A ocupação de Rozbrat, ativa por mais de 20 anos – o mais antigo espaço ocupado na Polônia –, abriga atividades sociais, culturais e políticas que opõem-se ao autoritarismo e ao capital, às divisões sociais e de classe, espaço esse que faz parte da Federação Anarquista Polonesa. A Rádio Anarquista de Berlim (A-Radio Berlin) teve o prazer de entrevistar um de seus integrantes sobre a iniciativa.
Mais uma tradução da Rede de Informações Anarquistas em parceria com A-Radio Berlin. Confira as outras traduções que fizemos de entrevistas da rádio alemã sobre o Jardim Ocupado ROD, também na Polônia, aqui, e sobre a Cruz Negra da Bielorrússia, aqui.
A-Radio: Oi Chris! Estou aqui com Chris em Rozbrat. Você pode nos falar um pouco de Rozbrat, sobre que tipo de projeto ele é e desde quando ele existe?
Chris: Então, ele tem 21 anos e é um complexo de depósitos industriais perto do centro da cidade. No começo era um lugar somente de moradia para algumas poucas pessoas ligadas a cena antifascista faça-você-mesmo. Mas posteriormente os prédios adjacentes foram renovados e a segunda parte do desenvolvimento dessa ocupação está relacionada a essa subcultura faça-você-mesmo, então ele se tornou um lugar com atividades de contracultura, em sua maioria shows e mais tarde um lugar que estaria ligado a uma atividade social relacionada com o movimento anarquista polonês e iniciativas desenvolvidas por esse movimento. Então digamos que o espaço tem essas dimensões básicas de liberdade em termos de existência, de ser um lugar para pessoas viverem, um centro de subcultura e o espaço para organizar uma atividade social anarquista relacionada a certas classes políticas, digamos.
A-Radio: Ok, então vocês estão ligados a outros projetos em Poznan ou talvez na Polônia ou vocês estão agindo de forma independente aqui?
Chris: Quero dizer que desse projeto surgem muitas iniciativas diferentes que agora estão se desenvolvendo para fora desse local. Por exemplo, em 2004 nós criamos um sindicato. Ele se chama Iniciativa dos Trabalhadores. Ele começou como um grupo informal, mas em 2004 depois de 4 anos de atividade informal ele se tornou um sindicato formal. Digamos que nós temos uma associação de locatários que começou formalmente há 3 anos. Temos uma livraria no centro da cidade. Temos uma outra ocupação que vai acabar no fim desse mês. A ocupação é no antigo mercado. Ele foi ocupado por algumas pessoas mais jovens do nosso grupo, do nosso meio, e depois de 3 anos de atividade, eles fizeram um acordo com o proprietário e eles vão embora, digamos, de maneira pacífica.
No âmbito da nossa cidade, digamos, também há a editora que está funcionando há mais de 10 anos, e a distribuição de algumas publicações de literatura crítica e política. Em nível nacional, estamos em contato com a Federação Anarquista que basicamente tem um tipo de rede de seções que agora não está muito ativa na Polônia. Mas ainda somos uma seção da Federação Anarquista. Como um grupo de Poznan, somos uma seção que tem quase 20 anos. Talvez seja por essa tradição que ainda usamos esse nome, mesmo que a organização não esteja tão ativa.
Além disso, estamos operando a Cruz Negra Anarquista, isso é, uma pequena rede através da Polônia de apoio aos ativistas políticos que tem problemas com a lei. Basicamente temos muitas conexões informais com outras ocupações, alguns sindicatos, associações de moradores, grupos políticos diversos, e algumas editoras e publicações.
A-Radio: Então você disse que a Federação polonesa não está operando, mas vocês tem contato com grupos internacionais, como talvez a Associação Internacional de Trabalhadores (International Workers Association – IWA) ou a Federação Internacional de Anarquistas (International Federation of Anarchists – IFA)?
Chris: Não, a Federação anarquista surgiu no final dos anos 80 e o começo do movimento anarquista na Polônia data somente do começo dessa época e só como parte da oposição ao regime comunista. Mais tarde no fim dos anos 80 houve a ideia de estabelecer uma rede que veio a se chamar a Federação Anarquista e nos anos 90 se tornou uma rede bastante ativa de diferentes grupos em várias cidades da Polônia. Mas, digamos, os últimos 10 anos representaram um declínio de atividades no nível da Federação. Não há muitas seções, não tem muita coisa acontecendo. Houve uma tentativa de se juntar à Internacional das Federações Anarquistas. Isso foi talvez em 2002. Participamos de alguns encontros dessa Internacional mas concluímos que não seria muito útil pra nós.
Já a Internacional de Trabalhadores, não temos muito contato com eles. Na verdade, não estou muito por dentro porque há essas conexões com sindicatos mas estou fazendo algumas coisas a nível local, então não posso dizer muito sobre essa conexão internacional porque não sou muito formal em termos de sindicatos. Estou mais, vamos dizer, no nível das forças de produção e de pessoas dentro desses locais de trabalho, não estou lidando com internacionais.
A-Radio: Pode nos contar um pouco sobre as lutas que vocês está envolvido no momento, talvez com a FA Poznan.
Chris: Sim, da FA Poznan acaba de desenvolver diferentes atividades baseadas em diferentes grupos, por exemplo, a Iniciativa dos Trabalhadores. A Iniciativa dos Trabalhadores é um tipo de sindicato autônomo, com digamos 1.000 pessoas agora, 1.000 trabalhadores de diferentes setores. Em nossa cidade a comissão de sindicatos é no depósito da Amazon, que está operando desde o ano passado, abriu faz um ano. Temos operadores de gruas em nossa cidade. Também temos trabalhadoras de creches, cerca de 200 delas nessa seção. Temos também trabalhadores na indústria pesada tradicional que agora produzem os motores para navios. Temos também uma comissão no teatro no centro da cidade. Também uma comissão de artistas e profissionais da cultura, que agora estão trabalhando em condições muito precárias na Polônia. E isso é só na nossa cidade. E às vezes parece que, em outras cidades, por exemplo, se você for a Varsóvia, eles tem poucas novas comissões e em outras cidades menores, temos também uma ou duas comissões.
Então na nossa cidade em Poznan temos a associação de locatários que basicamente luta contra despejos ilegais, luta a favor da construção de habitações sociais, basicamente lutando contra as autoridades locais que querem piorar as condições dos moradores, justificando isso com base nas políticas de austeridade. O orçamento da cidade é bem baixo agora. Está sob a pressão da dívida, então as autoridades locais precisam pagar muito dinheiro todo ano aos bancos para reembolsar os empréstimos. Uma maneira de fazer dinheiro encontrada pelas autoridades locais é simplesmente aumentar os aluguéis de residências comunitárias, ou como as chamamos, moradias sociais. Então, esse é um dos grandes problemas das cidades. Estão lidando com isso desde os últimos 4 anos.
O que mais? Ah, nos últimos 4 anos temos tido uma forma de onda nacionalista na Polônia então existem algumas atividades de contenção contra essa tendência nacionalista na nossa cidade, que não é tão forte comparada com outras cidades, mas ainda tem ações contra elas. E é claro que a editora é uma forma de, digamos, envolver muita energia, muito tempo. E muitas, muitas pessoas estão fazendo um tipo de trabalho profissional relacionado a preparação da publicação, formatação, edição. Então estamos publicando livros numa editora e estamos ajudando a publicar revistas que são operadas por nossos amigos e amigas, por exemplo, nós oferecemos essa estrutura formal ao editor… Então, eu não lembro a pergunta, foi sobre o que mesmo? Ah sim, nossas atividades.
A-Radio: Sim, atividades.
Chris: Bem, você conhece é claro basicamente coisas cotidianas como shows nas ocupações.
A-Radio: Talvez você possa nos contar sobre as lutas atuais como a luta dos trabalhadores da Amazon na Alemanha.
Chris: Sim, eu poderia falar mais sobre a Amazon. Cerca de um ano atrás a Amazon abriu um depósito na parte debaixo da cidade, que fica no limite da cidade. Algumas pessoas do nosso grupo foram trabalhar neste local e depois de alguns meses eles formaram uma seção do sindicato. Agora provavelmente tem, não sei, algumas centenas, 200 trabalhadores neste local, e na primavera deste ano trabalhadores da Amazon de Poznan ouviram sobre greves na Alemanha, aí um dia quando a greve estava acontecendo na Alemanha eles desaceleraram, foi uma ação não-oficial mas a administração tentou fazer uma pressão nos trabalhadores então foi um problema local no depósito. Conseguimos alguma atenção da mídia. Agora a ligação entre os trabalhadores está aumentando. Fim de semana passado, tivemos um encontro internacional entre trabalhadores alemães e poloneses. Estamos planejando algumas atividades comuns antes do Natal quando é o período de pico, quando a Amazon está sob a pressão de uma altíssima taxa de pedidos e tentam processar pedidos o mais rápido que podem. Esse é o melhor período para fazer algumas ações. É nesse momento que os e as trabalhadores tem maior poder em relação a seus gerentes. Então, essas atuais atividades da seção do sindicato é no nível do processo de produção.
Em termos das lutas dos locatários basicamente existem muitos despejos ilegais em nossa cidade. Os proprietários privados – eu posso explicar como funciona o mecanismo disso. A situação do mercado de habitação é assim: se você fosse comprar um imóvel com locatários eles tem direito de conseguir um outro apartamento se você quer expulsá-los. Se você comprar um imóvel, e aí o imóvel com locatários é bem barato comparado com um imóvel vazio com 20 apartamentos dentro. Mas agora os proprietários ou empresários, enfim, os capitalistas, eles simplesmente compram imóveis com locatários dentro e eles fazem ações ilegais para expulsá-los sem fornecer outros apartamentos para eles. Por exemplo, eles cortam a água ou a luz ou eles contratam homens de uma quase-máfia que agora são chamados de “limpadores” e que tem a função de varrer todos os locatários do prédio, e fazem isso tentando ameaçar os locatários. Basicamente se as pessoas locatárias estão fracas, se são pessoas mais velhas, se elas estão com medo, elas fogem do imóvel sem ter um outro apartamento. Elas precisam arranjar apartamentos por conta própria. E basicamente nos termos da lei, o proprietário, se ele quer expulsá-los ou quer fazer uma grande reforma, uma renovação básica do imóvel, eles tem que oferecer uma alternativa. Mas como eu disse, é mais lucrativo, por exemplo, contratar um limpador, um cara da máfia, que vai ameaçar os locatários e vai cair fora sem nenhum problema. Então muitas vezes esse tipo de locatário, desses imóveis que foram “limpos” por esses caras, vem até nós e pedem ajuda. E às vezes conseguimos fazer uma boa resistência contra isso que os proprietários estão fazendo.
Há dois anos atrás os locatários bloquearam um imóvel, e assim os limpadores e os proprietários não conseguiram entrar e eles puderam ficar mais um ano no imóvel. Agora existe a mesma situação com esse outro imóvel. Eles não fizeram um bloqueio, mas o proprietário está agindo como um “limpador”. Mas depois de um tipo de resistência dos locatários e algumas ações, o processo todo dessa defesa já dura cinco meses. Agora a situação está num ponto em que parece que o proprietário vai fazer uma proposta para as autoridades locais onde ele pague a renovação de apartamentos comunitários onde os seus locatários poderão morar. Vamos ver o que acontece, mas basicamente essa questão não esteve na pauta do poder público há 4 anos atrás, mas agora está. Agora as autoridades locais decidiram, o novo prefeito da cidade decidiu construir 4000 novos apartamentos sociais. O prefeito anterior que governou a cidade por 16 anos, nos últimos 5 anos ele talvez tenha construído cerca de 100, 200 apartamentos então agora há um tipo de nova abertura. Veremos o que vai acontecer.
A-Radio: Sim. Parece ótimo.
Chris: Sim, tem esse tipo de influência de nossas ações a longo prazo no que está acontecendo na cidade, na forma como o orçamento está sendo criado. A mesma situação com a creche. As mulheres aderiram ao sindicato há 3 anos atrás. Elas foram empregadas pelas autoridades locais e todo ano agora, antes que eles apresentem o novo orçamento, nós protestamos e colocamos na pauta pública a questão dos salários das funcionárias das creches. E todo ano antes do orçamento elas ganham algum aumento de salário. Essa é uma luta atual por melhores salários e nos últimos 3 anos elas ganharam um aumento de 20-30% nos seus rendimentos.
A-Radio: Está se falando de uma greve dos imigrantes na Alemanha e parece que algum tipo de esforço transnacional seria útil e também li sobre o chamado para um encontro transnacional que vai acontecer em Poznan no começo de outubro. Talvez você possa nos contar mais sobre essa reunião.
Chris: A iniciativa está partindo de grupos de diferentes países da Europa: do Reino Unido, Itália, Alemanha, Polônia, Franca. Essa iniciativa começou em torno do movimento Blockupy e surgiu do debate político relacionado à organização dentro dos locais de trabalho, do debate sobre o trabalho em si, do debate sobre as mudanças na composição da classe trabalhadora e do debate sobre as greves, então todos essas discussões incentivadas por esses grupos nesses últimos anos alcançou um certo nível de acúmulo e organização que teve a ideia de conectar alguns tipos de esforços a nível internacional para trazer a questão de se organizar no nível do processo de produção dentro dos movimentos sociais ou ainda trazer esses assuntos para a pauta dos movimentos sociais. Então isso também é uma forma de reação a uma abordagem culturalista ou às atividades sociais ou à abordagem que está mais relacionada com a desobediência civil, que de alguma forma está fora dos locais de trabalho, está fora do processo de produção. Esse é um esforço no sentido de voltar às questões relacionadas aos locais de trabalho e ao conflito direto entre o trabalho e o capital. Então provavelmente esse é basicamente o pano de fundo desse encontro.
Se olharmos mais de perto, provavelmente existem questões específicas relacionadas ao caráter neoliberal da produção, que é relacionada às longas cadeias de produção e à industrialização nos países ocidentais e a nova industrialização nos países pós-socialistas, na China e nos países do Extremo Oriente. Provavelmente essa é uma questão. Outra questão é a precarização generalizada das condições de trabalho – salários e condições de trabalho instáveis.
A terceira questão pode ser as estratégias de se organizar e desenvolver alguma forma de organização sobre a base do local de trabalho internacionalmente. Basicamente o encontro vai ser uma espécie de base para desenvolver o debate da luta de classes no local de trabalho. Isso é uma coisa e a segunda coisa sobre o que é esse encontro, ele é provavelmente um tipo de esforço para realizar algumas atividades em comum entre trabalhadores e algumas atividades políticas que estão em diferentes países da Europa, basicamente para desenvolver uma política de classe.
A-Radio: Esse encontro vai acontecer do dia 2 ao 4 de outubro em Poznan. E talvez você gostaria de fazer mais um chamado a todos os camaradas, que estão ouvindo à A-Radio, para virem a esse encontro.
Chris: Bem, quero dizer, esse encontro vai ser apenas reunir os ativistas e provavelmente alguns acadêmicos e trabalhadores. Ele será em inglês, basicamente. Na quinta-feira será o debate geral ou painel de discussão geral sobre as diferentes condições da relação entre trabalho e capital em diferentes países da Europa e nos próximos dois dias vai ser principalmente algumas reuniões menores sobre assuntos específicos como a greve social, questões de logística, questões relacionadas a imigração e trabalho, questões relacionadas às formas de organização. Então, sim, basicamente tudo será em inglês. Pessoas que estiverem interessadas na questão da política de classe são bem-vindos, em termos de intercâmbio de experiências e em termos de desenvolvimento de um debate sobre as questões relacionadas ao local de trabalho.
A-Radio: Ok. E obrigada, Chris, pela entrevista.
Chris: Ok, tranquilo.
A-Radio: Tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar?
Chris: Não. [risos]
A-Radio: [risos] Ok, então que tenhamos um excelente fim de semana e vamos celebrar o 21o aniversário do squat de Rozbrat.
Chris: Sim, destruição massiva.
A-Radio:Obrigada. Tchau.