(TEXTO) Depressão: Da perseguição do Estado ao peso da militância no ativismo.

O que poderia combater a ansiedade? Teremos nós que brigar com guardas de segurança, companhias de seguros, comunidades religiosas e antidepressivos em seu próprio jogo, fazendo de alguma maneira as pessoas se sentirem salvas em um mundo hostil e perigoso? Tentar aliviar a ansiedade ao invés de abolir as condições que a criam certamente seria um fracasso. Devemos aceitar o cenário de pior dos casos como uma conclusão precipitada e correr de encontro para ela, transformando nossa ansiedade em uma arma? Se a ansiedade é a guardiã onipresente da ordem atual, ela também pode ser um perfeito ponto de partida para a resistência – mas isto não responde como xs já imobilizadxs por ela poderiam realizar tal alquimia.

Durante períodos de mobilização e mudanças sociais significativas, as pessoas se sentem mais empoderadas, com maior habilidade de se expressarem, com um senso de autenticidade e conhecimento ou desalienação que podem ser tratamentos efetivos para a depressão e outros problemas psicológicos – como uma experiência de pico. Isso é o que sustenta o ativismo político?

Podemos focar aqui dois aspectos bem comuns relacionados que, em muitos casos, acarretam um alto grau de tensão e problemáticas como a depressão e outras questões sentidas por indivíduos na sua militância devido a inúmeros fatores da perseguição do Estado.

Esses dois aspectos são: Processos de Prevenção e Punição por Antecedência.

Táticas de prevenção são aquelas que impedem os protestos antes que eles comecem ou consigam qualquer sucesso. Prisões em massa, enquadros, prisões “preventivas” de ativistas e buscas e apreensões em residências são alguns exemplos desses tipos de táticas; táticas essas usadas recentemente nos protestos contra a Copa do Mundo no Brasil em 2014 onde inúmeros militantes foram presxs, tiveram suas casas invadidas pela Polícia, suas comunicações grampeadas e toda a sua vida, de seus familiares e amigxs vigiadas pelo Estado.

As punições por processos recorrentes procuram manter as pessoas em situação de pânico, medo e vulnerabilidade através de processos concebidos para outros fins – como manter pessoas em estado de vigilância e investigação ou aguardando julgamentos -, afetando assim toda a atividade cotidiana do indivíduo; usar de restrições de mobilidade, como a impossibilidade de viajar para fora do país ou sempre ser chamado para supostas investigações; uso de recorrentes averiguações e invasões; exposição extrema na mídia, reportagens feitas em casos mal definidos e matérias recorrentes a nível nacional e depois “esquecidas”, apenas pela exposição nos meios; prisões de pessoas envolvidas em ativismo; detenções ou chamados pela justiça para “averiguações”; deixar as pessoas em um estado que saibam que estão silenciosamente sob vigilância, entre outros. Uma vez que o medo de interferência do Estado é imposto, ele é forçado pela rede de vigilância visível gradeada ao longo da vida pública, o que funciona como gatilhos de trauma e ansiedade estrategicamente implantados.

Relatos pouco expostos mostram histórias dramáticas sobre os efeitos de tais táticas: pessoas tendo colapsos nervosos após anos esperando por julgamentos que elas são depois absolvidas, casos de suicídio após a pessoa passar meses sem contato com a família e amigxs, casos comuns de pânico e receio de sair depois de incidentes de abuso, síndromes de perseguição, etc.

Os efeitos são tão reais como se o Estado estivesse matando ou dando fim nas pessoas, mas estes “serviços” acontecem ocultamente. Além disso, muitos ativistas radicais estão em regimes de empregos precários ou em exclusão e em regimes de serviços punitivos.

E esse ponto da saúde mental e psicológica do militante de diversas frentes tem que ser discutido, devemos bolar maneiras e métodos coletivos para a auto-ajuda-mutua. O indivíduo antes, durante e depois das perseguições do Estado não deve ser abandonado ou esquecido, o problema não é apenas dele e sim de todxs nós.

Se nós não criarmos métodos ou formas de nos ajudarmos em momentos difíceis, depressão, tristeza, problemas familiares, perseguições e etc estaremos fadados a cair pelo peso que a militância trás consigo. Criar vínculos de amizade e apóio mútuo reforçando laços de amor, carinho, momentos de descontração e afins são formas e saídas de prevenção.

Para quem não conhece segue a carta escrita pelo ambientalista, o canadense Richard Gomberg – Tooker, que veio a se suicidar em 2004 e travava uma luta contra a depressão. Angela Bischoff, sua companheira, justifica a publicação desta carta com a esperança de que a mesma seja uma mensagem importante de Tooker para todas as pessoas que se veem como ativistas para um mundo melhor.

“Caro Ativista,

É mais um dia estranho para mim. As coisas têm sido muito estranhas nos últimos oito meses ou mais. Eu costumava ser um ativista. Agora eu não sei bem o que eu sou…

Minha mente parece enevoada. Eu não consigo pensar muito claramente. Até para fazer um simples sanduíche leva um longo tempo. Tenho que me concentrar em cada passo e me movo muito lenta e deliberadamente. Sinto-me atordoado e desconectado boa parte do tempo. Hoje é o Dia da Terra, mas eu me sinto como se estivesse em outro planeta.

Eu tenho passado parte considerável de tempo na cama, dormindo, cochilando e sonhando. Parece que a minha mente se derreteu. Disseram-me que ela voltará ao normal quando passar a depressão. Seja lá o que for isso. Dizem que para algumas pessoas [sair da depressão] leva meses; para outros anos; outros, dizem, nunca conseguem sair dela.

Mas eu estou escrevendo para você sobre ativismo, não sobre os impactos assustadores de depressão.

Amory Lovins, o guru grande da eficiência energética [nos EUA], uma vez que me chamou de hyper-ativista. Eu acho que é o que eu era. Eu vivia, respirava e estava focado sempre em meu ativismo [ambiental]. Isso me mantinha pensando, inspirado, interessado, e vivo.

Mas também me fez ignorar outras coisas na vida que agora, de repente, eu percebo que eu nunca desenvolvi. Isso me deixa triste e desanimado. Eu gostava de cozinhar, mas parei. Eu sempre gostei de crianças, mas nunca pensei em ter filhos. Mudar o mundo era mais importante e ter um filho iria interferir com o trabalho de nossa vida de mudar o mundo.

Eu não desenvolvi minha mente de uma forma ampla, por exemplo, aprendendo sobre música, arte, teatro, poesia. Fiquei sempre focado em mudar o mundo. Eu realmente nunca pensei sobre a carreira – eu estava vivendo minha vida, não me preocupando com as armadilhas e as credenciais do chato mundo do status quo.

Talvez eu estivesse vivendo em uma bolha de ingenuidade, fazendo minhas próprias coisas, sem me preocupar se as minhas perspectivas e ações eram tão diferentes do “normal”. De qualquer maneira eu nunca quis ser normal. “Normal” nos levou a essa bagunça na qual estamos todos metidos.

Então agora eu me encontro quebrado em pedaços … Talvez eu tenha torrado minhas glândulas suprarrenais. Talvez meu cérebro tenha se envenenado de tanto pensar sobre as trágicas questões ecológicas… E de ficar frustrado com o progresso lento das melhorias [em contraste com] a rápida destruição do mundo vivo…

Eu deveria ter desenvolvido um relacionamento mais profundo com a minha família e com as pessoas. Não me interpretem mal – eu tinha muitos amigos e conhecidos no mundo ativista. Mas eles não eram amigos do coração. Eu negligencei o meu coração e meus sentimentos sobre as coisas, sobre as pessoas, sobre as situações. Agora que estou em crise, eu realmente não tenho palavras para me conectar com as pessoas. O silêncio é mais fácil do que tentar explicar o que eu estou passando ou do que tentar me relacionar com as questões e problemas das outras pessoas.

Então que conselho eu posso oferecer? Seja equilibrado. Faça ativismo, mas não exagere. Se você superestressar ou cair em depressão, você não será legal para ninguém, muito menos para você mesmo. Quando você está neste estado, não há nada que pareça valer a pena nem tampouco razões para ir em frente.

É honroso trabalhar para mudar o mundo, mas faça isso de forma equilibrada Cultive mais outras coisas que você gosta de fazer e você vai ter mais energia e entusiasmado com o ativismo. Não negligencie passatempos ou prazeres. Lembre-se de caminhar e dançar e cantar. Manter o seu espírito vivo e saudável é fundamental se quiser continuar.

Eu nunca entendi muito bem o que era o burnout [‘apagão’, termo em inglês para designar o colapso que ocorre pelo stress exagerado]. Eu sabia que isso afeta mesmo pessoas ativas, mas, de alguma forma, eu pensei ser imune a isso… Mas no final, quando o burnout me alcançou, foi mega, e deve ter sido o acúmulo de décadas de tensão e negação. Agora eu me encontro em um labirinto escuro e confuso tentando vislumbrar o caminho de volta à sanidade e calma.

Então, cuidado!

Leve meu aviso a sério. Se você começar a escorregar para dentro do buraco da depressão, se perceber que está perdendo o entusiasmo e tornando-se profundamente desencantado, faça uma pausa e procure conversar com um amigo.

Não ignore isso. O mundo precisa de todas as pessoas que se motivam a lutar por diferentes causas. Se você puder ficar na luta por longo prazo, você pode fazer uma contribuição real positiva e viver para testemunhar a próxima vitória!”

ativistas

Rede de Informações Anarquistas – R.I.A