de uma “presunção equivocada que é a minha gagueira, e não o preconceito do ouvinte, que causa a minha dificuldade de me comunicar”. Voltando para a minha infância, essa afirmação é ilustrada pela constatação de que, mesmo sendo gago, nunca tive dificuldade de me comunicar com as outras crianças; tal dificuldade só emergiu quando essas crianças foram coagidas a se transformarem em jovens preconceituosos e intolerantes. Ao centrar o problema no paciente, o tratamento faz com que a pessoa gaga passe a acreditar que a culpa é dela, e não dos indivíduos que a rodeiam. Esse é o principal resultado da violência simbólica. Tanto o fetiche pela perfeição oratória quanto os métodos equivocados da fonoaudiologia fazem com que a vítima não só seja culpabilizada, como passe a se sentir culpada.

Para melhor entender a crítica a fonoaudiologia, no site onde foi originalmente publicado o texto supracitado, intitulado Did I Stutter?, um manifesto foi lançado. Em determinado trecho desse manifesto o seguinte é dito:

A fonoaudiologia, a neurobiologia e a psicologia não estão dizendo toda a verdade sobre a gagueira. Foi-nos dito que a gagueira é uma coisa, um defeito biológico e médico dentro de nossos corpos; que pode ser visualizada através de tomografias, calculada usando medidores de fluências e gerenciada através de terapia: é um problema a ser consertado.

Nós discordamos. Nós nos recusamos a deixar que nossos corpos e nosso discurso sejam definidos por peritos médicos e científicos.

(…) Logo, a experiência que nós chamamos de gagueira não pode ser explicada apenas como uma mera dificuldade de vocalizar certas palavras, mas deve ser fundamentalmente entendida como uma discriminação contra formas disfluentes de comunicação e de utilização do nosso corpo.

A gagueira é apenas um problema – de fato, é somente anormal – porque a nossa cultura coloca tanto valor na eficiência e no autodomínio. A gagueira quebra a comunicação apenas por conta de noções capacitistas que decidiram de antemão o quão rápido e fluente uma pessoa deve falar para ser ouvida e levada a sério. Uma linha arbitrária foi desenhada ao redor do discurso “normal” e essa linha é vigorosamente defendida.

É justamente por essa pressuposição da gagueira como defeito que, mesmo após ter recebido alta da minha fonoaudióloga, eu estava longe de superar os meus demônios. Imagine você, fazer um tratamento por 15 anos com a promessa de que, no final, tudo vai ser resolvido, mas quando a alta finalmente chega, descobre que os seus problemas só estão começando. Sofri com o isolamento e com a discriminação, as consequentes mudanças de personalidade afetaram nocivamente a relação com a minha família, não só tive que conviver com a depressão, como ela era ainda interpretada como uma “preguiça” ou uma “fase”’ – o que fez me sentir ainda mais culpado pelo meu estado –, passei a ter acessos de raiva e de fúria na qual agredia sem motivo colegas próximos, era incapaz de conversar com pessoas estranhas, sendo obrigado a pedir para outros a falarem por mim, tive que conviver com a noção de que a minha gagueira era sinal de algum desequilíbrio emocional ou intelectual, cheguei até mesmo a tentar o suicídio. Fui silenciado, literal e simbolicamente. Tudo isso com apenas 14, 15 anos de idade. Mesmo assim, os meus problemas estavam longe de acabar.

Estavam longo de acabar pois, primeiro, não existe “cura” para a gagueira. Todo gago será gago até morrer; o que existe são técnicas que ele pode aprender para controlar a sua fluência a um nível onde a gagueira torna-se quase que imperceptível, mas o esforço necessário para falar sempre será muito maior do que uma pessoa não-gaga necessita. Falar para mim é extremamente cansativo, tudo porque se eu não falar “direito” não serei ouvido. Segundo, e mais importante, o sentimento de que havia algo de errado comigo, o qual a fonoaudiologia auxiliou a construir, criou raízes profundas na minha psique que determinaram profundamente a percepção que tenho de mim e do mundo. Tais fatos levaram a, dois anos depois de receber alta do tratamento, em 2013, eu tivesse que enfrentar a minha primeira crise severa depressiva da qual estou me recuperando até hoje a base de medicação e de tratamento psiquiátrico.

Tamanha foi a crise que ela me afetou no cumprimento de alguns prazos da minha pesquisa acadêmica. Para justificar, abri o jogo com o professor. A resposta que ouvi levou lágrimas aos meus olhos. Pois, para ela, eu tinha total condições de lidar com a minha condição por ser uma pessoa de classe média com uma família bem-estruturada, e de que o meu real problema era falta de disciplina – sim, eu, como homem branco de classe média e cis, sou privilegiado em muitos aspectos, aspectos esses que me beneficiaram em muito (como na condição financeira necessária para ter acesso a um bom tratamento fonoaudiológico ou no fato de que, mesmo sendo gago, ainda ocupo um lugar privilegiado de fala por ser homem), mas que não anulam a opressão que vivi. Mais uma vez, a culpa é da vítima. Não bastasse ter que lidar com a pressão incessante de adquirir uma “fala perfeita”, ainda tenho que me sentir responsabilizado pela depressão causada por essa pressão. Como se a culpa fosse das pessoas depressivas, e não da sociabilidade típica de sociedades capitalistas, caracteristicamente destrutiva e esquizofrênica; compartilho, dessarte, da noção de que muitas das patologias mentais que são tratadas como “doenças psicológicas” são, na verdade, frutos do modo doentio como vivemos em sociedade.

Queria eu essa ser uma história sobre superação. Não é. Ainda enfrento a depressão; uma parte de mim ainda acredita que a culpa é minha; nos momentos mais sombrios, o desejo dormente de não ter nascido gago ainda me assombra. A recusa em me aceitar é tanta que há pouco tempo percebi que, quando cruzo com outra pessoa gaga, não consigo me concentrar para ouvi-la e logo perco a paciência. De certa forma, oprimo o meu próprio par – mais uma vez, a violência simbólica em jogo. Mesmo “curado”, o dano na minha autoestima foi extenso. Por isso ainda me sinto intimidado até mesmo por amigos e amigas mais íntimas que possuem boa eloquência. Ainda me omito em momentos em que quero falar algo. Deixei de frequentar espaços de militância por perceber o quanto que a retórica é central para a participação ativa. Volto para casa vez ou outra reencenado mentalmente conversas que tive com a ilusória esperança de que elas poderiam ter sido melhores. Por conta disso, perdi inúmeras oportunidades, e ainda hoje me sinto responsabilizado por tudo que deixei de fazer por ser gago. A crença de que eu poderia ser “mais” se não fosse gago resiste em mim. Não, esse não é um texto sobre superação. É um chamado por conscientização, é uma tentativa de levar o leitor a desconstruir o lugar da oratória no processo comunicacional. Há inúmeras expressões não-verbais possíveis de serem comunicadas. A comunicação, afinal, não deveria ser uma relação de dominação, e sim de troca. Pois por mais que o caminho que necessito trilhar ainda seja longo e árduo, uma certeza ao menos eu compartilho com convicção: a culpa não é minha.

É nesse sentido que decidi nesse ano me envolver com a luta anticapacitista. Segundo o blog Chega de Capacitismo, o termo “capacitismo” significa a

concepção presente no social que tende a pensar as pessoas com deficiência como não iguais, menos humanas, menos aptas ou não capazes para gerir a própria vida, sem autonomia, dependentes, desamparadas, assexuadas, condenadas a uma vida eterna e economicamente dependente, não aceitáveis em suas imagens sociais (…).

Englobo aqui a discriminação contra a gagueira como uma forma de capacitismo, mesmo que até o presente momento não tenha conseguido encontrar uma única legislação ou norma que aborde a gagueira como uma “deficiência”. O próprio movimento anticapacitismo não toca nessa questão, pois a gagueira ainda é vista como patologia a ser tratada, e não sob a ótica da crítica à opressão estrutural. Ela é tida como um defeito individual, representada pela ideia de que quando alguém gagueja, deve ser porque está “nervoso”, e não como uma discriminação social e cultural contra certos padrões de fala (não, pessoas não-gagas, vocês não gaguejam quando tem que fazer uma importante apresentação ou quando são pegos de surpresa com alguma pergunta; no máximo, vocês hesitam). Esse texto é apenas uma das várias conversas que tenho tido desde o começo desse meu envolvimento. Contudo, não basta apenas lutar contra a discriminação capacitista. Pois, como dito, a questão maior é o conflito entre coletividade e individualidade, é a luta contra o capitalismo, contra a forma como esse sistema controla nossas subjetividades a ponto de nos botar uns contra os outros.

Recordo de uma história que vivenciei recentemente. Tive, nos últimos anos, o prazer de participar de alguns projetos de educação popular nos quais realizava atividades com crianças. Em uma dessas atividades, um menino me abordou com a seguinte pergunta, “tio, você é gago?”. No mesmo instante fechei a cara esperando por algum comentário jocoso, tão comuns durante a adolescência e a minha fase adulta. Respondi que sim. A reação do garoto me surpreendeu. Com a maior naturalidade, ele me disse, “que legal! Eu também sou!”. Naquele mesmo momento, todas as boas lembranças da infância, da solidariedade coletiva, da cooperação mútua, reluziram em pensamento. Precisamos voltar a ser crianças. Precisamos regressar a ser sujeitos coletivos.

Pois Kropotkin tinha razão. A cooperação e o apoio mútuo são elementos cruciais para a nossa sobrevivência enquanto espécie, e são essas crianças que mais sabem sobre isso. Essa, portanto, é a história de um gago que se tornou anarquista por conta de sua gagueira, uma vez que a opressão que vivi não só me tornou solidário com outras opressões, como me fez criar um desejo inabalável por um mundo melhor onde ninguém tenha que passar pelo que passei e pelo que milhões de pessoas oprimidas passam. Enquanto continuarmos a coagir nossas crianças a desenvolverem subjetividades individualistas e egocentradas a ponto de as colocarem umas contra as outras, estaremos fadados a extinção como espécie – e apenas o espírito infantil de coletividade e mutualidade que um dia tivemos pode nos salvar.

Por Gustavo Fernandes

(Rio de Janeiro) Denúncia de agressão à mulher no bar Os Ximenes, Lapa

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“Anarcofeminismo vê o patriarcado como uma hierarquia involuntária e que a luta contra ele é parte essencial da luta de classes e da luta contra o Estado. O movimento vê o anarquismo como parte da luta feminista e vice-versa. Em outras palavras, se o anarquismo se opõe a todas as relações de poder então ele é inerentemente feminista.”

Era entre 7h e 8h da manhã de Domingo, dia 28 de Junho de 2015. Eu passei a noite trabalhando e depois fui beber com amigas pela Lapa. Decidi usar algum banheiro antes de ir embora, e como já havia consumido no bar “Os Ximenes” mais cedo, decidi utilizar o banheiro de lá. Quando me aproximei do estabelecimento, percebi que apesar do salão vazio e a ausência de funcionários, o balcão ao lado estava atendendo. Como não vi ninguém no salão e estava muito apertada fui direto pro banheiro. 

Assim que sai do banheiro dei de cara com um homem de cerca de 1,70m, com traços nordestinos e forte. Ele usava calça jeans, camisa branca com uma estampa e um boné pra frente. Obviamente esse homem era um funcionário do bar. Imediatamente ele me abordou me xingando. Me chamando de puta, perguntou se eu não tinha visto que o banheiro estava fechado e era cobrado. Automaticamente respondi xingando de volta. O homem então agarrou um dos meus braços e continuou a agressão verbal. A essa altura ele já estava me machucando e eis a informação que não pretendo sonegar: eu reagi. Reagi como mulher cansada dos estupros, dos assédios e das agressões que já sofreu. Reagi por saber que a polícia é um braço armado do patriarcado e jamais me protegeria. Reagi porque o feminicídio praticado diariamente destruiu minha psique. Reagi pelas irmãs negras e periféricas que não tem pra onde fugir. Reagi por não suportar mais ser silenciada, ameaçada e ridicularizada. Reagi por ser sempre culpabilizada pela violência que sofro. Reagi porque nada deve parecer natural.

Então o homem me socou o rosto. Por sorte e pela minha resistência física não cai. Nesse momento, após ter bebido e sido agredida, fiquei completamente desorientada. Comecei a gritar desesperadamente. Dois outros funcionários do bar se aproximaram e me imobilizaram para que o espancamento continuasse. E continuou. Consegui me soltar e a única coisa que consegui pensar foi em quebrar coisas para chamar a atenção de quem passava pela rua. Lembro que nesse momento não havia ninguém dentro do bar e eu só pensava que eles provavelmente me estuprariam e/ou me matariam ali dentro. Enquanto quebrava alguns vidros os funcionários continuavam a me bater.

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A atenção que consegui chamar foi da polícia, logo apareceram Guardas Municipais. Os funcionários gritavam que eu era maluca e tinha entrado ali quebrando todo o bar. E os guardas, obviamente, acreditaram na versão dos homens e me imobilizaram, me dando voz de prisão logo em seguida. Numa brecha consegui sair de dentro do bar, sendo novamente alcançada e sendo agredida dessa vez pelos guardas. Sabendo que meus amigos estavam na próxima esquina lutei com pelo menos 6 GMs e 3 funcionários do bar até chegar lá. Quando finalmente cheguei a esquina, fui jogada na parede e levei um “mata leão” de um dos funcionários. Os guardas pareciam estar se divertindo com a cena. Juntei minhas forças e gritei pelos meus amigos. Cerca de 10 pessoas vieram até o local e se manifestaram a meu favor. No meio da confusão fui puxada por um amiga e consegui escapar. Nossa reação foi correr desesperadamente pra longe dali, eu precisava de atendimento médico e sabia o que eles eram capazes de fazer comigo enquanto supostamente me conduziriam pra delegacia.

O bar “Os Ximenes” fica na Rua Joaquim Silva, 82 – Lapa. Aquele bar que fica bem em frente a escadaria Selarón.

Levei mais de uma semana pra conseguir fazer esse relato. Eu não tinha forças psicológicas para detalhar o que aconteceu, o fiz sem ainda ter. Além do rosto bastante ferido, fiquei com hematomas pelo corpo, um dedo torcido e parte da garganta machucada a ponto de ter quebrado um pedaço do meu dente.

Decidi denunciar publicamente o ocorrido principalmente como forma de alertar as mulheres que frequentam o local. Mais que isso, para também deixar um recado: nós mulheres precisamos nos organizar para combater o machismo. A reação e a autodefesa são e sempre serão legítimas. Mas o ódio e a depressão que nos tomam podem ser substituídos por acolhimento e luta. Nossa maior arma contra a violência é a nossa sobrevivência, nossas vidas, o nosso grito, a nossa união, nossos corpos livres.

Sociedade, por que nos culpam pela opressão que sofremos? Por que nos separam e diferenciam para que fiquemos umas contra as outras? Por que justificam absurdamente as brutalidades que praticam contra nós por fazer coisas “normais” que qualquer ser tem direito? Temos direito ao lazer. Temos direito ao sexo. Temos direito à liberdade de expressão. Temos direto à nossos corpos. Temos direito à vida.

É conclusivo que a principal ação para exterminar o peso esmagador do patriarcado é a prática da educação livre. Precisamos investir esforços na conscientização das crianças para impedir que esses meninos cresçam misóginos (ódio pelas mulheres). Precisamos esclarecer aos jovens que o assédio começa com as cantadas de rua, passa pela dominação psicológica, emocional e financeira com suas companheiras e culmina em estupros e assassinatos. Não há nada de carinhoso e amoroso no sofrimento de uma mulher. NÓS NÃO GOSTAMOS DE CAFAJESTES! E mais: nós nem sempre gostamos de nos envolver com homens. E deixo aqui um alerta ainda maior sobre o genocídio das mulheres bi/lesbo/transsexuais.

Não reprimam as meninas, ensinem os meninos a não estuprar.

Deixo por fim um gigantesco agradecimento a todas e todos que me apoiaram nesse momento difícil, inclusive ajudando com remédios.

Irmãs de todo o mundo: empoderem-se de sua identidade, não se depreciem! Lutem, resistam e não deixem de sorrir e dançar! “

“A ignorância é o elemento mais violento da sociedade.”

“Não passamos de átomos no incessante esforço humano em direção à luz que brilha na escuridão: o ideal de liberação econômica, política e espiritual da humanidade!” – E. G.

A. 09/07/15

(Rio de Janeiro) Programação do I Fórum Geral Anarquista no Brasil

Local do evento: Sindicato dos Petroleiros (SINDIPETRO) | Endereço: Avenida Passos, 34, Centro, Rio de Janeiro

| QUINTA-FEIRA | 4 de junho | Primeiro dia |

(A partir das 9 horas) Chegada e alojamento

(18:30h) Conferência de Abertura: Federalismo Anarquista

| SEXTA-FEIRA | 5 de junho | Segundo dia |

(09:00 a 12:30h) Roda de Conversa I: Conjuntura nacional e internacional

(12:30 a 13:00h) Intervalo para Almoço

(13:00 a 18:30h) Grupos de Discussão: Pedagogia Libertária | Privacidade Web/celular | Assembleias Populares Horizontais no Rio de Janeiro | Comunicação comunitária/Resistência Favelada

(18:30 a 19:00h) Intervalo para Descanso

(19:00 a 21:30h) Roda de Conversa II: Gêneros, sexualidades e Anarquismo

| SÁBADO | 6 de junho | Terceiro dia |

(09:00 a 12:30h) Roda de Conversa III: Anarquismo nas regiões brasileiras e na América

(12:30 a 13:00h) Intervalo para Almoço

(12:40 a 13:30h) Lançamento do Livro Anarquismo é Movimento – Anarquismo, Neoanarquismo e pós-anarquismo de Tomás Ibáñez e bate-papo com Sérgio Nobre, tradutor do mesmo

(13:30 a 19:00h) Fórum Geral: Cartas e relatorias

(19:00 a 21:30) Feira da Autogestão, com participação de diversos indivíduos, coletivos e organizações de todo Brasil e de outros países

| DOMINGO | 7 de junho | Quarto dia |

Dia livre para trocas e conversas

Partida dos indivíduos e coletivos participantes do Fórum

(12:30 a 13:00h) Almoço

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Cronograma do I Fórum Geral Anarquista

Apresentação

O I Fórum Geral Anarquista é aqui considerado como espaço de encontro, conversas, análises, discussões, registros, trocas, sugestões, celebrações. Notadamente, este fórum que realizaremos no Rio de Janeiro terá uma estrutura vertical e uma horizontal. Na forma vertical, uma pauta pré-definida, de convergência e atenção comuns, será pensada e debatida por todos numa Conferência de Abertura, cuja apresentação se dará por meio de mesa com conferencistas exibindo seus estudos-experiências e o público, logo em seguida, realizando considerações ou questões. Em formato misto, as Rodas de Conversas serão constituídas de duas pessoas responsáveis pela relatoria e equilíbrio entre tempo-audição enquanto todos os integrantes de cada Roda abordam temas macro (também pré-definidos) de forma horizontal. A estrutura horizontal contará com os Grupos de Discussão que poderão ser propostos pelos indivíduos e coletivos que participarão do fórum. Em cada Grupo, um de seus proponentes fará relato do que for discutido, para que no último dia de debates possamos realizar o Fórum propriamente dito, onde, com apoio e assistência de coletivos realizadores do evento, serão apresentadas as relatorias das rodas de conversa e dos grupos de discussão. Será um momento importante para propostas dos participantes e mesmo a elaboração de uma ou várias cartas sugeridas.

Ao término do evento, realizaremos a Feira da Autogestão, espaço que se destinará à apresentação de iniciativas autogestionárias e a troca de experiências entre seus idealizadores. Sendo assim, todo e qualquer indivíduo/coletivo que produz material (alimentos e bebidas, conteúdo gráfico, editoras, bazares, feiras agrícolas/orgânicas, etc) ou que incentiva/defende/pensa a autogestão pelo viés libertário terá neste espaço a oportunidade de apresentar seus trabalhos.

Objetivos do Fórum

Promover o encontro de anarquistas no Brasil que possuem inclinação federalista; trocar experiências e conhecer estudos realizados por companheiros e companheiras país adentro; equalizar entendimentos; acordar e realizar ações pontuais locais e/ou gerais; pautar as questões de gênero e sexualidade no campo anarquista; analisar e discutir a conjuntura social, econômica e política brasileira e mundial (crise econômica, terrorismo de estado, perseguição política, arrocho dos trabalhadores, criminalização política e jurídica da pobreza, crise da água, segurança/auto sustentabilidade alimentar e energética, especulação imobiliária, manutenção dos latifúndios rurais, autogestão e descentralização das mídias, movimentos sociais, movimentos populares, sindicalismo, centros de cultura social); conhecer e conversar sobre o federalismo anarquista e elaborar passos efetivos para criação de uma federação ou federações regionais anarquistas.

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O I Fórum Geral Anarquista é realizado pela Liga Anarquista no Rio de Janeiro

Apoio do Núcleo Pró-Federação Libertária de Educação (EL) e Instituto de Estudos Libertários (IEL) 

Divulgado pela Internacional de Federações Anarquistas (IFA) e pelas federações que a compõem

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