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(POEMA) Eu sobrevivi – Essa não é uma poesia de amor

Essa não é uma poesia de amor

Boto pra tocar um som primaveril
Pra instigar a esperança sutil
Preservar o sonho infantil
Ei mana, pensa só, eu saia a pouco da puberdade
Nesse mundo mó misoginia, já era suficiente a crueldade
A violência já tinha destruído o que cês chamam de família
Meu corpo já era motivo de assédio nessa correria
Tinha saído do trampo, matei aula pra entorpecer a alma
Tinha uma barato perto de casa, festa pra quem aguentava
Naquele tempo não importava o meio, a transgressão era o fim
Se liga mana, cocaína não tem cheiro de jasmim
Eu ia fundo naquela dança, koé parceiro, pó não é novidade pra mim
Sabe lá que era um salário na mão há mais de dez anos atrás?
Eu achava que o mundo não era metade do que é mesmo capaz
Tinham matado meu pai, levado minha casa e me convencido que eu tava sozinha
Porra, por que eu não fui pra casa com a vizinha?
Durante todo o tempo alguma coisa me dizia pra eu ir embora
Mas eu não levava a sério. Ah, é só uma prosa.
Eu me lembro de querer dançar, havia verde no quintal e precisava extravasar
Me lembro também que chorei num canto, euforia alguma parecia esconder aquele pranto
De repente um apagão.
Um apagão completo até chegar a porta de casa carregada por algum estranho que me dizia pra pedir ajuda.
Eu sentia dor. Sentia toda a dor do mundo de uma vez só, imensa e completa que passava por todo o meu corpo e atingia a alma com golpes violentos que me atiravam no chão.
Eu não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.
Eu quebrei a casa toda. Bati nos meus amigos.
Eu desferi socos em mim mesma, onde é que tava esse inimigo?
Eu tomei remédios, desmaiei e morri.
Eu ressuscitei num hospital. Tudo era branco, havia tubos no meu braço e tudo doía como antes.
Eu não acredito que não morri.
As médicas me olhavam como se eu tivesse feito alguma merda, o que será que eu fiz?
Porra, eu não tenho nem dezoito, se minha mãe não me entendia, agora ela me odiaria
Por favor, não chama ninguém, eu já sou emancipada, sei me virar
Aí eu lembro daquele irmão que me carregou, chorou comigo no caminho do corredor
Anos depois mataram ele também, parecia que velório era o destino do meu amor
Durante mais de dez anos foi esse o fim dessa história
Me reconheci como vítima, só que de certa forma eu via glória
Não foi falta de coragem, nem de certeza, nem de estudo
Eu contei pra mim mesma que tinha fugido daquele absurdo
Lutei como sobrevivente, quase foi comigo
Só que tinha alguma coisa errada
E não era qualquer grilo
Ja passava mais de uma década e muitas andanças
Eu tava por mais uma ocupa, vários debates, várias alianças
Foi quando fantasmas tomaram conta de uma noite comum
Eu me perguntei se a culpa não era do rum
Aos prantos eu via as cenas do dia macabro
Não era mentira, tinha acontecido comigo, não era imaginário
Me lembrei de rastejar no chão e sentir no meu corpo um monte de mão
De sentir rasgarem minha calcinha
Mano, eu tava dopada, que força eu tinha?
Minha mente não deixa eu chegar perto demais
Eram só flashs da cara deles, e dos gritos abissais
Não tem jeito, teu organismo te apaga porque não suporta
Ué garota, então tem certeza que você é que não gosta?
Quando eu tropecei fugindo no quintal, pude contar que eles eram sete
Porra maluco, acho que eu não tinha nem dezessete.
Eu sei irmã, que você já achou que tinha consentido
Que deve ser coisa normal mulher ter libido
Mas eu sinto muito, minha amiga
Aquilo não foi coisa natural de qualquer menina
Eu sei irmã, que você achou que a culpa fosse sua
Mas homem algum deveria ter te tocado, mesmo que cê tivesse nua
Eu sei irmã, que você teve muita vergonha
Mas o mundo precisa saber que isso acontece também sem maconha
Só mesmo essa semana eu cogitei ter sido dopada sem perceber
Sabe como é, na minha cabeça eu era a viciada culpada por me entorpecer
No final das contas, não faz diferença
Levei muito tempo pra perceber que essa violência é cultural
Você tem licença se tiver um pau
Cê pode ser boa, recatada, mãe, exemplar
O patriarcado sempre vai te estuprar
Irmã, a culpa não é sua
Tá me ouvindo, irmã?
A culpa não é sua
Hoje eu tomei coragem de dizer
E vou repetir pra cês nunca mais esquecer
Eu sofri um estupro coletivo
Eu sofri um estupro coletivo
EU SOFRI UM ESTUPRO COLETIVO
E não teve nenhuma outra razão senão o fato de eu ser mulher
Eu sou mulher
Eu sofri um estupro coletivo
A culpa é dos estupradores
Eles me estupraram porque eu sou mulher
Eu sofri um estupro coletivo porque eu sou mulher
Eu fui estuprada
Eu sou mulher
Eu sobrevivi
Fui estuprada
E sobrevivi
Eu sou mulher
E sobrevivi
Eu sofri um estupro coletivo
Eu sobrevivi

Poema feito por J. anarquista e amiga da R.I.A

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(Belo Horizonte) Toda solidariedade com a Ocupação Feminista Tina Martins, ameaçada de despejo

Tina Martins

Retirado de squat.net.

No último dia 08 de março, o movimento feminista Olga Belnário ocupou um prédio abandonado no centro de Belo Horizonte. As ocupantes exigem que o prédio seja desapropriado e transformado em Centro de Referência para mulheres vitimas de violência. Desde então, o prédio se tornou local de moradia para dezenas de mulheres, recebendo diariamente reuniões, assembleias e encontros culturais e políticos além de funcionar como abrigo e centro de atendimento psicológico para cerca de 200 mulheres em situação de rua ou de violência.

A ocupação foi batizada Tina Martins em homenagem a Espertirina (Tina) Martins, militante anarquista. Durante a greve operária de 1917, em Porto Alegre, Tina, que tinha então 15 anos, jogou uma bomba escondida dentro de um buquê de flores contra as tropas militares que iam reprimir os/as grevistas, o que obrigou as tropas a recuar. A greve tinha começado em resposta à morte de um operário pela Brigada Militar e resultou na conquista da jornada de 8 horas de trabalho, proibição do trabalho infantil, aposentadoria, licença maternidade, assistência médica e indenizações às vítimas de acidente do trabalho.

Na semana passada, a ocupação recebeu uma ordem de reintegração de posse da Polícia Federal. Desde então, uma vigília cultural contra o despejo foi iniciada e uma intensa mobilização foi desencadeada contra o despejo da ocupação. Segue o manifesto escrito pelo Movimento de Mulheres Olga Benário contra o despejo:

URGENTE! QUEREM DESPEJAR A OCUPAÇÃO TINA MARTINS!

A direita se assanha no impeachment e vem os ataques, com ameaça de despejo na Tina e em outras ocupações de BH, RMBH, além de cumprir mandados no interior de MG, de forma violenta.

Nossa ocupação, resiste há 42 dias e vem transformado o espaço, criando um ambiente acolhedor para mulheres em situação de violência e tem sediado diversas atividades e debates importantes para toda a cidade. Nossa luta tem ganhado forte apoio popular, diversos artistas, personalidades públicas, instituições passaram pela casa. Nomes como Raquel Rolnik, Elza Soares e mais centenas de pessoas, diariamente dão solidariedade à luta das mulheres.

Porém, hoje amanhecemos com a polícia federal na nossa porta, nos ameaçando e tentando nos intimidar. A reintegração de posse foi expedida, e caso haja resistência estão liberados para uso de força policial e ainda cobrarão uma multa de 10mil reais por dia. Precisamos de todas e todos nesse momento. Venham para a Tina, tragam doações de comida. Podemos ter o fluxo de entrada e saída restringido pela própria polícia, por isso, precisamos assegurar nossa segurança e nossa alimentação para resistirmos. Venham Todxs!

DESPEJO NÃO! VAI TER LUTA!

Ocupação Tina Martins, Rua Espírito Santo, 96 – centro de BH.

Movimento de Mulheres Olga Benário
19 de abril de 2016.

(Poema) Como você, só há você!

Quando você estiver na merda,
Pare de pensar no todo o tempo todo.
Não se martirize com problematizações infinitas.
Não cultue a culpa.

Quando você estiver na merda,
Agarre-se loucamente a você mesma, se escute com atenção.

Quando você estiver na merda,
Não espere que as pessoas ao seu redor pensem em soluções pra ti.
As pessoas querem até te ajudar, mas o farão te lembrando das coisas que você tem feito de errado, elas estão do lado de fora, é o que conseguem enxergar.

Quando você estiver na merda,
Analise seu humor, os sonhos que você tem as doenças e dores que seu corpo manifesta.
Eles vão te apontar a origem de tudo isso e por onde você deve começar a mudança.

Quando você estiver na merda,
Lembre-se do que te moveu até hoje.
Faça um filme passar na sua cabeça de todas as coisas que fez e que te deixaram orgulhosa, tudo que rendeu frutos.

Quando você estiver na merda, pense profundamente sobre seus desejos, seus sonhos.
Como você, só há você.
É você a engenheira dessa solução, não caia na rede daqueles que virão pra te salvar.
É só outra armadilha que você vai fazer questão de armar.

Quando você estiver na merda, use o espelho no outro.
Viver a empatia fará com que haja mais acolhimento ao redor.

Quando você estiver na merda,
Conte com as forças da natureza, com o axé da estrada.
Conte com a sua coragem, com a sua honestidade.
Conte com a sua verdade.

Ah, quando você estiver na merda, conte comigo também!
Eu tenho fé no apoio mútuo, na rua, na solidariedade.
Mas não se esquece que o mais difícil, é começar por dentro.

Poema escrito e gentilmente cedido a RIA pela nossa amiga J.

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(Artigo) Moça, nós não somos rivais, somos a revolução!

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Outro dia fui correr pensando na sororidade, que para quem não conhece é um conceito super ventilado nos coletivos feministas – mas pouco abordado fora – que diz respeito à irmandade/união/aliança entre as mulheres. Por óbvio, tentando digerir essa prática tão pouco comentada quanto praticada, pensamos sempre no seu oposto simétrico, o patriarcado, essa união entre homens que nos rege atualmente, cujo mal-estar é evidente. Vejam bem, mesmo entre as feministas, não existe nada pactuado, não há absoluto entre correntes que se movem, mas sim, um acordo fomentado, uma união ensejada e às vezes, pouco praticada.

Enquanto eu corria à noite, reparei na camiseta de uma adolescente “your boyfriend keeps texting me” [seu namorado vive me mandando mensagens], engraçado à primeira – e inocente – vista, mas desolador, de tão cruel. Foram poucos quilômetros e muitas lembranças, mas sempre de conversas com homens – queridos -, sobre isso, poucas conclusões e muito latim gasto nessa suposta união entre homens que a esse respeito se vangloriam. Lembrei de uma conversa na Colômbia “é que vocês mulheres adoram se degladiar” e de outros exemplos de amigas expondo outras, em situações tão corriqueiras quanto preferivelmente sigilosas.

Voltei à camisa da adolescente [fiquei pensando que mulher com mais de trinta anos faria piada disso, mas a ignorância e a juventude são atrevidas…] e pensei no significado político de afirmar uma união entre mulheres. E é justamente pra demonstrar a fragilidade dessa união patriarcal, dessa lealdade que meus queridos amigos batem no peito [até o momento em que se afastam e seus amigos se tornam esses monstros que mesmo os homens têm dificuldade de reconhecer que são], que o ensejo deve ser levado às últimas esferas.

O que o patriarcado representa, no limite, é um laço masculino que é sustentáculo do capitalismo e virtualmente dependente desse, as feministas materialistas históricas francesas nos ensinam – mas não somente elas. E o que a sororidade propõe é um giro cotidiano revolucionário na socialização feminina. Não somos nossas inimigas, não somos competidoras, nós não somente somos as netas das bruxas que vocês não puderam queimar, mas resistimos enquanto afirmamos nossa proposta distinta: viemos aqui para crescer juntas.

Corri pouco, o mal-estar era muito, me veio à mente as distintas formas em que essa proteção corporativista masculina nos prejudica e nos diminui, no trabalho, na universidade e na família. Me veio à boca a amarga sensação de enfrentar um monstro invencível, mas compartilho essa nota – tola – nessa arena de mistura privado-público, talvez por acreditar no poder de afetos revolucionários. De que todo afeto é revolucionário, que toda irmandade/laço/união é um nodo potente, rijo, capaz de vencer esse monstro, que, de tão humano, é perfeitamente vencível…

Por S.

(Artigo) Ser mulher favelada é resistir dia a dia!

claudia

São os muros que nos cercam, são os tiros que atingem os nossos filhos, são as nossas casas que nos são tiradas dia a dia, somos arrastadas pela polícia. Ser mulher e favelada é lutar e resistir diariamente a uma vida que nos obrigaram a ter só por causa do espaço que nascemos, moramos e da cor que esta maioria tem.

Ser mulher e favelada é ser obrigada a lutar diariamente porque a escolha de ficarmos caladas, esta nunca foi nos dada, já nascemos para gritar, nascemos literalmente gritando contra esta sociedade desigual! Descer o morro, andar pelas ruas da favela, resistir às upps, aos tanques guerra, a falta de saneamento e calçadas que não existem, já é uma enorme resistência.

Chegando ao asfalto ou ligando a TV temos mais lutas, pois o que a gente vê são inúmeros estereótipos sobre nós. Infelizmente, até alguns dos nossos e nossas repetem, mas a culpa não é nossa. Afinal, é um trabalho diário e massivo para que a gente se sinta: fraca, feia, burra, preguiçosa, sem cultura, sem nome e sobrenome e que a gente aceite ainda o tapa na cara, para que a gente aceite também a opressão do homem sobre os nossos corpos. Sim, a mídia ajuda muito nisso.

A gente entende bem o que é isso, nada mais são do que preconceitos, machismo e racismo estabelecidos nesta sociedade do capital feito para que a gente se sinta menor, inferior, triste, sem vida, sem nada, um nada, ferida, calada, culpada. Entendemos ainda que todos os dias é dia de dizermos que temos que virar o jogo, virar a mesa mesmo, continuar gritando e dizendo que temos nome sobrenome e moramos na favela.

Gritamos contra todas essas formas de opressões há mais de cem anos, desde que favela é favela. Lembre que a gente nunca dormiu no ponto, não temos esta escolha, não dá, não podemos, não temos tempo. Saiba ainda que, nós mulheres faveladas, temos cultura, vida, lugar de fala e não precisamos da opinião desta sociedade que nos mata diariamente e até silenciosamente.

Nossos direitos dentro dos nossos espaços favelados são mínimos, já sabemos disso, e o que temos dentro dele, tudo o que temos foi construído por nossas próprias mãos e a gente se orgulha e muito disso!

Viva a luta e resistência da mulher favelada, esta que constrói cada pedaço desta cidade e com as nossas próprias mãos! Somos parte da cidade! Somos favela! Somos faveladas!

Por Carolina Favelada