Estamos seguindo para a realização do 2º Fórum Geral Anarquista. Mantemos nesta segunda edição os elementos constitutivos do nosso primeiro fórum, que são: o espaço de encontro, conversas, análises, discussões, registros, trocas, sugestões e celebrações.
Como anunciamos o FGA é itinerante pois objetiva possibilitar a participação de todas as gentes que habitam este território continental chamado Brasil. Notadamente, este segundo fórum será realizado na cidade de Salvador-Bahia, Nordeste-Brasil.
Quanto a sua forma ele manterá uma estrutura vertical e uma horizontal. Na forma vertical, uma pauta pré-definida, de convergência e atenção comuns, será pensada e debatida por todos numa conferência de abertura, cuja apresentação se dará por meio de mesa com conferencistas exibindo seus estudos-experiências e o público, logo em seguida, realizando considerações ou questões.
As Rodas de Conversas serão constituídas de duas pessoas responsáveis pela relatoria e equilíbrio entre tempo-audição enquanto todos os integrantes de cada Roda abordam os temas marco (pré-definidos) de forma horizontal.
A estrutura horizontal contará com os Grupos de Discussão que poderão ser propostos pelos indivíduos e coletivos que participarão do fórum. Neste caso teremos espaço para apenas 3 oficinas e 3 grupos de discussão. Em cada oficina e grupo, um de seus proponentes fará relato do que for discutido, para que no último dia de debates possamos realizar o Fórum propriamente dito, onde, com apoio e assistência de coletivos realizadores do evento, serão apresentadas as relatorias das rodas de conversa e dos grupos de discussão.
Objetivos
Promover o encontro dos anarquistas no Brasil que possuem inclinação federalista; trocar experiências e conhecer práticas e estudos realizados por companheiros país adentro; equalizar entendimentos; acordar e realizar ações pontuais locais e/ou gerais; pautar as questões de gênero e sexualidade no campo anarquista; analisar e discutir a conjuntura social, econômica e política brasileira e mundial (crise econômica, terrorismo de estado, perseguição política, arrocho dos trabalhadores, criminalização política e jurídica da pobreza, crise da água, segurança/auto sustentabilidade alimentar e energética, especulação imobiliária, manutenção dos latifúndios rurais, autogestão e descentralização das mídias, movimentos sociais, movimentos populares, sindicalismo, centros de cultura social); conhecer e conversar sobre o federalismo anarquista e elaborar passos efetivos para criação de uma federação ou federações regionais anarquistas.
Inscrições
Estão abertas as inscrições aos indivíduos, coletivos, grupos, iniciativas, organizações, centros de cultura social para oficinas e grupos de discussão que ocorrerão durante o 2º FGA. As inscrições vão até 30/05/2016.
As oficinas e os grupos são de inteira responsabilidade dos seus realizadores, a organização do evento se responsabilizará apenas por ceder o espaço. Temos 3 oficinas em aberto para propostas e 2 grupos de discussão em aberto.
Para se inscrever enviar e-mail para liga-rj@riseup.net.
O I FÓRUM GERAL ANARQUISTA foi realizado no Rio de Janeiro, na sede do SINDIPETRO, promovido pela Liga Anarquista no Rio de Janeiro e com o apoio do Instituto de Estudos Libertários (IEL) e do Núcleo Pró-Federação Libertária de Educação (EL). O Fórum funcionou como um espaço de encontro, conversas, análises, discussões, registros, trocas, sugestões, celebrações. O evento contou com dois momentos distintos.
Inicialmente, a pauta pré-definida do FEDERALISMO ANARQUISTA, de convergência e atenção comum, foi pensada e debatida por todos na Conferência de Abertura, cuja apresentação ocorreu por meio de uma mesa com conferencistas do coletivo organizador, de apoiadores e convidados e convidadas da Federação Libertária Argentina (FLA) e do Movimento AnarcoPunk de São Paulo (MAP-SP), exibindo seus estudos/experiências e com o público realizando considerações e questões logo em seguida.
Nos outros dias, em formato misto, as Rodas de Conversas foram constituídas por duas pessoas responsáveis pela relatoria e equilíbrio entre tempo/audição enquanto todos e todas as integrantes de cada Roda abordaram macrotemas pré-definidos (Conjuntura Nacional e Internacional; Gêneros, Sexualidades e Anarquismo; Anarquismo nas regiões brasileiras e na América). A estrutura horizontal teve também os Grupos de Discussão propostos pelos indivíduos e coletivos participantes (Pedagogia Libertária; Privacidade, Web/celular; Assembleias Populares horizontais no Rio de Janeiro; Comunicação comunitária/Resistência favelada). Em cada Grupo, um ou uma das proponentes fez o relato do que foi discutido. No último dia foram apresentadas as relatorias das rodas de conversa e dos grupos de discussão para a elaboração de cartas sugeridas. Em breve a Liga Anarquista postará em seu blog as cartas redigidas ou as teses apresentadas nas discussões para melhor elaboração futura.
Durante o evento foi lançado o livro Anarquismo é Movimento – Anarquismo, Neoanarquismo e pós-anarquismo, de Tomás Ibáñez, seguido de bate-papo com Sérgio Norte, tradutor do livro do espanhol para o português. Ao término do fórum, realizou-se a Feira da Autogestão no espaço aberto existente entre as ruas Luís de Camões e do Teatro. Esse espaço destinado à apresentação de iniciativas autogestionárias e à troca de experiências entre seus idealizadores foi o palco da confraternização entre o/as diverso/as participantes do fórum com os indivíduos/coletivos que produzem material (alimentos e bebidas, conteúdo gráfico, editoras, bazares, feiras agrícolas/orgânicas, etc), ou que incentivam/defendem/pensam a autogestão pelo viés libertário.
Consideramos que o objetivo mais importante do Fórum tenha sido alcançado: o de promover o encontro de anarquistas no Brasil que possuem inclinação federalista; trocar experiências e conhecer estudos realizados por companheiros país adentro; equalizar entendimentos; acordar e realizar ações pontuais, locais e/ou gerais; pautar as questões de gênero e sexualidade no campo anarquista; analisar e discutir a conjuntura social, econômica e política brasileira e mundial (crise econômica, terrorismo de estado, perseguição política, arrocho dos/as trabalhadores, criminalização política e jurídica da pobreza, crise da água, segurança/auto sustentabilidade alimentar e energética, especulação imobiliária, manutenção dos latifúndios rurais, autogestão e descentralização das mídias, movimentos sociais, movimentos populares, sindicalismo, centros de cultura social); conhecer e conversar sobre o federalismo anarquista e elaborar passos efetivos para criação de uma federação ou federações regionais anarquistas.
Algumas imagens do I Fórum Geral Anarquista
Agradecemos a Liga Anarquista no Rio de Janeiro pelo relato, originalmente publicado aqui
A Rede de Informações Anarquistas teve o prazer de cobrir o evento
A série de textos A Emergência Anarquista, da Liga Anarquista no Rio de Janeiro, pretende ser parte de um conjunto de estudos sobre teoria e prática do anarquismo contemporâneo. O segundo da série, “Anarquismo ou Anarquismos?”, apresentado abaixo e originalmente publicado no site da Liga aqui, reflete sobre a existência de diferentes tendências no movimento anarquista e da necessidade de diálogo e síntese entre essas tendências. A quem interessar, também publicamos anteriormente o primeiro texto, Introdução e Justificativa. É com prazer que a Rede de Informações Anarquistas continua divulgando esses ensaios conforme são produzidos. Viva a anarquia!
“O problema vital do homem, como de quer ser, cifra-se em aproveitar, no mundo, as energias favoráveis ao seu organismo e anular ou desviar as energias desfavoráveis.”
José Oiticica – A Doutrina Anarquista ao Alcance de Todos, 1947
“Queremos abolir a propriedade individual e a autoridade, isto é, expropriar os proprietários da terra e do capital, derrubar o governo, e colocar à disposição de todos a riqueza social, a fim de que todos possam viver a seu modo, sem outros limites senão aqueles impostos pelas necessidades, livre e voluntariamente reconhecidas e aceitas.”
Errico Malatesta – La Questione Sociale, 1899
A fim de iniciar nossa proposta de aproximação dos conceitos e práticas anarquistas talvez seja necessário refletir no primeiro passo a ser dado em relação ao que se entende por anarquismo. Nos remeteremos, portanto, ao problema que colocamos de forma resumida na justificativa deste estudo. A saber, se existe “O anarquismo” ou os anarquismos, e, caso exista UM anarquismo, nos aproximarmos de uma definição de ser este uma teoria político-econômica-social ou um conjunto de práticas que podem ser definidas como “cultura anarquista”.
Max Nettlau, que à primeira vista foi pioneiro em ocupar-se do anarquismo como objeto de análise historiográfica, tratou-o como ideia, a ideia de anarquia. Identificava-a enquanto mapeava o desenvolvimento das raízes desta ideia desde a civilização grega passando pelas comunas medievais, onde subsistia num certo pensamento livre que considerou como as “primeiras tentativas intelectuais e morais para progredir sem deuses tutelares e sem cadeias coercitivas”. Essa ideia é expressa, segundo Nettlau, em vários momentos da história da Europa Medieval e moderna como algo que vamos chamar aqui de uma “tensão libertária”. É essa tensão que deu fermento, de acordo com o autor, às inúmeras rebeliões camponesas facilmente verificáveis nos livros de história. Defendia em seu estudo que o “fermento libertário era bastante limitado e que os rebeldes de um dia encontravam-se no dia seguinte prisioneiros de uma nova autoridade”.
Para esse autor, como para os pesquisadores posteriores, foi apenas no fim do século XVIII e início do XIX que aquele fermento ganhou consistência suficiente para se apresentar como um anarquismo mais claramente elaborado. Entende-se que a ideia de anarquia era, portanto, uma constante tensão antiautoritária, nem sempre consistente o bastante para agitar a ordem social de forma significativa. Em Nettlau percebemos que, de forma embrionária, a ideia de anarquismo já carregava em sua gênese uma proposta de sociedade sem hierarquias e que estaria invariavelmente ligada a uma prática pedagógica de orientação libertária, elemento que nos fica claro quando esse autor resgata a “reforma da pedagógica” entrevista por Comenius, ainda no século XVII. Tal proposta objetivava uma sociedade igualitária e foi largamente estimulada no fim do século XVIII por pensadores iluministas, sobretudo da Suíça, Alemanha e posteriormente na França. O conjunto de ideias identificadas por Nettlau na gênese do anarquismo traziam consigo tendências a restringir ou negar frontalmente o papel do governo, a autoridade na educação, na vida sexual, na religião e nos negócios públicos.
Outro historiador, George Woodcock, apesar de omitir a referência direta a Nettlau, vai empreender sua pesquisa fazendo a divisão do anarquismo, de forma semelhante, em dois campos: o da “ideia” e o do “movimento”. Este autor vai utilizar o termo “doutrina” no prólogo de sua obra para referenciar o campo das ideias anarquistas o que nos dá uma pista de sua abordagem que, como as de outros pesquisadores, vai derivar da de Nettlau e consequentemente se aproximar muito de suas conclusões. Woodcock tenta definir e demarcar uma área para o pensamento anarquista e o movimento derivado das ideias. Para tal ele deixa a clara advertência aos pesquisadores de que “todos os anarquistas contestam a autoridade e muitos lutam contra ela. Mas isso não significa que todos aqueles que contestam a autoridade e lutam contra ela devam ser considerados anarquistas”. Seguindo essa ideia, Woodcock vai buscar nos argumentos dos ideólogos anarquistas e nas práticas do movimento anarquista elementos para demarcar a área do anarquismo para além das simplificações. Novamente encontramos referências ao projeto de sociedade anti-hierárquica e antiestatista intimamente ligado a uma proposta pedagógica, mas igualmente objetivada através do movimento de trabalhadores e, dentro desse movimento, da existência da disputa entre as tendências libertárias e autoritárias no protagonismo das ações. O elemento da luta trabalhista e posteriormente sindical, incluindo as disputas internas desta luta, se torna então um ponto importante e inseparável do anarquismo.
Tanto Nettlau quanto Woodcock concluem que é em Proudhon que identificamos o primeiro uso não pejorativo e a autodeterminação de si sob o termo anarquista. É precisamente na obra de Proudhon que podemos perceber de forma clara e consistente a proposta de sociedade e a ideia libertária de indivíduo que viaja através do tempo junto com a ideia de anarquia e suas práticas em movimento. Enquanto permanecermos junto à obra de Proudhon não poderemos identificar nada além do anarquismo, até então o único anarquismo autodeclarado. Não desejamos, como advertimos na justificativa deste texto, empreender um estudo sobre os clássicos teóricos. Nos limitaremos, portanto, a apanhar alguns conceitos para que nos sirvam de objetos consistentes de nossa análise.
Proudhon, em seu ponto de partida, fornece ao anarquismo a madura crítica à propriedade, ao estatismo, a democracia burguesa e contra toda a autoridade que em sua obra permanecerá como sinônimo de tirania. Proudhon não busca um sistema como a maioria dos pensadores sociais de sua época, contudo fornece um certo método crítico de análise conjuntural constante que vai orientar seu pensamento através de uma dialética muito distante do método desenvolvido por Marx ao inverter o método da dialética idealista e a metafísica hegeliana em materialismo histórico – o método Proudhoniano é o da dialética serial. Suas constantes mudanças de posição não são, portanto, recuos ou reflexos de alguma insegurança, mas são derivadas de sua própria concepção de conjunturas dinâmicas que exigem crítica constante e, por consequência, guinadas e alterações de trajetória a cada mudança substancial na conjuntura política. Essa prática de mover-se de acordo com a conjuntura é influência metodológica para toda a tradição da imprensa operária de tendência anarquista e suas analises conjunturais periódicas (quando não é possível ou viável o diário) a fim de fazer do debate político uma constante, mas sempre orientado pelo antiestatismo e pela luta dos explorados contra os exploradores. É ainda desse tipógrafo, oriundo da classe laboriosa, o germe conceitual do federalismo libertário e do mutualismo, ideias então destinadas a servir aos pequenos produtores franceses, em grande parte ainda vivendo sob o regime das pequenas oficinas, entre a condição do artesão e do proletariado moderno, conceitos que embora fossem destinados à aplicação em uma determinada conjuntura e pertencentes a um contexto histórico definido preservam atualidade e pertinência indiscutível para os dias de hoje.
Qualquer historiador consequente em seu ofício precisaria como espaço geográfico e temporal adequado para o amadurecimento do anarquismo, enquanto movimento, a Europa no segundo quartel do século XIX e seu caldo social no qual é verificável a articulação entre o processo de conformação de um jovem proletariado urbano e a tensão campesina constante desde o período medieval acirrada pela questão da propriedade privada na era moderna, elementos que se entrecruzam e estão intimamente ligados à consolidação da ascensão da burguesia ao poder político no Ocidente através do ciclo de revoluções e reações que varreriam o continente durante esse período.
Não é espantoso que, mesmo sem relação direta comprovada, tenhamos a efervescência de ideias libertárias muito semelhantes em diferentes países da Europa em um mesmo período, embora partindo de diferentes pontos, mas encontrando porto seguro nos mesmos conceitos gerais, frutos de um mesmo “espírito da época” ou de um mesmo “tom da época” para utilizar um conceito elaborado por Fourier. Tampouco espanta ao observador do processo histórico a consolidação prática e experimental – muito em função da sua curta duração – das anunciadas propostas pedagógicas de orientação libertária durante o século XIX e o primeiro quartel do século XX em regiões diferentes do mundo ocidental como França, Espanha, Alemanha e o “distante” Brasil.
Dessa forma, não é difícil encontrar semelhanças ou pontos pacíficos entre a crítica de Proudhon na França ou em seu exílio na Bélgica, da radical postura filosófica de Max Stirner em língua alemã. O sentimento antiautoritário é certamente o ponto que os identifica, embora Stirner não tenha se autodeclarado anarquista ou partidário da anarquia, não resta dúvidas de que estava imbuído de uma forte veia antiautoritária e antiestatista ao formular sua crítica. Tampouco é difícil encontrar a separação entre suas ideias. Se Proudhon esteve claramente empenhado na causa dos trabalhadores franceses e defendeu de determinado ângulo ideias socialistas mas antiestatistas, Stirner em sua crítica, antecipando o niilismo, nega também o socialismo e qualquer possibilidade de organização social, mesmo que fomentada e construída a partir das bases da classe laboriosa, seja das cidades, seja dos campos.
Percebemos aí não dois anarquismos, mas certamente duas correntes, uma de tendência socialista libertária a qual podemos aqui, assumindo os riscos da afirmativa, chamar de “anarquismo social” que tem seu prosseguimento no encadeamento de ideias e objetivos compartilhados e que vai ligar os proudhonianos da primeira internacional aos bakuninistas, coletivistas e subsequentemente aos anarco-comunistas, enquanto que o outro desenvolvimento de ideias – e por consequência, de práticas – segue uma linha que chamaremos de “anarquismo individualista” e estará presente com maior ou menor influência em práticas que vão desde as experiências comunitárias até grupos minoritários de tendência insurrecional e adeptos da “propaganda pelo ato”.
Assumindo novamente os riscos, podemos traçar um paralelo com um recorte mais atual e contemporâneo, onde o primeiro dá origem ao anarquismo dito “organizado” e o segundo àqueles que reivindicam o anarquismo como um “estilo de vida”. Não são dois anarquismos opostos, para nos mantermos atrelados ao nosso problema enunciado, já que ambos estão comprometidos com a luta antiautoritária e antiestatista, ambos apresentam propostas de autonomia dos indivíduos e coletividades, ambos reconhecem a necessidade de uma pedagogia e um processo educacional libertário e horizontal, além da necessidade de lutas sociais que levem a uma sociedade liberta, ambos consideram que é necessário fazer emergir uma prática libertária e fazer dos fins os meios, das teorias as práticas.
Se há alguma separação ou fratura entre estas duas tendências certamente não traz nenhum acréscimo significativo ao movimento anarquista, já que as práticas dos adeptos de uma corrente não afetam o desenvolvimento das práticas dos adeptos de outra corrente. Não passaria de um gasto desnecessário de energia a disputa entre essas duas correntes, o que se perde é a oportunidade de fortalecimento dos laços, as necessárias trocas de experiências práticas, cooperações e afetos, a solidariedade e o apoio entre agrupamentos por vezes próximos geograficamente e quase sempre alvo dos mesmos aparelhos coercitivos. Não parece mesmo necessária uma disputa para saber qual prática ou conceito é mais válido, eficaz ou aplicável, já que ambos são aplicáveis enquanto agem no mesmo campo, o campo do anarquismo. E, partindo de uma premissa banal, mas necessária, ambos não têm – ou não deveriam ter – interesse em disputas de poder no campo de ação libertária já que aqueles que se autodeterminam libertários não almejam o poder ou o controle que por fim se torna apenas mais uma forma de coerção e controle de uns sobre outros.
Não é nosso temor que não tenhamos chegado a conclusões definitivas já que a proposta é a de uma aproximação conceitual e de uma franca discussão em relação a questões práticas do anarquismo no tempo presente, com as quais não buscamos mais uma polêmica, mas, pelo contrário, a síntese das ideias e práticas correntes e anunciadas pelos anarquistas. Optamos, não sem recorrer a uma forma de arbítrio, ao afastamento da ideia da existência de mais de um anarquismo e a aceitação da ideia de que encontramos variadas correntes anarquistas mais marcadas pela segmentação – e não por uma dicotomia, contrariando a premissa bookchiniana – entre duas grandes correntes de pensamento anarquista: os partidários do “anarquismo social” e “organizado” e os do “anarquismo individualista” e de “estilo de vida “. Verificamos, ainda, que mesmo dentro destas duas grandes correntes existem variações saudáveis e necessárias para o desenvolvimento das práticas libertárias, não havendo ruptura desejável entre elas e tampouco espaço para que possam direcionar seus esforços uma contra a outra. Resta-nos em momento posterior discutir o problema do anarquismo como “cultura”, se é que este é mesmo um problema que nos aflija. Contudo, cremos necessário abordá-lo a fim de ensaiar a verificação da aplicabilidade do termo cultura para as práticas anarquistas.
Local do evento: Sindicato dos Petroleiros (SINDIPETRO) | Endereço: Avenida Passos, 34, Centro, Rio de Janeiro
| QUINTA-FEIRA | 4 de junho | Primeiro dia |
(A partir das 9 horas) Chegada e alojamento
(18:30h) Conferência de Abertura: Federalismo Anarquista
| SEXTA-FEIRA | 5 de junho | Segundo dia |
(09:00 a 12:30h) Roda de Conversa I: Conjuntura nacional e internacional
(12:30 a 13:00h) Intervalo para Almoço
(13:00 a 18:30h) Grupos de Discussão: Pedagogia Libertária | Privacidade Web/celular | Assembleias Populares Horizontais no Rio de Janeiro | Comunicação comunitária/Resistência Favelada
(18:30 a 19:00h) Intervalo para Descanso
(19:00 a 21:30h) Roda de Conversa II: Gêneros, sexualidades e Anarquismo
| SÁBADO | 6 de junho | Terceiro dia |
(09:00 a 12:30h) Roda de Conversa III: Anarquismo nas regiões brasileiras e na América
(12:30 a 13:00h) Intervalo para Almoço
(12:40 a 13:30h) Lançamento do Livro Anarquismo é Movimento – Anarquismo, Neoanarquismo e pós-anarquismo de Tomás Ibáñez e bate-papo com Sérgio Nobre, tradutor do mesmo
(13:30 a 19:00h) Fórum Geral: Cartas e relatorias
(19:00 a 21:30) Feira da Autogestão, com participação de diversos indivíduos, coletivos e organizações de todo Brasil e de outros países
| DOMINGO | 7 de junho | Quarto dia |
Dia livre para trocas e conversas
Partida dos indivíduos e coletivos participantes do Fórum
(12:30 a 13:00h) Almoço
Apresentação
O I Fórum Geral Anarquista é aqui considerado como espaço de encontro, conversas, análises, discussões, registros, trocas, sugestões, celebrações. Notadamente, este fórum que realizaremos no Rio de Janeiro terá uma estrutura vertical e uma horizontal. Na forma vertical, uma pauta pré-definida, de convergência e atenção comuns, será pensada e debatida por todos numa Conferência de Abertura, cuja apresentação se dará por meio de mesa com conferencistas exibindo seus estudos-experiências e o público, logo em seguida, realizando considerações ou questões. Em formato misto, as Rodas de Conversas serão constituídas de duas pessoas responsáveis pela relatoria e equilíbrio entre tempo-audição enquanto todos os integrantes de cada Roda abordam temas macro (também pré-definidos) de forma horizontal. A estrutura horizontal contará com os Grupos de Discussão que poderão ser propostos pelos indivíduos e coletivos que participarão do fórum. Em cada Grupo, um de seus proponentes fará relato do que for discutido, para que no último dia de debates possamos realizar o Fórum propriamente dito, onde, com apoio e assistência de coletivos realizadores do evento, serão apresentadas as relatorias das rodas de conversa e dos grupos de discussão. Será um momento importante para propostas dos participantes e mesmo a elaboração de uma ou várias cartas sugeridas.
Ao término do evento, realizaremos a Feira da Autogestão, espaço que se destinará à apresentação de iniciativas autogestionárias e a troca de experiências entre seus idealizadores. Sendo assim, todo e qualquer indivíduo/coletivo que produz material (alimentos e bebidas, conteúdo gráfico, editoras, bazares, feiras agrícolas/orgânicas, etc) ou que incentiva/defende/pensa a autogestão pelo viés libertário terá neste espaço a oportunidade de apresentar seus trabalhos.
Objetivos do Fórum
Promover o encontro de anarquistas no Brasil que possuem inclinação federalista; trocar experiências e conhecer estudos realizados por companheiros e companheiras país adentro; equalizar entendimentos; acordar e realizar ações pontuais locais e/ou gerais; pautar as questões de gênero e sexualidade no campo anarquista; analisar e discutir a conjuntura social, econômica e política brasileira e mundial (crise econômica, terrorismo de estado, perseguição política, arrocho dos trabalhadores, criminalização política e jurídica da pobreza, crise da água, segurança/auto sustentabilidade alimentar e energética, especulação imobiliária, manutenção dos latifúndios rurais, autogestão e descentralização das mídias, movimentos sociais, movimentos populares, sindicalismo, centros de cultura social); conhecer e conversar sobre o federalismo anarquista e elaborar passos efetivos para criação de uma federação ou federações regionais anarquistas.
O Fórum anarquista aproxima-se do seu início e entre as rodas de conversa teremos a temática “Gêneros, sexualidades”. Felizmente, parece que o tema receberá o devido destaque, porque os grupos feministas e LGBTs vêm apontando insistentemente para a falta de coerência entre a reivindicação teórica e prática da anarquia e a permanência de um profundo sexismo.
O sexismo se mantém nos seus “pequenos” e “grandes” atos. As denúncias são recorrentes. Centenas de casos já podem ter acontecido no passado, outras centenas ainda poderão acontecer. Sabemos muito bem, pela experiência que temos em nos manifestar, qual o poder da denúncia. Elas precisam continuar, pois em todos os campos que tratam de comportamentos arraigados não há sobressalto e solução imediata. Elas precisam fazer ver, com insistência constante, como “pequenos” atos são dolorosos, embora costumem não ser entendidos como tal, e como os “grandes” atos são inaceitáveis, nem deveriam sequer existir.
Diante da inúmera quantidade de casos sexistas, nós da LIGA nos propusemos a iniciar uma reflexão séria e profunda, pois sabemos que outros casos acontecerão e sentimos que precisamos enfrentar coletivamente o problema. As denúncias isoladas são fundamentais, mas são insuficientes para instituir uma nova prática de relacionamentos e a internalização de condutas igualitárias entre os sexos. Somos anarquistas e precisamos buscar, inclusive, soluções para o sexismo a partir da prática em perspectiva anárquica.
Alguns princípios precisam ficar muito claros: nenhuma opressão de caráter sexual é admissível e ponto. Sem poréns. A prática anárquica coerente não admite nenhuma atitude sexista, como também não admite o racismo, como não pode aceitar discriminações físicas, humilhações ou qualquer tipo de opressão em relação ao corpo ou idade. Sem concessões. Qualquer anarquista que medite seriamente sobre os textos que lê, as palavras que profere, chegará a essa mesma conclusão. Não há espaço para chacota.
Entretanto, entre a teoria e a prática há uma larga distância. Felizmente até, porque não é da conduta anárquica seguir uma tábua de mandamentos. É absolutamente necessário pensar nos próprios atos, pois a equidade, a liberdade, não serão alcançadas por decreto, nem mesmo por revolução, já que as práticas milenares arraigadas perdurarão. A Espanha precisou de suas Mujeres libres em 1936…
Quando se considerava em bloco a “classe operária”, “os trabalhadores”, “o proletariado” não aparecia o problema do “outro”. Não havia mulheres, homossexuais, como não havia, brancos nem negros, nem colonizados. As demandas de caráter étnico, racial e de gênero evidenciaram esses limites e trouxeram um problema que precisa ser reexaminado com muito mais insistência: o problema do comportamento desviante. Se fôssemos legalistas, partidários, bastaria criminalizar as “más” condutas, excluir os transgressores, enviá-los à prisão (ou à Sibéria), porém não o somos e resta o problema de como agir. Seremos juízes? Aplicaremos penas? Em que medida o ostracismo é ou não aceitável? Não esqueçamos, nenhum ato de sexismo é admissível!
Ainda que embrionariamente pensamos em alguns procedimentos de reflexão e integração da perspectiva de gênero dentro das ações gerais dos coletivos:
Estudar e integrar reflexões sobre feminismo e gênero em grupos de estudo e de discussão, daí a proposta de dar destaque ao tema no Fórum.
Dissociar “gênero” de “mulher”: não há visões neutras e outras, suplementares, femininas; todas as posições, ações e demandas são atravessadas pelo gênero. O gênero não é uma pauta exclusivamente feminista.
Ter sensibilidade para identificar problemas que normalmente ficam calados na vida privada entre pessoas. Conhecer ou perceber um comportamento fragilizado, de dependência ou de submissão e omitir-se é ser tão conivente com o sexismo quanto identificar um comportamento sexista e violento e não fazer nada.
A palavra é o primeiro meio para lidar com os problemas. Os coletivos precisam ser também um espaço de pedido de ajuda pessoal, sem chacota nem intimidação interna.
Igualmente, nenhuma intimidação para com o reconhecimento da parte da pessoa de um comportamento sexista, se essa mostra-se disposta a enfrentar os seus próprios arraigamentos culturais, pessoais, seja quem for.
Apoio mútuo e solidariedade para as vítimas: de ordem médica, psicológica, financeira etc.
Responsabilização, não punição. A pena não é uma prática anárquica. Penalidades que não têm qualquer relação com o erro cometido excluem a pessoa de lidar com as consequências dos seus próprios atos, livram-no da sua própria vergonha e a longo prazo exigem punições cada vez mais extremas, já que não lida com as causas dos problemas.
Como dissemos, tratam-se apenas de curtas propostas e ainda embrionárias para serem discutidas durante o Fórum, mas desejamos vivamente que a Roda de Conversa sobre gêneros e sexualidades estimule a realização de um encontro futuro especificamente para tratar do problema do sexismo. Infelizmente, anarquistas acordaram tarde para enfrentá-lo, como se o fato de sermos anarquistas, por si, nos eximisse de sua ocorrência. Precisamos de coragem para enfrentá-lo da forma mais anárquica possível: dialogando, chamando para a responsabilidade, encontrando soluções não julgadoras nem punitivas.