(Relato) Atos e manifestações: Quais objetivos? De quem para quem? Uma reflexão sobre o #8J no Rio de Janeiro

O que sempre esteve, está e estará em jogo no campo da disputa política (o ato de manifestação é uma disputa política deliberada), é a capacidade dos agentes principalmente implicados na cena, em alcançar os objetivos aos quais se propõe, não frustrando assim as expectativas da sociedade. Nesse sentido, estamos falando sobretudo de EXPECTATIVAS E FRUSTRAÇÕES.

Estão em caixa alta, essas duas palavras, por um motivo muito simples: Quem quer adesão, precisa corresponder às expectativas daqueles de quem se espera um retorno (participação). A mobilização política só acontece se a sociedade acreditar nos atores que produzem a contestação e, se minimamente, esses atores utilizarem códigos ou símbolos de conduta que lhes sejam próximos.

Quando um ato é puxado sob a bandeira pela redução das tarifas dos transportes, automaticamente uma expectativa começa a ser construída no imaginário popular, uma vez que a tal manifestação simbolicamente outorga pra si, mesmo que à revelia do desejado por seus organizadores, a legitimidade enquanto ferramenta para transformação da pauta apresentada. Nesse sentido, após a expectativa gerada, cabe então aos manifestantes comprovarem a EFICÁCIA do seu modelo de transformação da pauta apresentada, visando justamente a NÃO FRUSTRAÇÃO da população.

Av. Presidente Vargas – RJ

A grande questão é que o consciente popular é mais complexo e a população sempre vai esperar que “o outro” reivindique e transforme, mas segundo valores, padrões e regras morais e sociais que são provenientes de uma cultura ainda conservadora. Sendo assim, exige-se minimamente que os organizadores de um ato, apresentem e realizem uma sequência de processos que demonstre claramente que possuem um plano para reduzir as tarifas, plano esse que obviamente pode incluir o confronto com as forças de segurança do estado, entretanto, tal confronto JAMAIS DEVE PRECEDER as etapas anteriores de ação (esperadas pela população) e quando se efetivar, o confronto deve também ser planejado de forma precisa, atingindo objetivos centrais e produzindo uma cena que seja favorável ao movimento, drenando qualquer possibilidade de formulação de narrativa que explore a tradicional imagem de “vândalos”.

Pode parecer repetitivo dizer tudo isso novamente após 2013, afinal, já conversamos muito sobre isso, mas parece que nunca fica muito claro.

Quando se organiza um ato reivindicando determinada pauta, seus organizadores e participantes tornam-se automaticamente responsáveis, ou em dado momento, “co-responsáveis” pelo desenrolar das ações propostas. No momento em que se vai às ruas tentando ganhar a população para lutar contra o aumento das tarifas, inicia-se um conjunto de expectativas que a todo custo não devem ser frustradas, sob a pena do esvaziamento da luta em questão. Quando um ato proposto para lutar por determinada pauta fracassa, a própria pauta FRACASSA e a frustração se abate sobre a população, que passa a não aderir a qualquer tentativa de mobilização relativa a pauta em questão.

Aqueles que USAM uma pauta específica para cumprir seus desejos de auto-promoção, confronto ou para dar vazão aos seus tesões reprimidos, são em última análise perversos, prevaricadores e usurpadores. Se sabem eles que essa tática tradicional de confronto não funciona, estão apenas usando uma manifestação por uma pauta para fazer outra coisa. Os militantes partidários tolos, deveriam ser sinceros e puxar atos para promoção de seus candidatos, deixando claro os seus objetivos marqueteiros, assim como os movimentos belicistas e demais meninos e meninas que adoram confronto deveriam usar da honestidade e criar eventos no Facebook que chamassem as pessoas para um “pique-pega com a PM”, deixando claro seus objetivos e não usurpando causas nobres e importantes.

Dito isso, é de se acreditar, sinceramente, que ainda existem mecanismos de pressão que, alinhados à atos de manifestação, podem surtir efeito e cumprir uma determinada pauta defendida. Para tanto, precisam estudar a pauta que defendem, identificar os mecanismos institucionais relevantes, realizar manifestações e, se for preciso, ocupar locais estratégicos de forma organizada, visando o cumprimento de um instrumento de pressão que tenha EFICÁCIA quanto ao alcance do que se objetiva.

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Bloco Livre Reciclato

Vejam, se em 2013 quando a Prefeitura suspendeu o aumento das passagens, os protestos tivessem da mesma forma recuado, o ato reivindicatório em si, continuaria a ser uma arma potente contra o Estado, podendo a todo momento ser utilizado como forma de combate para qualquer situação que fosse. A continuação e a persistência nas ruas de forma desordenada, desidratou as manifestações e tornou-as frágeis, uma vez que não conseguiam mais obter vitórias.

Enfim, tudo isso é mais uma ampla reflexão para salientar que, mais uma vez, são os nossos erros que mais comprometem a luta do que os equívocos do Estado e demais agentes.

Ativistas, militantes e cidadãos engajados precisam conversar e planejar cada passo a ser tomado, sem medo disso ser centralizado ou o que for. É melhor pecar por suplantar alguns métodos preciosos do que falhar na defesa de uma pauta, tornando-a desacreditada para a população.

A Prefeitura do Rio em ano de Olimpíadas aumentou em 40 centavos o preço da passagem, demonstrando claramente que não teme as manifestações e confiando no julgamento da sociedade contra os “vândalos” ou os “partidinhos de esquerda”.

Falhamos no passado e permitimos esse virada na mesa. Não podemos falhar novamente.

Há que se recusar participar de atos ou manifestações que acabem por manchar ainda mais pautas tão importantes e que por consequência enfraqueçam ainda mais o ato de manifestação enquanto ferramenta de luta.

É isso. Sigamos…

Por Itagiba Rocha

Itagiba Rocha é ativista e milita no campo dos Direitos Humanos e do fomento à participação política. Frequenta Plenárias no Rio de Janeiro e participa de coletivos que defendem o direito à livre manifestação.

*Itagiba é um pseudônimo mas a sua descrição corresponde a realidade da pessoa por trás desse nome.