Hoje foi o último dia que passamos por este lugar, a Semente Negra. Retiramos todas as nossas coisas e durante todo o processo de desmontagem do lugar fomos lembrando dos dias que passamos aqui, com pessoas incríveis, os animais que ali habitam, bandas, conversas, atividades e oficinas que nos fazem acreditar que um mundo novo sempre está germinando em algum lugar. É difícil você olhar pela janela da casa da Semente Negra e não se sentir bem, é um lugar mágico e encantador, cheio de possibilidades, mas infelizmente tivemos que sair de lá.
A razão? Perdemos! Perdemos mais uma vez para o “desenvolvimento”, para a sociedade de controle. O proprietário vai alugar para uma TORRE DE 30 METROS DE ALTURA, uma torre de televisão e antenas wi-fi para uma comunicação instantânea, para tentar nos impedir de viver como estávamos fazendo ali naquele lugar e manter as pessoas olhando através do espelho negro e vivendo um mundo virtual.
Nós sempre abrimos nossas casas para construir espaços autônomos, sempre sonhávamos em construir, pelo menos ali, relações mais verdadeiras, com troca, cooperação, apoio mútuo e fazer coisas que falam que nós nunca conseguiríamos fazer sozinhas. Tentamos com o Germinal, tentamos com o Espaço Impróprio e com eles também fomos esmagados pela cidade grande. Agora parece que fica um vazio quando pensamos que não temos nosso lugar, nosso espaço para vivenciar com pessoas reais, com conversas inspiradoras e musicas apaixonantes.
Esse vazio nos fez decidir que a Semente Negra será onde nós estivermos morando, queremos transformar nossa casa em um lugar em que podemos aprender, ensinar, trocar, fazer música, dançar, rir, chorar e acima de tudo construir um mundo mais livre, mais vivo, com respeito com as pessoas, os animais e com o Mundo. Que a gente consiga germinar a semente negra em cada lugar que a gente morar, que a cada semente plantada nasça uma resistência. Cultivar resistência é o nosso objetivo e a partir de agora estaremos levando sementes negras onde quer que nós estivermos.
E agora te fazemos um convite, nosso primeiro evento será o No Gods No Masters Fest, que será dias 23 e 24 de janeiro, daqui a duas semanas. Não será a inauguração da Semente Negra, pois ela já foi inaugurada em 2013, mas será o ínicio de um novo ciclo… Porque a resistência não pode parar…. Aceita? Entra lá: http://nogods-nomasters.com/fest.
O que sempre esteve, está e estará em jogo no campo da disputa política (o ato de manifestação é uma disputa política deliberada), é a capacidade dos agentes principalmente implicados na cena, em alcançar os objetivos aos quais se propõe, não frustrando assim as expectativas da sociedade. Nesse sentido, estamos falando sobretudo de EXPECTATIVAS E FRUSTRAÇÕES.
Estão em caixa alta, essas duas palavras, por um motivo muito simples: Quem quer adesão, precisa corresponder às expectativas daqueles de quem se espera um retorno (participação). A mobilização política só acontece se a sociedade acreditar nos atores que produzem a contestação e, se minimamente, esses atores utilizarem códigos ou símbolos de conduta que lhes sejam próximos.
Quando um ato é puxado sob a bandeira pela redução das tarifas dos transportes, automaticamente uma expectativa começa a ser construída no imaginário popular, uma vez que a tal manifestação simbolicamente outorga pra si, mesmo que à revelia do desejado por seus organizadores, a legitimidade enquanto ferramenta para transformação da pauta apresentada. Nesse sentido, após a expectativa gerada, cabe então aos manifestantes comprovarem a EFICÁCIA do seu modelo de transformação da pauta apresentada, visando justamente a NÃO FRUSTRAÇÃO da população.
A grande questão é que o consciente popular é mais complexo e a população sempre vai esperar que “o outro” reivindique e transforme, mas segundo valores, padrões e regras morais e sociais que são provenientes de uma cultura ainda conservadora. Sendo assim, exige-se minimamente que os organizadores de um ato, apresentem e realizem uma sequência de processos que demonstre claramente que possuem um plano para reduzir as tarifas, plano esse que obviamente pode incluir o confronto com as forças de segurança do estado, entretanto, tal confronto JAMAIS DEVE PRECEDER as etapas anteriores de ação (esperadas pela população) e quando se efetivar, o confronto deve também ser planejado de forma precisa, atingindo objetivos centrais e produzindo uma cena que seja favorável ao movimento, drenando qualquer possibilidade de formulação de narrativa que explore a tradicional imagem de “vândalos”.
Pode parecer repetitivo dizer tudo isso novamente após 2013, afinal, já conversamos muito sobre isso, mas parece que nunca fica muito claro.
Quando se organiza um ato reivindicando determinada pauta, seus organizadores e participantes tornam-se automaticamente responsáveis, ou em dado momento, “co-responsáveis” pelo desenrolar das ações propostas. No momento em que se vai às ruas tentando ganhar a população para lutar contra o aumento das tarifas, inicia-se um conjunto de expectativas que a todo custo não devem ser frustradas, sob a pena do esvaziamento da luta em questão. Quando um ato proposto para lutar por determinada pauta fracassa, a própria pauta FRACASSA e a frustração se abate sobre a população, que passa a não aderir a qualquer tentativa de mobilização relativa a pauta em questão.
Aqueles que USAM uma pauta específica para cumprir seus desejos de auto-promoção, confronto ou para dar vazão aos seus tesões reprimidos, são em última análise perversos, prevaricadores e usurpadores. Se sabem eles que essa tática tradicional de confronto não funciona, estão apenas usando uma manifestação por uma pauta para fazer outra coisa. Os militantes partidários tolos, deveriam ser sinceros e puxar atos para promoção de seus candidatos, deixando claro os seus objetivos marqueteiros, assim como os movimentos belicistas e demais meninos e meninas que adoram confronto deveriam usar da honestidade e criar eventos no Facebook que chamassem as pessoas para um “pique-pega com a PM”, deixando claro seus objetivos e não usurpando causas nobres e importantes.
Dito isso, é de se acreditar, sinceramente, que ainda existem mecanismos de pressão que, alinhados à atos de manifestação, podem surtir efeito e cumprir uma determinada pauta defendida. Para tanto, precisam estudar a pauta que defendem, identificar os mecanismos institucionais relevantes, realizar manifestações e, se for preciso, ocupar locais estratégicos de forma organizada, visando o cumprimento de um instrumento de pressão que tenha EFICÁCIA quanto ao alcance do que se objetiva.
Vejam, se em 2013 quando a Prefeitura suspendeu o aumento das passagens, os protestos tivessem da mesma forma recuado, o ato reivindicatório em si, continuaria a ser uma arma potente contra o Estado, podendo a todo momento ser utilizado como forma de combate para qualquer situação que fosse. A continuação e a persistência nas ruas de forma desordenada, desidratou as manifestações e tornou-as frágeis, uma vez que não conseguiam mais obter vitórias.
Enfim, tudo isso é mais uma ampla reflexão para salientar que, mais uma vez, são os nossos erros que mais comprometem a luta do que os equívocos do Estado e demais agentes.
Ativistas, militantes e cidadãos engajados precisam conversar e planejar cada passo a ser tomado, sem medo disso ser centralizado ou o que for. É melhor pecar por suplantar alguns métodos preciosos do que falhar na defesa de uma pauta, tornando-a desacreditada para a população.
A Prefeitura do Rio em ano de Olimpíadas aumentou em 40 centavos o preço da passagem, demonstrando claramente que não teme as manifestações e confiando no julgamento da sociedade contra os “vândalos” ou os “partidinhos de esquerda”.
Falhamos no passado e permitimos esse virada na mesa. Não podemos falhar novamente.
Há que se recusar participar de atos ou manifestações que acabem por manchar ainda mais pautas tão importantes e que por consequência enfraqueçam ainda mais o ato de manifestação enquanto ferramenta de luta.
É isso. Sigamos…
Por Itagiba Rocha
Itagiba Rocha é ativista e milita no campo dos Direitos Humanos e do fomento à participação política. Frequenta Plenárias no Rio de Janeiro e participa de coletivos que defendem o direito à livre manifestação.
*Itagiba é um pseudônimo mas a sua descrição corresponde a realidade da pessoa por trás desse nome.
Mais de 5 mil pessoas participaram na tarde de ontem, dia 08 de janeiro, do ato “Contra o Aumento da Passagem”, realizado na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Há uma maioria pobre, negra e favelada que está sendo impedida de circular a cidade com este aumento, sem contar em todas as outras formas de segregação, de gentrificação que esta parcela da população tem sofrido nos últimos anos.
Hoje, dia 09 de janeiro, mais 7 linhas de ônibus acabaram. Eram ônibus que saíam da Zona Norte para a Zona Sul que não irão mais funcionar nesta tal cidade maravilhosa. Ou seja, existe um projeto de cidade dos governantes para afastamento da população pobre dos grandes centros e da Zona Sul do Rio. Afinal, é preciso “limpar o terreno” para o próximo megaevento que receberá a visita de estrangeiros, governantes, jornalistas e atletas de inúmeros países.
Mas, pensando sobre o ato de ontem, é possível perceber o quanto ainda estamos distantes de colocarmos a pauta da segregação desta sociedade e deste Estado racista em evidência. Com todo o histórico do que a população pobre tem sofrido, tenho certeza que estas são as pautas principais. A minha dúvida é se as bandeiras de partidos deveriam mesmo serem estendidas? Será que é com as cirandas e músicas que iremos incomodar algo? Com bandas e oficinas de cartazes?
Além disso, um simples carro de som naquele momento incomodou, já que centralizou, não ouviu e também não organizou. Óbvio que o objetivo não era este, o de organizar, mas sim o de centralizar com falas até de defesa ao governo, ou com falas pontuais contra Cunha, Pezão, Paes, dentre outros poucos políticos citados, mas de leve, bem levemente.
Tudo isso me faz pensar qual o sentido real do ato? Qual a pauta central do ato? Quais os interesses reais de cada um que estava ali?
Mas algumas respostas já foram dadas. Quase no final do ato quando a polícia mais uma vez reprimiu, todos os que estavam com bandeiras nas mãos e no carro de som saíram da linha de frente, deixaram o povo, largaram o microfone e caíram fora! E o povão que está sofrendo diariamente com esta segregação foi para a linha de frente. Eram camelôs, estudantes, favelados, comerciantes locais, moradores em situação de rua, além de boa parte de moradores que desceram do morro próximo para ocupar o asfalto e enfrentar a repressão policial que não foi pouca.
Enfim, a tal unidade, tão defendida por parte da esquerda partidária deve ser analisada, a unidade vai até que ponto? Quando a polícia ataca com bombas, spray de pimenta, tiros de borracha a unidade se desfaz, as bandeiras somem. No entanto, não venham com suas bandeiras, com seus levantes, com seus cartazes, venham apenas para a linha de frente enfrentar esse Estado segregador que está acabando todos os dias com a vida de uma grande parte da população.