Via AfroPress
Porto Alegre/RS – O Estado do Rio Grande do Sul foi condenado a indenizar o Quilombo da Família Silva – o primeiro quilombo urbano titulado no Brasil – por dano moral coletivo, em virtude da ação da Brigada Militar (a Polícia Militar gaúcha) numa invasão promovida por milicianos, a pretexto de fazer abordagem de moradores, ocorrida em agosto de 2010.
A decisão, por unanimidade, é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que confirmou a sentença de primeira instância na Ação Civil Pública movida pelo Ministério. Público Federal depois de representação da comunidade e de coletivos ligados à luta quilombola gaúcha.
A ação foi protocolada em 2013. A decisão saiu no ano, passado e foi confirmada agora por meio de Acórdão da 3ª Turma do Tribunal Tribunal Regional Federal.
Na sentença, a juíza relatora Maria Isabel Pezzi Klein, reconheceu o dano moral coletivo e condenou o Estado ao pagamento de R$ 236 mil (R$ 236.400,00) à título de indenização. Ainda cabe recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo o advogado Onir Araújo, membro da Frente Quilombola gaúcha e advogado da comunidade, a decisão representa “uma grande vitória porque, inicialmente, o procurador federal responsável pelo Núcleo de Comunidades Indígenas e Minorias Étnicas arquivou a representação.
Nesses casos, explica Araújo, obrigatoriamente o caso é enviado para o Conselho da Procuradoria da 6ª Câmara do Ministério Público Federal em Brasília, que determinou a instauração da Ação Civil Pública por outro procurador federal. Veja o vídeo:
“Avaliamos, considerando o quadro do Judiciário aqui, que seria melhor o ajuizamento pelo MPF, municiamos eles com todos os dados necessários, bem como, fundamentação. Em 2015, a decisão em primeiro grau foi favorável para a Comunidade Quilombola e, agora o TRF 4 manteve a decisão de primeiro grau. Vamos ver como as Cortes Superiores se manifestarão. De qualquer sorte é um precedente importante, ainda mais considerando que Porto Alegre possui 6 Comunidades Quilombolas urbanas, a maioria na periferia da cidade que, literalmente, está conflagrada impactando com a violência o cotidiano dessas comunidades. A Brigada Militar é sócia dessa violência, ao ponto de aqui não precisar de milícia”, acrescenta o advogado dos quilombolas (foto abaixo).
Veja, na íntegra, o acórdão do Tribunal
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5043925-95.2013.4.04.7100/RS RELATORA : Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN APELANTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMENTA CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. USO EXCESSIVO E IMOTIVADO DE FORÇA POLICIAL. COMUNIDADE REMANESCENTE DO QUILOMBO FAMÍLIA SILVA. DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZADOS. INDENIZAÇÃO. – A Carta de 1988, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte pode-se dizer que, de regra os pressupostos dar responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro. – A jurisprudência dos tribunais pátrios consolidou entendimento segundo o qual a possibilidade de indenização por dano moral, prevista no art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, não se restringe a hipóteses de violação à esfera individual, sendo plenamente viável a caracterização da lesão extrapatrimonial coletiva, quando a avaliação direcionar-se-á a valores e interesses fundamentais de um grupo, ou seja, à defesa do patrimônio imaterial de determinada coletividade. Precedentes do STJ e deste Tribunal. – In casu, estão caracterizados a conduta estatal (violência promovida pelos policiais contra membros da ‘Família Silva’), dano antijurídico (lesão à honra e à dignidade da comunidade, posto estar latente o preconceito social e de raça) e o nexo de causalidade entre ambos (efetivamente a abordagem policial gerou toda essa situação de consequências jurídicas nefastas ao patrimônio imaterial), requisitos que configuram o dever do Estado do Rio Grande do Sul de, exemplarmente, reparar o dano coletivo sofrido por Quilombo historicamente esquecido das mais básicas políticas estatais (como saneamento e assistência social) e que tardiamente obteve o reconhecimento formal das áreas de sua propriedade. – Deverá o valor da indenização ser utilizado com acompanhamento e fiscalização do Ministério Público Federal e prestação de contas ao juízo federal, tudo em prol preferencialmente da Comunidade Quilombola. – O quantum indenizatório deve ser definido atendendo critérios de moderação, prudência e às peculiaridades do caso, inclusive à repercussão econômica da indenização, que deve apenas reparar o dano e não representar enriquecimento sem causa aos lesados. Tais aspectos foram bem observados na valoração do dano estabelecida pelo juízo singular. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial quanto aos consectários legais e negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 27 de janeiro de 2016. Juíza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN Relatora.