Tag Archives: Racismo

(Artigo) Enquanto você chora por uns, milhares são mortas

Nos últitextoetnicidio2mos tempos nos deparamos com diversas notícias sobre assassinatos. Longe de serem casos isolados, esses casos tem alvos muito bem definidos, a população não-branca, negra ou/e indígena, e pobre. Porém, as notícias que aparecem nas capas dos jornais brasileiros pouco mostram os assassinatos que acontecem dentro do próprio território. A mídia burguesa afim de silenciar os problemas internos do território que está inserida, invisibilizando o racismo e o etnocídio que acontece ao seu lado, divulga de maneira incessante notícias de assassinatos de imigrantes africanos, sírios entre outros, que são mortos, de maneira direta ou não, ao tentarem entrar em território europeu.

De maneira alguma queremos dizer com esse texto que a vida destes não são importantes. Pelo contrário, os assassinatos das pessoas que tentam entrar em território europeu em busca de se refugiar de guerras ou apenas para terem melhores condições de vida fazem parte também de uma política pós-colonial que visa, direta ou indiretamente, subjugar povos e culturas.

O que queremos com esse texto é problematizar o papel da mídia burguesa brasileira de fingir que nada está acontecendo ao seu lado. Ataques a templos de candomblé e umbanda, avanço do agronegócio em territórios indígenas, quilombolas e ribeirinhos, Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), genocídio da população negra e pobre, todas essa problemáticas matam crianças, adultos e idosos todos os dias e ganham no máximo uma pequena coluna nos jornais, quando ganham. Crianças negras são mortas na Maré, Complexo do Alemão e outras favelas do Rio de Janeiro. Populações indígenas são exterminadas todos os dias para o (des)envolvimento* da população branca, e o que ganha uma capa de luto nos jornais é a morte de uma criatextoetnicidio1nça Síria. O que queremos problematizar é que no Brasil milhares morrem todos os dias de forma invisível e brutal, e a mídia branca e burguesa pouco se importa, indo criar de maneira insensível e hipócrita uma certa forma de sensacionalismo com os casos que acontecem fora do território que está inserida.

Acreditamos que essas políticas de invisibilizar casos faz parte de um contexto maior de racismo e etnocídio, na qual prega, de maneira direta ou indireta, uma desvalorização à culturas e povos não-bracos. Os ataques a templos de religiões de raízes africanas fazem parte do mesmo racismo e etnicismo que desapropria populações indígenas de seus territórios, em escalas diferentes, é claro, mas que completam um ciclo de reprodução de um colonialismo recriado e repaginado, que só aceita  um tipo de cultura e que subalterna raças. Essa política pós-colonial age de maneira binária, criando um certo e um errado, um desenvolvido e um não desenvolvido, e com isso ajuda a difundir um pesamento racista e eurocentrado, que aceita apenas a norma cultural do “colonizador”.

A RIA repudia o papel da mídia branca-burguesa, que invisibiliza o racismo e o etnocídio e que cria comoção com casos que nos fazem pensar que o racismo está longe de nos.

 

(Artigo) O Apartheid Social e o processo de higienização no Rio de Janeiro

Apartheid social é a método de violência que mantém o sistema de opressão com base na classe e na raça. A cidade do Rio de Janeiro conhecida internacionalmente por sediar megaeventos também está se aprofundando no processo de higienização social que consiste na expulsão e fragmentação das milhares de famílias que vivem no entorno da cidade suburbana e nas favelas. Uma das medidas que mais afrontam é a seletividade penal, pois é um ataque a auto-estima, subjuga e criminaliza jovens negros e pobres os impedindo de frequentar livremente bens públicos como a praia, por exemplo, porém, este espaço deve sim ser ocupado por todxs.

Esta violência traz muito impacto à cidade , moradorxs antigxs de regiões especuladas são jogados compulsoriamente para o outro lado com as remoções e jovens são afastados da convivência como ocorreu há duas semanas quando alguns ônibus vindos da zona norte foram vistoriados antes de chegar à praia, assim, a desigualdade fica muito mais acentuada e clara em seu propósito de jogo de interesses numa sociedade capitalista.

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Este ciclo se retroalimenta na manutenção dos desiguais porque, de uma forma ou de outra, eles são consumidores e quando deixam de cumprir este papel produzem outra margem de lucro também às suas custas, pois os poderosos se apropriam de uma imagem estigmatizada que se vende na grande mídia.

Não ao Apartheid Social e em defesa da população pobre e negra das favelas!

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Veja as notícias sobre o recolhimento de adolescentes negros a caminhos das praias na Zona Sul do Rio no Jornal Extra e no Brasil 247.


“Este texto está escrito em linguagem não sexista, quer dizer, não vamos usar o masculino para representar um grupo misto, por exemplo ‘os trabalhadores’. Assim, usamos o X para indicar que o gênero é indefinido, por exemplo: ‘xs trabalhadorxs’. Quando isso não for possível, usaremos a palavra feminina, por exemplo ‘algumas’.”

 

(Rio de Janeiro) Rafael Braga Vieira: o retrato da criminalização da pobreza

Ficamos muito felizes ao ver tantas fotos com arco-íris nos perfis, mesmo que seja uma ação institucional de um capitalismo que está sendo obrigado a se adequar à tolerância e o respeito a diversidades, e isso deve-se dizer, é fruto da organização e de anos de luta árdua dos movimentos LGBT’s. A luta de todxs companheirxs LGBT’s está dando seus frutos e ficamos felizes ao ver tantos perfis (até de pessoas inesperadas, não?) nos mostrando que, mesmo que o conservadorismo exista, ele tem um inimigo à altura.

No entanto, pegamos carona nessa mídia pra divulgar uma outra questão que ainda não conquistou tantas vitórias como a comunidade LGBT. Como é a questão do racismo no Brasil.

Você sabia que o Brasil ainda tem um preso das jornadas de junho de 2013?

E sabia também que ele é o ÚNICO PRESO dessas mesmas jornadas de junho?

Sim. Ele é Rafael Braga Vieira. Rafael Braga não era manifestante, não era militante, não era anarquista, nem marxista, nem black bloc nem hare khisnna. Rafael é negro. E Rafael, por também ser pobre, estava na rua, saindo do trabalho (Rafael trabalha como catador de materiais recicláveis), quando trombou com uma manifestação das jornadas de junho violentamente reprimidas pela polícia.

Rafael estava com uma garrafa de desinfetante na mão, que levava para sua mãe, em casa, quando no meio de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, foi preso acusado de portar um “artefato explosivo” (Pinho Sol!!!), e está lá em Bangu, já fazem dois anos, tendo ido para a solitária por um período.

Rafael é um bode expiatório. Nós sabemos que ele é inocente e nada fez, o Sistema também sabe. Mas quer usa-lo como exemplo. A classe dominante quer que o povo negro e pobre pensei “não devo me envolver com luta alguma, porque no fim, quem se fode sou eu”. Os outros presos, que alguns gostam de separar e dizer “políticos”, não estão presos até hoje. Mas Rafael está.

Rafael é um preso do racismo. E o racismo é a ordem dessa sociedade. Precisamos quebrar com essa sociedade então. Um dos primeiros passos é destruindo as grades das prisões!

TODO PRESO E PRESA É UM PRESX POLÍTICO!
LIBERTEM RAFAEL BRAGA!

Texto extraído da página Anarquistas Ensinam

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Violência Racial, ou a tentativa de redução do ser negro

Por Gustavo Fernandes e Fernando Monteiro

Nas últimas décadas, a desigualdade racial existente no Brasil foi evidenciada por inúmeros estudos estatísticos, tendo como marco referencial as pesquisas de Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg, ambas de 1979. A antes idolatrada democracia racial foi desta forma desmascarada como mito, pois não condizia com os achados de pesquisa publicados por esses estudos, que indicava a existência de um processo histórico e persistente de marginalização do negro na hierarquia socioeconômica vigente.

Contudo, as causas e consequências dessa desigualdade ainda não são objetos de consenso dentro do âmbito acadêmico, uma vez que a denúncia dessa segregação veio acompanhada de um contraponto: a noção de que, embora exista racismo na sociedade brasileira, em se tratando de relações de sociabilidade e convívio entre brancos e negros, o Brasil ainda estaria em uma posição mais privilegiada se comparado a países que tiveram uma história de intensos conflitos e violência interracial, como as leis Jim Crow nos Estados Unidos e o Apartheid na África do Sul. Todavia, relatórios publicados nos últimos anos evidenciam um fenômeno contraditório a essa noção, o genocídio do povo negro, decorrente não só da formulação de políticas públicas que deixam de contemplar esse segmento da população, o que poderia ser enquadrado como “racismo institucionalizado”, mas também da marginalização histórica que aflige a população negra que a enclausura em espaços flagelados pela miséria e pela insalubridade.

A partir desses achados um novo tipo específico de violência surge: a violência racial, ou seja, aquela cujos processos e consequências se direcionam a um grupo racial em particular, no caso, a população negra. Rodnei Silva e Suelaine Carneiro, autores do relatório Violência Racial, uma leitura sobre os dados de homicídios no Brasil, apontam de forma pertinente de que a violência contra o negro não se esgota apenas no homicídio por ele sofrido, uma vez que “a preocupação com a violência deveria ir além da brutalidade que se encerra na morte. Ela deveria ser apreendida também no desrespeito, na negação, na violação, na coisificação, na humilhação, na discriminação [do negro].” Acreditamos ser por essa perspectiva que devemos discutir a violência a qual está submetida a população negra, de modo a poder englobar todos os tipos de violência que esse segmento populacional sofre por conta de sua posição social, tanto física quanto simbólica.

Um exemplo flagrante de violência racial e que tomou os noticiários nos últimos meses, tanto da mídia tradicional corporativa quanto nos espaços virtuais construídos pela mídia alternativa, o midiativismo, se trata das consequências causadas pela militarização em curso da periferia e da favela, que acaba resultando no acirramento dos conflitos nesses espaços, com maior número de desaparecimentos, autos de resistência e homicídios registrados. Vale destacar que tal violência atinge toda a população das favelas, incluindo brancos pobres; contudo, o processo histórico que envolve intrinsecamente a relação do povo negro com a favelização torna essa população alvo prioritário imposta pelo desenvolvimento da militarização.

Cabe aqui uma breve explicação sobre a marginalização do favelado. A imagem forjada do negro favelado como marginal, adepto ou conivente com o banditismo, tem forte influência na forma como é concebida a abordagem das forças policiais em indivíduos que se encaixem nos parâmetros identitários desse estigma, assim como influencia também o imaginário da classe média urbana que, sem dúvidas, é uma das bases de apoio e legitimação ao projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e a crescente militarização das favelas. O jovem negro é, portanto, o primeiro em ordem de importância para “tomar uma dura” que normalmente é vexatória, agressiva e extremamente humilhante, diferentemente do modo como se dá a abordagem a um branco de classe média em situação semelhante.

Os casos recentes dos assassinatos do dançarino Douglas (DG), da dona-de-casa Cláudia Silva Ferreira e do pedreiro Amarildo Dias de Souza, todos negros, ilustram esse cenário. Somente ao branco, mais especificamente à classe média branca, é dado o benefício da dúvida, o direito à defesa; ao negro, logo enquadrado como marginal ou bandido, em acordo com esse imaginário do estigma racial, é imposta a pena capital, sem direito a defesa ou presunção de inocência, colocando-o à mercê do julgamento do policial.

Como abordamos acima, não é apenas a violência física que viola os corpos negros; além disso, toda uma gama de valores erroneamente atribuídos, direitos negados, ausência de políticas públicas focalizadas e uma cultura de perseguição e marginalização coloca o negro em uma posição estrutural subalterna no quadro social brasileiro. Podemos exemplificar alguns desses fatores com fenômenos recentes como, além do genocídio do povo negro, a perseguição imposta às religiões de matriz africana, a repressão à cultura dos rolezinhos e dos bailes funks, o quadro desolador de estrutura de saneamento básico em periferias e favelas, a baixa inserção de pessoas negras no mercado de trabalho, no sistema educacional e até no campo simbólicoda teledramaturgia, onde o negro sistematicamente assume um papel subalterno ou de vilão em relação ao branco, via de regra, sempre em papéis de não-protagonistas.

Ainda no campo simbólico, onde a violência não é menos concreta, não custa lembrar do concurso Miss Salvador, realizado em 2013, na capital da Bahia, onde todas as candidatas eram brancas em um estado onde os negros correspondem a 76,3% da população total, o que demonstra a imposição de um parâmetro ou ideal de beleza propagandeado por uma sociedade que deseja a todo custo rejeitar sua negritude e os traços físicos e estéticos consequentes da predominância negra e afrodescendente na população como um todo. A violência contra o povo negro, portanto, vai além daquela de ordem física, como no caso dos homicídios e desaparecimentos – ela também se reproduziu no âmbito simbólico, da moral e da cultura.

Willem Schinkel, ao trabalhar com o conceito de violência, a define como uma redução do ser, ou seja, a redução de uma pessoa a apenas um de seus aspectos entre tantos outros desdobramentos possíveis em uma dada situação; as alternativas são inúmeras, mas a ação violenta direcionada a essa pessoa reduz e limita o espectro de possibilidades, onde a situação desdobra-se em apenas um resultado possível. Logo, a violência racial estaria por reduzir as possibilidades de ser da pessoa negra. Quando certos valores morais, estéticos e simbólicos, tradicionalmente brancos, são considerados como legítimos e como padrões os quais toda a sociedade deve seguir, temos um caso de violência simbólica, onde o negro é obrigado a sentir vergonha de si e abrir mão de valores que não se encaixam no padrão hegemônico, causando assim baixa autoestima e sentimentos de inferioridade e incapacidade.

Em concordância com essa constatação, algumas pesquisas que buscaram entrevistar candidatos negros ao vestibular apontam que estes normalmente optam por concorrer a cursos de baixa concorrência por se considerarem incapazes de competir no acesso a cursos mais valorizados, como medicina ou direito. Esse sentimento de incapacidade não é fruto apenas da má qualidade das escolas públicas nas quais eles estudaram, mas também da própria discriminação racial que eles são obrigados a conviver diariamente nessas escolas, onde professores acabam por dar mais atenção aos seus estudantes brancos, tendendo a acreditar que seus alunos negros não são capazes de desenvolver o aprendizado.

À visto disso, lutar contra o genocídio do povo negro é lutar contra todas as formas de opressão direcionadas a essa população, é lutar contra a redução do negro, contra a limitação de suas possibilidades e escolhas, uma vez que a violência simbólica na qual ele está submetido faz parte de um processo maior de marginalização e discriminação contra pessoas negras. Tal processo acaba por culminar no enclausuramento desse segmento populacional em espaços como a favela e a periferia, locais onde a vida cotidiana se encontra atualmente controlada pela militarização, além de sofrer com a invisibilidade, transformando-os em espaços esquecidos ou negligenciados pelas políticas não só de segurança pública, mas por outras que visem enriquecer a vida e o convívio cotidiano. Lutar contra o genocídio é, antes de tudo, lutar pelo empoderamento do negro frente a uma sociedade que a todo momento não hesita em lhe impor um papel de inferioridade, os reduzindo a um confinamento onde tudo que ele deve fazer é reproduzir os valores e os padrões hegemônicos, tradicionalmente brancos, em detrimento de seus próprios. É com base nestas reflexões que ressaltamos aqui a importância do engajamento de toda a sociedade nas mobilizações puxadas pelo movimento negro, como as Marchas contra o Genocídio do Povo Negro, que terão amplitude nacional e visam chamar atenção para os alarmantes indicadores referentes à violência racial verificados nos dados apresentados.

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Referências:

SILVA, Rodnei & CARNEIRO, Suelaine. (2009) Violência Racial, uma leitura sobre os dados de homicídios no Brasil.
WAISELFISZ, Julio. (2012) Mapa da Violência 2012 – A cor dos homicídios no Brasil.
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo Pública. (2014) Rio de Janeiro: o mapa dos desaparecidos.
SILVA, Nelson do Valle. (1979) White-Non-white income differentials: Brazil. Tese de PhD, Michigan, Ann Arbour.
HASENBALG, Carlos Alfredo. (1979) Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro, Graal.
SCHINKEL, Willem. (2010), Aspects of Violence – A Critical Theory. Palgrave Macmillan.
CICALO, André. (2012) Urban Encounters: Affirmative Action and Black Identities in Brazil. Palgrave Macmillan.

O perigo de ser mulher e negra na luta por direitos no Brasil

Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista, e ser negra numa sociedade racista (MUNANGA, 2006).

Ser mulher negra no Brasil significa constante perigo, principalmente na luta por direitos, contra o machismo, patriarcado, os recortes de classe e a opressão da mulher branca, presente cotidianamente, instituído, naturalizado, acordado. Ser mulher negra no Brasil é passar uma vida inteira tentando descobrir se você está sendo inferiorizada por ser mulher ou por ser negra, e no final percebe-se que por ambas. No Brasil o racismo não é explícito, devido a imposição de um flagelo histórico construído por uma elite branca, o mito da democracia racial. Construído apenas para ser enfiado goela abaixo e silenciar, distorcer e tornar mansos e passivos os que são discriminados, porque é mais importante combater a ideia de que racismo existe, do que combater propriamente o racismo.

Nesse contexto, ser mulher negra é viver uma negritude mutilada emocionalmente e fisicamente desde o nascer até a morte. A questão racial é tratada como mero elemento secundário, não sendo enfrentada com responsabilidade. Alimentando o silencioso acirramento, vivido atualmente nas ruas, faculdades, escolas, trabalho e redes sociais, crescendo de forma contundente e feroz, devido a força da opressão massificada contra os negros e negras. O Estado brasileiro, ao fingir que não vê tal situação, colabora amistosamente em suas instituições na manutenção dessas condições. Mantendo negras e negros como escravos modernos nos porões da sociedade, encarcerados em guetos, favelas e periferias sociais, a carne negra continua sendo vendida, destroçada e consumida de forma mais barata possível.

A carne mais barata do mercado sempre foi a carne negra, principalmente a carne da mulher negra. É a carne de todas as Thamires Fortunato, é a carne de todas as Miriam França. Essas mulheres-meninas negras carregam toda a ancestralidade mutilada e violada de quatrocentos anos de escravização do povo negro no Brasil. O que ambas têm em comum para estarem nesse texto? O fato de serem negras, mulheres de origem pobre. Ambas carregam em si toda carga simbólica que o Estado brasileiro sempre repudiou: a negritude. A grande massa populacional brasileira é negra, e isso o governo sempre lutou para eliminar, fomentando políticas de embranquecimento – é fato registrado nos anais da construção da sociedade brasileira.

Thamires sendo levada pela PM após ser brutalmente agredida, arrastada e ter suas roupas rasgadas.
Thamires sendo levada pela PM após ser brutalmente agredida, arrastada e ter suas roupas rasgadas.

Thamires Fortunato, estudante de filosofia da UFF, passou por uma repetição naturalizada cruelmente na história de ancestralidade negra no Brasil, agarrada brutalmente pela Polícia Militar como uma serva que não se sujeita aos poderes, mandos e desmandos dos senhores da Casa Grande. Foi violada física e emocionalmente – como indicativo de sua condição de negra e servir de exemplo de qual lugar na sociedade deveria ocupar. Thamires foi jogada ao chão, arrastada pelos cabelos, teve suas roupas rasgadas, seu corpo ferido, sua carne friccionada no solo por enormes homens ou melhor, capangas do Estado, que molestaram sua dignidade emocional e física. Qual o motivo? Ser negra e mulher na luta por direitos sociais que lhes são negados historicamente.

Não teve defesa, somente ataques. Apenas uma menina sem forças, abatida como caça, arrastada e dependurada como tecido esfarrapado para dentro de uma viatura cheia de homens. Foi ameaçada, socada na tentativa de quebrarem seus membros – tudo isso dito em alto som. Thamires estava sendo usada como objeto de exemplificação do que poderia ocorrer aos demais negros e negras que reagissem. Ah! A história se repete, lembrando que a corporação da Policia Militar tem em sua hierarquia Comandos Superiores que disseminam a ideologia Nazista pelos Quartéis. Creio que isso já amplia o quadro de compreensão da história atual do Brasil. Essa corajosa mulher/menina negra foi forte, lutou diante de tanta dor imposta, dores físicas e emocionais, que continuaram dentro de uma Delegacia misógina, machista e racista, ou seja, a senzala da modernidade. Thamires viu o tronco dos açoites, a chibata da modernidade. Sua carne foi a mais barata no dia 09 de Janeiro de 2015 na mão dos feitores.

A vivência de Thamires Fortunato vai de encontro ao de Miriam França, não havendo nenhuma coincidência, apenas fatos, ambas vítimas da violação, perseguição, massacre e expropriação pelo Estado brasileiro. É histórico no Brasil a polícia militar, o governo e a sociedade usarem sempre o artificio de jogar a culpa de suas mazelas no povo negro e negra, sentenciado e silenciado-os, para depois receber um julgamento e ter direito a uma investigação. É nessa ordem mesmo. Miriam foi encarcerada pelo simples fato de ser negra, sem provas de que tenha cometido algum delito – tendo seus direitos constitucionais vilipendiados pela magistratura racista do País.

Mirian França foi violada emocionalmente, humilhada e cerceada de seus direitos básicos de defesa – inocente até que se prove ao contrário. Ser negra ou negro no Brasil já os tornam culpados. Vejam que mesmo Mirian atingindo um elevado grau de estudo, estando em igualdade educativa em relação a inúmeras mulheres brancas, foi submetida a marginalização através dos códices racistas subliminares. A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão, com poucas mudanças, carregando as desvantagens do sistema injusto e racista do país, e as poucas que ascendem socialmente não conseguem, mesmo assim, romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial que se estruturam de forma velada. A jovem Miriam foi sentenciada pela polícia, sem julgamento e investigação, pela morte de Gaia uma turista italiana branca. Agora encontra-se em liberdade, graças à revogação de sua prisão. Porém, deverá permanecer no Ceará por 30 dias, tempo necessário para que, segundo declaração da polícia à imprensa, saia o resultado da perícia.

A luta pelo direito de existir, pelo respeito integral e o orgulho de sua negritude as tornam perigosas, indesejáveis e passiveis de serem eliminadas através de inúmeros artífices nas ruas desse país ainda escravocrata. A resistência cultural, social e emocional incomoda, como sempre, a elite branca, que sempre almejou ser “européia”. Mulheres Negras incomodam, porque gestam uma força contínua, suas vozes ecoam ao longo, seja baixo ou em alto bom som, não se rendem, não adormecem, não se dão por derrotadas, não conhecem o significado dessa palavra, são perigosas por que sua batalha é ancestral, nascem lutando e fortes como se soubessem sobre o que as aguardam. E certamente não se calarão, jamais irão se recuar, nunca tiveram opção e seguir em frente sempre foi a única condição.