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(Poema) Como você, só há você!

Quando você estiver na merda,
Pare de pensar no todo o tempo todo.
Não se martirize com problematizações infinitas.
Não cultue a culpa.

Quando você estiver na merda,
Agarre-se loucamente a você mesma, se escute com atenção.

Quando você estiver na merda,
Não espere que as pessoas ao seu redor pensem em soluções pra ti.
As pessoas querem até te ajudar, mas o farão te lembrando das coisas que você tem feito de errado, elas estão do lado de fora, é o que conseguem enxergar.

Quando você estiver na merda,
Analise seu humor, os sonhos que você tem as doenças e dores que seu corpo manifesta.
Eles vão te apontar a origem de tudo isso e por onde você deve começar a mudança.

Quando você estiver na merda,
Lembre-se do que te moveu até hoje.
Faça um filme passar na sua cabeça de todas as coisas que fez e que te deixaram orgulhosa, tudo que rendeu frutos.

Quando você estiver na merda, pense profundamente sobre seus desejos, seus sonhos.
Como você, só há você.
É você a engenheira dessa solução, não caia na rede daqueles que virão pra te salvar.
É só outra armadilha que você vai fazer questão de armar.

Quando você estiver na merda, use o espelho no outro.
Viver a empatia fará com que haja mais acolhimento ao redor.

Quando você estiver na merda,
Conte com as forças da natureza, com o axé da estrada.
Conte com a sua coragem, com a sua honestidade.
Conte com a sua verdade.

Ah, quando você estiver na merda, conte comigo também!
Eu tenho fé no apoio mútuo, na rua, na solidariedade.
Mas não se esquece que o mais difícil, é começar por dentro.

Poema escrito e gentilmente cedido a RIA pela nossa amiga J.

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(Comunicado) Nota Pública sobre a violência policial ocorrida durante a 1ª Feira do Livro Feminista e Autônoma de Porto Alegre

Somos um coletivo de pessoas que se formou através de afetos, amizades, afinidades e momentos e vivências antes, durante e depois da I Feira do Livro Feminista e Autônoma de Porto Alegre (I FLIFEA POA). A feira tinha como seu principal objetivo a troca de materiais, de vivências e de experiências que pudessem debater coletivamente a respeito dos feminismos e da autonomia das mulheres frente às instituições e em relação a seus corpos. Esse objetivo estava se concretizando ao longo de dois dias de atividades, nos quais nos fortalecemos entre todas, conversamos, aprendemos, rimos e novas ideias puderam surgir a partir do encontro. Até que, juntas, muitas de nós sofreram a violência policial da noite de primeiro de novembro de 2015. Entre as agredidas estavam presentes algumas das que compunham a organização da FLIFEA, mas não só. A partir dos últimos acontecimentos vivemos uma nova forma de autogestão da experiência compartilhada onde “a organização da feira” se dissolve na nova coletividade que escreve este texto, composta por aquelas que foram diretamente afetadas pela repressão vivida na noite de domingo.

Dito isso, nos manifestamos através desta nota pública no blog da I FLIFEA POA, da maneira combinada entre nós como única manifestação pública do grupo mencionado acima. De acordo com isso, nenhuma de nós concedeu e nem concederá entrevista a qualquer veículo de comunicação e, embora estejamos recebendo assistência jurídica de advogadas feministas de maneira voluntária, elas também não nos representam frente à mídia. Também é importante apontar que não organizamos ou marchamos sozinhas no ato do dia dois de novembro de 2015, mas contamos com o apoio espontâneo de muitas pessoas que se sensibilizaram com nossa situação, e não tivemos relação alguma com o ato do dia seguinte, dia três de novembro de 2015. Nos fortalece muito e agradecemos o apoio das pessoas e organizações que estão se mobilizando autonomamente em relação ao ocorrido e nos comove a grande rede de solidariedade criada; no entanto, nos parece importante estabelecer que essa rede extrapola nossa dimensão organizativa e, portanto, não é possível nos responsabilizar pela totalidade dos eventos disparados pelo episódio. A quem resiste em solidariedade conosco, pedimos cuidado para não falarem em nosso nome, e, ainda, pedimos o respeito para não fazer o uso desse fato para apropriação em relação a agendas políticas partidárias, tampouco individuais.

Entendemos que a situação de agressão policial pela qual passamos se insere num contexto social de mobilização frente aos retrocessos que têm acontecido nas políticas para mulheres e ao crescimento do conservadorismo patriarcal no debate público sobre os direitos já conquistados e ainda por conquistar por mulheres e outros grupos minoritários. Tanto nos debates de políticas institucionais, quanto nos espaços de formação de opinião como redes sociais, diversas pautas feministas estão sendo mobilizadas neste momento, como os assédios cotidianos que vivemos desde a infância , nossa autonomia para decidir sobre nossos corpos, a violência vivida em espaços domésticos e a possibilidade de que as mulheres falem por si mesmas. Ao mesmo tempo, percebemos que a repressão que vivemos no último domingo gera comoção por diferentes motivos, que queremos apontar. Primeiro, a brutal violência por parte de policiais, homens, exercida contra mulheres, fazendo uso abusivo de autoridade através de aparatos de força (cacetetes foram usados e armas foram apontadas contra nossos corpos desarmados), evidencia a lógica militarizada e misógina que pauta a atuação dessa corporação. O ocorrido conosco também contribuiu para o reconhecimento das violências cotidianas que as mulheres sofrem, mobilizando aquelas pessoas que já trabalham para combater as causas dessas violências, e também sensibilizando aquelas que vivem ou já viveram essa realidade em suas vidas. Finalmente, consideramos que também foi notável o fato de estarmos nos propondo a construir um debate sobre feminismos num evento cultural no qual nossa arma era a construção de ideias políticas e de cumplicidade, e desse processo ter sido brutalmente atropeladas pela agressão policial.

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(Reflexão) Para nós, homens: o debate feminista no ENEM e a nossa obrigação enquanto machistas

Para nós, homens.

11249094_10153261009871973_86279490837545895_nDe nada adianta compartilhar o meme da Simone de Beauvoir ou comemorar o tema da redação no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), a saber, a persistência da violência contra a mulher no Brasil, se não estamos engajados em um processo contínuo de autocrítica e vigilância sobre nossas micro-práticas que violentam, seja fisicamente, seja simbolicamente, as mulheres ou outro grupo oprimido.

Celebrar o alheio e se juntar ao coro é fácil. Agora, refletir sobre a nossa própria posição social enquanto machistas e indivíduos privilegiados, o que por conta própria já é uma violência em si, aí trata-se de um caminho que quase ninguém quer trilhar.

Mesmo os poucos que trilham esse caminho, boa parte o faz com muita dificuldade. Alguns são seletivos em sua autocrítica, se recusam a ouvir certas sugestões e críticas de nossas companheiras e amigas feministas sobre nossa conduta e/ou deixam de chamar a atenção de nossos amigos homens quando eles reproduzem algum tipo de postura machista na nossa frente (e aqui eu me incluo como alvo dessa crítica, pois nenhum de nós, homens, está imune de tal processo reflexivo).

Para ser um homem empenhado em desconstruir o patriarcado, o machismo e o sexismo não basta afirmar perante ao mundo “eu não sou machista”. Nem mesmo a mera autoafirmação como anarquista ou libertário é suficiente para atingir essa desconstrução, uma vez que de nada serve a retórica descolada da prática, um problema que faz com que o movimento anarquista seja, infelizmente, repleto dos ditos “anarcomachos” – os supostos anarquistas que não problematizam o machismo inerente em suas condutas e em suas organizações.

Para sermos esse homem comprometido com a construção de relações sociais livres de opressões, o primeiro passo é justamente nos reconhecer como machistas, é dizer para o mundo e para si mesmo, “eu sou machista”. Enquanto as estruturas de poder de nossa sociedade continuarem a reproduzir práticas e discursos que oprimem mulheres, enquanto o patriarcado persistir em ser a ideologia hegemônica, nós seremos machistas, não importa o quão avançado estamos em nossos processos de desconstrução e autocrítica. Pois não há uma solução individual para um problema que é coletivo.

Não basta desconstruir, é preciso destruir esse patriarcado, e essa destruição há de ser coletiva. Ou todos nós deixamos de reproduzir posturas e valores machistas, ou continuaremos todos a oprimirem mulheres, seja de forma estrutural e involuntária ou consciente e deliberada – não existe exceções.

Não tornemos, portanto, vazia toda a justa celebração que ocorreu em torno da presença das tão importantes pautas feministas na prova do ENEM. Por mais que nós, enquanto anarquistas, recusemos tal prova por ela se tratar de uma ferramenta elitista e mercadológica que reproduz desigualdades e opressões capitalistas, reconhecemos o valor de ter esse debate antiopressão inscrito em seu conteúdo no sentido de disseminar essas ideias e fazer frente a discursos conservadores e protofascistas.

Dito isso, devemos permitir que todo o debate incitado por esse momento histórico passe de fato a influenciar nossa conduta cotidiana para combatermos toda violência machista e sexista inserida em nossas práticas tanto em um nível macro (no caso, na disputa pelos discursos) quanto em um nível micro (no nosso dia-a-dia).

Homens, não passaremos!

Por Gustavo Fernandes

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(Rio de Janeiro) Denúncia de agressão à mulher no bar Os Ximenes, Lapa

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“Anarcofeminismo vê o patriarcado como uma hierarquia involuntária e que a luta contra ele é parte essencial da luta de classes e da luta contra o Estado. O movimento vê o anarquismo como parte da luta feminista e vice-versa. Em outras palavras, se o anarquismo se opõe a todas as relações de poder então ele é inerentemente feminista.”

Era entre 7h e 8h da manhã de Domingo, dia 28 de Junho de 2015. Eu passei a noite trabalhando e depois fui beber com amigas pela Lapa. Decidi usar algum banheiro antes de ir embora, e como já havia consumido no bar “Os Ximenes” mais cedo, decidi utilizar o banheiro de lá. Quando me aproximei do estabelecimento, percebi que apesar do salão vazio e a ausência de funcionários, o balcão ao lado estava atendendo. Como não vi ninguém no salão e estava muito apertada fui direto pro banheiro. 

Assim que sai do banheiro dei de cara com um homem de cerca de 1,70m, com traços nordestinos e forte. Ele usava calça jeans, camisa branca com uma estampa e um boné pra frente. Obviamente esse homem era um funcionário do bar. Imediatamente ele me abordou me xingando. Me chamando de puta, perguntou se eu não tinha visto que o banheiro estava fechado e era cobrado. Automaticamente respondi xingando de volta. O homem então agarrou um dos meus braços e continuou a agressão verbal. A essa altura ele já estava me machucando e eis a informação que não pretendo sonegar: eu reagi. Reagi como mulher cansada dos estupros, dos assédios e das agressões que já sofreu. Reagi por saber que a polícia é um braço armado do patriarcado e jamais me protegeria. Reagi porque o feminicídio praticado diariamente destruiu minha psique. Reagi pelas irmãs negras e periféricas que não tem pra onde fugir. Reagi por não suportar mais ser silenciada, ameaçada e ridicularizada. Reagi por ser sempre culpabilizada pela violência que sofro. Reagi porque nada deve parecer natural.

Então o homem me socou o rosto. Por sorte e pela minha resistência física não cai. Nesse momento, após ter bebido e sido agredida, fiquei completamente desorientada. Comecei a gritar desesperadamente. Dois outros funcionários do bar se aproximaram e me imobilizaram para que o espancamento continuasse. E continuou. Consegui me soltar e a única coisa que consegui pensar foi em quebrar coisas para chamar a atenção de quem passava pela rua. Lembro que nesse momento não havia ninguém dentro do bar e eu só pensava que eles provavelmente me estuprariam e/ou me matariam ali dentro. Enquanto quebrava alguns vidros os funcionários continuavam a me bater.

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A atenção que consegui chamar foi da polícia, logo apareceram Guardas Municipais. Os funcionários gritavam que eu era maluca e tinha entrado ali quebrando todo o bar. E os guardas, obviamente, acreditaram na versão dos homens e me imobilizaram, me dando voz de prisão logo em seguida. Numa brecha consegui sair de dentro do bar, sendo novamente alcançada e sendo agredida dessa vez pelos guardas. Sabendo que meus amigos estavam na próxima esquina lutei com pelo menos 6 GMs e 3 funcionários do bar até chegar lá. Quando finalmente cheguei a esquina, fui jogada na parede e levei um “mata leão” de um dos funcionários. Os guardas pareciam estar se divertindo com a cena. Juntei minhas forças e gritei pelos meus amigos. Cerca de 10 pessoas vieram até o local e se manifestaram a meu favor. No meio da confusão fui puxada por um amiga e consegui escapar. Nossa reação foi correr desesperadamente pra longe dali, eu precisava de atendimento médico e sabia o que eles eram capazes de fazer comigo enquanto supostamente me conduziriam pra delegacia.

O bar “Os Ximenes” fica na Rua Joaquim Silva, 82 – Lapa. Aquele bar que fica bem em frente a escadaria Selarón.

Levei mais de uma semana pra conseguir fazer esse relato. Eu não tinha forças psicológicas para detalhar o que aconteceu, o fiz sem ainda ter. Além do rosto bastante ferido, fiquei com hematomas pelo corpo, um dedo torcido e parte da garganta machucada a ponto de ter quebrado um pedaço do meu dente.

Decidi denunciar publicamente o ocorrido principalmente como forma de alertar as mulheres que frequentam o local. Mais que isso, para também deixar um recado: nós mulheres precisamos nos organizar para combater o machismo. A reação e a autodefesa são e sempre serão legítimas. Mas o ódio e a depressão que nos tomam podem ser substituídos por acolhimento e luta. Nossa maior arma contra a violência é a nossa sobrevivência, nossas vidas, o nosso grito, a nossa união, nossos corpos livres.

Sociedade, por que nos culpam pela opressão que sofremos? Por que nos separam e diferenciam para que fiquemos umas contra as outras? Por que justificam absurdamente as brutalidades que praticam contra nós por fazer coisas “normais” que qualquer ser tem direito? Temos direito ao lazer. Temos direito ao sexo. Temos direito à liberdade de expressão. Temos direto à nossos corpos. Temos direito à vida.

É conclusivo que a principal ação para exterminar o peso esmagador do patriarcado é a prática da educação livre. Precisamos investir esforços na conscientização das crianças para impedir que esses meninos cresçam misóginos (ódio pelas mulheres). Precisamos esclarecer aos jovens que o assédio começa com as cantadas de rua, passa pela dominação psicológica, emocional e financeira com suas companheiras e culmina em estupros e assassinatos. Não há nada de carinhoso e amoroso no sofrimento de uma mulher. NÓS NÃO GOSTAMOS DE CAFAJESTES! E mais: nós nem sempre gostamos de nos envolver com homens. E deixo aqui um alerta ainda maior sobre o genocídio das mulheres bi/lesbo/transsexuais.

Não reprimam as meninas, ensinem os meninos a não estuprar.

Deixo por fim um gigantesco agradecimento a todas e todos que me apoiaram nesse momento difícil, inclusive ajudando com remédios.

Irmãs de todo o mundo: empoderem-se de sua identidade, não se depreciem! Lutem, resistam e não deixem de sorrir e dançar! “

“A ignorância é o elemento mais violento da sociedade.”

“Não passamos de átomos no incessante esforço humano em direção à luz que brilha na escuridão: o ideal de liberação econômica, política e espiritual da humanidade!” – E. G.

A. 09/07/15