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(Poesia) Poesia em Reflexão ao Genocídio dos Povos Índigenas

Eu não terei “Feliz dia da Criança!”

Sinto muito
Mas não terei “Feliz dia da criança!!!”
Nem terei presente.
Pois o que adianta um brinquedo?
Se não tenho o mais precioso
Para que eu viva minha infância feliz.
A natureza
A paz do meu povo.
O direito de viver.
A cada dia meus irmãos e irmãs morrendo.
Como posso viver?
Roubaram-me tudo que faz uma criança feliz:
– O lar!
Cerca de 500 anos de sequestro do que é nosso:
– O conhecimento
– Vida
– Terras
Agora te pergunto que “Feliz de Criança!?!?”
Vocês são culpados de eu não ter o “feliz dia das crianças”
Pois minha infância é assisti genocídio e suicídio do meu povo.
Um Estado que não se importa com a criança aqui.
Pois me nega o direito de viver desde a barriga da minha mãe!
Enfim não terei o que comemorar neste “Dia das crianças”
Porque se sua felicidade é ter um brinquedo?
Eu seria ter simplesmente minhas terras.
Sim, não seria um presente pois apenas seria uma dívida eterna.
Que nem com todas as terras devolvidas vai reparar
As vidas indígenas que já foram tiradas!!!
As infâncias degradadas e roubadas!!!
Então “EU NÃO TEREI FELIZ DIA DA CRIANÇA”

Por BASTOS, Ramille

“Tão pequena, tão nova e com um olhar que diz tanto.”

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Foto por Marcos Ermínio

(Zapatismo) 12 de Outubro: Dia da Resistência Indígena nas Américas

Em 12 de Outubro de 1992, no âmbito dos 500 anos da invasão espanhola, os Zapatistas (então invisíveis) derrubaram a estátua do conquistador o capitão Diego de Mazariegos em São Cristobal de las Casas – Chiapas.

Não se consegue distinguir se é um homem ou uma mulher. Preferimos pensar que é uma mulher, o que aumenta ainda mais o evento que vamos narrar: Uma mulher indígena chiapaneca empurra a estátua do capitão espanhol Diego de Marariegos. Olha para baixo, mas não esconde a sua satisfação. Morena, de boné, botas de trabalho e segurando um martelo, com sua força recém recuperada, a mulher derruba com um gesto 500 anos um peso de metal que simboliza a “conquista”.

12115872_966739356701090_8970424504231000906_nDebaixo do lugar onde se encontra a estátua, outros indígenas esperavam a derrubada para desmembra-la e quebrar todos os pedaços de Mazariegos para então poder andar pela cidade antes vedada a eles.

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Esta fotografia é tão palpável registro da rebelião que nasceu nas montanhas, córregos e riachos do sudeste do México em meados dos anos 80 e início dos 90. Aquele rosto, inclinado para baixo e alegre, talvez iria cobrir-se dois anos mais tarde com um “pasamontañas” ou bandana. Em vez de um martelo, a menina iria segurar um rifle e viria a ocupar, um pouco mais de uma ano mais tarde (1 de janeiro 1994), a cidade de San Cristobal de las Casas no México, que então viria a estar agora dentro das fileiras do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN ).

Outras fotos nessa marcha do “Dia da Raça” em 1992 mostram centenas de homens e mulheres, bem treinados, muito felizes, segurando abertamente cartazes como:

                            “Hoje cumpre 500 anos de roubo, morte e destruição do povo indígena.”

                                                           “12 de outubro, dia da desgraça.”

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(Texto) Pois as crianças são as verdadeiras anarquistas

Sempre que faço uma nova amizade com alguma criança lembrar da minha própria infância torna-se inevitável. Tais recordações trazem um amálgama de amor e dor. Amor pela felicidade latente manifesta nas memórias, seja do pensar, seja do álbum de fotos; dor por ter tido essa alegria usurpada de mim.

Explico. Para quem não me conhece, eu sou gago. Como já expliquei em outro texto, tal gagueira, quando criança, não me era impeditiva. A fala não era um problema, nem para mim, nem para meus e minhas colegas. A convivência era leve e doce, a cooperação e o coletivismo presente nos espaços que circulei foram cruciais para que eu pudesse me sentir parte integrante dos grupos, como qualquer outra criança, independente das heterogeneidades existentes.

Contudo, conforme as crianças cresceram, conforme elas foram sendo sociabilizadas nas escolas, nas famílias, nessa monstruosidade que chamamos de sociedade, a coletividade deu espaço para o conflito, para a competição, para uma busca implacável por status e poder onde os indivíduos que não se encaixavam nos padrões ideais vigentes, como eu, acabavam sendo marginalizados, sofrendo, assim, com a humilhação cotidiana.

Pois a gagueira (e as dificuldades comunicacionais), ao invés de uma patologia individual como a fonoaudiologia tenta nos convencer, é antes resultado de discriminação social, fruto do capacitismo (mais sobre gagueira e capacitismo, aqui).

Antes dos 12, não existia depressão, antidepressivos, deboches, terapias, vergonha, inferioridade e tantas outras coisas que me dói o corpo ao tentar lembrar. O choro, hoje convulsivo, era só de manha; a gagueira não me impedia de usufruir a plenitude do meu ser, do meu existir.

Claro que, tirando o capacitismo, eu gozava de diferentes privilégios que garantiram tal contexto. Sei muito bem que a minha boa sorte desfrutada é diariamente negada a crianças negras, pobres, deficientes, entre tantas outras. Mas ainda acredito, talvez ingenuamente, que é necessário olhar para as infâncias, hoje componentes de nosso passado, se queremos construir um futuro mais justo.

Sem querer cair em um determinismo teológico, como alguns teóricos anarquistas defendiam ao afirmar que o apoio mútuo (e a anarquia) é uma tendência natural dos seres vivos, creio sim que o humano possua um potencial para a cooperação não explorado com o qual podemos esperançar por mundos mais livres – e é por isso que luto.

Eu luto para que esse potencial não seja transformado em individualismos tão cruciais para a manutenção da dominação e do capitalismo, eu luto pela que a memória do passado não seja uma refugiada do presente, eu luto pelas crianças ainda vindouras. Pois nós, pessoas adultas, ao nos fazer enquanto crescidos, fomos domesticados e, consequentemente, já estamos há tempos perdidos. Mas as crianças, elas sim, contém uma semente de rebeldia que torna possível sonhar por um mundo onde caiba vários mundos.

Pois, como dito em muros alheios, as crianças são as verdadeiras anarquistas.

Feliz dia das crianças.

Por Gustavo Fernandes

crianças

(Bahia) Sem Terra sofre despejo violento na Chapada Diamantina

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Cerca de 180 famílias foram surpreendidas com um despejo violento realizado nesta quarta-feira (7), nos acampamentos Olga Benário e Bom Jardim, localizados no município de Itaberaba, na Chapada Diamantina.

O despejo aconteceu simultaneamente nos acampamentos. A polícia usou uma pá carregadeira e um trator que passou por cima dos barracos e pertences das famílias.

Comandado pelo capitão Gomes Junior, a polícia civil e o comando especial de proteção aos biomas e Caatinga, chegaram nos acampamentos com uma liminar de despejo “sem nenhum cuidado e respeito com as famílias”, denunciaram os trabalhadores.

Para a direção estadual do MST, a forma como a ação foi conduzida representa um retrocesso na luta pela terra no estado.

“Nós não podemos remeter a luta da classe trabalhadora a este método desumano provocado pelo estado brasileiro que possui a burguesia como centro e a defesa da propriedade privada como espaço de acumulo de riqueza. Continuaremos em luta desconstruindo esta lógica de dominação e rompendo as cercas do latifúndio”, enfatiza a direção.

Estes dois despejos se somam a mais dois realizados no mês passado nos acampamentos 25 de Julho e Capitão Lamarca, ambos na mesma região.

A maioria das famílias estão desabrigadas às margens da ‘Estrada do Feijão’, que liga os municípios de Feira de Santana a Irecê.

Em repudio as ações truculentas e desumanas, os trabalhadores criaram um documento denunciando a violência praticada pela polícia.

Via Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(TEXTO) Depressão: Da perseguição do Estado ao peso da militância no ativismo.

O que poderia combater a ansiedade? Teremos nós que brigar com guardas de segurança, companhias de seguros, comunidades religiosas e antidepressivos em seu próprio jogo, fazendo de alguma maneira as pessoas se sentirem salvas em um mundo hostil e perigoso? Tentar aliviar a ansiedade ao invés de abolir as condições que a criam certamente seria um fracasso. Devemos aceitar o cenário de pior dos casos como uma conclusão precipitada e correr de encontro para ela, transformando nossa ansiedade em uma arma? Se a ansiedade é a guardiã onipresente da ordem atual, ela também pode ser um perfeito ponto de partida para a resistência – mas isto não responde como xs já imobilizadxs por ela poderiam realizar tal alquimia.

Durante períodos de mobilização e mudanças sociais significativas, as pessoas se sentem mais empoderadas, com maior habilidade de se expressarem, com um senso de autenticidade e conhecimento ou desalienação que podem ser tratamentos efetivos para a depressão e outros problemas psicológicos – como uma experiência de pico. Isso é o que sustenta o ativismo político?

Podemos focar aqui dois aspectos bem comuns relacionados que, em muitos casos, acarretam um alto grau de tensão e problemáticas como a depressão e outras questões sentidas por indivíduos na sua militância devido a inúmeros fatores da perseguição do Estado.

Esses dois aspectos são: Processos de Prevenção e Punição por Antecedência.

Táticas de prevenção são aquelas que impedem os protestos antes que eles comecem ou consigam qualquer sucesso. Prisões em massa, enquadros, prisões “preventivas” de ativistas e buscas e apreensões em residências são alguns exemplos desses tipos de táticas; táticas essas usadas recentemente nos protestos contra a Copa do Mundo no Brasil em 2014 onde inúmeros militantes foram presxs, tiveram suas casas invadidas pela Polícia, suas comunicações grampeadas e toda a sua vida, de seus familiares e amigxs vigiadas pelo Estado.

As punições por processos recorrentes procuram manter as pessoas em situação de pânico, medo e vulnerabilidade através de processos concebidos para outros fins – como manter pessoas em estado de vigilância e investigação ou aguardando julgamentos -, afetando assim toda a atividade cotidiana do indivíduo; usar de restrições de mobilidade, como a impossibilidade de viajar para fora do país ou sempre ser chamado para supostas investigações; uso de recorrentes averiguações e invasões; exposição extrema na mídia, reportagens feitas em casos mal definidos e matérias recorrentes a nível nacional e depois “esquecidas”, apenas pela exposição nos meios; prisões de pessoas envolvidas em ativismo; detenções ou chamados pela justiça para “averiguações”; deixar as pessoas em um estado que saibam que estão silenciosamente sob vigilância, entre outros. Uma vez que o medo de interferência do Estado é imposto, ele é forçado pela rede de vigilância visível gradeada ao longo da vida pública, o que funciona como gatilhos de trauma e ansiedade estrategicamente implantados.

Relatos pouco expostos mostram histórias dramáticas sobre os efeitos de tais táticas: pessoas tendo colapsos nervosos após anos esperando por julgamentos que elas são depois absolvidas, casos de suicídio após a pessoa passar meses sem contato com a família e amigxs, casos comuns de pânico e receio de sair depois de incidentes de abuso, síndromes de perseguição, etc.

Os efeitos são tão reais como se o Estado estivesse matando ou dando fim nas pessoas, mas estes “serviços” acontecem ocultamente. Além disso, muitos ativistas radicais estão em regimes de empregos precários ou em exclusão e em regimes de serviços punitivos.

E esse ponto da saúde mental e psicológica do militante de diversas frentes tem que ser discutido, devemos bolar maneiras e métodos coletivos para a auto-ajuda-mutua. O indivíduo antes, durante e depois das perseguições do Estado não deve ser abandonado ou esquecido, o problema não é apenas dele e sim de todxs nós.

Se nós não criarmos métodos ou formas de nos ajudarmos em momentos difíceis, depressão, tristeza, problemas familiares, perseguições e etc estaremos fadados a cair pelo peso que a militância trás consigo. Criar vínculos de amizade e apóio mútuo reforçando laços de amor, carinho, momentos de descontração e afins são formas e saídas de prevenção.

Para quem não conhece segue a carta escrita pelo ambientalista, o canadense Richard Gomberg – Tooker, que veio a se suicidar em 2004 e travava uma luta contra a depressão. Angela Bischoff, sua companheira, justifica a publicação desta carta com a esperança de que a mesma seja uma mensagem importante de Tooker para todas as pessoas que se veem como ativistas para um mundo melhor.

“Caro Ativista,

É mais um dia estranho para mim. As coisas têm sido muito estranhas nos últimos oito meses ou mais. Eu costumava ser um ativista. Agora eu não sei bem o que eu sou…

Minha mente parece enevoada. Eu não consigo pensar muito claramente. Até para fazer um simples sanduíche leva um longo tempo. Tenho que me concentrar em cada passo e me movo muito lenta e deliberadamente. Sinto-me atordoado e desconectado boa parte do tempo. Hoje é o Dia da Terra, mas eu me sinto como se estivesse em outro planeta.

Eu tenho passado parte considerável de tempo na cama, dormindo, cochilando e sonhando. Parece que a minha mente se derreteu. Disseram-me que ela voltará ao normal quando passar a depressão. Seja lá o que for isso. Dizem que para algumas pessoas [sair da depressão] leva meses; para outros anos; outros, dizem, nunca conseguem sair dela.

Mas eu estou escrevendo para você sobre ativismo, não sobre os impactos assustadores de depressão.

Amory Lovins, o guru grande da eficiência energética [nos EUA], uma vez que me chamou de hyper-ativista. Eu acho que é o que eu era. Eu vivia, respirava e estava focado sempre em meu ativismo [ambiental]. Isso me mantinha pensando, inspirado, interessado, e vivo.

Mas também me fez ignorar outras coisas na vida que agora, de repente, eu percebo que eu nunca desenvolvi. Isso me deixa triste e desanimado. Eu gostava de cozinhar, mas parei. Eu sempre gostei de crianças, mas nunca pensei em ter filhos. Mudar o mundo era mais importante e ter um filho iria interferir com o trabalho de nossa vida de mudar o mundo.

Eu não desenvolvi minha mente de uma forma ampla, por exemplo, aprendendo sobre música, arte, teatro, poesia. Fiquei sempre focado em mudar o mundo. Eu realmente nunca pensei sobre a carreira – eu estava vivendo minha vida, não me preocupando com as armadilhas e as credenciais do chato mundo do status quo.

Talvez eu estivesse vivendo em uma bolha de ingenuidade, fazendo minhas próprias coisas, sem me preocupar se as minhas perspectivas e ações eram tão diferentes do “normal”. De qualquer maneira eu nunca quis ser normal. “Normal” nos levou a essa bagunça na qual estamos todos metidos.

Então agora eu me encontro quebrado em pedaços … Talvez eu tenha torrado minhas glândulas suprarrenais. Talvez meu cérebro tenha se envenenado de tanto pensar sobre as trágicas questões ecológicas… E de ficar frustrado com o progresso lento das melhorias [em contraste com] a rápida destruição do mundo vivo…

Eu deveria ter desenvolvido um relacionamento mais profundo com a minha família e com as pessoas. Não me interpretem mal – eu tinha muitos amigos e conhecidos no mundo ativista. Mas eles não eram amigos do coração. Eu negligencei o meu coração e meus sentimentos sobre as coisas, sobre as pessoas, sobre as situações. Agora que estou em crise, eu realmente não tenho palavras para me conectar com as pessoas. O silêncio é mais fácil do que tentar explicar o que eu estou passando ou do que tentar me relacionar com as questões e problemas das outras pessoas.

Então que conselho eu posso oferecer? Seja equilibrado. Faça ativismo, mas não exagere. Se você superestressar ou cair em depressão, você não será legal para ninguém, muito menos para você mesmo. Quando você está neste estado, não há nada que pareça valer a pena nem tampouco razões para ir em frente.

É honroso trabalhar para mudar o mundo, mas faça isso de forma equilibrada Cultive mais outras coisas que você gosta de fazer e você vai ter mais energia e entusiasmado com o ativismo. Não negligencie passatempos ou prazeres. Lembre-se de caminhar e dançar e cantar. Manter o seu espírito vivo e saudável é fundamental se quiser continuar.

Eu nunca entendi muito bem o que era o burnout [‘apagão’, termo em inglês para designar o colapso que ocorre pelo stress exagerado]. Eu sabia que isso afeta mesmo pessoas ativas, mas, de alguma forma, eu pensei ser imune a isso… Mas no final, quando o burnout me alcançou, foi mega, e deve ter sido o acúmulo de décadas de tensão e negação. Agora eu me encontro em um labirinto escuro e confuso tentando vislumbrar o caminho de volta à sanidade e calma.

Então, cuidado!

Leve meu aviso a sério. Se você começar a escorregar para dentro do buraco da depressão, se perceber que está perdendo o entusiasmo e tornando-se profundamente desencantado, faça uma pausa e procure conversar com um amigo.

Não ignore isso. O mundo precisa de todas as pessoas que se motivam a lutar por diferentes causas. Se você puder ficar na luta por longo prazo, você pode fazer uma contribuição real positiva e viver para testemunhar a próxima vitória!”

ativistas

Rede de Informações Anarquistas – R.I.A