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(Rio de Janeiro) Manifesto de Criação da Frente Anticapacitista de Esquerda, F.A.E.

frente anticapacitista de esquerda

“Nós somos a F.A.E (Frente Anticapacitista de Esquerda). Somos um coletivo auto-organizado destinado a discutir e combater o Capacitismo e a Psicofobia, coletivo este fundado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Historicamente, dentro do debate de opressões, a luta anticapacitista sempre foi esquecida, sendo desconhecida por muitos e menosprezada por tantos outros. O que não toleraremos mais em nossa Universidade e nosso cotidiano.

O Capacitismo é o preconceito/intolerância materializado em agressões físicas, verbais ou psicológicas contra pessoas com alguma deficiência física/psicológica/mental reproduzido por indivíduos que se enquadram nos “padrões de normalidade imposto pela sociedade”.

Devendo ser desconstruídos inclusive, os sentimentos de caridade ou pena em relação a pessoas com deficiência, deixando claro que antes de tudo somos Seres humanos, não sendo superiores ou inferiores a ninguém devido às particularidades de cada um.

Lutamos por uma Universidade verdadeiramente acessível em todos as áreas, e a todos os indivíduos que constroem esse ambiente de forma plural. Lutamos para que a Esquerda dê o espaço necessário a esse debate tão importante contra o Capacitismo, a medicalizaçao da vida e a psicofobia.”

No dia 28 de setembro de 2015, a F.A.E. realizou uma intervenção anticapacitista no hall do nono andar da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Abaixo, segue algumas fotos de cartazes colados contendo frases que precisamos todxs refletir sobre.

intervenção anticapacitista FAE

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(Texto) Pois as crianças são as verdadeiras anarquistas

Sempre que faço uma nova amizade com alguma criança lembrar da minha própria infância torna-se inevitável. Tais recordações trazem um amálgama de amor e dor. Amor pela felicidade latente manifesta nas memórias, seja do pensar, seja do álbum de fotos; dor por ter tido essa alegria usurpada de mim.

Explico. Para quem não me conhece, eu sou gago. Como já expliquei em outro texto, tal gagueira, quando criança, não me era impeditiva. A fala não era um problema, nem para mim, nem para meus e minhas colegas. A convivência era leve e doce, a cooperação e o coletivismo presente nos espaços que circulei foram cruciais para que eu pudesse me sentir parte integrante dos grupos, como qualquer outra criança, independente das heterogeneidades existentes.

Contudo, conforme as crianças cresceram, conforme elas foram sendo sociabilizadas nas escolas, nas famílias, nessa monstruosidade que chamamos de sociedade, a coletividade deu espaço para o conflito, para a competição, para uma busca implacável por status e poder onde os indivíduos que não se encaixavam nos padrões ideais vigentes, como eu, acabavam sendo marginalizados, sofrendo, assim, com a humilhação cotidiana.

Pois a gagueira (e as dificuldades comunicacionais), ao invés de uma patologia individual como a fonoaudiologia tenta nos convencer, é antes resultado de discriminação social, fruto do capacitismo (mais sobre gagueira e capacitismo, aqui).

Antes dos 12, não existia depressão, antidepressivos, deboches, terapias, vergonha, inferioridade e tantas outras coisas que me dói o corpo ao tentar lembrar. O choro, hoje convulsivo, era só de manha; a gagueira não me impedia de usufruir a plenitude do meu ser, do meu existir.

Claro que, tirando o capacitismo, eu gozava de diferentes privilégios que garantiram tal contexto. Sei muito bem que a minha boa sorte desfrutada é diariamente negada a crianças negras, pobres, deficientes, entre tantas outras. Mas ainda acredito, talvez ingenuamente, que é necessário olhar para as infâncias, hoje componentes de nosso passado, se queremos construir um futuro mais justo.

Sem querer cair em um determinismo teológico, como alguns teóricos anarquistas defendiam ao afirmar que o apoio mútuo (e a anarquia) é uma tendência natural dos seres vivos, creio sim que o humano possua um potencial para a cooperação não explorado com o qual podemos esperançar por mundos mais livres – e é por isso que luto.

Eu luto para que esse potencial não seja transformado em individualismos tão cruciais para a manutenção da dominação e do capitalismo, eu luto pela que a memória do passado não seja uma refugiada do presente, eu luto pelas crianças ainda vindouras. Pois nós, pessoas adultas, ao nos fazer enquanto crescidos, fomos domesticados e, consequentemente, já estamos há tempos perdidos. Mas as crianças, elas sim, contém uma semente de rebeldia que torna possível sonhar por um mundo onde caiba vários mundos.

Pois, como dito em muros alheios, as crianças são as verdadeiras anarquistas.

Feliz dia das crianças.

Por Gustavo Fernandes

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