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(Artigo) COMPA: Nosso posicionamento frente a conjuntura nacional – opinião e perspectivas

Por Coletivo Mineiro Popular Anarquista (COMPA).

Retirado originalmente daqui.

1. Está em curso uma ofensiva da direita no Brasil, que vem conquistando mais espaço na política nacional.

Existe no país uma ofensiva de setores conservadores e de direita que estão em maior ou menor medida coordenados em várias frentes (parlamentar, poder judiciário, influências internacionais, centrais sindicais pelegas e vendidas, grupos empresariais e federações burguesas, veículos de mídia e imprensa, altas patentes militares, movimentos de redes sociais e de rua etc.) e que vem conquistando cada vez mais espaço na política nacional. Essa ofensiva mira intensificar a aplicação de um programa reacionário, neoliberal e conservador, que, embora tenha sido aplicado de forma tímida por meio do próprio governo petista, retirando o PT do poder nesse momento acelerarão sua aplicação, se dando de forma mais contundente e eficaz.

Assim, utilizam o PT e a “corrupção” como “bodes expiatórios” para atacar direitos históricos conquistados pelas lutas do povo pobre e trabalhador, bem como os programas sociais atuais. Elencamos alguns dos objetivos dessa ofensiva da direita:

  • Dentre os parlamentares e as grandes empresas envolvidas em corrupção, há um objetivo principal em colocar fim às investigações através do impeachment, constituindo um novo governo que controle a Polícia Federal, a grande imprensa, juízes federais e o Supremo Tribunal Federal, freando a Lava Jato e as demais investigações em curso;
  • Redução do Estado brasileiro, seguindo uma lógica neoliberal perversa;
  • Garantir que a economia nacional seja pautada pelos grandes bancos e submissa à política econômica nociva do FMI, Banco Mundial e outros perniciosos espoliadores internacionais;
  • Implementar uma política internacional submissa ao imperialismo estadunidense, servindo-se, como consequência, como um efetivo “QG político” do imperialismo na América Latina;
  • Privatização das maiores estatais, especialmente a Petrobras.
  • Passar a cobrar ou privatizar os serviços públicos (saúde – SUS, educação, segurança – presídios, etc.);
  • Flexibilização das leis trabalhistas e consequente prejuízo depositado nas costas dos trabalhadores (terceirização, priorização das convenções coletivas em relação à CLT, revisão da lei do trabalho escravo, aposentadoria para mulheres e homens em igual idade, a despeito da sobrecarga de trabalho por parte das mulheres, que na maioria das vezes é responsável também pelo trabalho doméstico e cuidados com os filhos);
  • Corte de direitos constituídos (por exemplo, a revisão de demarcação de terras indígenas, não demarcação das terras quilombolas; completa ausência de políticas voltadas à diversidade de orientações sexuais; etc.);
  • Corte (gradual ou instantâneo) dos programas sociais do governo (Bolsa Família; Fies; Pronatec; Minha Casa, Minha Vida; Minha Casa Minha Vida-Entidades; Mais Médicos, dentre outros).
  • Acentuar a “policialização” do Estado brasileiro ampliando o monitoramento, a repressão e a criminalização aos movimentos sociais e de esquerda e uma propaganda ideológica de que esquerda é sinônimo de corrupção, crime, baderna;
  • Impulsionar uma política conservadora e retrógrada nas escolas, minando as discussões sobre política, gênero, raça etc., impulsionando conceitos preconceituosos e intolerantes.

Dentre outros objetivos perversos.

Buscando atingir esses objetivos, a direita vem ganhando corpo, espaço e conquistando sucessivas vitórias na política nacional, seja no parlamento ou no campo ideológico, escondendo-se por trás da máscara da “anti-corrupção”, do “anti-petismo” ou mesmo do primitivo (mas preocupante) “anti-comunismo”.

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(Artigo) Para além dos 4 anos das eleições

Postado originalmente no Encruzilhadas de um Labirinto

Por Rafael Viana

Há uma ilusão em andamento que é forçar o observador político a compreender o funcionamento do Estado apenas pela escala das eleições. Sendo assim, o observador passa a analisar as mudanças do Estado como algo que ocorreria de 4 em 4 anos, no curto prazo. Isso é exatamente a incorporação de uma significação imaginária liberal, que faz com que pensemos e pratiquemos a política estritamente pelas regras liberais. O centro da política passa a ser o curto prazo eleitoral, o “menos pior”, os próximos 4 anos.

Vejo a ascensão do governo Temer (PMDB) e o avanço conservador como algo que não ocorrem fundamentalmente nesses últimos 4 ou 8 anos. A primeira vitória eleitoral do PMDB ocorre na abertura democrática como força central no processo de reorganização do parlamento brasileiro. É a vitória do liberalismo sobre a organização da classe.

A segunda vitória se dá de maneira indireta, quando o PT formaliza em 1987 a estratégia democrático-popular, de tomada do Estado com um apoio de um amplo movimento de massas. O liberalismo mais uma vez impõe ao imaginário da esquerda, mais uma derrota: a pretensa possibilidade de se fazer a mudanças nas urnas. O liberalismo, traz o “inimigo” progressivamente para seu campo.

labirinto

Cada vitória eleitoral do PT foi também uma derrota da classe trabalhadora, pois ganhava o pragmatismo eleitoreiro e perdiam os movimentos populares e sindicatos. Perdia o imaginário de luta e ganhava o imaginário da reforma e do parlamento. Perdia o imaginário da auto-organização e entrava o imaginário da organização como força auxiliar. Enquanto os petistas comemoravam as vitórias, as bases se esvaíam e os movimentos iam sendo carregados a reboque dessa estratégia. A cada vitória na arena parlamentar, perdiam as bases sociais organizadas da classe trabalhadora. As regras que contavam passavam a ser, as medidas em 4 em 4 anos.

A aliança do PT com o PMDB em 2012 foi a terceira vitória do PMDB e praticamente selou o destino do PT. As regras do PMDB agora não pautariam apenas o parlamento brasileiro, mas igualmente pautariam o próprio PT. Tal esforço não foi tão necessário, já que o PT, desde sua crise interna do mensalão, reproduzia os comportamentos fisiológicos do seu então aliado de 2012, ainda que guardadas as devidas comparações. O imaginário petista, outrora nascido no berço de um certo imaginário de esquerda, reduz-se de maneira quase degenerativa, em direção a um republicanismo moderado. Mais uma vitória do imaginário liberal: tornar o PT completamente inócuo do ponto de vista da organização de classe. O petismo crítico, que ainda tinha esperanças no caminhar à esquerda de Dilma e do PT, não compreendera que o republicanismo de Dilma e do PT representam apenas a forma acabada da ideologia liberal no seio do partido, já integralmente introjetada.

O impeachment de Dilma e ascensão de Temer, são portanto, a quarta vitória do PMDB, que impôs a máxima de Bakunin, de que “a aliança entre dois partidos diferentes volta-se sempre em proveito do partido mais reacionário”. Mais a primeira aliança do PT foi não com o PMDB, mas com seu espelho mais próximo: as eleições burguesas e o parlamento brasileiro, formalizada na abertura democrática. A vitória do PMDB não é contra o PT especificamente, mas contra o imaginário que o PT uma vez representou e que hoje, foi completamente absorvido pelo imaginário liberal. Ciente da correlação de forças favorável, o PMDB pode implementar todas as medidas exigidas pela burguesia com até pasmem, apoio passivo ou ativo de parte substantiva da população brasileira (e um setor da classe trabalhadora).

À partir disso, não se pode portanto pensar no curto prazo como saída, isso só implica em pragmatismo e reformismo eleitoral. É preciso construir algo que não se subordine as regras do jogo democrático-popular. Para não ser um novo PT é preciso abandonar de uma vez por todas a estratégia que pretende fazer a disputa dentro da máquina eleitoral. Esses quase 30 anos de estratégia democrático-popular e seu melancólico fim, numa pretensa disputa do parlamento (que não durou 4 anos, mas 29) demonstram que a ação política de classe não pode cair mais nas redes das significações imaginárias da burguesia. A “disputa” no parlamento é uma delas.

(Artigo) Teses fundamentais que ficaram ausentes do debate – uma análise anarquista da crise institucional do governo Dilma

Junho de 2013 - Rio de Janeiro
Junho de 2013 – Rio de Janeiro

Por Wallace dos Santos Moraes [1]. Texto original aqui.

Durante as primeiras décadas do século XX, as revoltas e revoluções populares se agigantaram em grande parte do mundo e dependendo do lugar emergiram em função delas diferentes modelos econômicos e de Estado: o socialismo de estado, o welfare state, o nacional-desenvolvimentismo, o keynesianismo e algumas poucas e rápidas experiências libertárias. Assim, interesses dos trabalhadores foram contemplados em maior ou menor medida dependendo da força e da radicalidade da classe trabalhadora.

Por outro lado, também surgiram como reação às lutas populares as fatídicas experiências fascistas propiciadas por um conjunto de fatores que levaram a derrocada dos movimentos dos trabalhadores, principalmente na Alemanha, na Itália e na Espanha, onde os movimentos revolucionários, por incrível que possa parecer, eram mais fortes. As propostas autoritárias propugnavam uma sociedade hierarquizada, racista, machista, com um nacionalismo xenófobo, e uma cega obediência ao chefe. A maior parte dos capitalistas ficou muito feliz com essas características.

Foi exatamente na terra de Hitler e sob seu governo que a grande mídia passou a ser usada com maior eficácia para a dominação de classe. Seu ministro das comunicações foi bastante eficaz em jogar toda uma nação para a insanidade da guerra. Uma frase clássica sua era: “uma mentira dita mil vezes, torna-se verdade”. E essa máxima guia até hoje muitos de nossos monopólios de comunicação de massa criando a indústria cultural e propagandeando o capitalismo, quando possível, com garantias individuais, mas quando o sistema está sob ameaça apoiam abertamente a supressão das liberdades civis para garantia do sistema do capital.

Na América Latina, durante as décadas de 1950/60/70 os movimentos populares ganharam novos impulsos principalmente em função de dois movimentos: 1) quando setores sociais institucionalizados pensaram em aplicar medidas distributivas e reformas de base por meio da ação de governos de nacionalismo radical, para usar uma expressão de Katz, mas sem acabar com o capitalismo e/ou 2) quando setores de estudantes, operários e camponeses pensaram na tomada do poder via luta armada para implantar o socialismo.

Entretanto, mais uma vez na história recente, percebendo o a avanço da liberdade e dos setores revolucionários, as classes privilegiadas e os conservadores retomaram o poder amiúde por meio de golpes militares com amplo apoio dos oligopólios de comunicação de massa e das elites econômicas locais, gerando um grande retrocesso aos anseios dos governados, através da aplicação de ditaduras covardes e sangrentas.

Poderíamos lembrar e aprofundar as experiências de Salvador Allende no Chile, ou dos Sandinistas na Nicarágua, todavia o melhor exemplo é o da Venezuela por ser uma experiência mais recente e igualmente latino-americana. Trata-se do golpe de estado sofrido por Hugo Chávez em 2002. Naquele 11 de abril os meios de comunicação privados articulados com as forças golpistas fizeram intensa campanha clamando a população para às ruas preparando as bases do golpe que aconteceu naquela noite. Alguns autores denominaram o golpe de político-midiático.

Por fim, no Brasil também temos exemplos de articulação entre setores conservadores e grande mídia contra governos reformistas. Em 1964, Dreiffus descreveu toda a conspiração realizada entre a grande imprensa, militares, empresários e setores da igreja e elitistas em geral. Segundo suas teses, eles prepararam durante semanas a população para o golpe fazendo propaganda dos militares, apresentando-os como defensores da sociedade, da pátria e dos valores da família cristã. Ao mesmo tempo, ligavam o governo Goulart ao comunismo internacional, por uma ofensiva midiática através de mentiras e meias verdades depreciavam o conceito de igualdade entre os homens.

Entendemos que os últimos acontecimentos no Brasil podem ser diretamente associados aos exemplos supracitados, mas não pelos motivos que algumas pessoas equivocadamente tentam associar.

O país vive uma das maiores crises institucionais de sua história e temos visto análises absolutamente fora da realidade movidas por uma paixão cega que não colabora para o entendimento mais amplo da questão é ainda jogam uma cortina de fumaça sobre exatamente aquilo que devíamos estar discutindo. Aliás, como normalmente fazem os mais fanáticos torcedores de futebol, as pessoas estão defendendo posições políticas que visam meramente atacar o adversário, apresentando uma anuência descarada para os problemas do grupo político que defendem.

Com efeito, a Rede Globo vem formando uma massa de cientistas políticos que analisam a política brasileira a partir das conjecturas estabelecidas por William Bonner, seu principal guru intelectual, desnecessário comentar os problemas advindos dessas teses.

Por outro lado, os petistas, que outrora defenderam com todo rigor a chamada ética na política, abandonaram essa máxima e passaram a aceitar e praticar os princípios de Maquiavel, sem qualquer tipo de pudor, para justificar a chegada ao poder e a sua manutenção.

Em contraposição, buscaremos apresentar uma exposição fundamentada em alguns fatos ignorados por ambos os lados na briga institucional maniqueísta que se instaurou no país desde a campanha eleitoral de 2014. É necessário dizer que essa análise é realizada a partir do Rio de Janeiro, pois outra questão metodológica importante é admitirmos que a lógica paulista, por exemplo, possui aspectos idiossincráticos. [2]

Aqui jaz o primeiro alerta: não é possível discutir política no Brasil sem tocar no papel exercido pelos oligopólios de comunicação de massa e é por esse caminho que seguiremos por todo o artigo.

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(Artigo) Comentários sobre as gravações de Lula e Dilma e cia.

Antes de lerem estas palavras, peço aos amigos/as daqui que lembrem que quem escreve está à esquerda do governo, é critico do mesmo e jamais militou em partido eleitoral e menos assumiu cargo de confiança ou em comissão. Ou seja, não busquem ver governismo onde não há. Como trata-se de disputa de facções e projetos políticos e, estritamente, não estou vinculado a nenhum destes, fico bem à vontade para tecer os comentários.


O teor destas conversas está no mesmo patamar ou ainda menor que os grampos realizados durante o Leilão do Sistema Telebrás com Luiz Barros e Fernando Henrique Cardoso.

O teor destas conversas está no mesmo patamar ou ainda menor que os grampos realizados durante o Leilão do Sistema Telebrás com Luiz Barros e Fernando Henrique Cardoso.

Após ouvir as gravações divulgadas entre Lula e aliados, incluindo a conversa com a presidente Dilma, me veio na memória um episodio semelhante durante a década de ’90. Não quero parecer Poliana, mas entendo que o teor das conversas está no mesmo patamar ou ainda menor do que os grampos realizados durante o Leilão do Sistema Telebrás, onde foram capturadas conversas pouco republicanas entre Luiz Carlos Mendonça de Barros – então ministro das Comunicações – e o presidente Fernando Henrique Cardoso. O processo decorrente terminou nulo. Em 2009, Mendonção foi absolvido pela Justiça Federal das denúncias de improbidade administrativa. As conversas entre Lula, Jacques Wagner, a de Luiz Inácio com o presidente da CUT nacional, Vagner Freitas e os curtos diálogos com a própria Dilma, me pareceram do mesmo teor.

Pode parecer pouco republicano, mas, de fato, é algo corriqueiro em um ambiente como o nosso. Lula fora nomeado para a Casa Civil tanto para salvar a sua carreira política como para jogar na forma mais arriscada possível, tentando manter o partido de governo – no mínimo – até o final do mandato e agora, quem sabe, tentando concorrer em 2018.

Estamos diante de um conjunto de medidas de tipo estrutura policial e jurídica com autonomia relativa, quase agindo por conta própria e, tecnicamente, tentando ficar dentro da lei. A conversa entre Dilma e Lula é proporcional aos ataques recebidos. Pode ser pouco republicana, mas é algo presumível e previsível. O que a todos surpreendeu foi a divulgação das gravações de Lula – todas autorizadas pela Justiça – e pelo visto, dentro de uma interpretação bem flexível da lei como da ética na política republicana.O juiz Sérgio Moro virou o fio, a Globo também, assim como a nova-velha direita ideológica.

Definitivamente, em escala midiática e sem participação das forças armadas ou algum poder moderador-interventor de tipo militar, o momento lembra o de 1954 em todos os aspectos. Se Lula recuar, acabou sua carreira política e o governo federal. Se ficar no cargo no limite da legalidade, o governo pode sobreviver e até renascer do limbo em 2018. Pode tanto sair preso, como pode terminar tudo em um processo de impeachment, como também – em proporção menor – terminar sendo eleito ou indicando quem irá suceder Dilma em 2018. O cenário esta totalmente aberto, e o projeto do pacto de classes e aliança capital-trabalho, definitivamente, foi para a tumba.

Como sempre, repito: não foi por falta de aviso.

Quanto à posição de quem está na rua como lacerdistas: ou a direita que está na rua eleva os níveis de protesto, realizando atos de violência e “vandalismo” (ao menos na Esplanada e em frente ao Palácio do Planalto), intensificando algum grau de conflito também em São Paulo capital e Grande São Paulo, ou não vão gerar a comoção de irracionalidade e sentido de “justiça” que tanto gostam de proclamar. Isso é o que faz a direita escuálida venezuelana, protestos violentos denominados lá de guarimba, e aqui de “vandalismo”. Como a TFP estilo fashion week não se dispõe ao risco físico, o frenesi de indignação não deve ultrapassar os limites da gritaria, a não ser em São Paulo e em Brasília.

Infelizmente, a direita ideológica avança na base do artifício da desinformação e das manobras midiáticas. O pacto de classes e o peleguismo afastaram quem crê e pratica luta popular.Infelizmente, a direita ideológica avança na base do artifício da desinformação e das manobras midiáticas. O pacto de classes e o peleguismo afastaram quem crê e pratica luta popular.

Quanto à posição da centro ex-esquerda, que ainda está na base do governo e bastante acuada, o caminho também é estreito. A exemplo das entidades de base da Frente Brasil Popular, Povo sem Medo e outros aglomerados de setores sociais dentro do guarda-chuva do governo, falta uma plataforma de reivindicações que tenha possibilidade de convencimento.Sinceramente, não vejo capacidade de convocatória de quem não está nas alas governistas, a não ser que, por milagre e pensamento mágico tal como o proferido pelo presidente nacional da CUT, Vagner Freitas), ocorra uma evidente guinada à esquerda vinda do Palácio do Planalto.

A esquerda restante deve ficar muito atenta para não fazer coro com a nova-velha direita, sem com isso reforçar a proposta governista. Depois de mais de 13 anos de traições sem fim, fica quase impossível crer em qualquer tipo de “guinada à esquerda”, a não ser que ocorra alguma pouco provável reviravolta na direção dos movimentos da Via Campesina e afins.

Infelizmente, a direita ideológica avança na base do artifício da desinformação e das manobras midiáticas. O pacto de classes e o peleguismo afastaram quem crê e pratica luta popular.

A única saída para o PT é arrancar 171 votos mais um e se segurar no governo a qualquer custo. Por esquerda, o caminho é longo, contra a direita ideológica, mas sem poder defender o governo da ex-esquerda que padece.


Texto retirado do site Anarkismo

Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais.

site: www.estrategiaeanalise.com.br
email: strategicanalysis[a]riseup.net
facebook: blimarocha[a]gmail.com

(Reflexão) Sobre práticas acusatórias ao Movimento Anarquista brasileiro

Em outros momentos, a Rede de Informações Anarquistas publicou duas reflexões, a saber, Eleição é farsa, movimentos sociais e organizações anarquistas também!Porque eu não sou anarquista, dos autores R29 e J., respectivamente. Ambas as reflexões promovem importantes críticas ao estágio atual do movimento anarquista no Brasil, perpetuado de individualismos egocêntricos, jogos por poder e autoritarismos disfarçados de princípios programáticos que contradizem os próprios princípios libertários e libertadores que deveriam guiar o anarquismo em qualquer canto do mundo.

Contudo, de modo a criar um espaço de debate, afirmarei aqui que ambos os textos reproduzem alguns equívocos que também devem ser problematizados para que o movimento anarquista brasileiro possa vislumbrar melhores horizontes futuros. Argumento, acima de tudo, que não só o conteúdo de uma crítica importa, como também a forma através da qual ela é feita, algo aparentemente desconsiderado por ambos os autores ao não se preocuparem em desenvolver, em conjunto ao movimento anarquista, uma capacidade de autocrítica que possa ser construída de uma forma leve e saudável. Nesse sentido, apresento a seguir quatro elementos os quais julguei problemáticos nas duas reflexões:

A destruição pela destruição.

A destruição, ao contrário do que pensam muitos, carrega sim consigo uma capacidade inovadora e renovadora capaz de resolver problemas e modificar realidades. Afinal, das cinzas do velho mundo nasce o novo. Contudo, quando a destruição deixa de ser um meio e se transforma no próprio fim da ação, ela deixa de ser propositiva e vira apenas uma negação niilista que em nada agrega.

Ao ler ambos os textos, por mais que eles possuam críticas que eu não só compactuo, como acredito serem problemas centrais do movimento anarquista atual, acredito que os autores ao reproduzirem uma ênfase exacerbada nesse movimento destruidor e negacionista acabam por passar uma impressão que a destruição, que chamarei aqui carinhosamente de esculacho, é a única intenção de ambos.

Explico. Chego a essa interpretação devido aos seguintes fatores: além de ambos serem poucos propositivos (o que, em si, não necessariamente é um problema, pois, como dito, é preciso primeiro criticar para depois ser propositivo), tanto R29 quanto J. parecem estar fazendo a crítica de um lugar de fala fora do próprio objeto o qual eles estão criticando, a saber, o movimento anarquista brasileiro. R29 o faz isso ao rejeitar a própria existência do movimento anarquista no Brasil, enquanto J. nega a si próprio o rótulo de “anarquista”.

Ao fazerem isso, e falarem de certa forma de um “anarquismo que existe por aí”, parece que eles se colocam como imunes à própria crítica uma vez que a construção lógica presente nos textos estabelece uma relação separada entre sujeito crítico e objeto criticado como se essas fossem duas coisas completamente distintas. Se estão do lado de fora desse movimento, se chegam até mesmo a negar o próprio movimento, qual seria então os objetivos da crítica além de esculachar e desmoralizar tal movimento?

Oras, se ambos não fizeram parte e, de alguma forma, ainda fazem sim parte do movimento anarquista (ao se proporem criticá-lo), não são eles tão responsáveis pelos nossos erros como qualquer outro militante? Seja pela omissão, pelo silêncio momentâneo, pelo estabelecimento de prioridades pessoais ou pela seletividade de nossas práticas, seja o que for, quando criticamos uma coletividade, temos que ter ciência de que fazemos parte dessa coletividade, ou seja, que somos objetos de nossas próprias críticas – algo que ambos parecem não só fugir, como também negar ao apelarem até mesmo a uma linguagem debochada (“militontos”, “iluminados”, entre outros termos), em especial o primeiro texto, na construção de sua lógica argumentativa.

Afinal, se o deboche é utilizado como forma de realizar a crítica, quem iria debochar de si próprio? Torna-se evidente assim que o criticado é o “outro”, e não o “nós”. O que nos fazer entrar no segundo elemento que pretendo problematizar, logo abaixo.

A armadilha do anarcômetro. 

Ambos os textos criticam, com razão, a existência de um anarcômetro dentro do movimento, ou seja, uma conduta deplorável de alguns militantes de quererem determinar quem é ou não anarquista, ou quem é a organização ou indivíduo mais revolucionário dentro do movimento, algo que medem a partir de um limitado punhado de princípios e práticas que eles consideram como constituintes do “verdadeiro anarquismo”. Aqueles que não seguem esses princípios e práticas não seriam tidos, assim, como “anarquistas”.

Pois bem, por mais que eu concorde com essa crítica, tanto R29 quanto J. caem na armadilha de reproduzirem eles próprios o que estão criticando. Ao apelarem não só para o deboche, mas também para uma posição privilegiado onde eles se colocam “fora” do movimento anarquista e desenvolvem uma crítica do “outro”, de quem ainda acredita, ingenuamente, que está “dentro” desse movimento, torna-se perfeitamente plausível afirmar que o que os dois autores estão querendo dizer é que o movimento anarquista brasileiro como um todo está caminhando por estradas equivocadas e eles, os iluminados, foram os únicos a perceber isso.

Temos que nos conscientizar de que quando nos propomos a realizar uma crítica estamos sempre emitindo juízos de valores sobre o que achamos certo ou errado, quer a gente queira ou não. Reconhecer isso é o primeiro passo para conseguirmos construir uma crítica amiga e construtiva ao invés de um esculacho onde se estabelece uma relação do “iluminado” perante o “ingênuo”. O tom enfático, negacionista e de deboche presente nas duas reflexões de nada ajuda a construir essa crítica mais fraterna. Dessa forma, ambos os textos tratam-se, também, mesmo que de uma forma diferenciada, de “anarcômetros”.

A localização espacial da crítica. 

Quando alguém realiza uma crítica, é importante definir precisamente o que está sendo criticando para não cair no perigo de generalizar a reflexão a dimensões e espaços da realidade social os quais devemos humildemente reconhecer desconhecimento. Tanto o primeiro texto quanto o segundo caem nesse erro ao não localizarem espacialmente a sua crítica, onde enquanto o primeiro fala do “movimento anarquista brasileiro”, o segundo nem mesmo se dá o trabalho de definir qualquer localização geográfica.

Pois bem, conhecendo os autores de ambos os textos, sei que os dois tiveram uma experiência dentro do movimento anarquista diversificada, mas ainda assim um tanto limitada, assim como eu, assim como qualquer pessoa, não importa o quão experiente seja, pois, afinal, somos todos apenas meros seres humanos.

Os coletivos que fizemos parte, os espaços que estivemos presentes e as pessoas anarquistas que tivemos a chance de conhecer são ínfimos perto da gama de possibilidades existentes dentro do movimento anarquista brasileiro, mesmo que esse não se encontre em sua melhor fase.

Então, oras, como que é possível a partir dessa limitada experiência acreditar que é legítimo falar do movimento anarquista como um todo, sendo que este que está presente de norte a sul, sendo que há relatos de sua existência, organizada ou não, em todas as regiões brasileiras, e mesmo aqui na cidade onde moramos, temos total ciência da existência de espaços e grupos os quais pouco conhecemos?

Qual a necessidade de generalizar a crítica e partir para uma arrogante presunção de que o “anarquismo brasileiro é uma farsa” se não conhecemos o movimento anarquista brasileiro em sua plenitude? Qual a dificuldade de reconhecer a nossa limitação de atuação e localizar espacial e temporalmente a nossa crítica, dado que só podemos problematizar o que conhecemos?

Ambos os textos caem no equívoco de acreditar que a experiência limitada dos autores resume toda a dimensão de possibilidades e alternativas vigentes dentro do diversificado campo que chamamos de “movimento anarquista”. Errado. O movimento anarquista sempre foi, e sempre será, muito maior do que nossas individualidades. Ainda bem.

O anarquismo pós-colonial. 

Tanto o texto de R29 quanto a reflexão de J. contém uma crítica correta em relação ao eurocentrismo não só contido em muitos dos discursos e práticas de militantes e organizações anarquistas brasileiras, como em outras esferas de produção de conhecimento dada a relação geopolítica desigual entre centro periferia que o Brasil possui com os países do norte.

Contudo, antes de prosseguirmos, vale destacar que, embora eu compactue com a constatação colocada por ambos os autores de que o anarquismo precisa se renovar, ou seja, que precisamos problematizar o colonialismo existente no fato de que o pensamento anarquismo europeu do século 19 continua guiando as nossas práticas atuais em um Brasil do século 21, a questão não é, e nem pode ser, um total abandono de tudo que foi construído e dito até o presente momento.

Pois a história do movimento anarquista é, em alguma medida, a história do operariado, das pessoas oprimidas, dos de baixos, europeus ou não, e, se afirmamos que fazemos parte desses grupos ou que ao menos somos aliados a estes, temos o dever de resgatar e resguardar tal história que é incessantemente rejeitada e negada pela historiografia oficial imposta pelo Estado e suas instituições elitistas. Além disso, tal acúmulo histórico pode conter sim respostas a problemas que hoje nos perturbam em nossas militâncias cotidianas. O problema, portanto, não é descartar o que foi produzido pela sua limitação regional e temporal, mas a transposição mecânica e acrítica que alguns militantes brasileiros fazem dos conceitos e teorias concebidas em realidades distintas do contexto social singular do Brasil atual.

Ambos os autores concordariam comigo, acredito. R29 atenta para a condição colonizada do nosso país, decreta também que os séculos 19 e 20 já acabaram além de atestar que as armas utilizadas pelo movimento anarquista de cá tratam-se de interjeições e verbetes importados dos países europeus. Já J. diz que “se ser anarquista é vomitar pensadores de outros séculos e fechar os olhos para o quanto o mundo mudou desde então, eu não sou anarquista“. Pois bem, a crítica está correta. O equívoco está em achar que tal crítica é inédita.

A questão é que essa reflexão crítica tão necessária para a renovação do movimento anarquista já se encontrando em curso há um bom tempo. O bolo já foi fatiado e distribuído, a cereja já foi digerida. Não só isso, enquanto R29 e J. ainda se limitam a simples crítica, o anarquismo do século 21 já superou esse momento ao estar vivenciando processos propositivos onde novos caminhos possíveis estão sendo colocados no horizonte de possibilidades, mesmo que muitos ainda se encontrem em uma fase embrionária.

Exemplos não faltam. O diálogo entre povos não-ocidentais com a teoria libertária presente na antropologia anarquista, o movimento pós-anarquista influenciado pelo pós-estruturalismo francês, o anarquismo negro de diversos militantes ex-Panteras Negras que incessantemente ganha forma nos Estados Unidos, o resgate da história do movimento anarquista em países da África, o confederalismo democrático curdo, os diálogos globais entre os novos movimentos sociais (feministas, queer, trans, LGBT, movimentos negros, etc.) com o anarquismo e, para darmos um exemplo local, as recentes conexões que estão sendo feitas entre os movimentos quilombolas e anarquistas no nordeste brasileiro e o movimento anarcopunk paulista que continuamente coloca em intersecção o anarquismo com as pautas raciais ilustram a capacidade de reinvenção do anarquismo mundial que tanto R29 e J. clamam e parecem negar.

Então, se considerarmos que o movimento anarquista brasileiro ainda está longe do ideal tanto em termos quantitativos quanto em formas qualitativas, qual a necessidade desse jogo identitário de ficar se afirmando frente a meia dúzia de militantes que continuam a insistir no passado? Por que não apostar nessas outras proposições que já se encontram sendo desenvolvidas cotidianamente por pessoas que necessitam mais do que eu, indivíduo privilegiado, por essa renovação? Por que toda essa ênfase na negação, na crítica ao outro, na retórica discursiva, se a melhor maneira de criticar alguém é com base no fazer diferente? Ou seja, ao invés da negação, ação. Ou melhor, negar o autoritarismo e o jogo por poder existente dentro do movimento anarquista brasileiro, algo que não ouso negar, com base em uma ação cotidiana, diária e contínua.

Debochar do outro, se colocar como fora de um movimento o qual você também fez parte e é igualmente responsável por, criticar esse movimento a partir desse lugar de fala diferenciado e privilegiado o colocando como o “outro ingênuo” enquanto você, o “iluminado”, foi um dos poucos que percebeu o quão errados estamos, tudo isso o movimento anarquista já está cheio. O que precisamos agora é desenvolver um ambiente inclusivo, livre de autoritarismos e opressões, no qual a crítica pode não só ser construída de forma leve e cuidadosa, como também traduzida em ações propositivas – e isso, como vimos nos exemplos citados, não falta. Então, antes de negar o anarquismo, conheça o anarquismo. Pois ele se encontra muito além de nossas limitadas e egóicas individualidades. As potencialidades estão aí, basta explorarmos elas.

Por G.

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