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(Reflexão) O que é a liberdade se não um conjunto de fatores propícios a ela?

Muitos associam a liberdade com o voar dos pássaros mas até essa forma simbólica, se observamos com cuidado, nos mostra que a liberdade é fruto de ações pelo meio. Sua limitação, sua ilimitação, velocidade, deslocamento, grandeza e etc, são fatores físicos naturais que intervém diretamente e nos esclarecem, pela visão natural, que tudo está associado para seguir um fluxo onde a diferença na soma final dos vetores se equilibrem e seja plena, ou seja, a liberdade. 

Vamos analisar o vôo de um pássaro: Já paramos para nos perguntar por que o pássaro, quando no seu vôo, não se desloca infinitamente para fora do espaço terrestre? Isso não acontece, pois existe uma força gravitacional que o puxa para baixo e o “prende” a terra. Por que muitos pássaros preferem migrar de forma coletiva a individual? Pois o atrito do ar contrário ao seu rumo é maior quando apenas um se desloca e menor, devido ao revezamento e vácuo gerados pelo vôo, em conjunto, proporcionando assim um melhor deslocamento e priorizando a vida de cada um ali mutuamente.

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E o que a liberdade tem a ver com isso?

A analogia do vôo do pássaro nos mostra que o simples fato de não estar preso a um meio é a liberdade em si. E também que esse mesmo meio é o meio no qual buscamos a liberdade. Se pudéssemos voar a nossa liberdade, por analogia, seria a terra. Os meios são diferentes, a natureza é extremamente complexa nas suas formações químicas e físicas, e mesmo assim ela consegue ser livre. Ou seja, exercer sua liberdade de forma plena contemplando, dentro do seu infinito meio de diferenças, todas as formas de liberdade, onde todas elas se apóiam gerando aquilo que chamamos de caos, (por não ter definições teóricas matemáticas) mais conhecido também como liberdade.

Rede de Informações Anarquistas

“Debaixo para cima, RIA você também.”

(Artigo) Liberdade: Reflexão baseada em observações físicas e matemáticas

A vida por si só é uma grande construção matemática de dependência mútua dos seus fatores e variáveis, a roda gira e varia sua velocidade em função do atrito do vento e solo, esses dois exercem forças em sentidos contrários alterando seu percurso e deslocamento, e ainda sem mencionar, claro, a energia propagada por esse processo é transformada em diversas outras formas. Assim provamos uma freqüência infinita de relações mútuas entre todos os fatores, direta e indiretamente, envolvidos nesse processo e em todos os outros processos na natureza.

11017707_786731761413463_5618138323943952948_nAssim, também, são as relações humanas. O ser humano vive buscando desde a sua existência a liberdade, mas o ser humano não é diferente da natureza e tão pouco dos fatores físicos mútuos de qualquer processo dela. Logo liberdade não é um fato alcançável sozinha, ela depende de amplas construções, relações e interações sociais macro e micro.

Qual a influência que um indivíduo exerce sobre o outro e qual é a responsabilidade, nessa lógica mútua da natureza, das suas ações em função da sua liberdade?

slide_5A simples observação do indivíduo e suas formas de convivência, a despeito de sentimentos, nos indica o quão deturpada está o significado de liberdade. Qual é o limite da liberdade de um indivíduo? Até que ponto a minha liberdade limita a liberdade dos indivíduos ao meu redor? E se limita também pode ser considerado uma forma de opressão?

Entender que “a liberdade do outro estende a minha ao infinito” é compreender que simples atitudes podem influenciar diretamente se não tivermos a devida sensibilidade e consideração.

Liberdade é mais do que uma autonomia individual, não devemos confundir o “eu sou livre” nos julgando livres, quando do ponto de vista coletivo apenas estaremos sendo individualistas e em contra partida indiretamente cerceando o nosso redor da sua própria, grande ou pequena, parte de uma total liberdade. Jamais chegaremos a ela de forma individualista e é um erro crer nisso.

liberdade-8-728Entender a liberdade é conjugar igualmente consideração, responsabilidade e sensibilidade. A órbita que tange a liberdade é o limite finito e infinito das pessoas que estão ao nosso redor e cada um, sujeito que se julga livre, tem a responsabilidade do peso diretamente proporcional de se julgar livre.

“Tudo na natureza age de forma mútua e é por isso que a natureza é a prova física do que é liberdade.”

Por Rede de Informações Anarquistas

De baixo para cima, R.I.A você também

(A Emergência Anarquista) Parte I – Anarquismo ou Anarquismos?

A série de textos A Emergência Anarquista, da Liga Anarquista no Rio de Janeiro, pretende ser parte de um conjunto de estudos sobre teoria e prática do anarquismo contemporâneo. O segundo da série, “Anarquismo ou Anarquismos?”, apresentado abaixo e originalmente publicado no site da Liga aqui, reflete sobre a existência de diferentes tendências no movimento anarquista e da necessidade de diálogo e síntese entre essas tendências. A quem interessar, também publicamos anteriormente o primeiro texto, Introdução e Justificativa. É com prazer que a Rede de Informações Anarquistas continua divulgando esses ensaios conforme são produzidos. Viva a anarquia!


O problema vital do homem, coiticiaomo de quer ser, cifra-se em aproveitar, no mundo, as energias favoráveis ao seu organismo e anular ou desviar as energias desfavoráveis.”

José Oiticica – A Doutrina Anarquista ao Alcance de Todos, 1947

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Queremos abolir a propriedade individual e a autoridade, isto é, expropriar os proprietários da terra e do capital, derrubar o governo, e colocar à disposição de todos a riqueza social, a fim de que todos possam viver a seu modo, sem outros limites senão aqueles impostos pelas necessidades, livre e voluntariamente reconhecidas e aceitas.”

Errico Malatesta – La Questione Sociale, 1899

A fim de iniciar nossa proposta de aproximação dos conceitos e práticas anarquistas talvez seja necessário refletir no primeiro passo a ser dado em relação ao que se entende por anarquismo. Nos remeteremos, portanto, ao problema que colocamos de forma resumida na justificativa deste estudo. A saber, se existe “O anarquismo” ou os anarquismos, e, caso exista UM anarquismo, nos aproximarmos de uma definição de ser este uma teoria político-econômica-social ou um conjunto de práticas que podem ser definidas como “cultura anarquista”.

Max Nettlau, que à primeira vista foi pioneiro em ocupar-se do anarquismo como objeto de análise historiográfica, tratou-o como ideia, a ideia de anarquia. Identificava-a enquanto mapeava o desenvolvimento das raízes desta ideia desde a civilização grega passando pelas comunas medievais, onde subsistia num certo pensamento livre que considerou como as “primeiras tentativas intelectuais e morais para progredir sem deuses tutelares e sem cadeias coercitivas”. Essa ideia é expressa, segundo Nettlau, em vários momentos da história da Europa Medieval e moderna como algo que vamos chamar aqui de uma “tensão libertária”. É essa tensão que deu fermento, de acordo com o autor, às inúmeras rebeliões camponesas facilmente verificáveis nos livros de história. Defendia em seu estudo que o “fermento libertário era bastante limitado e que os rebeldes de um dia encontravam-se no dia seguinte prisioneiros de uma nova autoridade”.

Para esse autor, como para os pesquisadores posteriores, foi apenas no fim do século XVIII e início do XIX que aquele fermento ganhou consistência suficiente para se apresentar como um anarquismo mais claramente elaborado. Entende-se que a ideia de anarquia era, portanto, uma constante tensão antiautoritária, nem sempre consistente o bastante para agitar a ordem social de forma significativa. Em Nettlau percebemos que, de forma embrionária, a ideia de anarquismo já carregava em sua gênese uma proposta de sociedade sem hierarquias e que estaria invariavelmente ligada a uma prática pedagógica de orientação libertária, elemento que nos fica claro quando esse autor resgata a “reforma da pedagógica” entrevista por Comenius, ainda no século XVII. Tal proposta objetivava uma sociedade igualitária e foi largamente estimulada no fim do século XVIII por pensadores iluministas, sobretudo da Suíça, Alemanha e posteriormente na França. O conjunto de ideias identificadas por Nettlau na gênese do anarquismo traziam consigo tendências a restringir ou negar frontalmente o papel do governo, a autoridade na educação, na vida sexual, na religião e nos negócios públicos.

Outro historiador, George Woodcock, apesar de omitir a referência direta a Nettlau, vai empreender sua pesquisa fazendo a divisão do anarquismo, de forma semelhante, em dois campos: o da “ideia” e o do “movimento”. Este autor vai utilizar o termo “doutrina” no prólogo de sua obra para referenciar o campo das ideias anarquistas o que nos dá uma pista de sua abordagem que, como as de outros pesquisadores, vai derivar da de Nettlau e consequentemente se aproximar muito de suas conclusões. Woodcock tenta definir e demarcar uma área para o pensamento anarquista e o movimento derivado das ideias. Para tal ele deixa a clara advertência aos pesquisadores de que “todos os anarquistas contestam a autoridade e muitos lutam contra ela. Mas isso não significa que todos aqueles que contestam a autoridade e lutam contra ela devam ser considerados anarquistas”. Seguindo essa ideia, Woodcock vai buscar nos argumentos dos ideólogos anarquistas e nas práticas do movimento anarquista elementos para demarcar a área do anarquismo para além das simplificações. Novamente encontramos referências ao projeto de sociedade anti-hierárquica e antiestatista intimamente ligado a uma proposta pedagógica, mas igualmente objetivada através do movimento de trabalhadores e, dentro desse movimento, da existência da disputa entre as tendências libertárias e autoritárias no protagonismo das ações. O elemento da luta trabalhista e posteriormente sindical, incluindo as disputas internas desta luta, se torna então um ponto importante e inseparável do anarquismo.

Tanto Nettlau quanto Woodcock concluem que é em Proudhon que identificamos o primeiro uso não pejorativo e a autodeterminação de si sob o termo anarquista. É precisamente na obra de Proudhon que podemos perceber de forma clara e consistente a proposta de sociedade e a ideia libertária de indivíduo que viaja através do tempo junto com a ideia de anarquia e suas práticas em movimento. Enquanto permanecermos junto à obra de Proudhon não poderemos identificar nada além do anarquismo, até então o único anarquismo autodeclarado. Não desejamos, como advertimos na justificativa deste texto, empreender um estudo sobre os clássicos teóricos. Nos limitaremos, portanto, a apanhar alguns conceitos para que nos sirvam de objetos consistentes de nossa análise.

Proudhon, em seu ponto de partida, fornece ao anarquismo a madura crítica à propriedade, ao estatismo, a democracia burguesa e contra toda a autoridade que em sua obra permanecerá como sinônimo de tirania. Proudhon não busca um sistema como a maioria dos pensadores sociais de sua época, contudo fornece um certo método crítico de análise conjuntural constante que vai orientar seu pensamento através de uma dialética muito distante do método desenvolvido por Marx ao inverter o método da dialética idealista e a metafísica hegeliana em materialismo histórico – o método Proudhoniano é o da dialética serial. Suas constantes mudanças de posição não são, portanto, recuos ou reflexos de alguma insegurança, mas são derivadas de sua própria concepção de conjunturas dinâmicas que exigem crítica constante e, por consequência, guinadas e alterações de trajetória a cada mudança substancial na conjuntura política. Essa prática de mover-se de acordo com a conjuntura é influência metodológica para toda a tradição da imprensa operária de tendência anarquista e suas analises conjunturais periódicas (quando não é possível ou viável o diário) a fim de fazer do debate político uma constante, mas sempre orientado pelo antiestatismo e pela luta dos explorados contra os exploradores. É ainda desse tipógrafo, oriundo da classe laboriosa, o germe conceitual do federalismo libertário e do mutualismo, ideias então destinadas a servir aos pequenos produtores franceses, em grande parte ainda vivendo sob o regime das pequenas oficinas, entre a condição do artesão e do proletariado moderno, conceitos que embora fossem destinados à aplicação em uma determinada conjuntura e pertencentes a um contexto histórico definido preservam atualidade e pertinência indiscutível para os dias de hoje.

Qualquer historiador consequente em seu ofício precisaria como espaço geográfico e temporal adequado para o amadurecimento do anarquismo, enquanto movimento, a Europa no segundo quartel do século XIX e seu caldo social no qual é verificável a articulação entre o processo de conformação de um jovem proletariado urbano e a tensão campesina constante desde o período medieval acirrada pela questão da propriedade privada na era moderna, elementos que se entrecruzam e estão intimamente ligados à consolidação da ascensão da burguesia ao poder político no Ocidente através do ciclo de revoluções e reações que varreriam o continente durante esse período.

Não é espantoso que, mesmo sem relação direta comprovada, tenhamos a efervescência de ideias libertárias muito semelhantes em diferentes países da Europa em um mesmo período, embora partindo de diferentes pontos, mas encontrando porto seguro nos mesmos conceitos gerais, frutos de um mesmo “espírito da época” ou de um mesmo “tom da época” para utilizar um conceito elaborado por Fourier. Tampouco espanta ao observador do processo histórico a consolidação prática e experimental – muito em função da sua curta duração – das anunciadas propostas pedagógicas de orientação libertária durante o século XIX e o primeiro quartel do século XX em regiões diferentes do mundo ocidental como França, Espanha, Alemanha e o “distante” Brasil.

Dessa forma, não é difícil encontrar semelhanças ou pontos pacíficos entre a crítica de Proudhon na França ou em seu exílio na Bélgica, da radical postura filosófica de Max Stirner em língua alemã. O sentimento antiautoritário é certamente o ponto que os identifica, embora Stirner não tenha se autodeclarado anarquista ou partidário da anarquia, não resta dúvidas de que estava imbuído de uma forte veia antiautoritária e antiestatista ao formular sua crítica. Tampouco é difícil encontrar a separação entre suas ideias. Se Proudhon esteve claramente empenhado na causa dos trabalhadores franceses e defendeu de determinado ângulo ideias socialistas mas antiestatistas, Stirner em sua crítica, antecipando o niilismo, nega também o socialismo e qualquer possibilidade de organização social, mesmo que fomentada e construída a partir das bases da classe laboriosa, seja das cidades, seja dos campos.

Percebemos aí não dois anarquismos, mas certamente duas correntes, uma de tendência socialista libertária a qual podemos aqui, assumindo os riscos da afirmativa, chamar de “anarquismo social” que tem seu prosseguimento no encadeamento de ideias e objetivos compartilhados e que vai ligar os proudhonianos da primeira internacional aos bakuninistas, coletivistas e subsequentemente aos anarco-comunistas, enquanto que o outro desenvolvimento de ideias – e por consequência, de práticas – segue uma linha que chamaremos de “anarquismo individualista” e estará presente com maior ou menor influência em práticas que vão desde as experiências comunitárias até grupos minoritários de tendência insurrecional e adeptos da “propaganda pelo ato”.

Assumindo novamente os riscos, podemos traçar um paralelo com um recorte mais atual e contemporâneo, onde o primeiro dá origem ao anarquismo dito “organizado” e o segundo àqueles que reivindicam o anarquismo como um “estilo de vida”. Não são dois anarquismos opostos, para nos mantermos atrelados ao nosso problema enunciado, já que ambos estão comprometidos com a luta antiautoritária e antiestatista, ambos apresentam propostas de autonomia dos indivíduos e coletividades, ambos reconhecem a necessidade de uma pedagogia e um processo educacional libertário e horizontal, além da necessidade de lutas sociais que levem a uma sociedade liberta, ambos consideram que é necessário fazer emergir uma prática libertária e fazer dos fins os meios, das teorias as práticas.

Se há alguma separação ou fratura entre estas duas tendências certamente não traz nenhum acréscimo significativo ao movimento anarquista, já que as práticas dos adeptos de uma corrente não afetam o desenvolvimento das práticas dos adeptos de outra corrente. Não passaria de um gasto desnecessário de energia a disputa entre essas duas correntes, o que se perde é a oportunidade de fortalecimento dos laços, as necessárias trocas de experiências práticas, cooperações e afetos, a solidariedade e o apoio entre agrupamentos por vezes próximos geograficamente e quase sempre alvo dos mesmos aparelhos coercitivos. Não parece mesmo necessária uma disputa para saber qual prática ou conceito é mais válido, eficaz ou aplicável, já que ambos são aplicáveis enquanto agem no mesmo campo, o campo do anarquismo. E, partindo de uma premissa banal, mas necessária, ambos não têm – ou não deveriam ter – interesse em disputas de poder no campo de ação libertária já que aqueles que se autodeterminam libertários não almejam o poder ou o controle que por fim se torna apenas mais uma forma de coerção e controle de uns sobre outros.

Não é nosso temor que não tenhamos chegado a conclusões definitivas já que a proposta é a de uma aproximação conceitual e de uma franca discussão em relação a questões práticas do anarquismo no tempo presente, com as quais não buscamos mais uma polêmica, mas, pelo contrário, a síntese das ideias e práticas correntes e anunciadas pelos anarquistas. Optamos, não sem recorrer a uma forma de arbítrio, ao afastamento da ideia da existência de mais de um anarquismo e a aceitação da ideia de que encontramos variadas correntes anarquistas mais marcadas pela segmentação – e não por uma dicotomia, contrariando a premissa bookchiniana – entre duas grandes correntes de pensamento anarquista: os partidários do “anarquismo social” e “organizado” e os do “anarquismo individualista” e de “estilo de vida “. Verificamos, ainda, que mesmo dentro destas duas grandes correntes existem variações saudáveis e necessárias para o desenvolvimento das práticas libertárias, não havendo ruptura desejável entre elas e tampouco espaço para que possam direcionar seus esforços uma contra a outra. Resta-nos em momento posterior discutir o problema do anarquismo como “cultura”, se é que este é mesmo um problema que nos aflija. Contudo, cremos necessário abordá-lo a fim de ensaiar a verificação da aplicabilidade do termo cultura para as práticas anarquistas.

Por Liga Anarquista no Rio de Janeiro (LIGA-RJ)
Por Liga Anarquista no Rio de Janeiro (LIGA-RJ)

(Artigo) Estado ou Revolução? – Parte I

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Por Paulo Henrique Cople

Questões, encruzilhadas. Se nos colocamos do ponto de vista do movimento revolucionário, i.e. de um movimento social que sabe e sente que a única solução para os impasses que o atual estado de coisas produziu é sua supressão radical e a criação de um novo modo de existência social, elas não podem deixar de se multiplicar imensamente. As mortes a que o modo de produção e circulação infernal da vida que é o capitalismo nos obrigou são muitas (ou uma mesma) e todas conhecidas: a iminência de uma catástrofe material concebida sob o índice da crise ecológica, a destruição da vida de todos os que são obrigados a viver na forma do trabalho assalariado, a miséria estendida a todos os cantos da subjetividade e o controle das formas de vida, o empauperamento massivo… Se reconhecemos os problemas, não podemos evitar que esses problemas assumam a forma de uma questão clássica, já envelhecida, mas que não pode deixar de nos assombrar: o que fazer? Em um primeiro momento e em nível mais abstrato, a resposta é mais ou menos óbvia (ao menos nos desejos revolucionários): a ruptura só pode ser o efeito de uma ação política, da irrupção de uma nova organização das formas de sociabilidade e dos modos de produção e circulação materiais correlatos. Mas o impasse seguinte a que chegamos, o impasse que sempre nos leva a voar em círculos é: qual é a forma que a ação política a produzir a ruptura deveria tomar? E, então, repetimos como gagos: o que fazer? Não é, certamente, o caso de inventar de antemão, como uma ideia cerebral já pronta nos nervos de um messias a ser descoberto, as figuras que o processo necessariamente caótico e explosivo da transformação social pode tomar. O caminho que tentamos é mais rigoroso em certo sentido, mais sóbrio: indicar os impasses a que as formas já colocadas nos levaram, as razões pelas quais os céus fugiram ao assalto das multidões e apenas sugerir algumas rotas de fuga do impasse. E é em um ponto preciso que gostaríamos de tentar colocar a questão da forma da ação anti-sistêmica: a eterna questão do Estado.

A questão de sua natureza precede: o que é o Estado? E é preciso lhe dar contornos precisos, sob o risco de fazer com que todo o problema seja passe pelo terceiro excluído e acabemos em uma dialética estéril, a uma disputa de fraseologias. Quando definimos o Estado como toda e qualquer forma de poder político soberano, ou como uma comunidade vivendo sob um mesmo governo, acreditamos dar uma resposta suficientemente abrangente e adequada. Mas não é bem esse o caso: a afirmação é tão vaga que deixa escapar o que é o fator de produção de um Estado, sua própria forma política.  Com efeito, a tarefa teórica da gênese do Estado já foi operada, nos parece, de maneira completamente satisfatória por Clastres[1], Deleuze e Guattari[2]. E ainda que Clastres possa usar em determinados textos um vocabulário inadequado referindo-se ao Estado como “poder político”, isso afeta em muito pouco a estrutura de sua teoria do Estado. Mais do que uma expressão genérica prestes a se confundir com o poder político, o Estado se efetua como uma formação sócio-histórica específica, um determinado arranjo do campo social passível de uma determinação precisa, portanto. Ele se define, sobretudo, como unidade transcendente e normativa do campo social, ou, se se preferir, como um elemento do campo social que se eleva (ou crê se elevar) acima do campo social e passa a atuar sobre toda a extensão do último com força de lei. Deste ponto de vista, é preciso repeti-lo, todo Estado é despótico, “sempre houve apenas um só Estado”[3], ainda que do ponto de vista de seu processo empírico ele possa variar imensamente.

É verdade que a teoria “marxista” – que, neste ponto, encontra, é verdade, suas raízes teóricas em Marx, mas apenas para transformá-lo na caricatura de um pai fundador doutrinal – nunca fez do Estado o ponto de partida da cisão do campo social em classes antagônicas e o relegou a um papel secundário. Já em A Ideologia Alemã Marx encontrava na divisão do trabalho, como razão real das sociedades de classes, não mais do que o efeito do aumento da produtividade, da produção de novas necessidades no trabalho e do aumento populacional como base dos dois primeiros. E ainda que sua realização propriamente dita só se dê com a divisão entre trabalho material e trabalho espiritual, ou entre produtor e consumidor, a causa específica desta última divisão permanece obscura, e tudo se passa como se ela fosse uma decorrência espontânea de um desenvolvimento econômico igualmente espontâneo, como se ela fosse um acontecimento “natural”. O próprio Estado aparece como decorrência ilusória do processo de divisão do trabalho[4], ou, veremos, apenas como o instrumento secundário de que uma classe se serve para consolidar sua dominação sobre a outra, como a máquina de transformação de seu poder de classe em força de lei. Como dirá Clastres, no entanto

 “O Estado, dizem, é o instrumento que permite à classe dominante exercer sua dominação violenta sobre as classes dominadas. Que seja. Para que haja o aparecimento do Estado, é necessário pois, que exista antes a divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, ligadas entre si por uma relação de exploração. Por conseguinte, a estrutura da sociedade – a divisão em classes – deveria preceder a emergência da máquina estatal. Observemos de passagem a fragilidade dessa concepção puramente instrumental do Estado. Se a sociedade é organizada por opressores capazes de explorar os oprimidos, é que essa capacidade de impor a alienação repousa sobre o uso de uma força, isto é, sobre o que faz da própria substância do Estado ‘monopólio da violência física legítima’. A que necessidade responderia desde então a existência de um Estado, uma vez que sua essência – a violência [ou, digamos, o poder como força de coerção transcendente] – é imanente à divisão da sociedade, já que é, nesse sentido, dada antecipadamente na opressão exercida por um grupo social sobre os outros? Ele não seria senão o inútil órgão de uma função preenchida antes e alhures.”[5]

Em todo caso, o Estado em sua forma inicial (e única, já que como veremos, sua mutação moderna muda sua natureza sem transformá-la) como unidade despótica transcendente não pôde deixar de se insinuar como fator causal da divisão do trabalho, como sua razão real. Mais: ainda que o Estado se defina por sua unidade transcendente ao campo social, sua efetuação concreta imediata gera as próprias condições pelas quais, através de um longo processo, as sociedades de classes poderão produzir sua figura mais recente e mais destrutiva no capitalismo. Como razão real da divisão do trabalho, o Estado é indissociável de seus efeitos imediatos como propriedade, dinheiro e força militar unificada (monopólio da violência).  A terra, não mais distribuída em uma série de unidades produtivas autônomas como no universo primitivo, torna-se propriedade do Estado, “ou dos seus mais ricos servidores e funcionários (e deste ponto de vista não há grande mudança quando é o Estado que simplesmente garante a propriedade privada de uma classe dominante que dele se dinstingue)”[6]. O dinheiro, por sua vez, não encontra sua gênese no comércio, com o qual não tem nenhuma ligação necessária, mas no imposto e na unidade monetária imposta pelo Estado a seus súditos. Quanto ao monopólio da violência, o mesmo que poderá servir como dispositivo da acumulação primitiva no início da era moderna, sua relação com o Estado é demasiado óbvia. E se é verdade que o capitalismo nasce com a conjugação de fatores sociais “autonomizados” na forma da propriedade privada (os meios de produção, de um lado, e o trabalho, de outro), e não como efeito da ação direta do Estado despótico, não é menos verdade que as condições para seu nascimento só puderam surgir com o nascimento do Estado despótico.

Por outro lado, a instauração do capitalismo muda profundamente o sentido das operações do Estado. De unidade legisladora transcendente, o Estado, a partir do momento em que passa a ser agente subordinado da maquinaria capitalista, devém lei imanente. Devém: isso não quer dizer, de modo algum, que o Estado deixe de ser transcendente, que se confunda com a imanência do campo social. Tender à concretude, devir imanente quer dizer, para o Estado, exprimir relações de dominação social que lhe são, geneticamente, exteriores, quer dizer que de instituição celeste e unificada, o Estado se desdobra em um sem número de instituições destinadas a regular e controlar o campo social, já que é em aderência ao campo que os movimentos de realização do valor são efetuados. Ele não designa mais uma classe dominante. É, pelo contrário, instituído pela classe dominante “e que o incumbem da prestação de serviços à potência delas e às suas contradições, às suas lutas e aos seus compromissos com as classes dominadas”[7]. Se o capitalismo é formado pela abstração (descodificação) de fluxos materiais em uma atividade produtiva tomada como um fim em si mesmo, essa atividade só é possível porque de outro lado o capitalismo invoca uma potência de regulação e controle dos fluxos materiais nunca antes vista, uma tirania inaudita. Como dirá Marx

“A sociedade burguesa, com suas relações de produção e troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas contra as modernas relações de produção, contra as relações de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçaram casa vez mais a existência da sociedade burguesa.”[8]

A força de regulação e controle das forças produtivas, o único elemento capaz de assegurar a reprodução do modo de produção capitalista é o Estado. É o Estado quem assume, no capitalismo, a tarefa de um arquifeiticeiro capaz de controlar os poderes infernais que a burguesia invocou no regime de auto-valorização do valor, e seu poder é tão maior quanto maiores são as forças produtivas que deve controlar. Se o Estado despótico, em um passado distante, assegurou as condições de possibilidade para o surgimento da burguesia, e esta, por sua vez, funcionou como agente de instauração do regime capitalista, é o Estado capitalista que assegura a regulação, a reprodução, a organização e a direção do modo de produção capitalista.

 “Nunca o Estado perdeu tanta potência para colocar-se com tanta força a serviço do signo da potência econômica. E, apesar do que se diz, o Estado capitalista desempenha este papel desde muito cedo, desde o início, desde sua gestação sob formas ainda meio feudais ou meio monárquicas: controle da mão de obra e dos salários, do ponto de vista do fluxo dos trabalhadores ‘livres’; outorga de monopólios, de condições favoráveis à acumulação, luta contra a superprodução, do ponto de vista do fluxo de produção industrial e mercantil. Nunca houve capitalismo liberal: a ação contra os monopólios remete, em primeiro lugar, a um momento em que o capital comercial e financeiro faz ainda aliança com o antigo sistema de produção, e em que o capitalismo nascente só pode assegurar-se da produção e do mercado obtendo a abolição desses privilégios. Que não há nisso luta alguma contra o princípio de um controle estatal, com a condição de que seja o Estado que lhe convém, é o que se vê claramente no mercantilismo, porque ele exprime as novas funções comerciais de um capital que passou a ter interesses diretos na produção.”[9]

Dizer que o Estado devém imanente ao campo social é dizer que o Estado capitalista, em sua concretização, tende a confundir-se com a série de instituições de regulação e controle dos fluxos materiais e econômicos, que ele torna-se tendencialmente distribuído pelo conjunto de instituições que garante a regulação e a reprodução das relações de produção globais. Em suma, ele tende a se confundir com o conjunto de relações sociais e de produção (o que é o mesmo) que mantém e reproduz o modo de produção capitalista. Ele constitui o elemento necessário sem o qual nenhuma descodificação, nenhuma desregulação ou liberação de fluxos materiais e econômicos sequer seria possível. Se o capitalismo descodifica e desterritorializa, é apenas na medida em que o Estado capitalista axiomatiza e reterritorializa artificialmente os fluxos materiais. Por outro lado, sua tendência ao concreto jamais pode se realizar integralmente, e é preciso manter um mínimo de transcendência, um mínimo de distinção entre o Estado e o campo social, mas um mínimo que é o suficiente para elevar o despotismo do Estado a seu máximo. E como seria possível, de outro modo, todo o aparato de burocratas, técnicos, especialistas, juízes, policiais, militares e parlamentares capazes de garantir os axiomas ou normas necessários para a reprodução do capitalismo? Como seria possível evitar que o poder político se tornasse imanente ao corpo social, e que este, por sua vez, fizesse explodir os axiomas e com eles o Capital? Mesmo através de sua concretização, da ponta mais intensa de sua atualização no regime capitalista, “sempre houve apenas um só Estado”.


Notas

[1] CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado, pp. 46-67 e 201-232.

[2] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O anti-Édipo, pp. 260-265 e 287-295.

[3] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O anti-Édipo, p. 291.

[4] Sobre estes pontos, cf. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã, p. 35-37.

[5] CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado, p. 216. Notemos, no entanto, que o que permite a Clastres assumir essa posição é a constatação, entre os ameríndios das terras baixas, da inexistência de uma espontaneidade da divisão (no sentido próprio e forte) do trabalho, assim como da existência de dispositivos que impeçam a realização da tendência ao surgimento de uma unidade transcendente e normativa do corpo social, como o elemento capaz de produzir a divisão do trabalho. Cabe salientar também que Clastres aponta como um dos fatores tendenciais indiretos para o surgimento do Estado o aumento populacional, tal como Marx o aponta em relação à gênese da divisão real do trabalho. Cf. A Sociedade contra o Estado, p.97-117.

[6] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O anti-Édipo, p. 261. Sobre o ponto seguinte, cf. a mesma passagem.

[7] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O anti-Édipo, p. 293.

[8] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista, p. 45.

[9] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O anti-Édipo, p. 335. O grifo é nosso.

(A Emergência Anarquista) Introdução e Justificativa

A série de textos A Emergência Anarquista, da Liga Anarquista no Rio de Janeiro, pretende ser parte de um conjunto de estudos sobre teoria e prática do anarquismo contemporâneo. O primeiro da série, apresentado abaixo e originalmente publicado no site da Liga aqui, possui como objetivo introduzir o assunto, além de justificar sua necessidade enquanto estudo teórico e propositivo. É com prazer que a Rede de Informações Anarquistas irá publicar esses ensaios conforme forem produzidos. Viva a anarquia!

Liga Anarquista no Rio de Janeiro (LIGA-RJ)
Liga Anarquista no Rio de Janeiro (LIGA-RJ)

A emergência anarquista é uma proposta de estudo aproximativa dos conceitos anarquistas e libertários contemporâneos. Não sendo um estudo conclusivo que se propõe a afirmar conceitos fechados ou uma teoria unitária, traduz nossa leitura do próprio movimento anarquista, assim como do universo libertário, respeitando a multiplicidade, pluralidade e diversidade nos campos organizativos de ações, métodos e ideias. Tampouco é este um estudo que busca resgatar as teorias clássicas do anarquismo, não as desconsiderando ou estando desconectado do processo histórico, mas partindo de uma análise de que as manifestações recentes de novos atores sociais emergentes no campo político e econômico não estão necessariamente conectadas – pelo menos conscientemente – ou endividadas para com os clássicos teóricos do campo de ação anarquista. Obviamente que os conceitos amadurecidos e sistematizados pelos pensadores anarquistas e libertários estão presentes nesta reflexão, mas não como um tema central ou que nos ocupe como objeto de nossa pesquisa. Antes disso, são eles conceitos – como dito anteriormente – sistematizados a partir de uma prática, é esta prática que nos interessa, não diminuindo a importância deste esforço de teorização, mas julgamos que tais teóricos e suas teorias já são devidamente debatidas em outros estudos, não menos importantes e não menos urgentes.

É saudável pontuar uma separação entre libertários e anarquistas. Entendemos aqui todo anarquista como um libertário, mas o campo libertário é mais amplo que o anarquista, abarcando outras tendências que nem sempre terão as características definidoras de uma prática e um pensamento anarquista. Dada a diversidade do movimento libertário e a consequente confusão de suas zonas de contingência com o movimento anarquista, acreditamos que reforçar a ideia desta sinalização é um ponto importante de partida para as reflexões que seguirão.

Creio ser necessário, a título de justificativa, deixar clara nossa posição sintetista enquanto anarquistas. Tal posição obviamente guiará as questões que surgirão no decorrer da leitura deste ensaio e o próprio objetivo de aproximação, sem a pretensão de tirarmos daqui conclusões definitivas acerca das práticas e ideias anarquistas correntes. Sintetismo ou sinteticismo, em poucas palavras, pode ser entendido aqui como uma posição anarquista e libertária que respeita e encoraja múltiplas formas de ação no âmbito anarquista, busca uma síntese entre as correntes de pensamento que emergem ou orbitam o universo libertário e o movimento anarquista, rejeita, portanto, os planos fechados, plataformas ou programas que tendem a controlar o comportamento e delegar funções aos corpos que se movem em sentindo libertário, respeita a livre federação e aglutinação coletiva, sem, contudo, se fechar ao diálogo com as correntes de pensamento e organizações anarquistas que tendem ao plataformismo ou ao especifismo. Entendemos, portanto, que a pluralidade e multiplicidade de métodos e ações em diferentes campos e de formas variadas são elementos benéficos à construção de uma sociedade livre.

Faz-se necessária uma reflexão para dentro do próprio movimento anarquista. Esta esbarrará, como previsto, nas zonas de contingência que existem com o universo libertário e a prática autonomista. A emergência de ações coletivas e ainda individuais que se autoidentificam ou são lidas como – e não de forma ilícita – práticas anarquistas, impelem-nos a uma leitura e ao esforço de compreensão das mesmas em uma articulação com a conjuntura atual do movimento como um todo.

O recente e notório descontentamento popular com as estruturas governamentais representativas, as históricas desigualdades econômicas inerentes ao modo de produção capitalista somadas ao seu ciclo de crises estruturais e rupturas que abateram o sistema de forma global nas últimas duas décadas e, em uma perspectiva que nos coloca geográfica, histórica e socialmente inseridos no contexto latino-americano, ao total fracasso das estruturas sindicais em comportar as demandas da classe trabalhadora, geraram uma série de ações espontâneas que apontam para uma tendência autonomista e em alguns casos muito próximas das práticas que nos remetem à tradição anarquista. Seja o fenômeno das assembleias populares ou trabalhadoras que primam por métodos horizontais, sejam os recentes movimentos grevistas puxados pela base em detrimento dos grupos dirigentes de seus respectivos sindicatos e mesmo contra eles em alguns casos, os movimentos que pautam a questão da mobilidade urbana e o direito a cidade, reivindicando uma gestão mais direta do sistema de transportes e organizando-se de forma descentralizada e até federalizada, a tendência a autogestão que é identificada nas ocupações promovidas pelos movimentos pautados na questão da moradia – na verdade a falta dela – e a disseminação e radicalização de tendências libertárias que visibilizam questões como o direito ao corpo e a descriminalização das drogas. Todas estas tendências nos remetem de alguma forma ao universo que orbita ou emerge do conjunto de práticas e métodos anarquistas, autonomistas ou libertários. A presença deles é sentida em todos estes campos, sem que, contudo, estes possam ser classificados como movimentos anarquistas de fato.

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A Emergência Anarquista

Todos estes movimentos que desenvolvem em seu seio tais métodos o fazem por uma simples questão conjuntural, impelidos pelas necessidades organizativas, muito mais do que por tendência ideológica consciente, ainda que agrupamentos atuem no interior de tais movimentos e assim o façam de forma consciente não é possível afirmar que isso vale para o todo. Tal ação não configura o direcionamento da organização subsequente no sentido de controle do movimento por parte destes mesmos grupos atuantes.

Obviamente que as formas de organização assumidas pelos movimentos contemporâneos levaram consequentemente à exposição midiática do anarquismo e subsequentemente a um processo de criminalização da prática anarquista. Tal movimento criminalizante não é exclusividade do Brasil ou da América Latina – apesar dos recentes e alarmantes eventos de perseguição verificados neste continente – é um processo que se desenvolve em âmbito global e de forma articulada.

Tal situação nos leva a algumas questões da qual não podemos e não devemos nos furtar: é possível afirmar que há “O anarquismo” ou os anarquismos? O anarquismo ou os anarquismos constituem uma teoria político-econômica-social, uma ideologia, ou um conjunto de práticas libertárias em que seja mais correto falar em “cultura anarquista”? É desejável uma unidade de luta articulada, ainda que sem unidade teórica ou a potência do movimento anarquista se encontra precisamente em sua atomização e descentralização total, onde – perdoem a metáfora geológica – nos remete a uma configuração insular de arquipélago, encontrando-nos isolados e atuando em frentes desconectadas, desarticuladas e desprovidas de comunicação? Em que ponto os movimentos anarquista e autonomista encontram zonas de contingência e de separação entre si no campo libertário de ação?

Tais questões nos afligem e julgamos merecedoras de reflexão caso desejemos seriamente construir um mundo onde uma sociedade livre seja possível para além da utopia. Não só são questões provocadoras que justificam a reflexão e um amplo debate por uma maior articulação – se esse é nosso desejo enquanto companheiros e companheiras de luta – como são questões urgentes motivadas por uma conjuntura que nos indica uma articulação global de repressão às práticas anarquistas e libertárias. São destas questões que vamos nos ocupar nesta série de estudos que, apesar de constituírem uma ainda tímida provocação aos companheiros e companheiras, temos motivos para crer que são questões solúveis e de tomadas de posições possíveis dentro de nosso campo de atuação em direção a construção de um mundo novo, igualitário e liberto de opressões.

Por Liga Anarquista no Rio de Janeiro