(Reflexão) Para nós, homens: o debate feminista no ENEM e a nossa obrigação enquanto machistas

Para nós, homens.

11249094_10153261009871973_86279490837545895_nDe nada adianta compartilhar o meme da Simone de Beauvoir ou comemorar o tema da redação no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), a saber, a persistência da violência contra a mulher no Brasil, se não estamos engajados em um processo contínuo de autocrítica e vigilância sobre nossas micro-práticas que violentam, seja fisicamente, seja simbolicamente, as mulheres ou outro grupo oprimido.

Celebrar o alheio e se juntar ao coro é fácil. Agora, refletir sobre a nossa própria posição social enquanto machistas e indivíduos privilegiados, o que por conta própria já é uma violência em si, aí trata-se de um caminho que quase ninguém quer trilhar.

Mesmo os poucos que trilham esse caminho, boa parte o faz com muita dificuldade. Alguns são seletivos em sua autocrítica, se recusam a ouvir certas sugestões e críticas de nossas companheiras e amigas feministas sobre nossa conduta e/ou deixam de chamar a atenção de nossos amigos homens quando eles reproduzem algum tipo de postura machista na nossa frente (e aqui eu me incluo como alvo dessa crítica, pois nenhum de nós, homens, está imune de tal processo reflexivo).

Para ser um homem empenhado em desconstruir o patriarcado, o machismo e o sexismo não basta afirmar perante ao mundo “eu não sou machista”. Nem mesmo a mera autoafirmação como anarquista ou libertário é suficiente para atingir essa desconstrução, uma vez que de nada serve a retórica descolada da prática, um problema que faz com que o movimento anarquista seja, infelizmente, repleto dos ditos “anarcomachos” – os supostos anarquistas que não problematizam o machismo inerente em suas condutas e em suas organizações.

Para sermos esse homem comprometido com a construção de relações sociais livres de opressões, o primeiro passo é justamente nos reconhecer como machistas, é dizer para o mundo e para si mesmo, “eu sou machista”. Enquanto as estruturas de poder de nossa sociedade continuarem a reproduzir práticas e discursos que oprimem mulheres, enquanto o patriarcado persistir em ser a ideologia hegemônica, nós seremos machistas, não importa o quão avançado estamos em nossos processos de desconstrução e autocrítica. Pois não há uma solução individual para um problema que é coletivo.

Não basta desconstruir, é preciso destruir esse patriarcado, e essa destruição há de ser coletiva. Ou todos nós deixamos de reproduzir posturas e valores machistas, ou continuaremos todos a oprimirem mulheres, seja de forma estrutural e involuntária ou consciente e deliberada – não existe exceções.

Não tornemos, portanto, vazia toda a justa celebração que ocorreu em torno da presença das tão importantes pautas feministas na prova do ENEM. Por mais que nós, enquanto anarquistas, recusemos tal prova por ela se tratar de uma ferramenta elitista e mercadológica que reproduz desigualdades e opressões capitalistas, reconhecemos o valor de ter esse debate antiopressão inscrito em seu conteúdo no sentido de disseminar essas ideias e fazer frente a discursos conservadores e protofascistas.

Dito isso, devemos permitir que todo o debate incitado por esse momento histórico passe de fato a influenciar nossa conduta cotidiana para combatermos toda violência machista e sexista inserida em nossas práticas tanto em um nível macro (no caso, na disputa pelos discursos) quanto em um nível micro (no nosso dia-a-dia).

Homens, não passaremos!

Por Gustavo Fernandes

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