(Artigo) Grécia: Por um olhar anarquista dos fatos

Durante o ano de 2014 tivemos a oportunidade de trocar ideias sobre conjuntura política com uma companheira militante anarquista da Grécia, então de passagem pelas Américas. Dizia-nos ela que naquele país não havia forma possível para que anarquistas e comunistas viessem a desenvolverem ações em comum. Quando há marchas contra medidas de austeridade ou com qualquer outra pauta social formam-se diversas jornadas diferentes, os comunistas vão às ruas com suas bandeiras e demandas, reunidas em torno de suas organizações estudantis, trabalhistas ou partidos políticos. Em horários diferentes vão os anarquistas em manifestações construídas a partir de seus mecanismos deliberativos de estrutura assemblearia distribuída por alguns bairros de Atenas. Dizia ela que eles não se misturam… Alguns podem considerar uma postura sectária. Não pensamos deste modo. Parece-nos coerente com as posturas que defendem ambas as partes… Para os gregos não há mais tempo a perder com devaneios e a rua comporta à todos.

Quanto ao movimento anarquista grego, a companheira pintava um quadro bastante vivo e vibrante apesar da conjuntura de crise que assola o país há mais de uma década. Disseminado por toda a Grécia com ações que apontam para autogestão da produção, revitalização de estruturas produtivas abandonadas ou falidas e a descentralização política feita a partir das assembleias de bairro, o movimento anarquista nos parecia bastante avançado em articulações entre as diversas organizações e tendências. Há cooperativas modestas que funcionam na base do sangue, suor e lágrimas, há iniciativas de autogestão de fábricas abandonadas, centros de cultura social e ateneus, enfim, espaços libertários de sociabilidade que obviamente se fazem públicos e dialogam abertamente com qualquer um interessado em participar de suas atividades ou articular com os diversos grupos libertários atuantes no interior destes espaços.

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Como sabemos, em quadros de crise econômica, os capitais são os primeiros a se retirarem do cenário deixando a imagem da devastação, do desemprego e do abandono dos espaços outrora produtivos. Se os capitais se retiram para outros países mais atrativos, não podemos dizer o mesmo das pessoas. Elas têm necessidades básicas como alimentar-se, vestir-se, trabalhar e o desejo sempre ardente de uma vida digna, onde a felicidade é uma condição possível.

Neste cenário devastado, onde a repressão política, consolidação de organizações de cunho fascista e até o suicídio assustadoramente fazem parte do cotidiano dos cidadãos gregos, é que os anarquistas encontram terreno para construir ações libertárias de apoio mútuo e solidariedade, reforçando os laços de sociabilidade e cidadania entre os indivíduos, tocam-se importantes debates e, sobretudo, põe-se em prática conceitos que fora dos contextos de crise, infelizmente, nos parecem apenas palavras soltas contidas em alguma teoria escrita em tempos passados.

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Vemos agora as imagens de grandes manifestações e confrontos do povo grego contra o Estado, a traição anunciada pelo uso político do recente referendo que rejeitou qualquer possibilidade de acordo com a Europa, seus bancos, pacotes de “ajuda”, empréstimos e juros. Vemos que, como sempre, são os anarquistas os acusados pela crise grega, são eles os inimigos apontados a serem combatidos através de um discurso construído e disseminado pela grande mídia. A canção é antiga e já foi executada em muitas línguas, inclusive em português.

É aqui que enviamos toda a nossa solidariedade ao povo grego, aos anarquistas e todos que não desejam salvar os bancos, que não desejam um novo pacote enviado pela zona do euro, um novo referendo, uma nova traição. Todos os que desejam que as próprias pessoas juntas criem as formas de salvar a si mesmas. A todos os gregos que lutam acreditando que a solução não virá da zona do Euro, mas do interior dos bairros, dos campos, das fábricas e cooperativas, da ação direta e da descentralização política. A todos que sabem que é preciso virar as costas para a política da UE e do próprio Estado grego, verdadeiros responsáveis pela crise humana que abate a Grécia. Nossa saudação e solidariedade a todos que se empenham hoje em construir dos escombros deixadas pelo capitalismo uma via possível para o resgate da dignidade do povo grego sem esperar que a solução caia dos céus ou das mesas de negociação dos políticos profissionais e banqueiros europeus.

Saudações aos que lutam!

Rede de Informações Anarquistas – R.I.A
“Debaixo para cima, Ria você também!”