Se política é lugar de poder que nosso poder seja o do afeto, da empatia. Então, a gente não disputa, a gente ocupa os espaços vazios tornados invisíveis pelo sistema.
A violência é a marca do patriarcado, a mesma que nutre o capitalismo. O capitalismo não conhece afeto, ele condecora com medalhas – mortes, carnificina! A violência como expressão humana é tão antiga quanto o mundo. Precisamos desenvolver a capacidade de dialogar com o outro, seja ele quem for! Produzimos tantas teorias, camalhaços, teses, livros, mas até agora parece que só conseguimos nos ferrar e destruir o planeta!
Quando nós nos juntamos e reivindicamos justiça social o que nos move é a empatia, o sentir com o outro! Precisamos estar unidos, olhos nos olhos, abertos ao acolhimento, precisamos sentir que podemos confiar no outro ao nosso lado!
Nosso amigo Pedro, poeta da Pavuna, pensando sobre uma perspectiva em tempos de crise, nos convidou numa roda de conversa a refletir sobre a possibilidade de “quem sabe” buscar um exercício de linguagem, talvez próximo da roça, do campo, dos lugares de onde nós viemos e não de lugares muito além no oceano atlântico! É possível que esse seja um caminho viável, retomar o simples, poder num encontro ter de fato uma escuta profunda, perceber como o outro se sente, resgatar nossa origem camponesa, tribal.
Tudo é experimento, estamos experimentando, aprendendo uns com os outros, ninguém sabe nada do novo, porque o novo precisa ser criado, partejado. Afinal, o que estamos procurando? Certamente, não é o outro lado da moeda! Não nos satisfaz reverter, porque cara ou coroa, continua sendo MOEDA, e não é isso que nos move. Sonhamos com o salto! Uma nova forma de habitar o planeta! Somos sem lugar nesse mundo, porque olhamos à nossa volta e vemos injustiça social, uma vida asfixiante, dominada pelo capital! A lógica burra e perversa do capital é a prática da necrofilia! Sim, o gozo é com a morte! Nosso mover é por vidas! Nossos corpos e emoções necessitam ser vitalizados por trocas afetivas.
As ondas nefastas do terrorismo de Estado batem em nossos corpos cada vez que presenciamos o genocídio da juventude negra, dos indígenas, dos desvalidos, a cada ataque brutal, também somos atingidos, porque nosso código é empatia! Procuramos brechas! Estamos perdidos! Mas isso é um ótimo começo para se encontrar! É possível confiar em alguma política que não envolva afetos?
A urgência é manter a liberdade pública, restaurar e assegurar o caráter aberto do convívio e das narrativas, das trocas afetivas, livres da dominação, das regras pré-estabelecidas. Simplesmente conversar, dialogar, ouvir um ao outro! A despeito de tão maravilhosas teorias legadas a nós por diversos pensadores, podemos ainda, nos colocar: numa dimensão inaugural, olhar com olhos de primeira vez, para tentar recordar nossa frágil humanidade, e indagar: quais são as determinações de nosso tempo que nos exige renovação crítica, reflexão e ação? Qual é o chamado para o pensamento no tempo presente?
(É muito limitante) Aceitar passivamente a liberdade humana como fato consumado sem perceber que cada singularidade é sagrada, e que para demolir preconceitos o acesso não é a destruição do outro da diferença. A identificação com o agressor leva a um interminável e nauseante remexer de dejetos existenciais, areia movediça bem ao lado de nossas infinitas possibilidades. Talvez a grande tragédia humana não seja tão somente a finitude, mas a impossibilidade de abarcar e experenciar todas as ricas possibilidades. Caminhar no fio cortante sobre o abismo de nossa vertiginosa dor de existir sem saltar sobre o fosso estagnado de uma civilização carcomida, falida é compactuar com o que chamo de “idiotossincrasias”!
É preciso transcender, buscar um sentido fecundo, combater o belo, sem se reter no ruído da mediocridade, mas criando uma poética melódica que nos faça dançar e celebrar a vida de tal modo que a todos contagie! Estamos tecendo o novo à beira do abismo e isso nos confere dignidade! Somos corajosos, seguimos adiante mesmo que haja algum medo! E venceremos, porque a liberdade é maior que o medo! Vamos ocupar o mundo, quer queiram ou não! E quando chegarmos em casa cansados, nosso espírito estará cheio de vida e liberdade! Dormiremos em paz, porque sabemos que estamos fazendo tudo que está ao nosso alcance por um mundo mais justo!
Resistir, resistir, resistir, com afeto!
Para nossa reflexão, não no sentido de observar a violência no outro, mas em nós mesmos!
Um recorte do sensível e empático pensamento de Rollo May:
“A violência é um sintoma. A doença é carência de poder, a insignificância, a injustiça – em suma, a convicção de que a pessoa está abaixo do humano e não tem ponto de referência no mundo. Para empregar um termo conveniente, identifiquei a doença como impotência, sem, entretanto deixar de reconhecer plenamente que a violência exige também, para ser desencadeada, alguma promessa, um desespero combinado com a esperança de que as condições só podem melhorar através da dor ou da morte de alguém.”
Por M. (Companheira que compõe a Assembleia Popular Horizontal no Largo do Machado no Rio de Janeiro)