Eu já estive em Baltimore.
Desde então, quase uma década me separa das lembranças dessa cidade que já foi símbolo da desolação e da criminalidade nos Estados Unidos; por conta disso, chegou até a estrelar alguns seriados policiais. Na época, eu era apenas um moleque, com ouvidos e olhos ainda não tão sensíveis para melhor me sensibilizar com os arredores. Não importava. O grito ensurdecido da segregação e da marginalização se fazia presente de um jeito ou de outro.
Lembro do contraste racial que pulsava pelas suas ruas pois, apesar da parcela negra da população ser a grande maioria (63% de cerca de 620 mil pessoas, para ser exato; fato que eu já sabia na época, aliás), só se via brancos e brancas transitando pelo centro comercial da cidade. As poucas negras, estavam servindo. Um lugar arrumado, com limpeza impecável e carros de luxo desfilando pelo asfalto liso. Em muito diferente do que a sua aparência escondia. Outro dia, indo a algum lugar agora irrelevante, nos perdemos de carro. Atravessamos o que se convencionou a ser chamado de gueto. Na terra das oportunidades, ali tal lema havia abandonado seus residentes. Pobreza e miséria palpitando no seio do país mais rico dessa terra, mas longe o suficiente dos olhos dos brancos. Assim a vida seguia.
Nem tanto. Esse é o cenário onde Freddie Gray, um afroamericano de 25 anos, foi assassinado pelo Departamento de Polícia de Baltimore por portar um canivete. Mais um. Desde então, a cidade vive uma clima de rebelião generalizada. Protestos, saques e confrontos fazem a negra e o negro, antes submetido ao silêncio dos subúrbios, ter sua voz a ecoar ruas afora.
Como resposta, no país da dita democracia, um toque de recolher foi decretado – nada de novo, dado que a prefeitura já havia imposto em 2014 um toque para jovens em bairros perigosos para “proteger as crianças e diminuir a criminalidade”. Como se não bastasse, a Guarda Nacional do Estado de Maryland foi convocada. Freddie Gray foi a gota d’água. Até as gangues de rua da cidade declararam trégua entre si para poderem participar dos protestos conjuntamente. “Negros unidos”, dizem. Que a cidade símbolo da segregação racial e do racismo seja palco de uma revolta que denuncie a estrutura de opressão, dominação e desigualdade por trás da falsa ordem que a prefeitura diz querer manter com suas medidas de emergência. Pois vidas negras importam.
Não custa lembrar que Baltimore já presenciou uma histórica revolta ocorrida em 1968, logo após o assassinato de Martin Luther King. A insurreição negra ganhou proporções tão extensas que o exército estadunidense foi obrigado a intervir. Como resultado, 6 mortes, 700 pessoas feridas e quase 6 mil detidas – mas o que ficou foi o grito de rebeldia e resistência que, novamente, ganha fôlego.
Por colaborador(a) anônimo(a) da Rede de Informações Anarquistas