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(Artigo) Sobre o Consenso | retirado de “Anarquismo, ou o Movimento Revolucionário do Século XXI”

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Assembleia Geral do movimento Occupy Wall Street, Nova Iorque, 8 de outubro de 2011

Por David Graeber e Andrej Grubacic

[…] A nova geração de anarquistas está muito mais interessada no desenvolvimento de novas formas de práticas do que de argumentar sobre os pontos mais delicados da ideologia. A mais drástica entre essas formas tem sido o desenvolvimento de novas formas de processos deliberativos, que seria o começo, pelo menos, de uma cultura democrática alternativa. Os famosos conselhos norte-americanos, onde milhares de ativistas coordenavam eventos de grande escala através do consenso, sem alguma estrutura formal de liderança, é apenas um dos exemplos mais espetaculares.

Na verdade, chamar essas formas de “novas” pode ser um tanto quanto equivocado. Uma das principais inspirações para a nova geração de anarquistas são os municípios zapatistas autônomos de Chiapas, baseado nas comunidades de língua tsetal ou tojolabal, que tem usado o consenso como processo decisório por milhares de anos – apenas agora adotados por revolucionários para assegurar que mulheres e pessoas mais jovens tenham suas vozes ouvidas. Na América do Norte, o “processo do consenso” emergiu principalmente a partir do movimento feminista da década de 70, como parte de uma ampla reação às lideranças masculinas e machistas típicas da Nova Esquerda dos anos 60. A ideia de consenso em si foi pego emprestada dos Quakers que, de novo, afirmam ter se inspirado nas nações Iroquois e outras práticas ameríndias.

O consenso é frequentemente incompreendido. É comum ouvir críticas que afirmam que o consenso causaria uma conformidade sufocante, mas quase nunca ditas por alguém que, de fato, observou o consenso em ação, ou ao menos guiado por facilitadores treinados e experientes (algumas experiências recentes na Europa, onde há pouca tradição nesse âmbito, mostram-se um tanto cruas). Na verdade, o pressuposto operacional presente no consenso é que ninguém realmente pode converter uma outra pessoa completamente ao seu ponto de vista, ou que deveria realizar tal ato. Ao invés disso, o ponto central do processo de decisão através do consenso é permitir que um grupo decida um curso comum de ação. Ao invés de votar propostas para cima e para baixo, as propostas são trabalhadas, retrabalhadas e reinventadas, através de um processo de negociação, cessão e síntese, até que seja alcançado uma proposta que todo mundo possa aceitar.

Quando se trata da etapa final, ou o momento de “encontrar o consenso”, existem dois tipos de objeções possíveis: uma que alguém pode “ficar de fora”, que seria dizer “eu não gosto disso e não participarei mas eu não irei impedir qualquer outra pessoa de fazer isso”, ou “bloquear”, que teria o poder de um veto. Uma pessoa só pode vetar se sentir que a proposta está em direta violação dos princípios ou razões fundamentais do grupo. Pode-se dizer que tal função, que na constituição dos EUA é relegada às cortes, de derrubar decisões legislativas que violam princípios constitucionais, é aqui relegada a qualquer pessoa que tenha coragem o suficiente de levantar-se contra a vontade combinada do restante do grupo (embora haja, é claro, formas de questionar vetos não fundamentados).

Poderíamos continuar a discorrer sobre os elaborados e surpreendemente sofisticados métodos que tem sido desenvolvidos para garantir que tudo isso funcione; sobre as formas de consenso modificado requeridas para grupos muito grandes; sobre o fato que o consenso em si reforça o princípio de descentralização ao garantir que uma pessoa não queira fazer propostas diante de grupos muito grandes a não ser que precise mesmo fazê-la; sobre os caminhos pelos quais garante-se a igualdade de gênero e a resolução de conflitos…

O ponto é, essa é uma forma de democracia direta que é muito diferente do tipo que nós frequentemente associamos com tal termo – aliás, em relação a isso, esse tipo de sistema de votação majoritária foi comumente adotado por anarquistas europeus e norte-americanos de gerações passadas, ou adotado ainda, por exemplo, nas assembleias da classe média argentina (apesar de que, significamente, entre os piqueteros mais radicais, os desempregados organizados tendiam a operar através do consenso). Com um contato crescente entre diferentes movimentos internacionalmente, com a inclusão de grupos indígenas e movimentos da África, da Ásia e da Oceania que possuem tradições radicalmente diferentes, nós estamos vendo novos começos de uma nova reconceitualização global do que “democracia” deveria significar, de preferência o mais longe possível do parlamentarismo neoliberal promovido pelas potências mundiais existentes.

É difícil de seguir esse novo espírito de síntese através de leituras da maior parte da literatura anarquista existente, pois aqueles que optam por gastar a maior parte de suas energias em questões teóricas, ao invés de fazer emergir novas formas de práticas, são os mais propícios a manter as velhas lógicas dicotomizantes e sectárias. O anarquismo moderno é imbuído de incontáveis contradições. Enquanto pequenos grupos anarquistas estão lentamente incorporando ideais e práticas aprendidas com seus aliados indígenas aos seus modos de organização ou em suas comunidades alternativas, uma das principais tendências entre a literatura tem sido a emergência de uma seita de Primitivistas, um grupo notoriamente controverso que pede pela abolição da civilização industrial e, em alguns casos, até da agricultura. Ainda assim, é apenas uma questão de tempo para que essas lógicas antigas comecem a dar espaço para algo que se assemelhe mais à prática dos grupos baseados no consenso.

Traduzido pela R.I.A. do texto original, em inglês, que pode ser encontrado aqui.

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Milhares de pessoas se reúnem no Largo de São Francisco, Rio de Janeiro, durante as revoltas de 2013; momento quando a multidão se viu diante de uma mesa desastrosa, que não soube conduzir o processo, revelando nossa dificuldade crônica, como esquerda radical, de enfrentar o desafio da organização fora dos espaços ou dos padrões mais tradicionais do movimento.

(Artigo) Teses fundamentais que ficaram ausentes do debate – uma análise anarquista da crise institucional do governo Dilma

Junho de 2013 - Rio de Janeiro
Junho de 2013 – Rio de Janeiro

Por Wallace dos Santos Moraes [1]. Texto original aqui.

Durante as primeiras décadas do século XX, as revoltas e revoluções populares se agigantaram em grande parte do mundo e dependendo do lugar emergiram em função delas diferentes modelos econômicos e de Estado: o socialismo de estado, o welfare state, o nacional-desenvolvimentismo, o keynesianismo e algumas poucas e rápidas experiências libertárias. Assim, interesses dos trabalhadores foram contemplados em maior ou menor medida dependendo da força e da radicalidade da classe trabalhadora.

Por outro lado, também surgiram como reação às lutas populares as fatídicas experiências fascistas propiciadas por um conjunto de fatores que levaram a derrocada dos movimentos dos trabalhadores, principalmente na Alemanha, na Itália e na Espanha, onde os movimentos revolucionários, por incrível que possa parecer, eram mais fortes. As propostas autoritárias propugnavam uma sociedade hierarquizada, racista, machista, com um nacionalismo xenófobo, e uma cega obediência ao chefe. A maior parte dos capitalistas ficou muito feliz com essas características.

Foi exatamente na terra de Hitler e sob seu governo que a grande mídia passou a ser usada com maior eficácia para a dominação de classe. Seu ministro das comunicações foi bastante eficaz em jogar toda uma nação para a insanidade da guerra. Uma frase clássica sua era: “uma mentira dita mil vezes, torna-se verdade”. E essa máxima guia até hoje muitos de nossos monopólios de comunicação de massa criando a indústria cultural e propagandeando o capitalismo, quando possível, com garantias individuais, mas quando o sistema está sob ameaça apoiam abertamente a supressão das liberdades civis para garantia do sistema do capital.

Na América Latina, durante as décadas de 1950/60/70 os movimentos populares ganharam novos impulsos principalmente em função de dois movimentos: 1) quando setores sociais institucionalizados pensaram em aplicar medidas distributivas e reformas de base por meio da ação de governos de nacionalismo radical, para usar uma expressão de Katz, mas sem acabar com o capitalismo e/ou 2) quando setores de estudantes, operários e camponeses pensaram na tomada do poder via luta armada para implantar o socialismo.

Entretanto, mais uma vez na história recente, percebendo o a avanço da liberdade e dos setores revolucionários, as classes privilegiadas e os conservadores retomaram o poder amiúde por meio de golpes militares com amplo apoio dos oligopólios de comunicação de massa e das elites econômicas locais, gerando um grande retrocesso aos anseios dos governados, através da aplicação de ditaduras covardes e sangrentas.

Poderíamos lembrar e aprofundar as experiências de Salvador Allende no Chile, ou dos Sandinistas na Nicarágua, todavia o melhor exemplo é o da Venezuela por ser uma experiência mais recente e igualmente latino-americana. Trata-se do golpe de estado sofrido por Hugo Chávez em 2002. Naquele 11 de abril os meios de comunicação privados articulados com as forças golpistas fizeram intensa campanha clamando a população para às ruas preparando as bases do golpe que aconteceu naquela noite. Alguns autores denominaram o golpe de político-midiático.

Por fim, no Brasil também temos exemplos de articulação entre setores conservadores e grande mídia contra governos reformistas. Em 1964, Dreiffus descreveu toda a conspiração realizada entre a grande imprensa, militares, empresários e setores da igreja e elitistas em geral. Segundo suas teses, eles prepararam durante semanas a população para o golpe fazendo propaganda dos militares, apresentando-os como defensores da sociedade, da pátria e dos valores da família cristã. Ao mesmo tempo, ligavam o governo Goulart ao comunismo internacional, por uma ofensiva midiática através de mentiras e meias verdades depreciavam o conceito de igualdade entre os homens.

Entendemos que os últimos acontecimentos no Brasil podem ser diretamente associados aos exemplos supracitados, mas não pelos motivos que algumas pessoas equivocadamente tentam associar.

O país vive uma das maiores crises institucionais de sua história e temos visto análises absolutamente fora da realidade movidas por uma paixão cega que não colabora para o entendimento mais amplo da questão é ainda jogam uma cortina de fumaça sobre exatamente aquilo que devíamos estar discutindo. Aliás, como normalmente fazem os mais fanáticos torcedores de futebol, as pessoas estão defendendo posições políticas que visam meramente atacar o adversário, apresentando uma anuência descarada para os problemas do grupo político que defendem.

Com efeito, a Rede Globo vem formando uma massa de cientistas políticos que analisam a política brasileira a partir das conjecturas estabelecidas por William Bonner, seu principal guru intelectual, desnecessário comentar os problemas advindos dessas teses.

Por outro lado, os petistas, que outrora defenderam com todo rigor a chamada ética na política, abandonaram essa máxima e passaram a aceitar e praticar os princípios de Maquiavel, sem qualquer tipo de pudor, para justificar a chegada ao poder e a sua manutenção.

Em contraposição, buscaremos apresentar uma exposição fundamentada em alguns fatos ignorados por ambos os lados na briga institucional maniqueísta que se instaurou no país desde a campanha eleitoral de 2014. É necessário dizer que essa análise é realizada a partir do Rio de Janeiro, pois outra questão metodológica importante é admitirmos que a lógica paulista, por exemplo, possui aspectos idiossincráticos. [2]

Aqui jaz o primeiro alerta: não é possível discutir política no Brasil sem tocar no papel exercido pelos oligopólios de comunicação de massa e é por esse caminho que seguiremos por todo o artigo.

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(Artigo) Por um resgate do ¡que se vayan todos!

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A cartografia do Facebook, feita pelo Fábio Malini, demonstra que cresceu muito, em apenas uma semana, o número de eventos, grupos e páginas criadas para “defender a democracia” e dizer “não vai ter golpe”. Se em 19/03 eram 64, ontem, 27/03, já são 793 (para ler a cartografia completa do ‪#‎nãovaitergolpe‬ no Facebook feita pelo Malini, ver: http://bit.ly/22F2k2g).

É impossível dar conta de todas as páginas e eventos – mas entre os poucos que posso acompanhar se destacam dois elementos:

1) são, em sua maioria, eventos de cunho cultural, organizados por movimentos sociais, estudantis e pela classe artística;

2) a narrativa hegemônica dessas páginas e eventos se restringem a uma postura meramente defensiva, sem tecer críticas contundentes ao governo Dilma nem apresentar uma necessidade de ampliação/radicalização da democracia – chegam até mesmo a pedir pela “manutenção do Estado democrático de direito” (exemplo: http://bit.ly/1MN0Juz).

Sim, não posso deixar de reconhecer que, entre as vozes que compõem o discurso ‪#‎pelademocracia‬ e ‪#‎contraogolpe‬, eu incluso, há inúmeras falas críticas que pedem por mudança – mas, mesmo assim, a narrativa hegemônica por trás do movimento #nãovaitergolpe ainda é defensiva e reativa, e não propositiva e proativa; se defende mais do que propõe.

Para observadores externos, é essa narrativa – que se expressa, principalmente, nos títulos de páginas, nas descrições dos eventos, nas hashtags reproduzidas, nos memes compartilhados – a que importa. É essa a que dialoga com o mundo que nos cerca e que passa a imagem geral do movimento.

Sim, eu defendo o movimento #nãovaitergolpe, não por apoiar o governo, longe disso, mas por reconhecer que o que está em jogo não é apenas a manutenção ou não do Partido dos Trabalhadores (PT), mas os (poucos) direitos conquistados nas últimas décadas pelos movimentos sociais, direitos esses que estão sendo ameaçados frente ao avanço da direita e do discurso conservador.

No entanto, ao lutarmos contra esse avanço, acredito que estamos cometendo um erro grave. Posso estar enganado. Explico.

As últimas pesquisas realizadas pelo Datafolha reveleram que, enquanto 64% dos pesquisados rejeitam o governo Dilma, 68% são a favor do impeachment (links para as pesquisas, http://bit.ly/1TO3YIihttp://bit.ly/22pRexS, respectivamente).

Se partirmos do (limitado, reconheço) pressuposto que esses números são representativos do contexto político atual, poderíamos dizer que a indignação e desejo por mudanças é generalizado entre a população, e não apenas restritos à classe média profissional, majoritariamente presente nas manifestações no último 12/3 a favor do impeachment (para o perfil dos manifestantes que foram à Avenida Paulista, em São Paulo, no último 12/3, veja: http://bit.ly/1TepgPL).

Portanto, se há um desejo generalizado por mudanças, como esperamos dialogar com essa população, ator político fundamental no processo político, se a narrativa hegemônica do #nãovaitergolpe não só é meramente defensiva, como também chega até mesmo a pedir por manutenção?

Entre os discursos mais ressonantes postos no polarizado cenário político atual, as manifestações pelo impeachment do 12/3 são as únicas que pedem por mudanças – que representariam um retrocesso trágico, sim, mas ainda assim, talvez para o senso comum, mudanças (aqui desconsidero as vozes que mesclam críticas ao atual governo com a campanha contra o golpe por achar que nós, infelizmente, não conseguimos ainda vocalizar nossos ideais para fora de nossos nichos).

Nesse momento, apostar em um discurso da manutenção e da defesa enquanto a maior parte da população anseia está insatisfeita com o status quo e anseia por mudanças, é, ao meu ver, dar um tiro no pé. É dar espaço para o avanço conservador crescer, é nos recusarmos ao diálogo. Espero estar enganado.

Para finalizar, uma provocação: e se, ao invés de todos os “pela democracia” e “contra o golpe”, fizéssemos uma reedição do “¡Que se vayan todos!”, lema piquetero que surgiu durante a crise política e econômica de 2001 na Argentina – e que desencadeou na formação de assembleias populares nos bairros?

Ou seja, um “fora todo mundo!”, não negando a política cotidiana, como faz o neofascismo, mas sim pautando a radicalização da democracia e uma efetiva participação popular na política? “Fora todo mundo! Pela democracia direta!” (Sobre os movimentos piqueteros de 2001 na Argentina, ver: http://bit.ly/21PfPqr).

Nesse sentido, as escolas ocupadas no Rio de Janeiro, a ‪#‎OcupaMendes‬ e a ‪#‎OcupaGomes‬, dão um show de autogestão e democracia direta para além dos binarismos apresentados no contexto político atual (para acompanhar os trabalhos da ocupação da CE Prefeito Mendes de Moraes e da CE Gomes Freire de Andrade, sigam as páginas das ocupas, respectivamente: http://bit.ly/1pFvwEs e http://ow.ly/106XgF).

Por Sabiá

(Rio de Janeiro) Democracia são as escolas ocupadas | Sobre a Ocupa Mendes

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Cheguei com outros compas na Escola Mendes de Moraes, no último domingo, para realizar uma atividade de apoio. Fomos logo recebidos por um jovem de uns 16 anos na porta. Ele nos cumprimentou alegremente e explicou que era da comissão da portaria. Na piscina, estudantes brincavam dando um brilho novo ao dia de sol. Um outro estudante se aproximou, esse da comissão de comunicação, explicando com serenidade a situação da escola, as justas reivindicações e as ameaças do governo. Nos corredores, cartazes com poemas, piadas, músicas, chamados e as atividades do dia. Um início de biblioteca com livros recolhidos pela ocupação crescia ao lado de 4 câmeras cinzentas – essas instaladas pela SEEDUC – apontadas para um mesmo corredor pequeno que levava às salas de aula.

Começamos o debate proposto. As perguntas pulavam: como é a vida lá? Como podemos relacionar o vivido no México com nossa situação? Como aprender com outros mundos? Uma estudante com cerca de 17 anos – de perspectiva política distinta da nossa – questionou sem medo nossas afirmações. Sorri por não estar em posição de autoridade. Depois de um bom debate, fomos para o lanche preparado por eles, em uma cantina tomada por prosas e gargalhadas.

Se algum sentido bonito ainda resta para a palavra democracia está na construção direta e horizontal, nas ocupações, na política dos de “baixo”, nos experimentos-enfrentamentos à violência estatal, na luta contra as guerras perpétuas que o capitalismo faz reinar… É um pouco disso que esses estudantes nos ensinam.

Eles nos ensinam a retomar o mundo que nos é diariamente roubado pela Rede Globo, pela polícia ameaçando as ruas, pela polícia presente nos vizinhos…

Eles nos fazem um chamado para que nossas pautas não se reduzam ao “menos pior”, ao “não temos escolha”, ao “é ruim, mas não tem jeito”, às mesquinhas brigas da burguesia, mas sejam pela organização popular, para multiplicar os possíveis, na criação a partir de hoje de um futuro que não seja o da barbárie que já nos cerca. Sem subestimar o horror que causa o crescimento da direita, a onda bizarra contra um comunismo (que infelizmente nem existe), a redução de direitos, a passagem de ônibus, o preço do mercado, lutemos… Mas lutemos apoiando, sobretudo, as escolas ocupadas, os professores nas ruas, por um abril vermelho, negro, indígena, na retomada de terras nos campos cercados, retomada de tetos nas cidades sitiadas.

Segunda-feira começou com o governo entrando com o pedido de reintegração de posse da escola. Os estudantes avisam que não vão sair. Segunda-feira amanheceu também com mais duas escolas ocupadas. Mais duas flores do asfalto.

Como cantou Violeta Parra: “Que vivan los estudiantes/ Jardín de nuestra alegría/ Son aves que no se asustan/ De animal ni policía.”

Lutemos pela democracia, lutemos pelas escolas ocupadas.

Por A. P.

(Artigo) Moça, nós não somos rivais, somos a revolução!

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Outro dia fui correr pensando na sororidade, que para quem não conhece é um conceito super ventilado nos coletivos feministas – mas pouco abordado fora – que diz respeito à irmandade/união/aliança entre as mulheres. Por óbvio, tentando digerir essa prática tão pouco comentada quanto praticada, pensamos sempre no seu oposto simétrico, o patriarcado, essa união entre homens que nos rege atualmente, cujo mal-estar é evidente. Vejam bem, mesmo entre as feministas, não existe nada pactuado, não há absoluto entre correntes que se movem, mas sim, um acordo fomentado, uma união ensejada e às vezes, pouco praticada.

Enquanto eu corria à noite, reparei na camiseta de uma adolescente “your boyfriend keeps texting me” [seu namorado vive me mandando mensagens], engraçado à primeira – e inocente – vista, mas desolador, de tão cruel. Foram poucos quilômetros e muitas lembranças, mas sempre de conversas com homens – queridos -, sobre isso, poucas conclusões e muito latim gasto nessa suposta união entre homens que a esse respeito se vangloriam. Lembrei de uma conversa na Colômbia “é que vocês mulheres adoram se degladiar” e de outros exemplos de amigas expondo outras, em situações tão corriqueiras quanto preferivelmente sigilosas.

Voltei à camisa da adolescente [fiquei pensando que mulher com mais de trinta anos faria piada disso, mas a ignorância e a juventude são atrevidas…] e pensei no significado político de afirmar uma união entre mulheres. E é justamente pra demonstrar a fragilidade dessa união patriarcal, dessa lealdade que meus queridos amigos batem no peito [até o momento em que se afastam e seus amigos se tornam esses monstros que mesmo os homens têm dificuldade de reconhecer que são], que o ensejo deve ser levado às últimas esferas.

O que o patriarcado representa, no limite, é um laço masculino que é sustentáculo do capitalismo e virtualmente dependente desse, as feministas materialistas históricas francesas nos ensinam – mas não somente elas. E o que a sororidade propõe é um giro cotidiano revolucionário na socialização feminina. Não somos nossas inimigas, não somos competidoras, nós não somente somos as netas das bruxas que vocês não puderam queimar, mas resistimos enquanto afirmamos nossa proposta distinta: viemos aqui para crescer juntas.

Corri pouco, o mal-estar era muito, me veio à mente as distintas formas em que essa proteção corporativista masculina nos prejudica e nos diminui, no trabalho, na universidade e na família. Me veio à boca a amarga sensação de enfrentar um monstro invencível, mas compartilho essa nota – tola – nessa arena de mistura privado-público, talvez por acreditar no poder de afetos revolucionários. De que todo afeto é revolucionário, que toda irmandade/laço/união é um nodo potente, rijo, capaz de vencer esse monstro, que, de tão humano, é perfeitamente vencível…

Por S.