(CHAMADA) Desabertura Oficial das Olimpíadas da Exclusão – Rio 2016

capa_desabertura3A RIA, em parceria com o Movimento Libertário Anti Austeridade e o Partido Pirata RJ, convida a todas e todos para um dia resistência contra a realização dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro. Entedemos que a realização de mais um megaevento excludente como as Olimpíadas irá contribuir para o agravamento da crise econômica na cidade, o que, por sua vez, irá provocar um aumento esponencial nas medidas de austeridade fiscal e, consequentemente, no agravamento da pobreza e miséria que assola as áreas mais pobres da cidade.

“De um lado: todo o aparato feito pelo Estado para a classe privilegiada se divertir. Do outro: pobres e moradores das regiões periféricas, sobreviventes ou mortos, removidos e cerceados de acesso aos pontos “nobres” da cidade. As mesmas pessoas escondidas das vistas dos estrangeiros são as que pagam com seu trabalho todas essas infinitas obras olímpicas. Obras que, em lugar de melhorar o cotidiano, servem para marginalizar ainda mais a classe trabalhadora, aumentando os problemas sociais da cidade.

Se assim como nós você não tem nada que comemorar, venha para a Desabertura Oficial das Olimpíadas da Exclusão – Rio 2016 e traga sua pauta, seu repúdio, seu protesto! Traga sua força e junte se conosco!”

+ Para mais informações, acesse o link do Evento.

(COMUNICADO) Ação Revolucionária Anarquista – DAF

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Ação Revolucionária Anarquista – DAF

Golpe é o Estado, a Revolução é Liberdade!
17 de Julho de 2016 – Turquia

O golpe de Estado, que tem sido uma realidade inevitável da presença do Estado neste território desde o golpe militar de 1980, surgiu após 36 anos, na noite de 15 de Julho 2016. Muitos edifícios do Estado foram bloqueados por algumas horas durante a mobilização militar baseada em Istambul e em Ancara. O golpe começou com uma exibição aérea de caças em Ancara, bloqueio de pontes em Istambul por soldados, e continuou com o sequestro do chefe das forças armadas e o som de tiros de tanques nas ruas. Muitos edifícios estatais foram alvejados por F16 e helicópteros, incluindo o edifício do parlamento e da sede da Organização Nacional de Inteligência; houve confrontos armados em muitos lugares entre soldados e policiais. Na sequência dos acontecimentos, a transmissão do canal estatal de tv foi cortada e a declaração de golpe assinada pelo “Conselho de paz nacional’ foi lida. Quando terminaram as “Golpe de 5 horas”, mais de cem soldados, mais de oitenta policiais e mais de oitenta manifestantes anti-golpe morreram. 2.839 soldados, entre eles muitos do alto escalão, foram levados sob custódia.

Durante este período de 36 anos, o golpe tem sido uma ferramenta de opressão política, violência e repressão usado como uma ameaça pelo exército inúmeras vezes. Sem dúvida, para nós, os oprimidos, o golpe significa tortura, repressão e massacre dos povos neste território nestes períodos. É evidente que uma estrutura que retira seu poder dos massacres que realiza, continuaria a realizar massacres em nome de  “proteger a unidade indivisível do país”. O recente golpe é o resultado de grupos de poder lutando por poder dentro do Estado. Talvez, a existência oculta de grupos de poder fora do Estado empurra a sua definição para uma escala mais ampla. No entanto, não há duvidas de que aqueles que reforçaram seu poder após este golpe de 5 horas são o governo atual e o chefe de Estado.

A noite que começou como um golpe militar foi transformado em um “feriado da democracia”, enquanto o poder do Estado ganhou o controle. O Partido do governo, AKP, ganhou o título de “repeli um golpe de Estado”, com sua vitória contra o golpe, em soma de sua legitimidade sobre seu ” ter sido eleito “. Durante toda a noite, todos os canais de TV fizeram transmissões que serviram a esta vitória e fizeram propaganda da ilusão da democracia personificada em Tayyip Erdogan. Esta propaganda também foi feita de forma contínua pelas mídias conhecidas como opositoras. Nesta luta pelo poder do Estado, a mídia não só tomou o lado de Tayyip Erdogan, como também desempenhou o papel de canalizar as pessoas a ir para as ruas

Tanto quanto os meios de comunicação, os partidos de oposição no parlamento que não pouparam o seu apoio ao AKP desde o início deste processo; caíram então na armadilha de “recusar a outros de fazer política” do poder do Estado. Sua postura de “tomar partido com a democracia contra o golpe” como uma máscara de sua ignorância política. Isto indica claramente que a curto prazo, eles não vão mobilizar outras políticas para além das políticas estatais.  Definindo aqueles que “vão morrer quando Tayyip Erdogan disser para morrer, atirar quando ele disser que para atirar”, enchendo as praças com slogans de “queremos pena de morte”, como “apoiadores da democracia” focados em linchar  qualquer pessoa com quem cruzarem ; Não é este um sinal de estagnação política dos mesmos partidos de oposição?

Com este golpe e a vitória do contra o golpe, AKP tem agora o ambiente que necessita para criar a transformação ideológica na sociedade. Os “50% que com dificuldades se mantiveram em casa”, que eram apresentados como ameaça por Tayyip Erdogan durante os protestos de Gezi, estavam nas ruas. A cultura fascista que é uma parte importante da transformação ideológica tomando lugar a partir do sistema do direito à vida social, acordou com os mobilizados pelo Estado para as ruas. Não só isso, eles foram disfarçados como pessoas que tentaram manter seu poder de democracia… Não é difícil adivinhar como essas “mobilizações democráticas” vão oprimir muitas pessoas de diversas maneiras em lugares diferentes. Já ouvimos notícias de atividades de linchamento contra aqueles que não tomam lados com o poder reforçado do Estado.

Esta luta de grupos tentando adquirir o poder do Estado que opera em cima de crescente injustiça econômica e política não é nada além  do perpetuar de autoridade de opressores sobre o oprimido, a fim de destruir a liberdade dos oprimidos. Não há dúvida de que nem a ditadura visível ou invisível, nem os militares das estruturas civis, nem o golpe de Estado, nem as eleições de poderes políticos que são o inimigo do povo, tem alguma coisa a ver com a vontade do povo. Nós, que acreditamos que uma vida livre não pode ser criada por golpes ou eleições, reconhecemos a existência do Estado como um golpe à liberdade e nossa revolta continuará até que crie um mundo livre. O Estado é o golpe, revolução é liberdade. O que todos nós necessitamos não é ter esperança nas lutas entre autoridades, mas é saber que a esperança é a revolução pela liberdade”

Traduzido pela RIA, texto original de Devrimci Anarşist Faaliyet (DAF), extraído de Devrimci Anarşist Faaliyet e International of Anarchist Federations

 

(ARTIGO) 15 anos da morte do anarquista Carlo Giuliani e a batalha de Gênova

Se completa quinze anos da cúpula do G8 em Gênova em julho de 2001, onde se escreveu uma das páginas mais significativas na trajetória do movimento altermundialista. Os protestos em Gênova significaram o momento culminante da fase de crescimento linear do movimento altermundialista depois do Encontro Ministerial da OMC em novembro de 1999 em Seattle, que representou o início de um novo ciclo internacional de mobilizações. Foi a constatação de que o movimento havia passado de, essencialmente uma força simbólica a possuir uma capacidade de mobilização real. Gênova chegou pouco depois da celebração do primeiro Fórum Social Mundial de Porto Alegre em janeiro de 2001, sob a hoje já consigna de “outro mundo é possível”, cuja pertinência é ainda mais evidente em plena crise global.

O décimo quinto aniversário das jornadas de Gênova chega em um momento onde a União Europeia está atravessada por fortes turbulências e em que os ventos que têm eletrizado o mundo árabe desde o final de 2010 sopram cada vez com mais intensidade no velho continente. As mobilizações sustentadas na Grécia e a ascensão do movimento das/os indignadas/os no Estado espanhol, sem esquecer a vitória no referendo da água na mesma Itália, são os sintomas mais destacados da ascensão de um novo período de lutas, cujo desafio é internacionalizar e “europetizar” as resistências emergentes.

Há um pouco mais de uma década os acontecimentos nesta cidade italiana capturaram o imaginário de milhões de pessoas e de múltiplos movimentos e lutas sociais de todo o planeta, que se sentiram identificados com a mensagem de crítica radical a globalização capitalista de protestos. A massividade das mobilizações, sua radicalidade e o elevado nível de confrontação entre as/os manifestantes e o poder marcaram a dinâmica de dias decisivos, onde o tempo histórico pareceu acelerar-se de forma muito intensa na esteira da intenção das/os ativistas de “liberar” a cidade, de entrar na proibida “zona vermelha”, e de desestabilizar a cúpula. “Nós somos milhões, eles 8” era o sentimento geral daquelas e daqueles que desembarcaram na histórica cidade portuária dispostas e dispostos a desafiar os “donos” do mundo.

O assassinato do jovem Carlo Giuliani na jornada de ação direta do 20 de julho por um disparo da policia e a invasão policial da escola Díaz foram os episódios mais dolorosos das mobilizações marcadas por uma feroz repressão. Habilitada como um lugar para dormir e reunir-se por parte de alguns manifestantes estrangeiros, a escola Díaz se converteu na noite de 21 de julho em cenário de uma vendeta policial que deixaria um saldo de 63 feridos e dezenas de presos, ocasionando um grande escândalo político e midiático e um longo processo judicial.

Carlo Giuliani - 14 março 1974 à 20 de Julho 2001
Carlo Giuliani – 14 março 1974 à 20 de Julho 2001

Gênova marcou o início de um forte período de protestos sociais contra o governo Berlusconi. Uma verdadeira “geração Gênova” emergiu na Itália, que passou a ser um dos epicentros da luta global. Junto ao altermundialismo, nesta nova etapa, os sindicatos majoritários, e em particular a CGIL, jogariam um papel importante entrando em cena, depois de sua clamorosa ausência na contra-cúpula do G8, com a convocatória de várias greves gerais e mobilizações, ainda que sem abandonar seu modelo de sindicalismo de concertação.

Em parte como resultado deste longo processo, em abril de 2006 as forças de centro-esquerda chegariam ao poder, após uma bem justa vitória eleitoral frente a direita liderada por Berlusconi. Todavia, os dois anos de governo Prodi deixaram um triste balanço em política econômica, social e exterior, provocando desânimo, desmobilização e paralisação social… e araram o terreno para o regresso triunfal ao poder do Il Cavaliere em abril de 2008, quem, muito a seu pesar, vai festejar a carnicería dos carabinieri em Gênova em pleno acaso, decadência e em uma atmosfera de final de reinado.

Pouco depois dos acontecimentos na cidade italiana, os atentados de 11 de Setembro em New York significaram o início de um novo período internacional marcado pela “guerra global contra o terrorismo”. A denúncia contra a guerra tomaria força no seio da crítica a globalização, dando passo ao desenvolvimento do movimento anti-guerra, cujo clímax foi a jornada internacional do 15 de Fevereiro de 2003, nas vésperas do começo da invasão do Iraque. A partir de então, entrou-se em uma nova fase marcada por uma perda de centralidade das movibizações altermundialistas, de sua capacidade aglutinadora e de maior dispersão das lutas sociais, em um contexto muito defensivo no conjunto da União Europeia, até o estouro da “grande crise” de 2008 que têm marcado o cenário internacional nestes últimos três anos e frente a qual despontam agora as lutas sociais.

Uma década depois da cúpula de Gênova o ciclo altermundialista já terminou, mas outro se abre diante de nossos olhos. Não é este um aniversário nostálgico de um movimento que foi, mas que já não é. É um aniversário onde a memória indignada daquelas míticas jornadas nos permite recordar o passado para olhar para o futuro, onde a recordação do assalto a “zona vermelha” se mescla com as vivências recentes das ocupações de praças , das assembleias de bairros e o “bloqueio” ao Parlamento da Catalunha. E onde a sentida recordação de Carlo Giuliani só faz senão aumentar a ira e a indignação de quem, ainda com mais razão que há dez anos, segue defendendo que “outro mundo é possível” e que “não somos mercadorias nas mãos de políticos e de banqueiros”.

Carlo Giuliani - 14 março 1974 à 20 de Julho 2001
Carlo Giuliani – 14 março 1974 à 20 de Julho 2001

(Turquia) Movimento curdo lança declaração sobre tentativa de golpe na Turquia

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Traduzido pela RIA, texto original no Kurdish Question

A organização guarda-chuva do movimento curdo, a Co-presidência do Conselho Executivo da União das Comunidades Curdas (KCK), lançou uma declaração sobre a tentativa de golpe na Turquia ontem a noite.

A declaração diz: “houve uma tentativa de golpe por pessoas cuja identidade e propósito ainda não está claro. Essa tentativa acontece logo antes de uma reunião do conselho militar, onde supostamente o presidente Recep Tayyip Erdoğan iria empoderar generais próximos a ele na cadeia de comando do exército. Outra dimensão chocante da tentativa de golpe é que vem justamente quando acontecem discussões sobre a política externa fascista do governo do AKP.”

A tentativa de golpe é prova da falta de democracia

A declaração do KCK diz: “não importa dentro de quais fatores políticos internos ou externos, e por quais razões essa luta por poder foi travada, tal caso não é uma questão de defender ou ser contra a democracia. Pelo contrário, essa situação é a prova da falta de democracia na Turquia. Essas lutas por poder e tentativas de tomadas de poder são testemunhadass em países não-democráticos onde um poder autoritário realiza tentativas de golpe para derrubar outro poder autoritário quando as condições são propícias. Foi isso que aconteceu na Turquia.”

Um golpe foi encenado em 7 de Junho

Um ano atrás, Erdogan e a Palace Gladio (força secreta de Erdogan), junto com o Partido do Movimento Nacionalista (MHP), todos os círculos fascistas, poderes militares nacionalistas (Ergenekon) e parte do exército, encenaram um golpe. Esse foi um golpe contra a vontade democrática do povo (que votou no HDP e impediu o AKP de ter a maioria). O fascismo do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, de Erdogan) fez uma aliança com todos os poderes fascistas e parte do exército incluindo o chefe de gabinete para suprimir o Movimento de Libertação Curda e as forças democráticas. O fascismo do AKP levou o exército até as cidades e aldeias curdas, os fez queimar cidades até o chão e massacrou centenas de civis. Recentemente aprovou novas leis que deram imunidade às forças do Estado, prevenindo julgamentos por crimes que cometeram. De tal forma o AKP tornou-se um governo que legitimou e tornou legal a tutela militar sobre a política democrática e a sociedade.

Tentativa de golpe de uma facção militar contra outra

Já existia a tutela militar na Turquia antes da tentativa de golpe; o que faz com que a tentativa de golpe de ontem ser um golpe de uma facção militar sobre outra já existente. É por isso que uma parte dos militares tomou o lado de Erdoğan, porque já existe tutela militar na Turquia.

O fato de que o MHP e círculos chauvinistas nacionalistas tomaram o lado de Erdogan e todos seus aliados fascistas revela claramente que isto não é um incidente de luta entre aqueles aliados com a democracia e aqueles contra ela.

Retratar Erdogan como democrático é perigoso

Retratar Erdogan e a ditadura fascista do AKP como se fossem democráticos depois dessa tentativa de golpe é um caminho ainda mais perigoso que o golpe em si. Retratar a luta por poder entre forças autoritárias, despóticas e anti-democráticas como uma luta entre apoiadores e inimigos da democracia servirá apenas para legitimizar o atual governo fascista e déspota.

Forças democráticas não tomam o lado de nenhum campo

A Turquia não possui um grupo civil no poder, nem isso é uma luta entre forças democráticas e golpistas. A atual luta é sobre quem comandará o atual sistema político, que é inimigo da democracia e do povo curdo. Portanto, forças democráticas não tomam o lado de nenhum desses campos nesses confrontos.

O golpe contra a democracia é aquele realizado pelo AKP fascista

Se existe um golpe contra a democracia, é aquele realizado pelo governo fascista do AKP. O controle do poder político sobre o judiciário, a implementação de leis fascistas e políticas através de uma maioria parlamentar, a remoção da imunidade dos parlamentares, a prisão de co-prefeitos, a remoção de co-prefeitos de suas posições, e a prisão de milhares de políticos do HDP e DBP constituem mais do que um golpe. O povo curdo está, de forma sem precedentes, sob ataques no Curdistão de forma genocida, colonial e fascista.

AKP está arrastando a Turquia à conflitos

O que levou a Turquia a este estágio é o governo do AKP, que se transformou em um governo de guerra contra o povo curdo e as forças da democracia. Com sua característica monística, hegemônica e anti-democrática, manteve a Turquia em caos e conflito. Com sua guerra contra o povo curdo e as forças da democracia, manteve a Turquia em um estado de guerra civil. A última tentiva de golpe demonstra que a Turquia necessita se livrar do governo fascista do AKP e ter um governo democrático. Os recentes desenvolvimentos tornam urgente para a Turquia democratizar-se e se livrar de seu governo monista, hegemômico e fascista.

Para concluir, as forças da democracia deveriam confrontar a legitimização das políticas fascistas do AKP sob o disfarce da democracia, e criar uma aliança democrática que verdadeiramente irá democratizar a Turquia. Essa tentativa de golpe torna necessário para nós não desacelerar a luta contra o fascismo do AKP e sim para reforçar tal luta para que o caos e o conflito na Turquia chegue ao fim e que surja uma nova e democrática Turquia.

 

Um diálogo com Noam Chomsky

Durante uma estada recente em Paris, o linguista estadunidense Chomsky fez uma palestra que depois de sua exposição inicial, o debate com a plateia proporcionou rica troca de ideias a respeito de questões da atualidade. A seguir, leia trechos desses diálogos:

Um participante se diz perplexo diante da falta de abordagem social nas atuais políticas econômicas europeias. Chomsky lhe propõe uma análise diferente da situação.

Na realidade, a política econômica europeia é norteada por um projeto social. Como todos os projetos sociais, aquele adotado pela Europa é concebido para favorecer certas pessoas em detrimento das outras. O próprio Martin Wolf1, economista liberal, observou essa situação: esse programa atende aos interesses dos bancos, mas é nocivo para as populações. Em um plano puramente econômico, ele desperta alguns questionamentos. Sabemos pouquíssimas coisas em relação à economia, mas ao menos conhecemos a lição de Keynes: quando a demanda está fraca e o setor privado não investe, o único meio para estimular o crescimento é a despesa pública. É preciso devolver dinamismo à economia, aceitar produzir um déficit temporário para que as pessoas possam voltar a trabalhar. É bom para elas, bom para a economia e, no final das contas, isso permite zerar o déficit inicial. Evidentemente, existe risco de inflação. Ora, os banqueiros não gostam da inflação. Eles querem reduzi-la o máximo possível, mesmo quando ela está muito fraca, como é o caso atualmente. Mesmo que isso implique reduzir o ritmo da economia e fazer a população sofrer. Mas, isso tudo constitui efetivamente um programa social. Para um país como a Grécia, outra solução seria recusar-se a pagar a dívida. Aliás, muitos utilizam a expressão “dívida odiosa” para demonstrar que ela não tem legitimidade alguma: não foi contraída pela população e o dinheiro foi pedido emprestado por uma pequena patota em proveito das pessoas mais ricas, que são justamente as que não pagam seus impostos. Logicamente, caberia a elas reembolsar a dívida.

Indagado a respeito da utilidade da violência na luta política, Chomsky responde analisando as motivações que embasam esse tipo de ação.

Vamos esquecer por um momento os princípios para nos concentrarmos na tática. Você deve optar por uma tática que tenha uma chance de dar certo, caso contrário, tudo o que fizer não passará de gesticulação. Ao procurar uma tática que permita alcançar um resultado, você não deve aceitar o terreno de batalha que o inimigo prefere. O poder estatal, por sua vez, adora a violência: dela, ele detém o monopólio. Pouco importa o grau de violência dos manifestantes: o Estado sempre os superará nesse quesito. É por essa razão que, ainda nos anos 1960, quando eu falava com os estudantes sobre militantismo, eu os aconselhava a não trajarem capacetes nas manifestações. É verdade, a polícia é violenta, mas ela o será mais ainda se você estiver usando um capacete. Se você se apresentar armado de um fuzil, eles virão com um tanque; e se você vier com um tanque, eles atacarão com um B52: é uma batalha que você irá forçosamente perder. Toda vez que você toma decisões táticas, deve perguntar a si mesmo: “Quem está tentando ajudar?”. Está querendo ficar com a consciência tranquila? Ou estará tentando ajudar pessoas, fazer algo por elas? A resposta conduz a opções táticas diferentes. Suponhamos que a questão seja a do boicote da Universidade de Haifa.2 Com ações desse tipo, você presenteia os extremistas. Eles dirão imediatamente, e com toda razão, que você é um perfeito hipócrita: “Por que não boicotam a Sorbonne, Harvard ou Oxford? Os países que abrigam esses centros estudantis estão envolvidos em atrocidades piores ainda! Então, por que boicotar a Universidade de Haifa?”. Portanto, esse é um presente oferecido aos extremistas que poderão com isso desacreditar o conteúdo ideológico do boicote. Ele pode deixar tranquila a consciência daqueles que o defendem, mas no final trará sérios prejuízos aos palestinos. Durante a guerra do Vietnã, chamou minha atenção o fato de os vietnamitas não aprovarem ações como a dos Weathermen.3 Tratava-se de jovens simpáticos, que eu admirava e dos quais me sentia próximo. A sua maneira de opor-se à guerra consistia em sair às ruas e quebrar vitrines. Os vietnamitas opunham-se com força a atos dessa natureza. Eles queriam sobreviver: desprezavam que estudantes americanos se divertissem dessa forma. Estes não demoraram a compreender que se manifestar nas ruas com cartazes para quebrar as vitrines fortalecia a causa daqueles que desejavam a guerra. Foi o que aconteceu. A tática que privilegia a boa consciência daquele que age, pode prejudicar as vítimas. Em contrapartida, os vietnamitas admiravam as manifestações silenciosas de mulheres que se recolhiam diante de túmulos. Para eles, esse era o tipo de atitude que nós deveríamos ter. É a mesma coisa nos dias de hoje: se quiser ajudar os palestinos, reflita a respeito das consequências da tática que irá adotar.

A respeito da fraqueza das mobilizações populares em torno de um programa de esquerda, Chomsky se refere ao movimento radical de direita “Tea Party4”, nos Estados Unidos.

Tendem a ridicularizar o movimento “Tea Party”, e muitas das coisas que lhe dizem respeito são mesmo ridículas. Mas essa gente levanta questões relevantes. É inútil contentar-se em ironizar o que dizem e fazem. Em relação aos seus líderes, talvez seja o caso: pode-se zombar de Sarah Palin, por exemplo. Mas as pessoas que foram atraídas por esse movimento sofreram muito ao longo dos últimos 30 anos e não compreendem necessariamente por quê. Se prestarmos atenção nos programas de rádio nos quais expressam suas opiniões, em geral ouviremos o seguinte: “Eu fiz tudo o que precisava. Sou um operário branco, um bom cristão. Servi meu país no exército. Fiz tudo o que esperavam de mim. Então, por que a minha vida está desmoronando? Por que estão transformando meu país? Por que deixam profanar os valores que tanto prezo? E por que não tenho trabalho enquanto os banqueiros não sabem mais o que fazer com os seus dólares?”. Estas são preocupações autênticas. Talvez sejam mal formuladas, mas são justificáveis. E de nada adianta fazer troça delas. Essas pessoas são precisamente aquelas que a esquerda deveria organizar. E não o faz.

Um participante critica Chomsky por ele postular, com frequência, que existe uma maneira racional de analisar as políticas, ao passo que não haveria nada de racional no comportamento israelense de multiplicar as colônias, inclusive em Jerusalém-Leste. Nada racional, tampouco, quando o governo americano apoia de fato uma ocupação, apesar de condená-la verbalmente em certas instâncias – atitude que só pode ser nociva para as suas relações com o mundo árabe.

O apoio de Washington a Israel é mesmo racional. Ele data de 1967, quando os Estados Unidos substituíram a França nesse papel. Na época, um conflito opunha entre si duas forças do mundo árabe: o fundamentalismo muçulmano, que os Estados Unidos apoiavam, e o nacionalismo laico, considerado como o principal inimigo das potências ocidentais. Esquematizando, a Arábia Saudita contra Nasser. Ora, Israel não apenas destruiu o nacionalismo laico como apoiou e consolidou o fundamentalismo muçulmano aliado dos Estados Unidos. Washington apoiou militarmente Israel; com isso, o Estado hebraico tornou-se mais ou menos sagrado, o que não era o caso anteriormente.

Em 1970, foi dado outro presente importante. Segundo o desejo dos Estados Unidos e de Israel, a Jordânia esmagou a resistência palestina no decorrer do que foi chamado de “Setembro Negro”. A Síria havia sinalizado que poderia intervir para defender os palestinos, e os Estados Unidos ainda estavam atolados no sudeste asiático. Eles recorreram, portanto, a Israel, pedindo-lhe para mobilizar suas tropas com o objetivo de impedir a Síria de intervir em defesa dos palestinos. A Síria recuou. A Jordânia, aliada dos Estados Unidos, consolidou seu reino, assim como a Arábia Saudita.

A estratégia estadunidense para as alianças periféricas no mundo árabe apoia-se em ditadores que controlam seu país e o petróleo. Eles devem ser protegidos da sua própria população. Para alcançar esse objetivo, Washington recorre a policiais, de preferência não árabes, já que eles são mais eficientes quando se trata de matar árabes. Inicialmente, a tal periferia era constituída pelo Irã, então governado pelo xá, pela Turquia e Paquistão. No começo dos anos 1970, Israel passou a integrar esse grupo, tornando-se membro da delegacia. Nixon os chamava de “os tiras na patrulha” (“cops on the beat”). Delegados locais, com uma sede da polícia em Washington: essa era a estrutura que tinha por missão controlar a região.

Em 1979, o xá foi derrubado e o Irã foi “perdido”. Novamente, o papel de Israel ganhou importância. Naquela época, Israel prestava diversos serviços pelo mundo afora. O Congresso americano impedia o apoio direto de Washington ao terrorismo de Estado no poder na Guatemala, na África do Sul e em outros lugares. Diante disso, os Estados Unidos recorreram a uma rede de países amigos que incluía Taiwan, Israel e Grã-Bretanha para fazer o trabalho sujo, por assim dizer.

Neste campo, Israel é muito eficiente. Com a sua rica sociedade industrial dotada de tecnologia de ponta, de mão de obra muito qualificada, o Estado hebraico atraiu investimentos de empresas americanas de alta tecnologia. Certas indústrias militares israelenses estabeleceram laços estreitos com os Estados Unidos, para onde transferiram parte da sua logística; os serviços de inteligência dos dois países trabalham de maneira harmoniosa desde os anos 1950. Para a indústria militar americana, Israel é uma dádiva financeira: quando os Estados Unidos gastam bilhões de dólares por ano para ajudar Tel Aviv, a Lockheed Martin embolsa parte dessas quantias. E quando a Lockheed Martin vende aviões militares de última geração para Israel, a Arábia Saudita aparece para dizer: “Nós também queremos comprá-los”. A Lockheed Martin vende então equipamentos de qualidade inferior para a Arábia Saudita, que nem sempre sabe utilizá-los, mas os compra às toneladas. Em suma, os lucros são duplicados.

E o que os palestinos têm para oferecer aos Estados Unidos? Eles são fracos, espalhados, não dispõem de recurso algum e, na prática, não contam com o apoio do mundo árabe. Os direitos são proporcionais ao poder. Israel é um país poderoso, o que lhe confere vantagens; portanto, ele goza de direitos. Os palestinos são fracos, não têm aliado algum; portanto, não gozam de direitos. Apoiar os poderosos além do seu próprio interesse corresponde a uma política perfeitamente racional. Pode-se rebater que o apoio dado a Israel provoca oposições e manifestações nos países árabes, mas isso nunca foi considerado problema. Contamos com as ditaduras para esmagar populações e lhes fornecemos as armas para alcançar esse objetivo. Você pode dizer que essa não é uma boa decisão, mas não que ela é irracional. Aliás, ela apresenta coerência perfeita com as políticas conduzidas em outros lugares, como na América Latina, sudeste asiático e outras partes do mundo. Às vezes as coisas acabam mal, pois o planejamento imperialista não é perfeito.

Hoje a situação é um pouco diferente, não por causa de Obama, mas sim porque Israel deu uma guinada muito à direita. Sopra nesse país um vento de paranoia, de ultranacionalismo, de histeria etc., que contribui para banalizar os atos destruidores e irracionais. Ora, os Estados Unidos passaram a ter exércitos no Iraque e no Afeganistão. Estes correm perigo por causa da irracionalidade das ações israelenses. O general David Petraeus alertou recentemente sobre o risco que a intransigência israelense faz pesar sobre as tropas estadunidenses. Não se pode mais excluir uma guinada da política norte-americana. Os Estados Unidos são um país muito ufanista; quando alguém se atreve a prejudicar nossos bravos soldados, somos bastante propensos a nos livrar dele. Portanto, Israel está jogando um jogo muito perigoso.

Avram Noam Chomsky é um linguista, filósofo, cientista cognitivo e anarquista, comentarista e ativista político norte-americano, reverenciado em âmbito acadêmico como “o pai da linguística moderna“, também é uma das mais renomadas figuras no campo da filosofia analítica.

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