(Entrevista) Cerveja Raízes: produção artesanal e autonomia

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ENTREVISTA, FOTOS E VIDEOS: VICTOR RIBEIRO

Entrevista original publicada pela Mídia Coletiva.

No dia 22 de novembro de 2015 fui até o espaço da cerveja Raízes encontrar alguns amigos midiativistas que participam de um movimento de cerveja artesanal. Mais que uma alternativa ao milho transgênico da AMBEV e outras grandes marcas transnacionais, a cerveja artesanal também revela um potencial de trabalho cooperativado que se coloca como mais uma prática autogestiva, de faça você mesmo, e que pode revelar outras formas de produzir, distribuir e auto sustentar.

Entre conversas, brassagens e degustações, passamos a tarde papeando sobre como tomar os meios de produção, desmistificar o tecnicismo produtivo, resignificar a logística de distribuição, e principalmente compartilhar o processo de produção como uma alternativa de sustentabilidade aos movimentos sociais e resistências comunitárias.

Saúde!

raizer1Victor Ribeiro: O que é a Cerveja Raízes?

Ernesto: É a forma que encontramos de tomar os meios de produção pra nós. Todos nós do coletivo somos midiativistas, e pensamos em criar uma cooperativa de cerveja para buscar nossa autonomia econômica e também poder financiar nossa ação com a comunicação. Com a intenção de quebrar com o monopólio capitalista de produção de cervejas mas também como uma forma de sobrevivência. E sobretudo construir uma plataforma pra mostrar para as pessoas que não é tão difícil fazer a própria cerveja. É importante que outras pessoas também consigam produzir e possam ter na produção artesanal na cerveja alguma alternativa econômica.

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VR: E como vocês fazem a Cerveja Raízes chegar nas pessoas? Como se distribui a cerveja?

Augusto: A Raízes tem a intenção de mostrar que você não precisa de um mestre cervejeiro pra produzir sua cerveja, e mais que tudo, não estamos buscando estar em todos os lugares, mas sim ter uma distribuição específica, local…E estimular que outras pessoas produzam sua própria cerveja, no bairro, sem cursos caríssimos, sem altos custos. E também dizer que se pode beber uma boa cerveja artesanal sem pagar caro pra isso. Pra que qualquer um possa beber uma cerveja de qualidade, com preço acessível. E com a produção local, você quebra a necessidade de uma logística de distribuir em grande quantidade, de atravessadores. A cerveja passa a ter a cara do bairro, produzida pelo seu vizinho. Já não somos obrigados a beber cerveja ruim e cara, mas beber um produto local, cooperativado e que consegue construir uma atividade econômica sustentável, sem patrão, em cooperação para a auto sustentabilidade. Imagina, 2 ou 3 produtores de cerveja, distribuindo dentro da comunidade, isso é uma alternativa de trabalho e de empreendedorismo muito interessante, porque sabemos que no Brasil se bebe muita cerveja.

Ernesto: Muitos espaços autônomos, feiras, nos abriram espaço para mostrar como é fácil produzir sua cerveja, difundir nosso processo de trabalho, em ocupações de praças, rodas culturais independentes na rua. Também tem aí um espaço de levar a Raízes para a rua, e compartilhar o processo de como fazê-la.

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VR: Como é a receita e porque ela se difere das cervejas da Ambev por exemplo?

Cristiano: A cerveja da Ambev tem uma quantidade de malte pequeno, e um monte de outras coisas, xarope de açúcares, milho transgênico, arroz…é uma suposta cerveja, com produtos de péssima qualidade, que são derivados de outros produtores que não sabemos quais são. Eles não tem objetivo de fazer uma boa cerveja. Aqui fazemos uma cerveja pra quem quer beber algo gostoso, 100% de cereais maltados, e ingredientes da nossa biodiversidade local, como pimenta, boldo, laranja da terra, urucum…Tentando adicionar ingredientes locais, que são coisas que as grandes cervejarias não tem a menor intenção de produzir. As pessoas sentem o aroma, o paladar, todo mundo sente que cerveja pode ter sabor.  Não é um xarope de álcool ralo.

Osvaldo: Como são cereais altamente nutritivos que não passam por nenhum processo químico, nem pasteurização, o malte é muito nutritivo, tem diversas propriedades alimentares ricas. Então você pode beber até de barriga vazia. Alimenta mesmo.

Augusto: Como não precisamos nos preocupar em longos processos de distribuição, porque não queremos isso, não precisamos de conservantes, de química para que o a cerveja não estrague dentro do estoque. Porque entregamos a cerveja ainda viva para as pessoas. Muito mais nutritiva.

VR: E porque vocês dizem que ela é uma plataforma?

Augusto: Não há porque as pessoas não produzirem eventualmente sua própria cerveja em casa, na nossa página do Facebook por exemplo você encontra uma cartilha de como fazer sua cerveja.

Ernesto: As pessoas tem ingerido mais que a cerveja, tem ingerido o próprio processo de autonomía, a experiência. Por exemplo, tem as plataformas de financiamento coletivo, certo? A cerveja é um pouco isso. Uma produção que pode financiar outros processos. E principalmente não tem a exploração do trabalho de ninguém nesse processo, somos nós mesmos que estamos na cooperativa que fazemos. Quando as pessoas bebem a Cerveja Raízes eles sentem e sabem por nós o que está por trás disso e elas sabem que isso financia outros processos de resistência também. Quando as pessoas compram a Raizes elas sentem que estão apoiando isso tudo e bebem com muito mais prazer. E estamos comprometidos a fornecer os primeiros passos para outras pessoas e movimentos que queiram produzir sua própria cerveja, experimentar receitas…


VR: E as pessoas que querem produzir sua cerveja, onde encontram informações?

Cristiano: A gente tem uma página no Facebook com todo material que estamos desenvolvendo. Como uma cartilha de poucas páginas passando o básico para as pessoas produzirem sua própria cerveja. Com equipamentos simples, liquidificador, escorredor de massa, panelas, adaptando os materiais. Tem um mapinha de onde encontrar os ingredientes, links de referência.

Ernesto: Diminuir a dificuldade em produzir, do faça você mesmo com o que tem. O que poderíamos comprar de grandes empresas, ferramentas, em muitos casos nós mesmos produzimos. E na nossa página chegam muitas informações de pessoas que experimentam as coisas que nos estamos criando e dizem se deu certo.

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VR: E se articulam com outras cooperativas, outros segmentos de produção?

Osvaldo: Todo mundo que consegue desenvolver sua autonomia vai ser criminalizado, pressionado a cumprir uma burocracia que na verdade te impede de fazer o que você quer. Por isso que é importante que a gente esteja junto com outras iniciativas. Se ajudar…

Ernesto: existe uma grande rede de pessoas que está tomando os meios de produção, experimentando outas formas de ocupar os espaços públicos. Tem a feira de economia colaborativa…no Rio de Janeiro temos 3 cervejarias com a mesma proposta autônoma que não exploração o trabalho de ninguém.

Cristiano: E na legislação brasileira não existe uma definição clara de cerveja artesanal, mas qualquer coisa que tenha ate 70% de malte e produção anual de 10 milhões de litros. Ou seja uma fábrica com dezenas de funcionários, grande com produção mensal, como a Colorado por exemplo, consegue dizer que é uma cerveja artesanal, quando na verdade está muito longe da produção artesanal de verdade, ou da realidade de produções artesanais como nós mesmos.


VR: Em muitos casos o nome artesanal é mais um fetiche, uma outra marca, mais que propriamente um produto artesanal…gourmetização é o termo, né?

Ernesto: Todas as cervejas que você encontra no supermercado e se dizem artesanal, não tem nada de produção familiar, comunitária, cooperativada…é uma estratégia de marketing na verdade.

Osvaldo: Pelo que eu sei essa legislação que estão esperando, para regulamentar a produção artesanal…é o velho modelo…as 3 principais ‘pequenas’ cervejarias sentaram e decidiram como será essa regulamentação. Não é pra todos, não é pra garantir que nós por exemplo possamos produzir, mas para garantir que alguns poucos seguirão usando a expressão ‘artesanal’ como um fetiche de mercado.

VR: E num processo futuro, é possível que essa transnacional vá pouco a pouco comprando as cervejarias menores que conseguem se manter nesse cenário, se tornam empresas de médio porte e são compradas…

Osvaldo: Claro, a Ambev é dona da maioria das marcas de cervejas que conhecemos justamente porque não admite concorrência…(risos). Mas também já desmistificamos como fazer a nossa própria cerveja e fica muito boa…por isso queremos divulgar pra cada vez mais gente.

Veja o vídeo da brassagem: