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(Artigo) Anarquistas não são heróis

grécia
Revoltas na Grécia, em 2008

Há um mito que paira no ar na maioria dos locais de resistência, nas lutas, na cabeça de algumas pessoas. Algo não dito, mas que parece estar implícito como ideia do que são ou deveriam ser os anarquistas.

As pessoas anarquistas são pessoas iguais às outras, comem nos meios capitalistas (afinal estamos dentro desse sistema e negar-lo é não sobreviver para derrubá-lo) ou plantam seu próprio alimento, bebem e ficam bêbados, trabalham nas suas cooperativas ou em diversos setores da sociedade (inclusive no Estado), sentem frio, tem dor de cotovelo, são tristes e felizes. Essas pessoas anarquistas podem ser eu, ser você, sermos todxs nós, mas elas só são e somente são onde exista a luta contra o poder, onde exista alguma forma de opressão, as anarquistas só são ou serão onde existirem, basicamente, um ou esses dois fatores: Poder e Opressão.

Entende-se esse ser no sentido de existir, pois numa sociedade onde não há poder e ou opressão qual seria a necessidade dos anarquistas existirem em constante luta?

A autonomia é um direto de todo ser humano, ela tange e flerta diretamente com a liberdade. Liberdade negada e cerceada por todas as formas de poder que exercem ou não opressões. Tanto autonomia e a liberdade são o combustível da anarquista e é o que lhe move, o ar que ela respira, é como a inspiração do pintor ou como céu estrelado dos olhos brilhantes da criança.

Privar a anarquista da sua autonomia e ou sua liberdade é automaticamente se por do lado de lá da barricada, dizer o que ela tem que fazer, como ela tem que fazer ou onde ela tem que estar, é reproduzir a lógica da verticalidade e autoritarismo, é se por como o senhor dela.

Um exemplo cotidiano é que você não vai na casa do seu vizinho e manda ele trocar os móveis de lugar e sim você sugere a ele isso, cabe a ele e somente a ele, levando em consideração ou não seu argumento, decidir o que deve ou não fazer.

anarchist love

Com as anarquistas não é diferente, pois qualquer um tem o direito de expressar sua opinião e dize-la, a anarquista ouvirá (se quiser) e ela decidirá o que fará. Cabe lembrar que suas bases (teóricas e ou práticas) e como ela se identifica como anarquista a fará ter melhor visão do que ela terá ou não que fazer. Afinal acordamos todos dias bombardeados por relações de poder, por todas as desigualdades, pelas práticas vendidas pelo sistema capitalista, pelo ego e vaidade, pelo individualismo liberal, por N fatores que nos fazem estar em constante luta de reafirmação e aprendizagem do que é ser uma anarquista.

Toda oprimida é uma anarquista, pois no seu íntimo, muitas vezes conformado, existe a faísca da revolta contra seus opressores. Não que estejamos aqui tentando rotular o anarquismo como a base, mas sim estamos tentando dizer que a prática desencadeada pelo oprimido contra o seu opressor é na sua essência a prática anarquista de luta pela liberdade, logo, talvez você venha a se descobrir ou até, por questões políticas, dizer que é uma anarquista.

Nós não somos os iluminados, não sabemos identificar todas as opressões e todas as formas de controle e poder, falhamos diversas vezes reproduzindo a opressão que tanto lutamos contra, reproduzindo centralismos, verticalidades e tudo que gera algum tipo de cerceamento da liberdade do outro, ora pois, não sejamos hipócritas em admitir tal coisa, muito pelo contrário, temos o dever de expor nossos erros e reconhecê-los; esse é o primeiro passo para a superação dele, um passo de cada vez na construção de métodos e formas de não opressão e de não poder. Mostrar para os não ditos anarquistas que não somos pessoas perfeitas, que também somos pessoas iguais a eles, mas pessoas que talvez diferentemente deles tem a ciência e reconhecem que devem lutar contra toda forma de poder e a opressão.

Essa mística que a anarquista é o ser perfeito não dotado de formas de opressão e/ou radar identificador delas é culpa dos próprios anarquistas uma vez que se colocam como os “eruditos” ou estudiosos dos métodos de liberdade e esquecem de se olhar no espelho e expor seus erros, seus egos, seus privilégios, esquecem de dizer que também são humanos e vivem dentro de uma sociedade que indiretamente te faz reproduzir a opressão e relações de poder. Esse posicionamento que colocam as anarquistas de ser um possível “ser iluminado” não é propagado por nós, mas muitas vezes identificado por outras pessoas, “não anarquistas”, como nós sendo as pessoas que estão mais perto de não reproduzir poder e ou opressão e nisso nos cai a responsabilidade de zelar por tal, nos cai um fardo muito maior que nos é devido, mas que tem a total lógica devido a quem somos e porque somos.

É preciso entender que a anarquista não é um ser perfeito livre de reprodução de poder e ou opressão, mas um ser que luta todos os dias contra esses dois fatores e está na sua constante guerra interna e externa contra eles.

Por D.

(Comunicado) Esta bandeira na verdade já é vermelha

bandeiravermelha

Vermelha do sangue dos indígenas massacrados desde o tempo dos descobrimentos, até hoje pelos jagunços dos pecuaristas e das mineradoras. Vermelha do sangue dos povos africanos escravizados até o século 19 e até hoje marginalizados, violentados e assassinados pela polícia. Vermelha do sangue daquelas pessoas que lutaram pela liberdade e foram brutalmente torturadas e assassinadas por governos autoritários como o dos militares, apoiados pelas elites e pela grande imprensa. Vermelha do sangue das mulheres e homossexuais vítimas do patriarcado e do machismo. Vermelha do sangue de todas pessoas (até crianças) que foram sumariamente executadas pelas polícias ou milícias que agem em nome das “pessoas de bem”.

Por um mundo sem bandeiras e sem fronteiras!

Coletivo Gralha Azul

gralhaazul@riseup.net

 

(Reflexão) Para nós, homens: o debate feminista no ENEM e a nossa obrigação enquanto machistas

Para nós, homens.

11249094_10153261009871973_86279490837545895_nDe nada adianta compartilhar o meme da Simone de Beauvoir ou comemorar o tema da redação no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), a saber, a persistência da violência contra a mulher no Brasil, se não estamos engajados em um processo contínuo de autocrítica e vigilância sobre nossas micro-práticas que violentam, seja fisicamente, seja simbolicamente, as mulheres ou outro grupo oprimido.

Celebrar o alheio e se juntar ao coro é fácil. Agora, refletir sobre a nossa própria posição social enquanto machistas e indivíduos privilegiados, o que por conta própria já é uma violência em si, aí trata-se de um caminho que quase ninguém quer trilhar.

Mesmo os poucos que trilham esse caminho, boa parte o faz com muita dificuldade. Alguns são seletivos em sua autocrítica, se recusam a ouvir certas sugestões e críticas de nossas companheiras e amigas feministas sobre nossa conduta e/ou deixam de chamar a atenção de nossos amigos homens quando eles reproduzem algum tipo de postura machista na nossa frente (e aqui eu me incluo como alvo dessa crítica, pois nenhum de nós, homens, está imune de tal processo reflexivo).

Para ser um homem empenhado em desconstruir o patriarcado, o machismo e o sexismo não basta afirmar perante ao mundo “eu não sou machista”. Nem mesmo a mera autoafirmação como anarquista ou libertário é suficiente para atingir essa desconstrução, uma vez que de nada serve a retórica descolada da prática, um problema que faz com que o movimento anarquista seja, infelizmente, repleto dos ditos “anarcomachos” – os supostos anarquistas que não problematizam o machismo inerente em suas condutas e em suas organizações.

Para sermos esse homem comprometido com a construção de relações sociais livres de opressões, o primeiro passo é justamente nos reconhecer como machistas, é dizer para o mundo e para si mesmo, “eu sou machista”. Enquanto as estruturas de poder de nossa sociedade continuarem a reproduzir práticas e discursos que oprimem mulheres, enquanto o patriarcado persistir em ser a ideologia hegemônica, nós seremos machistas, não importa o quão avançado estamos em nossos processos de desconstrução e autocrítica. Pois não há uma solução individual para um problema que é coletivo.

Não basta desconstruir, é preciso destruir esse patriarcado, e essa destruição há de ser coletiva. Ou todos nós deixamos de reproduzir posturas e valores machistas, ou continuaremos todos a oprimirem mulheres, seja de forma estrutural e involuntária ou consciente e deliberada – não existe exceções.

Não tornemos, portanto, vazia toda a justa celebração que ocorreu em torno da presença das tão importantes pautas feministas na prova do ENEM. Por mais que nós, enquanto anarquistas, recusemos tal prova por ela se tratar de uma ferramenta elitista e mercadológica que reproduz desigualdades e opressões capitalistas, reconhecemos o valor de ter esse debate antiopressão inscrito em seu conteúdo no sentido de disseminar essas ideias e fazer frente a discursos conservadores e protofascistas.

Dito isso, devemos permitir que todo o debate incitado por esse momento histórico passe de fato a influenciar nossa conduta cotidiana para combatermos toda violência machista e sexista inserida em nossas práticas tanto em um nível macro (no caso, na disputa pelos discursos) quanto em um nível micro (no nosso dia-a-dia).

Homens, não passaremos!

Por Gustavo Fernandes

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(Tradução) 8 formas de não ser umx aliadx

Tradução do original “8 ways not to be an ally”, por Black Girl Dangerous. A imagem com o texto original em inglês pode ser conferida no final do post abaixo. 


As pessoas gostam de abusar do termo “aliadx”. Pessoas brancas que reivindicam ser antirracistas; gente sem deficiências que alegam investir no questionamento das normas capacitistas; cis queers que afirmam compreender a importância da visibilidade trans*. Grosso modo, as pessoas reivindicam ser “aliadxs” regularmente e com uma facilidade enorme. Contudo, a verdade é que se “aliar” exige bem mais trabalho do que a maioria de nós imagina. Na verdade, demanda uma vigilância constante. E há diversas maneiras em que nós estamos falhando todos os dias nessa vigilância. Para ser franco, algumas pessoas estão fazendo isso de forma completamente equivocada.

Para ajudar a resolver o problema, compilamos essa lista de “8 formas de não ser umx aliadx” e esperamos que seja útil.

1. Assumir que um ato de solidariedade faz de você umx eternx aliadx

Lembra daquela vez que seu tio falou aquelas merdas todas sobre pessoas mexicanas imigrantes “ilegais” e você encheu o peito para falar “na verdade, tio, Califórnia é México, você que precisa ler mais história porque, hein, quanta besteira racista?!”, aquela porra foi foda, saca? E super significa que você é umx aliadx com A maiúsculo para sempre! Mais do que sempre! Pronto, está feito. Vamos beber uma cerveja para comemorar. Mas quer saber? Não. Se aliar exige muito mais prática do que isso. É uma coisa constante e que vai evoluindo. Quero dizer, imagina se rotular como sendo umx grande amante depois que você comeu buceta uma só vez. Isso seria ridículo, né?

2. Centre tudo nos seus sentimentos.

Aquelas mágoas resultantes daquele momento que você fez um ato de racismo/transfobia/capacitismo, etc. são absolutamente mais importantes que o impacto das ações pelas quais você está sendo criticado ou criticada. Sério. E nem estou de sacanagem. Argh! Quero dizer, eu sei que você se sente como se seus sentimentos tivessem importância número 1, mas não, eles não possuem. Eu mesma já fui culpada desse tipo de atitude ridícula no passado. Acredito que todo mundo seja culpado disso ocasionalmente. Mas esse fato não faz com que isso seja aceitável. Tente lembrar daquelas pessoas que foram impactadas pelas suas palavras ou ações racistas/transfóbicas/capacitistas, etc. São os sentimentos delas que precisam de atenção em primeiro lugar. Não os seus.

3. Fique com todos eles, todas elas.

Algumas pessoas parecem achar que o meio mais rápido para alcançar um status de aliadx vitalício é apenas ficar com todos os indivíduos que se parecem com quem essas pessoas dizem se solidarizar. Antirracista? Fique com todas as pessoas negras! E certifique-se de fazer isso exclusivamente e sem análise alguma sobre fetichismo, exotificação ou sobre as formas como o seu corpo branco possa estar interrompendo espaços negros. Até porque, né, você é uma pessoa aliada e tal. Certo? Não.

4. Não veja raça/gênero/deficiências/etc.

Você sabe o que eu amo? Quando as pessoas não veem a minha raça. Não tem nada mais afirmativo para mim como sujeito do que ter partes essenciais em mim e minha experiência completamente desconsideradas. Quero dizer, por dentro nós somos todxs iguais. E existe apenas uma única raça: a raça HUMANA. Não é isso?! Argh! Escute: se a sua habilidade de respeitar o direito de uma pessoa de existir requer fingir que ela é como você, isso é um problema. Nós não somos iguais. E coisas como raça, gênero, deficiências, etc. são exatamente o tipo de fatores que definem nossas vidas e nossas experiências e fazem com que sejamos diferentes. Ser diferente não é um problema. A ideia de que para podermos ter o direito de existir temos que ser que nem você é o que consiste no real problema.

5. Não se esforce mais

Você tentou, certo? Você contatou três artistas queers negras e perguntou se elas queriam estar no seu espetáculo burlesco e todas recusaram. Agora o seu espetáculo é tão branco quanto uma reunião da KKK, mas não é sua culpa, correto? Você fez a sua parte. Mas agora as pessoas estão furiosas e não faz o menor sentido porque, caramba, qual é, você se esforçou, tentou de tudo! Aqui está a questão, no entanto: se esforce mais! Se mudar o status quo fosse fácil, nós já teríamos feito isso há séculos atrás.

6. Desafie a opressão em situações pessoais mas não de forma sistêmica

Já é o suficiente que você tenha dito alguma coisa quando sua avó usou o termo “vagabunda”. O fato de que você vai trabalhar todo dia em uma organização queer onde nenhuma das 50 empregadxs são mulheres trans* e que você nunca disse nada sobre isso está além da questão. Você está travando uma luta contra os “ismos” interpessoais e é isso o que importa. Exceto que… Você sabe… Isso não é bem verdade. Transfobia, capacitismo, racismo e todas as outras fobias/ismos não são problemas interpessoais. Elas são completamente sistemáticas. E corrigir a sua vovó não acaba com isso. Pense maior, pode ser?

7. Pegue, não dê

Para ser umx grande aliadx, apareça em todos os eventos do movimento negro, leia todos os artigos sobre o complexo prisional-industrial e os comente extensivamente, além de perguntar questões intermináveis na mesa aberta daquele simpósio sobre justiça para deficientes. E sem sombra de dúvidas apareça cedo no festival gratuito de cinema com lotação limitada sobre Queers e Mulheres Negras, para você garantir o seu lugar. Mas nunca, jamais se voluntarie ou doe algo para possibilitar que essas coisas aconteçam.

8. Cite Audre Lorde

A melhor forma de demonstrar solidariedade com um grupo de pessoas é constantemente citar pessoas famosas daquele grupo em conversas regulares. Ou em um status do Facebook. De fato, você deve geralmente se portar como se você soubesse mais sobre as experiências de um grupo de pessoas marginalizadas do que essas próprias pessoas. Essa merda é super atraente. E de jeito nenhum me dá vontade de socar a sua cara.

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“Este texto está escrito em linguagem não sexista, quer dizer, não vamos usar o masculino para representar um grupo misto, por exemplo ‘os trabalhadores’. Assim, usamos o X para indicar que o gênero é indefinido, por exemplo: ‘xs trabalhadorxs’. Quando isso não for possível, usaremos a palavra feminina, por exemplo ‘algumas’.”

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