(Artigo) A crise política e a função dos anarquistas e revolucionários – por União Popular Anarquista

jornadas-de-junho

Comunicado nº 46 da União Popular Anarquista – UNIPA

Brasil, Março de 2016.

A crise política brasileira evoluiu para uma polarização social que exige uma resposta teórica e prática. As manifestações de massa dos dias 13 de março de 2016 (dirigida pelo bloco burguês-conservador ou a chamada “direita”) e do dia 18 de março (do bloco socialdemocrata-governista, dirigida por um setor de pequena burguesia e da aristocracia operária e sindical, a chamada “esquerda”) mostram que tal polarização social alcançou um nível significativo.

Uma correta teorização é precondição para uma correta linha de ação, especialmente quando a polarização social entre direita e esquerda induziu ao empobrecimento do debate político, a uma leitura maniqueísta e a soluções simplistas e contraditórias. Nós sabemos que a complexidade da situação e seu dinamismo não nos permite fazer afirmações categóricas, nem temos a pretensão de ter uma leitura completa. Mas assumimos com humildade a responsabilidade de fixar um ponto de vista anarquista e revolucionário e contribuir para aqueles que querem uma alternativa, que não seja nem burguesa e conservadora, nem governista.

Essa tarefa se mostra mais necessária em razão do fato do bloco burguês-conservador e o bloco socialdemocrata estarem pautando a política e a luta de massas. Em 2013, a ação direta de classe e a extrema esquerda pautaram a política nacional. Mas a desorganização e fragmentação das massas, a imaturidade de suas formas organizativas, fez com que essa força criadora não pudesse se colocar como uma alternativa hoje. Essa autocrítica precisa ser realizada por todos os setores combativos e libertários.

Nós também subestimamos a ofensiva burguesa. Nos parecia que o caminho mais provável seria desgastar lentamente o PT sem tentar derrubar o governo, aguardando 2018. Hoje, tal ofensiva se mostra sob a forma de um golpe, não um golpe de Estado, mas de um golpe institucional dentro de um Estado de Exceção criado pelo bloco no poder do qual o PT faz parte e que agora quer tirar as funções dirigentes do PT por meio do impeachment (esse modelo de golpe institucional possui paralelos em Honduras em 2009/10 e no Paraguai mais recentemente). Nesse sentido, precisamos compreender essa crise no seu aspecto inovador e suas implicações, pois elas podem modificar bastante os cenários da luta de classes. A burguesia lançou uma ofensiva contra o PT e suas bases de classe e possivelmente irão derrubar o governo do PT com o impeachment.

Por isso fixamos aqui alguns elementos necessários à compreensão da crise. Ao contrário de ser uma luta entre “direita e esquerda”, ou entre os “defensores da democracia contra o golpe” ou da “democracia contra a corrupção”, essa luta expressa contradições de classes, geopolíticas e de nuances estratégicas de cada bloco. Podemos dizer que a atual situação, hoje, tem dimensões que exigem compreensão: 1) a geopolítica e concorrência imperialista; 2) a ruptura do bloco no poder; 3) a agudização da luta de classes pela apropriação da renda nacional.

1- Equilíbrio geopolítico e concorrência imperialista

A atual crise política não pode ser compreendida sem levar em consideração a geopolítica e concorrência imperialista aprofundadas pós-2008.  A crise de 2008 levou à estagnação nos países centrais, EUA e UE. Uma das soluções encontradas foi a exportação de capitais para a periferia. Foi nesse contexto que o Governo Lula, bem como outros governos de esquerda latinoamericanos, tiveram seu período de ouro. O capital estrangeiro curiosamente foi a base para financiar o crescimento econômico e superar a estagnação das políticas neoliberais anteriores.

A crise de 2008 então provocou uma exportação de capitais para o Brasil e possibilitou uma nova aliança entre o capital nacional, o capital estrangeiro e Estado em torno de política de crescimento, possibilitando ao mesmo tempo um bloco de poder que representava uma aliança entre capital e trabalho, materializada pelo governo PT-PMDB. Essa aliança foi regional: nos principais países da América ocorreu um esgotamento da direção burguesa conservadora e ascenderam governos de esquerda liberais ou socialdemocratas (Partido Democrata e Obama nos EUA; Partido Justicialista e os Kishner na Argentina: Evo Morales e MAS na Bolívia; Tabaré Basquez e Mujica dos Tupamaros no Uruguai; e Lula e Dilma do PT no Brasil). Essa coalização regional promoveu um relativo desenvolvimentismo em face das formas reacionárias e conservadoras impostas anteriormente pelo Partido Republicano e por Bush nos EUA, e ainda uma onda de intervencionismo econômico estatal. A exportação de capitais criou então uma associação de interesses e possibilitou uma nova aliança, desta vez, dirigida por partidos de esquerda de base operária e/ou sindical em diversos países.

Mas essa tendência não tocou nos fundamentos econômicos da dependência, ao contrário, aprofundou as mesmas. Assim, depois da crise de 2008, esses governos foram todos envolvidos num compromisso de superar a crise internacional. Isso possibilitou que esses governos tivessem a vantagem de promover crescimento econômico nos seus países sem confrontar os interesses do imperialismo, ao contrário, associando-se a estes.

Mas a busca de soluções para a crise não se deu apenas pelo mercado, mas pela geopolítica e pela guerra. E a luta para controlar recursos energéticos foi fundamental no período 2011-2012, em que os EUA voltou a adotar estratégias de ofensiva militar na Líbia e na Síria. O controle do petróleo na Líbia foi peça chave para a redução do preço do petróleo que favoreceu o barateamento dos custos de produção nas economias centrais e ajudou na recuperação econômica dos EUA. Mas esse equilíbrio era instável. Isso porque a concorrência capitalista se intensificou depois de 2008, e a instabilidade no grande Oriente Médio tornava todo o sistema incerto. A descoberta do Pré-sal no Brasil e as reservas na Venezuela se colocaram como uma grande alternativa, comparada ao instável Oriente Médio. Assim, ampliar o controle sobre o petróleo e recursos naturais exigiu uma postura mais agressiva do Imperialismo dos EUA, que se voltou para a América Latina.

Outro fator fundamental, o Investimento Estrangeiro Direito (IED) no Brasil foi aplicado em dois ciclos. O primeiro do petróleo e extrativismo, no período 2007-2010 basicamente, e o segundo em comércio e serviços, durante os megaeventos (2011-2014). O capital estrangeiro fez uma série de exigências por garantias de seu retorno para se transferir para América Latina. E os governos da região deram. No Brasil, foi criado um Estado de Exceção para garantir os investimentos: isso fez parecer que a taxa de lucro estava garantida. Entretanto, um fator afetou bastante esse quadro: as lutas grevistas aumentaram concomitantemente à presença do capital estrangeiro, de modo que os trabalhadores conseguiram contínuos aumentos acima da inflação. Certamente, não foram aumentos estrondosos. Porém, acima do que era aceitável pelo arranjo. Nesse sentido, o PT demonstrou uma frágil capacidade de controle das greves e o aumento da massa salarial induziu a perda de vantagem comparativa, e este é um dos fatores que está na base da fuga de capitais ocorrida em 2014, que coincide com o início da a crise política no bloco do poder.

Com essa fuga de capitais, a balança comercial desfavorável pela queda do preço das commodities e a grande renúncia fiscal realizada para salvar o capital da crise, o Estado estava em déficit e a economia em recessão. A crise alcançou o Brasil de forma estrutural.

A fuga de capitais minou o bloco no poder por dois motivos: 1) provocou um realinhamento do imperialismo, com os EUA diminuindo a margem de tolerância para divergência em relação a seus interesses, e atacando pela concorrência os países dos BRICS e governos que lhe tinham sido altamente favoráveis (como o do PT); 2) fatores de ordem política e ideológica interna aceleraram a ruptura nesse bloco e criaram a ocasião para a ofensiva burguesa e a tentativa de golpe institucional.

A mudança da política dos EUA foi resultado da crise mundial e da sua necessidade de se apropriar de forma ainda mais agressiva de recursos e valores. Mas esta tentativa de golpe não seria possível sem o papel ativo e passivo do PT. Por isso analisaremos a composição e ruptura do bloco no poder.

2- Composição e crise do bloco no poder

A crise na América Latina no final dos anos 1990 se intensificou e com ela também as mobilizações que serviram para chegada ao poder de governos de esquerda, como Chávez na Venezuela, Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, além da eleição da Frente Ampla no Uruguai. No Brasil essa conjuntura internacional favoreceu a construção do bloco no poder que levaria ao poder Lula (PT). O PT participou da construção da aliança entre a indústria e o agronegócio, fortemente afetada pelas políticas neoliberais iniciadas no governo Sarney, mas executadas de fato no governo Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso.

Esse bloco não se construiu em contraposição à hegemonia financeira, mas com sua manutenção.Nesse sentido, é importante destacar que a construção do bloco no poder efetivado com a eleição da chapa composta por Lula (ex-operário e líder sindical, fundador do PT e da CUT) e José Alencar (Importante empresário do ramo têxtil), foi concretizado com a reunião entre FHC e os diversos candidatos a presidente em 2002, onde se acordou o respeito aos empréstimos financeiros internacionais, e a Carta ao Povo Brasileiro onde se deixou claro a política de conciliação a ser construída pelo “Lulinha Paz e Amor”.

A composição do primeiro ministério do governo Lula-Alencar (PT-PR) foi representativo do bloco construído a parti da aliança indústria-agricultura. Para o ministério da Indústria Luiz Fernando Furlan, para Agricultura o representante do agronegócio e para o ministério do Trabalho os representante cutistas.

Como desdobramento da construção do Bloco o primeiro ano do governo Lula foi marcado pela construção da Concertação (pacto) através do Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), um conselho tripartite (empresas-Estado-sociedade civil), de onde se acordou e encaminhou as primeiras medidas de reformas neoliberais, como a reforma da previdência, e todas as questões relativas à reforma sindical e trabalhista, que levaram a legalização das Centrais.

Michel Temer (PMDB), Dilma e Lula (PT) no ato de posse no “novo” governo.

Dessa maneira a aliança entre a indústria-agricultura foi a aliança entre a aristocracia operária do principal subgrupo operário, os metalúrgicos do ABC, a indústria automotiva e toda cadeia do agronegócio. O Estado, por meio do CDES e do Ministério do Desenvolvimento Industria e Comércio,construiu políticas atendeu a demandas industriais vindas da FIESP e de outras entidades empresariais, como ANFAVEA e ABIMAQ, e do setor do agronegócio, beneficiado também pela conjuntura internacional. Dessa maneira, a política de estímulo à produção e consumo do Carro Flex, principalmente no segundo governo Lula, levou ao aumento tanto da produção, produtividade e de pessoas empregadas no setor, como também beneficiou amplamente o setor álcool energético.

Internamento o governo avançou os grandes projetos de infraestrutura interligados ao IIRSA dando origem ao PAC, que foi um processo de reestruturação da estratégia de acumulação do capital nacional e estrangeiro. Os investimentos do PAC foram direcionados para atender os setores internacionalizados da indústria (Petrobras, Vale do Rio Doce), infraestrutura energética (capital estatal) e capital nacional (grandes empreiteiras e certos setores da indústria de transformação) que sinalizam com a ampliação dos investimentos. O PAC foi estruturado para servir e dar suporte à indústria de transformação no Sudeste, à indústria energética e ao agronegócio, vinculado tanto à primeira como à segunda, atingindo as comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e camponesas. Favorecendo como sempre as grandes empresas nacionais, como Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Votorantim e Gerdau, ou seja, favorecendo os interesses dos empresários em detrimento dos interesses do povo pobre.

A luta pela terra retrocedeu e poucas terras foram homologadas. O PT se aliou ao agronegócio consolidando uma aliança pelo desenvolvimento do setor, fundamentalmente para manutenção do crescimento econômico na era Lula. Dessa maneira, essa aliança abdicou de qualquer política de distribuição de terra, e direcionando para sua base um aumento de crédito agrícola e de alguns programas para a chamada “Agricultura Familiar”.  Dessa maneira, o governo assentou menos sem-terra do que o governo FHC.  O PT manteve as privatizações da estrutura produtiva que não foram revertidas e avançou na privatização da estrutura de circulação de mercadorias e pessoas (rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos).

O desenvolvimentismo neoliberal petista foi onde se pregou a aliança deste bloco no poder. A crise econômica de 2008 aproximou ainda mais os industriais e a CUT-PT, que passaram a organizar mobilizações e atividades conjuntas (tal como a marcha convocada pela FIESP, ABIMAQ, Força Sindical e CUT, realizada em 18/10/2011). Por outro lado, a CUT e o PT sabotavam as lutas e greves das trabalhadoras e trabalhadores. No entanto, as greves passaram a acontecer à revelia das direções sindicais e partidárias, como em Jirau e Santo Antônio, e as emblemáticas greves dos professores do RJ de 2013, a onda de greves de rodoviários em 2014 e dos garis de 2014.

Para garantir esse desenvolvimento capitalista e a aliança o PT teve um papel ativo na construção do Estado de Exceção, do desenvolvimento do Estado Penal-Policial, onde segundo sua própria propaganda conferiu cada vez mais poder e aumento o efetivo do Judiciário e das forças de repressão.

Como afirmamos no jornal Causa do Povo n° 65, o setor do Estado “fortalecido” pelo PT foi o ligado a judicialização-repressão. Justamente aqueles com os maiores níveis salariais, quando comparados aos demais servidores, e que hoje compõe as forças tarefas de caça ao próprio PT. Houve um crescimento do “Estado Penal”, e não do “Estado Social”, ou seja, cresceu o “Estado” que investe na judicialização e militarização, que está associado ao projeto estratégico de favorecimento do Capital.

1-grafico1

[Fonte: quadro elaborado a partir dos boletins do Ministério do Planejamento]

A política do governo diante do levante de 2013 foi de aumentar a perseguição e prisão de atividades e manifestantes, bem como a criminalização das lutas sociais. O PT tomou para si a defesa da República Burguesa, quando a República Burguesa é da burguesia, ou seja, um instrumento social de geração de desigualdades e controle social policial, portanto um empecilho a construção do socialismo. A política petista não só reorganizou o aparelho de Estado dentro do neoliberalismo como buscou a construção de uma unidade burguesa. Neste sentido, o cenário internacional e o crescimento econômico possibilitaram o desenvolvimento e avanço de transnacionais de origem brasileira com financiamento dos fundos de pensão, controlado por sindicalistas, e do BNDES.

A repressão e a violência nas favelas e periferias, principalmente contra a juventude negra, não arrefeceu nem um pouco, pelo contrário. O Estado penal e policial cresceu a cada dia assassinando jovens negros nas favelas e periferias por todo o país. Tal como os recentes massacres de Cabula, na Bahia, os assassinatos e fuzilamentos na Maré e favelas cariocas, bem como a chacina ocorrida no bairro Curió em Fortaleza-CE. Os assassinatos no país, fundamentalmente nas favelas, periferia e nos campos, somam 50 mil por ano. A política é de aumento da repressão e da criminalização do movimento popular. Além disso, o programa do PT para as eleições de 2014 propunha a nacionalização das UPPs. Presos políticos se somam no Rio e Janeiro (Rafael Braga), São Paulo (Fabio HIdeki), Goiás e Rio Grande de Sul (Vicente Metz). No caso do Rio Grande do Sul a brigada militar do governo do PT de Tarso Genro seguidas vezes invadiu a sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG).

Os aparatos estaduais de repressão estão se unificando sob o comando do Exército. Para conter possíveis distúrbios no campo e nas grandes obras foi criada, em 2004, a Força Nacional de Segurança, vinculada diretamente ao Ministério da Justiça. O governo do PT reestruturou e iniciou o reequipamento das Forças Armadas, lidera tropas de ocupação no Haiti que explora e oprime cotidianamente o povo haitiano, com diversos relatos de exploração sexual por parte dos soldados brasileiros contra mulheres e crianças haitianas, e agora na Maré (RJ). Para isso, reorganizou as forças armadas com base na Estratégia Nacional de Defesa (END) determinado pelo governo Lula em 2007. Disso deriva toda reorganização das Forças Armadas no Brasil com deslocamento de tropas do sul para centro-oeste e norte, reequipamento e reativação da indústria bélica nacional. Dentro do quadro de reorganização foi formado o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), órgão vinculado ao Ministério da Defesa, que após o Levante de Junho de 2013, elaborou o “Manual de Garantia da Lei e da Ordem” onde colocou os movimentos sociais como “forças oponentes”.

Para coroar a construção do Estado de Exceção e garantir os lucros da burguesia, principalmente durante os megaeventos, o Ministério da Defesa elaborou, logo após o manual “Garantia da Lei e da Ordem” (GLO) como forma de legitimar oficialmente a perseguição política, a violência policial e o terrorismo de Estado. Para garantir a realização da Copa e os lucros da FIFA o governo editou a Lei Geral da Copa que criminalizou as formas de luta dos trabalhadores como as greves e manifestações de rua que ocorressem no período dos megaeventos, além da Recopa (Regime Especial de Tributação para Construção, Ampliação, Reforma ou Modernização de Estádios de Futebol) que garantiu que nenhum controle a da sociedade civil pudesse ser estabelecido sobre os gastos e empresas que depois seria envolvidos nos escândalos de corrupção. A recente “Lei antiterrorismo”, sancionada pela presidente Dilma, não é nada mais que a ação do Estado e da classe dominante contra as trabalhadoras e trabalhadores. É a legitimação de um Estado de exceção sobre as organizações e ações dos movimentos populares e sociais. A Lei Antiterrorismo é o “AI-5 da democracia”, sancionado pelo governo Dilma (PT).

A burguesia foi uma das maiores beneficiárias das políticas petistas, fato assumido pelo próprio Lula, enquanto para os trabalhadores o governo criou uma série de programas de atendimento social para combater a miséria extrema e aumento do salário-mínimo, sem reverter a desigualdade econômica do país. Tal situação levou ao boom do consumo individual, facilitado pelo crédito e cenário internacional, com alta do preço das commodities, que favoreceu o crescimento econômico nacional. Esse crescimento baseado também em megaprojetos que afetam milhares de pessoas da população rural e urbana, aumentando os desastres ambientais devido ao modelo de desenvolvimento assumido pelo PT, sendo o desastre de Mariana provocada pela Samarco, joint-venture formado pela Vale e BHP, o caso mais emblemático.

Assim, durante o governo Lula tivemos uma grande concentração de capital, principalmente no setor financeiro e agrícola, bem com a política do governo federal de formação das grandes multinacionais brasileiras e da sua internacionalização. No período da crise internacional há uma aumento das operações de financiamento via Estado às grandes empresas. Assim, o Estado sob gestão do PT aprofundou  uma tendência de um intervencionismo concentrador.

Em nenhum momento o PT atacou os setores conservadores, sempre realizou concessões a direita. O exemplo mais claro disso, são as eleições de 2014, a agenda Brasil de 2015 e o Ajuste Fiscal iniciado em 2015 e que pelo governo Dilma se estenderá até o fim de seu mandato. Para vencer o segundo turno das eleições presidenciais se utilizaram da insígnia “Dilma Coração Valente” para designar uma virada a esquerda do próximo governo petista. No entanto, consolidada a vitória eleitoral e diante de um quadro de crise econômica e política decorrente dos escândalos de corrupção os primeiros ministérios do segundo mandato Dilma Rousseff foram compostos por representantes do Agronegócio (Kátia Abreu), setor financeiro (Joaquim Levy) e das alianças estabelecidas com PMDB. As primeiras medidas anunciadas foram de ajuste fiscal e reformas que atacam os direitos das trabalhadoras e trabalhadores.

É importante observar que foi nesse momento que ocorreu Junho de 2013. A grande insurreição popular mostrou definitivamente a incapacidade do PT de controlar as lutas e movimentos sociais. E depois das eleições 2014, a oposição burguesa-conservadora liderada pelo PSDB, lançou uma ofensiva de desestabilização do Governo Dilma, com apoio dos EUA (tendo em vista que os recentes apoios dos EUA em derrubadas de governos na Ucrânia, Síria ou abertamente como no Iraque). Ao mesmo tempo, iniciou-se uma decomposição interna na base do Governo, com a oposição dentro do PMDB liderada por Eduardo Cunha. O PT poderia ter nesse momento, mais uma vez, atacado esses setores. Mas a campanha contra Cunha terminou com uma tentativa de conciliação orquestrada pelo próprio Lula ainda em 2015.

Em meio a toda acrise o partido procurou o tempo todo costurar suas alianças por cima angariando apoio dos setores conservadores, inclusive de cunho religioso, em troca de apoio parlamentar e eleitoral, tentando se manter no bloco no poder. No entanto, os desdobramentos da crise política e da ação judiciário por meio da procuradoria geral e do judiciário, a crise econômica, a política recessiva do governo Dilma e o descontrole da CUT e do PT das lutas sociais que pipocam nas bases estudantis e de movimentos sociais parecem ter determinado a posição burguesa de romper o bloco no poder.

A burguesia se lançou à ação de massas, coordenada com o poder judiciário e policial ultra centralizado e fortalecido pelos governos do PT, usando esses instrumentos criados e fortalecidos pelo PT contra ele mesmo. Essa ação de massas, combinada com a cisão parlamentar e o uso do poder judiciário, consolidaram a decomposição do bloco no poder com saída progressiva da indústria (FIESP), da agricultura (Bancada ruralista) e outros setores.

3 – A composição de classe, organizativa e ideológica dos blocos

Por fim, para compreender a crise no bloco do poder é preciso compreender minimamente a composição de classe, organizativa e ideológica. O PT confundiu o fato de ter sido integrado num bloco de poder, essencialmente histórico, isto é, transitório, com a ilusão de ter sido integrado à classe dominante. A crise do bloco no poder mostra que o alinhamento conservador (burguesia nacional, capital estrangeiro-imperialismo) não comporta mais representantes setores de uma pequena-burguesia reformista e da aristocracia operária. A exclusão do PT do bloco no poder é apenas o primeiro passo de uma grande ofensiva contra a classe trabalhadora, ofensiva esta que não teria sido possível sem o papel cumprido pelo PT.

O bloco burguês-conservador tem uma composição distinta em termos de classes sociais do bloco socialdemocrata. É fundamental compreender tais diferenças. Do ponto de vista de classes, o bloco burguês conservador é composto pela grande burguesia industrial, agrária e financeira (a ruptura da Bancada Ruralista e da FIESP com o governo, bem como o apoio de diversas empresas ao impeachment mostra essa unidade); ela também conseguiu integrar uma pequena burguesia raivosa, especialmente em razão deste último setor ter sido arruinado pela crise de  2008 e pela concentração de capital promovida pelo modelo econômico do PT.

Mas esse bloco tem mobilizado um grande número de trabalhadores, especialmente servidores públicos de governos diversos que tem o PT como patrão (nas prefeituras e governos estaduais). Esse último setor entra como força de apoio e não tem compreensão de que o bloco burguês-conservador prepara um grande ataque contra os seus interesses. Do ponto de vista ideológico, o bloco burguês-conservador é adepto do pragmatismo, mas comporta desde tendências neoliberais até grupos fascistas de extrema direita. A unidade deste bloco é frágil; caso ele consiga derrubar o governo do PT ele tende a perder grande parte de suas forças de apoio de trabalhadores e mesmo da pequena-burguesia.

Por sua vez, o bloco socialdemocrata-governista é composto por uma pequena-burguesia (pequenos e médios empresários desenvolvimentistas), por uma aristocracia operária e sindical e por uma tecnocracia de empresas estatais e bancos. Entram como forças de apoio trabalhadores rurais-camponeses, massas urbanas e assalariados precarizados. A contradição é que esses setores de apoio foram atacados pela política econômica e compromissos do PT enquanto este estava integrando o bloco no poder. E na realidade, para que o PT não seja derrubado, ele terá de assumir o compromisso de atacar não somente este último setor, suas forças de apoio, mas sua própria base social, a aristocracia (servidores públicos federais, funcionários das grandes empresas estatais, operários das grandes empresas industriais). Alguns exemplos de ataques a esses setores já estão em curso: o PPE e reforma fiscal que prevê inclusive demissão voluntária e congelamento salarial no serviço público, setor “intocável” até então nos discursos governistas. Ideologicamente, esse bloco é hegemonizado pela ideologia socialdemocrata, cada vez mais democrata-liberal, daí sua crença na democracia como valor absoluto e sua dificuldade para romper com o legalismo mesmo quando esta legalidade não significa nada.

Nesse sentido, apesar da polarização estar conduzindo o proletariado às ruas, nenhum dos blocos tem em seus respectivos programas soluções para os problemas materiais das forças de apoio que mobilizam. As classes sociais e grupos que participam nele estão sendo dirigidos por blocos socialmente e ideologicamente heterogêneos e sem uma base programática que dê coesão duradoura aos mesmos.

A luta e crise do bloco no poder parece estar criando condições para que essas classes-apoio se desprendam dos seus respectivos blocos dirigentes quando ficar claro que estes não irão resolver suas necessidades materiais e aspirações sociais. É para este momento que precisamos estar organizados e em condições de intervir em escala nacional.

4- A agudização da luta de classes: cenários e estratégias de resistência

1

Decorre desta análise o estabelecimento de uma linha de ação. Devemos saber que uma linha revolucionária não terá de imediato o impacto e adesão de amplos setores, exatamente porque estão presos às ilusões criadas pelo bloco de poder em crise. Mas conforme a crise do bloco do poder se aprofunde ou se resolva, e a tentativa de golpe institucional se consolide ou recue para um compromisso, esta situação se transformará aceleradamente. Nesse sentido devemos fixar dois pressupostos:

1 – Nenhum apoio ao Governo Dilma ou à defesa democracia liberal ou da “constituição”, ou transigência com a oposição burguesa-conservadora. Isso seria capitular ideologicamente. Por isso, a palavra de ordem frente à crise deve ser a de: “Não temos uma democracia a defender, temos um Estado de exceção e ajuste fiscal a combater

2 – Não podemos confundir os setores do bloco de poder entre si (o bloco burguês-conservador é distinto do bloco socialdemocrata), e menos ainda as classes e forças de apoio com seus núcleos dirigentes; precisamos saber que as contradições materiais entre as classes irão se impor e dissolver a unidade interna dos blocos. É preciso disputar esse processo, tendo uma linha de massas independente.

Tomando então essa política, nos colocamos no campo da oposição revolucionária, e não da adesão a um dos dois blocos em luta.  Hoje dois cenários se colocam ante a tentativa de golpe institucional, que podem te diferentes respostas de cada bloco:

grafico-cenarios

Desse modo, em todos os cenários a unidade interna dos blocos tende a entrar em crise. O único fator certo é que ocorrerá um amplo ataque em todos os níveis aos trabalhadores e recursos públicos. Estes cenários podem na hipótese menos pessimista, manter o regime, e em situações extremas generalizar o autoritarismo e o Estado de Exceção, resolvendo assim em favor deste último a dualidade (democracia x Tirania) constitutiva do sistema político brasileiro (Sobre a dualidade do sistema político leia o texto “Democracia e tirania: a luta contra o Estado de Exceção e a decomposição histórica das organizações de trabalhadores”, disponível no site da UNIPA).

Por isso hoje não podemos nos deixar capturar pela polarização. Não podemos cair no discurso da defesa abstrata da “democracia”, pois isso implicaria em desorganizar o trabalho preparatório de resistência (ideológico e organizativo) necessário ao enfrentamento da ofensiva que já está sendo realizada e será aprofundada quando a crise interna do bloco de poder se resolver. É necessário que os militantes tenham paciência história e persistência no trabalho de base diário.

A principal tarefa dos anarquistas e revolucionários é ter uma séria política de organização e resistência de massas capaz de, no caso do cenário 1, criar formas organizativas autônomas que não permitam que o bloco socialdemocrata canalize exclusivamente para as eleições 2018 a ação e massas; e no caso do cenário 2, capaz de combater o papel desorganizador que o governismo terá de cumprir para garantir a presença do PT no bloco do poder, de forma a contribuir para que o movimento de massas seja ao mesmo tempo capaz de enfrentar a repressão e realizar lutas reivindicativas.

Programaticamente é preciso contrapor as palavras de ordem: 1) Nem Impeachment, que implicaria defender um governo do PMDB; 2)Nem a defesa do Governo do PT e da democracia; 3) Nem de eleições Gerais Já, que interessa à oposição burguesa. Todas essas políticas apontam para solução por cima, ou pela esperança de que o Bloco Burguês-conservador resolva a crise; ou que uma nova entrada dos trabalhadores no bloco do poder, seja dirigida pelo PT, seja pelo PSOL, seria a alternativa. Nenhuma dessas políticas coloca no centro a ação das próprias massas.

Por isso, a nossa política deve ser colocar a centralidade na ação das massas. Esta ação de massas deve ser expressa pelo trabalho de agitação e propaganda em favor do Congresso do Povo. Sabemos que o Congresso do Povo não será construído de imediato nessa crise, mas as assembleias populares e conselhos, seus embriões locais podem (assim como em 2013 surgiram fóruns, assembleias e etc.).

A tarefa imediata é: 1) Fortalecer uma linha política classista e combativa em espaços de organização da classe já existentes, tais como assembléias sindicais, DCEs, CAs, grêmios estudantis, associações comunitárias, grupos de mídia, etc. Apesar da burocratização sindical que serve na maioria dos casos como desorganizador dos interesses da classe trabalhadora, ainda é um espaço reconhecido por um grande setor. É necessário combater a burocracia sindical e partidária e construir alternativas! A atuação dos setores combativos nesses espaços quanto mais organizada for tanto mais efeito terá para o fortalecimento de um bloco alternativo ao socialdemocrata e conservador, por isso, a importância de reunir os estudantes e trabalhadores dispostos a luta em organizações/oposições sindicalistas revolucionárias nos locais de estudo, trabalho e moradia. É necessário construir um Bloco Sindicalista Revolucionário que defenda e sustente em todo o país uma política de centralidade da ação autônoma das massas!

2) Ajudar a preparar junto ao povo as condições para a resistência através de protestos de rua, ocupações e greves contra a retirada de direitos, contra os efeitos do ajuste fiscal e crise econômica. Organizar a autodefesa popular contra as formas de repressão policial-militar e criminalização que se aprofunda sobre a organização e ação do movimento popular e o povo em geral;

4) Não transigir com os governistas. Nos locais onde o movimento de massas está em refluxo, organizar a agitação e propaganda desta linha e deste comunicado através dos militantes e comitês de apoio do anarquismo revolucionário e dos comitês da campanha “não vote, lute”!

5) Participar e construir em todos os lugares que tiverem condições assembléias populares autônomas como organismos de contrapoder– fóruns abertos para dezenas, centenas e milhares de pessoas para a luta popular. Essas assembleias são o único espaço possível para criar aquilo que todos sabem que falta aos setores que vão para as ruas: consciência de classe de seus reais interesses. Essas assembleias populares devem ter como principal função organizar a resistência e luta contra o Estado de Exceção e o ajuste fiscal, que irão se aprofundar em qualquer dos dois cenários apontados acima.

7) Culminar todo o trabalho atual (que são as ginásticas locais e regionais de contra-poder), para a estratégia revolucionária de construção do Congresso do Povo.

Mas o Congresso do Povo e as Assembleias Populares não surgem sem luta. O método hoje é a ação direta e a greve geral. As Assembleias Populares devem se colocar como tarefa lançar as massas a ação direta e construir a greve geral como principal estratégia de luta. Parar o Brasil, com a greve geral, para barrar o ajuste fiscal.

Nem Impeachment, nem Fica Dilma, nem eleições gerais: Todo poder ao Congresso do Povo. O Congresso do Povo é o ensaio geral do Poder Popular. Somente este poder pode resolver as contradições históricas, tirar o país da corrupção e da crise econômica sem ataques aos trabalhadores. Por isso conclamamos todos os anarquistas e revolucionários a somarem-se à construção da resistência autônoma e ação direta de massas nos marcos dessa linha de ação: pela organização imediata de assembleias populares autônomas; pela construção dos grupos embriões do sindicalismo revolucionário nos locais de estudo, trabalho e moradia; pela construção do Congresso do Povo como alternativa classista e antissistêmica à crise política.