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(Artigo) Não precisamos de heróis

Quando supervalorizamos, endeusamos, esquecemos que tudo é sagrado! Perdemos a dimensão do todo e ficamos apenas com a parte!

Acreditar que alguém tem o poder de ser herói é abrir mão de nossa própria incumbência. Precisamos nos perguntar, porque necessitamos de heróis? Por que precisamos de alguém ou de uma estrutura ideológica como objeto de adoração?

Parece que o capitalismo tem a propriedade de cooptar qualquer coisa que atinja uma grande popularidade para seu uso, ou seja, para seu próprio benefício, e para manipular opiniões! Tanto assim que o primeiro super-herói, o SuperMan foi criado e serviu para projetos ideológicos. “Eles” têm super poderes e podem dominar o mundo! Dominar o mundo! Esse é o projeto de poder por trás!

Vivemos numa sociedade que lança expectativas sobre nós desde o útero materno, somos sempre alvos de enormes expectativas que muitas vezes não tem nada a ver com nosso eu essencial e que nos sobrecarregam sufocando nossas reais potencialidades. Nossa criança interior fez negociações por amor e muitas das quais não têm a menor condição de cumprir! Crenças, ficções, que alimentam uma perfeição impossível de ser alcançada! Ser herói/heroína é uma delas!

Portanto, se você quer que alguém se destrua e sucumba ao peso de um esforço sobre-humano – torne-a um herói/heroína! Porque, convenhamos, até que ponto um super herói/heroína pode ser considerado um ser humano? Temos o direito de retirar-lhes a humanidade, sua vulnerabilidade? E como será a vida secreta de nossos heróis? O que acontece em seu mundo secreto quando precisam enfrentar a relação com seu verdadeiro eu? A que imagem mitificada tem o herói que corresponder? É possível sustentar sem se diluir? Não será essa lógica semelhante aquela que a mídia utiliza para hipnotizar com suas novelas? E que fabrica tal espetáculo para de propósito confundir ficção com realidade e com isso dessensibilizar, adiar nossa autonomia, nosso amadurecimento?

A dor de existir é algo inescapável!

Se temos possibilidade de ter nossa expressão no mundo e ser referência para outras pessoas, então nosso empenho serve apenas para lembrar que todos somos frágeis e que precisamos desenvolver nosso potencial para cumprir nossa tarefa, nossos dons! Transferir nossa responsabilidade para quem quer que seja pode ser muito confortável, mas é um enorme egoísmo!

Estamos construindo novas formas de estar no mundo, nem um líder, nem multidão! Singularidades simples, meia dúzia de gatos pingados em cada esquina, em cada praça, ajudando a recordar nossa humanidade, nossa interdependência!

Que o ativismo político atual possa alcançar a capacidade de criar uma nova ética planetária onde cada um lança uma semente para contribuir com um mundo onde haja justiça social, tomando cada um seu próprio dom e potencialidade para gerar um tempo onde as futuras crianças não precisem de heróis, pois a vida será sagrada!

Por companheiros e companheiras que frequentam a Assembleia Popular do Largo do Machado, no Rio de Janeiro

(Artigo) Anarquistas não são heróis

grécia
Revoltas na Grécia, em 2008

Há um mito que paira no ar na maioria dos locais de resistência, nas lutas, na cabeça de algumas pessoas. Algo não dito, mas que parece estar implícito como ideia do que são ou deveriam ser os anarquistas.

As pessoas anarquistas são pessoas iguais às outras, comem nos meios capitalistas (afinal estamos dentro desse sistema e negar-lo é não sobreviver para derrubá-lo) ou plantam seu próprio alimento, bebem e ficam bêbados, trabalham nas suas cooperativas ou em diversos setores da sociedade (inclusive no Estado), sentem frio, tem dor de cotovelo, são tristes e felizes. Essas pessoas anarquistas podem ser eu, ser você, sermos todxs nós, mas elas só são e somente são onde exista a luta contra o poder, onde exista alguma forma de opressão, as anarquistas só são ou serão onde existirem, basicamente, um ou esses dois fatores: Poder e Opressão.

Entende-se esse ser no sentido de existir, pois numa sociedade onde não há poder e ou opressão qual seria a necessidade dos anarquistas existirem em constante luta?

A autonomia é um direto de todo ser humano, ela tange e flerta diretamente com a liberdade. Liberdade negada e cerceada por todas as formas de poder que exercem ou não opressões. Tanto autonomia e a liberdade são o combustível da anarquista e é o que lhe move, o ar que ela respira, é como a inspiração do pintor ou como céu estrelado dos olhos brilhantes da criança.

Privar a anarquista da sua autonomia e ou sua liberdade é automaticamente se por do lado de lá da barricada, dizer o que ela tem que fazer, como ela tem que fazer ou onde ela tem que estar, é reproduzir a lógica da verticalidade e autoritarismo, é se por como o senhor dela.

Um exemplo cotidiano é que você não vai na casa do seu vizinho e manda ele trocar os móveis de lugar e sim você sugere a ele isso, cabe a ele e somente a ele, levando em consideração ou não seu argumento, decidir o que deve ou não fazer.

anarchist love

Com as anarquistas não é diferente, pois qualquer um tem o direito de expressar sua opinião e dize-la, a anarquista ouvirá (se quiser) e ela decidirá o que fará. Cabe lembrar que suas bases (teóricas e ou práticas) e como ela se identifica como anarquista a fará ter melhor visão do que ela terá ou não que fazer. Afinal acordamos todos dias bombardeados por relações de poder, por todas as desigualdades, pelas práticas vendidas pelo sistema capitalista, pelo ego e vaidade, pelo individualismo liberal, por N fatores que nos fazem estar em constante luta de reafirmação e aprendizagem do que é ser uma anarquista.

Toda oprimida é uma anarquista, pois no seu íntimo, muitas vezes conformado, existe a faísca da revolta contra seus opressores. Não que estejamos aqui tentando rotular o anarquismo como a base, mas sim estamos tentando dizer que a prática desencadeada pelo oprimido contra o seu opressor é na sua essência a prática anarquista de luta pela liberdade, logo, talvez você venha a se descobrir ou até, por questões políticas, dizer que é uma anarquista.

Nós não somos os iluminados, não sabemos identificar todas as opressões e todas as formas de controle e poder, falhamos diversas vezes reproduzindo a opressão que tanto lutamos contra, reproduzindo centralismos, verticalidades e tudo que gera algum tipo de cerceamento da liberdade do outro, ora pois, não sejamos hipócritas em admitir tal coisa, muito pelo contrário, temos o dever de expor nossos erros e reconhecê-los; esse é o primeiro passo para a superação dele, um passo de cada vez na construção de métodos e formas de não opressão e de não poder. Mostrar para os não ditos anarquistas que não somos pessoas perfeitas, que também somos pessoas iguais a eles, mas pessoas que talvez diferentemente deles tem a ciência e reconhecem que devem lutar contra toda forma de poder e a opressão.

Essa mística que a anarquista é o ser perfeito não dotado de formas de opressão e/ou radar identificador delas é culpa dos próprios anarquistas uma vez que se colocam como os “eruditos” ou estudiosos dos métodos de liberdade e esquecem de se olhar no espelho e expor seus erros, seus egos, seus privilégios, esquecem de dizer que também são humanos e vivem dentro de uma sociedade que indiretamente te faz reproduzir a opressão e relações de poder. Esse posicionamento que colocam as anarquistas de ser um possível “ser iluminado” não é propagado por nós, mas muitas vezes identificado por outras pessoas, “não anarquistas”, como nós sendo as pessoas que estão mais perto de não reproduzir poder e ou opressão e nisso nos cai a responsabilidade de zelar por tal, nos cai um fardo muito maior que nos é devido, mas que tem a total lógica devido a quem somos e porque somos.

É preciso entender que a anarquista não é um ser perfeito livre de reprodução de poder e ou opressão, mas um ser que luta todos os dias contra esses dois fatores e está na sua constante guerra interna e externa contra eles.

Por D.

(Artigo) Sobre o Consenso | retirado de “Anarquismo, ou o Movimento Revolucionário do Século XXI”

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Assembleia Geral do movimento Occupy Wall Street, Nova Iorque, 8 de outubro de 2011

Por David Graeber e Andrej Grubacic

[…] A nova geração de anarquistas está muito mais interessada no desenvolvimento de novas formas de práticas do que de argumentar sobre os pontos mais delicados da ideologia. A mais drástica entre essas formas tem sido o desenvolvimento de novas formas de processos deliberativos, que seria o começo, pelo menos, de uma cultura democrática alternativa. Os famosos conselhos norte-americanos, onde milhares de ativistas coordenavam eventos de grande escala através do consenso, sem alguma estrutura formal de liderança, é apenas um dos exemplos mais espetaculares.

Na verdade, chamar essas formas de “novas” pode ser um tanto quanto equivocado. Uma das principais inspirações para a nova geração de anarquistas são os municípios zapatistas autônomos de Chiapas, baseado nas comunidades de língua tsetal ou tojolabal, que tem usado o consenso como processo decisório por milhares de anos – apenas agora adotados por revolucionários para assegurar que mulheres e pessoas mais jovens tenham suas vozes ouvidas. Na América do Norte, o “processo do consenso” emergiu principalmente a partir do movimento feminista da década de 70, como parte de uma ampla reação às lideranças masculinas e machistas típicas da Nova Esquerda dos anos 60. A ideia de consenso em si foi pego emprestada dos Quakers que, de novo, afirmam ter se inspirado nas nações Iroquois e outras práticas ameríndias.

O consenso é frequentemente incompreendido. É comum ouvir críticas que afirmam que o consenso causaria uma conformidade sufocante, mas quase nunca ditas por alguém que, de fato, observou o consenso em ação, ou ao menos guiado por facilitadores treinados e experientes (algumas experiências recentes na Europa, onde há pouca tradição nesse âmbito, mostram-se um tanto cruas). Na verdade, o pressuposto operacional presente no consenso é que ninguém realmente pode converter uma outra pessoa completamente ao seu ponto de vista, ou que deveria realizar tal ato. Ao invés disso, o ponto central do processo de decisão através do consenso é permitir que um grupo decida um curso comum de ação. Ao invés de votar propostas para cima e para baixo, as propostas são trabalhadas, retrabalhadas e reinventadas, através de um processo de negociação, cessão e síntese, até que seja alcançado uma proposta que todo mundo possa aceitar.

Quando se trata da etapa final, ou o momento de “encontrar o consenso”, existem dois tipos de objeções possíveis: uma que alguém pode “ficar de fora”, que seria dizer “eu não gosto disso e não participarei mas eu não irei impedir qualquer outra pessoa de fazer isso”, ou “bloquear”, que teria o poder de um veto. Uma pessoa só pode vetar se sentir que a proposta está em direta violação dos princípios ou razões fundamentais do grupo. Pode-se dizer que tal função, que na constituição dos EUA é relegada às cortes, de derrubar decisões legislativas que violam princípios constitucionais, é aqui relegada a qualquer pessoa que tenha coragem o suficiente de levantar-se contra a vontade combinada do restante do grupo (embora haja, é claro, formas de questionar vetos não fundamentados).

Poderíamos continuar a discorrer sobre os elaborados e surpreendemente sofisticados métodos que tem sido desenvolvidos para garantir que tudo isso funcione; sobre as formas de consenso modificado requeridas para grupos muito grandes; sobre o fato que o consenso em si reforça o princípio de descentralização ao garantir que uma pessoa não queira fazer propostas diante de grupos muito grandes a não ser que precise mesmo fazê-la; sobre os caminhos pelos quais garante-se a igualdade de gênero e a resolução de conflitos…

O ponto é, essa é uma forma de democracia direta que é muito diferente do tipo que nós frequentemente associamos com tal termo – aliás, em relação a isso, esse tipo de sistema de votação majoritária foi comumente adotado por anarquistas europeus e norte-americanos de gerações passadas, ou adotado ainda, por exemplo, nas assembleias da classe média argentina (apesar de que, significamente, entre os piqueteros mais radicais, os desempregados organizados tendiam a operar através do consenso). Com um contato crescente entre diferentes movimentos internacionalmente, com a inclusão de grupos indígenas e movimentos da África, da Ásia e da Oceania que possuem tradições radicalmente diferentes, nós estamos vendo novos começos de uma nova reconceitualização global do que “democracia” deveria significar, de preferência o mais longe possível do parlamentarismo neoliberal promovido pelas potências mundiais existentes.

É difícil de seguir esse novo espírito de síntese através de leituras da maior parte da literatura anarquista existente, pois aqueles que optam por gastar a maior parte de suas energias em questões teóricas, ao invés de fazer emergir novas formas de práticas, são os mais propícios a manter as velhas lógicas dicotomizantes e sectárias. O anarquismo moderno é imbuído de incontáveis contradições. Enquanto pequenos grupos anarquistas estão lentamente incorporando ideais e práticas aprendidas com seus aliados indígenas aos seus modos de organização ou em suas comunidades alternativas, uma das principais tendências entre a literatura tem sido a emergência de uma seita de Primitivistas, um grupo notoriamente controverso que pede pela abolição da civilização industrial e, em alguns casos, até da agricultura. Ainda assim, é apenas uma questão de tempo para que essas lógicas antigas comecem a dar espaço para algo que se assemelhe mais à prática dos grupos baseados no consenso.

Traduzido pela R.I.A. do texto original, em inglês, que pode ser encontrado aqui.

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Milhares de pessoas se reúnem no Largo de São Francisco, Rio de Janeiro, durante as revoltas de 2013; momento quando a multidão se viu diante de uma mesa desastrosa, que não soube conduzir o processo, revelando nossa dificuldade crônica, como esquerda radical, de enfrentar o desafio da organização fora dos espaços ou dos padrões mais tradicionais do movimento.