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Campanha e mobilização anarquista internacional para o G7 – 2015

Entre os dias 7 e 8 de Junho de 2015, líderes das maiores potências econômicas do planeta irão se reunir na cúpula do G7, na Bavaria, Alemanha. Com o anúncio, a FDA (Föderation deutschsprachiger Anarchist*innen), a federação que reúne anarquistas na Alemanha e na Suiça, associada à International of Anarchist Federations (IFA) está organizando, em parceria com a Aanarchist Federation Rhein/Ruhr (AFRR) e outros grupos do interior da Bavaria uma grande chamada internacional de mobilização e ação em torno da pauta que será apresentada nesses dias de reunião.

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“Esmague o Capitalismo”

Boa parte da pauta do G7 até agora divulgada gira em torno de questões ambientais e de saúde pública, especificamente da situação do Ebola. Porém, especula-se que temas como austeridade e o agravamento da crise financeira nos países ocidentais, em especial na União Européia, também terão espaço nas reuniões do evento. Recentemente, em Frankfurt, mais de 10 mil pessoas protestaram contra a inauguração da nova cede do Banco Central Europeu na cidade alemã e demonstraram força e resistência contra os ataques da polícia (imagens abaixo).

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Para mais informações (em alemão), acesse a seção sobre o G7 organizada no site da Federação Anarquista Alemã aqui.

ENTRE-ESPAÇOS

Por Antonis Vradis | Tradução colaborativa pela Rede de Informações Anarquistas

Se existisse um único dispositivo o qual poderia simbolizar nosso estado como sujeito histórico durante esses tempos de crise, este seria um pêndulo. A sensação é de que aparentemente há um eterno sentido de movimento entre um momento histórico e outro, sempre oscilando à beira da catástrofe, de uma revolta, logo que começamos a sair do estado anterior. Encontramo-nos suspensos em meio a alternância dos picos históricos. Vavel, uma velha e querida revista de quadrinhos grega1, se descrevia como um ótimo acompanhamento para seus leitores “para passar agradavelmente seu tempo entre uma catástrofe e a seguinte.” De novo, o sentimento enquanto nós experimentamos o desenrolar dos acontecimentos nos territórios gregos tem sido exatamente assim. Nossa existência cotidiana parece como um mero parêntese para os eventos cataclísmicos que sempre seguem ou procedem o presente, um tempo sempre fugaz que reside entre-espaços.

Em breve, no 25 de janeiro, a Grécia será palco para mais um momento como esse, onde irá testemunhar a ascensão de um partido de esquerda, Syriza, ao poder – um fato inédito. Há aqueles, e aqui me incluo, que duvidam que a mudança social e histórica pode ser desencadeada por um processo parlamentar. Se assim for, e se não houver nenhum caminho aparente para processos parlamentares tradicionais acelerarem o tempo histórico ou até mesmo criar as tão almejadas rupturas dentro de si próprio, qual a razão de existir qualquer tipo de engajamento com o resultado dessas eleições? A resposta, eu creio, não reside na aceleração histórica, mas no efeito oposto que a ascensão ao poder do Syriza pode acarretar.

Há muitos na esquerda (e além dela) que temem que o Syriza suavizou a sua retórica mesmo antes de chegar ao poder; seu programa financeiro lembra mais um keynesianismo tradicional2 do que um marxismo radical, algo que a direita teme e muitos na esquerda desejam. Essa “racionalização” e esse recuo são sinais significativos do que podemos aguardar. Afinal, se existe mesmo um caminho para o plexo de poderes financeiros e políticos para re-legitimar a si próprios e para assegurar seu reinado na Grécia, residiria justamente em uma força política que é tão conciliatória quanto sensível, socialmente legítima como é fiscalmente responsável, para que possa gentilmente orientar o capitalismo para fora de sua crise. Deixe que seja assim. Afinal de contas, dificilmente pode-se argumentar que movimentos mais amplos de antagonismo social, as comunidades políticas populares em ativa na Grécia, não tiveram a oportunidade de lutar contra o complexo autoritário-financeiro3 que vigora no país nesses tempos de crise. Considerável como era, essa luta ao mesmo tempo evidenciou nossas próprias limitações quando se trata de agir sob o fardo desse tempo histórico em constante mudança, espremido entre os impactos dos eventos que nós testemunhamos. E assim, temos aqui uma proposição aparentemente estranha para a inevitável vitória do Syriza, e para a aparente normalização do partido, a governança da sociedade e da economia grega, ambas profundamente entrincheiradas nessa crise. Esse estado de ser normalizado equivale a nada mais do que uma desaceleração do tempo histórico, um tão necessário tempo em que possamos parar para respirar em meio dessa catastrófica sequência de eventos. Se assim for, então comunidades sociais e políticas populares na Grécia estão sendo confrontadas com uma oportunidade única para pressionar por uma mudança de paradigma. Ao invés de oscilar nos entre-espaços da história, esse governo normalizado pode permitir a abertura de certos espaços – os quais eu posso pensar em pelo menos três.

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Sede do Syriza ocupada por militantes anarquistas

Primeiro: espaços de dignidade e sobrevivência. A demanda por uma sobrevivência decente (até mesmo a sobrevivência como um todo4) na forma de salários mínimos ou o reestabelecimento de direitos trabalhistas elementares não é pouca coisa. Tal ponto é também imperativo para o Syriza se o partido pretende ter qualquer sorte em estabilizar sua posição de poder em um corpo social que se transformou, em sua maior parte, cada vez mais reacionário e apático durante a crise.

Segundo: espaços de ruptura no complexo autoritário. Syriza prometeu a abolição das tão odiadas unidades policiais incluindo a polícia de ordem público MAT e a unidade de motocicleta DELTA, além do desarmamento de todas as unidades policiais que entram em contato físico com manifestantes. Contudo, no último 14 de janeiro, o líder do Syriza apareceu para renegar essa promessa no twitter oficial5 – pelo menos a parte relativa à abolição da polícia de motocicleta. No entanto, ele não deve de modo algum ser autorizado a fazer tal ato. É inimaginável para um governo de esquerda ter essas gangues uniformizadas de extrema-direita a seu serviço. É inimaginável para esse partido operar centros de detenção para migrantes, prisões de segurança máxima introduzidas principalmente para os presos políticos do país ou o muro de segurança na fronteira nordeste do país. Em suma, o Syriza deve ser pressionado para abrir um espaço que tenda a desmontagem do aparato estatal como o conhecemos até agora.

Terceiro e o mais importante de todos: espaços para a construção de estruturas para além desse aparato. De cozinhas comunitárias e clínicas solidárias para espaços públicos auto-organizados, projetos vitais já estão sendo construídos, esforçando-se para existir através e além dessa abrangente rede de austeridade fiscal e controle autoritário. Nesses atos pós-ditatoriais de consenso social, a soberania na Grécia previu a permissão de um certo tipo de contrato espacial6, um violento equilíbrio através do qual:

um certo nível de agitação social e instabilidade tornou-se possível dentro do distrito ateninense de Exarcheia sob um entendimento mútuo porém mudo que tal inquietação dificilmente iria disseminar-se para outras partes da cidade ou para o território nacional como um todo.

Enquanto mantiver o poder, o maior serviço que um governo Syriza pode oferecer seria agilizar a formação de um novo contrato social: um contrato não mais baseado nas rígidas fronteiras geográficas de um bairro e na violência nele contida, mas, ao invés disso, na formação de entre-espaços. Espaços de sobrevivência e de abertura política, espaços nos quais as pessoas no território grego podem começar a construir uma sociedade que é, no longo prazo, tanto pós-austeridade quanto pós-autoritária.


Antonis Vradis é militante anarquista e pesquisador júnior no Departamento de Geografia na Universidade de Durham. Ele é um dos coautores do livro Revolt and crisis in Greece: between a present yet to pass and a future still to come (AKPress, 2011).

Texto original na revista Society & Space.


Notas de pé de página:

1Link da revista: http://sangay.gr/.

3Sobre o complexo autoritário-financeiro, ver o filme O Futuro Suspenso, Atenas a partir do espetáculo olímpico para o despontar do complexo autoritário-financeiro, disponível em inglês em: https://vimeo.com/86682631.

4Sobre o aumento nos níveis de suicídio em meio à crise grega, ver: http://www.economist.com/blogs/erasmus/2013/10/greece-and-suicide.

6Referência: Encerrando o contrato espacial, por Antonis Vradis, disponível em http://societyandspace.com/material/commentaries/terminating-the-spatial-contract-by-antonis-vradis/.

Nem governo, nem direita: Viva a Anarquia!

Nós, como anarquistas da informação, midiativistas/midialivristas, indivíduos comprometidos com a informação livre, método/organização horizontal e no trabalho da contrainformação, entendemos e problematizamos o teor das movimentações de rua recentes, tanto no dia 13 quanto no dia 15 de Março de 2015, como construções que não emanam da vontade real da população pobre, não configuram voz uníssona dos debaixo, não são legítimas para os que realmente sofrem com as realidades impostas e apenas serviram, com alto teor manipulativo, para vigorar a manutenção do Poder, do Estado e do Capital.

Tão logo manifestamos nosso posicionamento, deixamos claro que não haverá cobertura em tempo real destas manifestações e de possíveis continuidades por essa Rede de Informação enquanto houver defesa do Estado e do Capital. Entendemos que, se assim o fizermos, estaremos assumindo lados, fazendo, mesmo que como contrainformação, propaganda dessa manipulação e assim, de forma indireta, nos tornando instrumentos de propagação dessas vias de fato. Apenas tentaremos, como sempre fizemos, problematizar, elucidar e pontuar toda e qualquer informação controversa, mentirosa e manipuladora dos grandes meios de mídia corporativas.

Denunciamos a manipulação das grandes mídias e seu serviço de desinformação, claramente inclinado aos propósitos políticos da direita. Denunciamos a total ausência de notícias sobre a morte de inocentes nas favelas e subúrbios, as contínuas omissões de fatos com o propósito de controle da informação para o povo.

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De baixo para cima, ria você também!

 Rede de Informações Anarquistas – R.I.A

Austeridade no Brasil: uma realidade inegável!

Na prática econômica, uma medida de austeridade fiscal tem por objetivo cortar gastos, endurecer o uso das verbas visando o reequilíbrio econômico de um sistema. Em teoria, o governo lança mão de recursos austeros na sua economia para favorecer a circulação de dinheiro, o que significa injetar mais recursos nas mãos de quem produz/detém capital e diminuir o uso do tesouro público com gastos que não geram retorno financeiro imediato. Porém, a prática é outra e muito mais agressiva à sociedade, principalmente aos mais pobres!

Numa realidade liberal como a que vivemos, apesar do governo brasileiro insistir na máscara do populismo, a austeridade fiscal corta imediatamente gastos de setores sociais e garantem, a todo custo, a manutenção do lucro de bancos e grandes empresas, os verdadeiros financiadores de todo o sistema. A realidade, que não é somente brasileira, mostra como o Estado está cada vez mais preso às dinâmicas econômicas de seus financiadores. Nenhuma política é elaborada sem passar pelo crivo daqueles que irão pagar parte da conta visando um retorno bem maior do que foi investido. E assim a máquina pública segue refém da voracidade capitalista.

É exatamente nesse quadro de grandes interesses atravessados às reais necessidades da população que assistimos a degradação diária da Educação no Brasil, por exemplo. Não adianta mais negar a adoção de pacotes que visam a austeridade fiscal no Brasil. Os governos, independente da esfera de poder e partido político, fazem esse exercício há anos, na tentativa de aproveitar a falta de atenção da população para o problema enquanto enriquecem seus próprios bolsos e os fundos bancários de seus financiadores. Mas uma hora a conta chega, a fumaça esvai-se e as mentiras (lembram-se da “marolinha”?) encontram seu fim. Nesse contexto, 2015 já pode entrar para a história recente do Brasil com uma enorme contradição: como pode um país ser pátria educadora com tantos cortes de verbas no setor da Educação espalhadas por cidades/capitais Brasil afora?

No Paraná, desde o anúncio dessas medidas pelo governador Beto Richa, que ficaram conhecidas como “pacotaço”, milhares de servidores públicos iniciaram mobilizações por todo o estado. Em nome dessa austeridade, Richa retiraria mais de 8 de reais do Fundo Previdenciário Estadual, recurso este destinado ao pagamento de servidores ativos. Somado a esse anúncio, inúmeros outros rombos nas contas públicas levaram os profissionais da Educação, um dos setores mais afetados pelo pacotaço, junto a outros servidores à ocuparem a ALEP – Assembleia Legislativa do Paraná. Com a ocupação, o pacotaço caiu. Porém a greve seguiu, uma vez que os cortes orçamentários na educação foram mantidos. No dia 25 de Fevereiro, mais de 50 mil pessoas tomaram as ruas de Curitiba em defesa da Educação no estado.

Ocupação da ALEP – 12/02/2015

Situação similar acontece no Rio Janeiro, mesmo após a histórica greve da educação em 2013, que reuniu, pela primeira vez em anos, profissionais da esfera estadual e municipal. No Rio, o governador Pezão já anuncia desde o início do ano que fará cortes orçamentários em suas secretarias. A estimativa é de que a tesoura nos gastos chegue à mais de 8 bilhões de reais. Entretanto, nenhum detalhe sobre quais áreas, especificamente, receberão esse reajuste foi liberado até o momento. Ainda assim, Pezão começa a demonstrar publicamente a falência de sua gestão, uma vez que já confirmou à imprensa que depende do Tribunal de Justiça para conseguir pagar os aposentados e pensionistas do Rio de Janeiro. Numa análise otimista, o dinheiro duraria alguns meses antes do governo declarar falência em seus cofres.

Mais uma vez, a educação volta a sentir a austeridade no Rio! Pezão cortou mais de 114 milhões de reais em verbas para as universidades estaduais (UERJ, UEZO e UENF). Dessas, a UERJ é a que mais sofre com a tesoura na educação, pois vem enfrentando crises administrativas, atrasos no pagamento das bolsas aos estudantes e aos funcionários terceirizados que trabalham no campus, principalmente nos setor de limpeza. Ainda assim, o governador, aliado ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro e com aval do governo federal, parecem estar longe de cortar os gastos com obras para eventos faraônicos (como as Olimpíadas em 2016), grandes remoções e militarização das favelas.

Ainda no setor da educação, o Rio conta com outra situação, desta vez na esfera federal: a UFRJ já enfrenta uma crise em relação às verbas. Após anúncio oficial do pedido de desligamento da Superintendência Geral de Políticas Estudantis, o professor Ericksson Rocha e sua equipe deixaram a pasta e publicaram uma carta aberta à comunidade acadêmica, onde deixa claro seu descontentamento com a falta de atenção dada pela administração da universidade às políticas de assistência estudantil. Vale lembrar que a UFRJ, assim como todas as universidades em âmbito federal, devem seguir o decreto Nº 7.234, de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES. Muitos estudantes da instituição ainda não tomaram conhecimento do fato, assim como também não estão cientes dos ajustes já anunciados em relação à assistência que visa auxiliar a permanência dos ingressos durante o primeiro ano letivo. Atualmente, a UFRJ encontra-se numa situação que, no mínimo, merece a atenção de seus estudantes, professores e técnicos-administrativos, uma vez que o calendário acadêmico teve início adiado em uma semana por falta de pagamento ao serviço terceirizado responsável pela limpeza das dependências da universidade (problema semelhante que levou a UERJ ao antecipar, vergonhosamente, o final do período letivo em 2014. Lá os funcionários da limpeza iniciaram uma greve).

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Manifestação dos profissionais terceirizados da UERJ – 29/01/2015
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Comunicado na página da SUPEREST sobre o reajuste (fim) da bolsa de acesso de permanência da UFRJ.

Esse quadro generalizado de cortes em verbas de setores que não geram capital imediato aos interesses dos governantes nos deixa uma inquietante pergunta: à quem servirá esse sistema? Certamente não será aos interesses da população, que vê seu dia-a-dia ficar cada vez mais caro e limitado. Num ano onde o grande fantasma dos parlamentares ainda é a falta sistemática de água no país, parece-nos, cada vez mais, que os governos estão interessados em tentar maquiar a austeridade, favorável à manutenção do capital na mão dos poucos produtores, para tentar impedir qualquer mobilização popular que conteste a ordem das coisas.

Todas essas medidas demonstram quem o Estado está longe de ser um protetorado às causas mais populares e necessárias a um desenvolvimento social justo e igualitário. Seus defensores, muitos ainda pautados por Keynes, por exemplo, acreditam ser a austeridade uma forma de intervenção estatal para salvaguardar os interesses da população. Mas nós perguntamos: que interesses? A quem interessa o aumento constante nos preços dos bens de consumo básico à vida de qualquer cidadão brasileiro ao mesmo tempo que assistimos direitos trabalhistas serem alterados? A quem interessa governos sem transparência real nos gastos públicos enquanto valores no setor de transporte público aumentam em todas as capitais brasileiras?

Seja na Europa, seja na América Latina: o Estado tende a falhar na sua proposta social através de seus interesses econômicos. Não importa se há bem-estar-social ou populismo, enquanto não houver uma compreensão real da necessidade de que todos os cidadãos de uma localidade devem ter acesso às máquinas de produção e participação direta nas decisões políticas de seu espaço, toda e qualquer intervenção será autoritária e terá como princípio resguardar os interesses de pequenos grupos de produtores em detrimento da sociedade. O Estado brasileiro já está dando sinais de sua limitada compreensão econômica em termos territoriais ao aprovar medidas que fazem prevalecer o sucesso dos mesmos grupos empresariais do eixo sul-sudeste. A nós, resta a organização contínua e manutenção das lutas contra esse modelo neo-desenvolvimentista, que pauta apenas o lucro dos grandes financiadores de partidos políticos, independente destes estarem no governo ou na oposição.

É hora de tomarmos de volta o nosso discurso (ou um manifesto contra o capacitismo e pela gagueira)

Tradução colaborativa pela Rede de Informações Anarquistas

1) A gagueira não é um defeito individual, mas uma discriminação social e cultural contra certos padrões de fala.

A fonoaudiologia, a neurobiologia e a psicologia não estão dizendo toda a verdade sobre a gagueira. Foi-nos dito que a gagueira é uma coisa, um defeito biológico e médico dentro de nossos corpos; que pode ser visualizada através de tomografias, calculada usando medidores de fluências e gerenciada através de terapia: é um problema a ser consertado.

Nós discordamos. Nós nos recusamos a deixar que nossos corpos e nosso discurso sejam definidos por peritos médicos e científicos.

Após o movimento pelos direitos de deficientes que ganhou forma na década de 60, nós compreendemos a deficiência não como um defeito individual, mas, acima de tudo, como uma discriminação social contra certas formas de variação humana. Podemos falar de “capacitismo” assim como falamos de racismo e sexismo. Logo, a experiência que nós chamamos de gagueira não pode ser explicada apenas como uma mera dificuldade de vocalizar certas palavras, mas deve ser fundamentalmente entendida como uma discriminação contra formas disfluentes de comunicação e de utilização do nosso corpo.

A gagueira é apenas um problema – de fato, é somente anormal – porque a nossa cultura coloca tanto valor na eficiência e no autodomínio. A gagueira quebra a comunicação apenas por conta de noções capacitistas que decidiram de antemão o quão rápido e fluente uma pessoa deve falar para ser ouvida e levada a sério. Uma linha arbitrária foi desenhada ao redor do discurso “normal” e essa linha é vigorosamente defendida.

2) A assimilação do discurso é um processo cultural em curso no qual formas de discurso que não são consideradas fluentes e legíveis são estigmatizadas e sutilmente forçadas a se conformar com os padrões de fala dominantes.

Desde o primeiro momento que nós falamos, nos corrigem ou nos envergonham por qualquer atraso ou repetição. Parentes, professoras, professores e nossos colegas estudantes notam e estigmatizam qualquer discurso que não esteja conforme os padrões vigentes. A sociedade e suas instituições, em particular o Estado e as instituições processuais, intervêm para mudar o indivíduo, adicionando ansiedade às nossas vidas e fazendo com que seja ainda mais difícil falar ao invés de nos encorajar a sermos mais confidentes falando da forma que desejarmos.

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Conserte o sistema, e não eu!

3) O único jeito de nos liberar é através da reeducação local e da criação de comunidades que afirmam o discurso disfluente.

Individualmente e coletivamente, nós precisamos começar a compreender a “gagueira” como resultado de expectativas, normas e valores capacitistas disseminadas em toda nossa cultura e nos recusar a permitir que nossos corpos e nós próprios sejamos patologizados. Esse processo não é nada mais que uma mudança de paradigma que só pode ser alcançada através de educação e de uma reinterpretação da nossa fala, da nossa identidade e da nossa sociedade. Precisamos também, portanto, de comunidades que afirmam a necessidade de vozes disfluentes, nomeando e resistindo coletivamente ao pensamento capacitista do qual nós viramos objetos de vergonha e pena. Nós devemos juntos e juntas desaprender toda uma vida de ódio de si, subjugação e silenciamento.

4) Finalmente, nós defendemos um consentimento informado em todas as idades para qualquer forma de reabilitação fonoaudiológica como um direito e uma necessidade humana básica.

Não há nenhuma esperança de nos tornarmos confiantes ou de nos empoderarmos enquanto o discurso disfluente for estigmatizado. Nós permaneceremos sozinhos e sozinhas, humilhados e humilhadas enquanto a fala disfluente for um problema. Precisamos que seja nos dada a escolha se queremos ou não receber alguma reabilitação de nossa fala. Perspectivas positivas e negativas da disfluência devem sempre ser oferecidas antes de optarmos por um tratamento fonoaudiológico a longo prazo. Defendemos que em qualquer idade múltiplas perspectivas sobre disfluência são absolutamente necessárias para uma escolha autônoma em relação às opções terapêuticas que nós temos.

Texto original em: http://www.didistutter.org/.