(PENSAMENTO) Não sou pelo: “Fora todos”. Sou mais o: “Dentro Todos”.

Não acredito nos gulags, nos campos de reeducação e nos tribunais. Não acho que as praticas do confinamento, do assédio e da coerção sejam válidas para criar uma nova sociedade. Sou cético no que diz respeito ao valor terapêutico dos castigos, e, na mesma medida, acho os prêmios, os privilégios e as honrarias caminhos perigosos para se estimular as virtudes.

O próprio Bakunin, insuspeito pela sua biografia, e, antes dele, Proudhon, já denunciavam os limites de uma democracia mediada pela guilhotina. Para eles uma revolução deveria sustentar-se na indignação e não no ressentimento. A revolução deveria, antes de tudo, anunciar-se por práticas generosas e societárias. Não ao contrário.

Dessa forma, prescrever castigos para os governantes, antes mesmo de envidar esforços no sentido da obra construtiva da revolução é, sem dúvida, tentar prepara o novo reforçando velhas ideias. É tentar criar uma outra forma de relação, usando para tal, as mesmas velhas ferramentas.

Vale insistir aqui, que a lógica do “Fora Todos” é tributária da perspectiva liberal burguesa, é filha da superstição do Estado e subsidiária da dimensão patriótica do chamado “bem comum”. É, portanto, uma abstração. Uma leviandade alçada a discurso de primeira grandeza pelo oportunismo eleitoral. Com algum apelo nos discursos epidérmicos da política vulgar, o slogan expressa a ideia simplória, segundo a qual: “Pior do que está, não pode ficar”.

No meu caso, eu defendo o “Dentro Todos”. Defendo a autoinstituição dos produtores, da classe trabalhadora, do chamado povo, na perspectiva de Proudhon. A Democracia é coisa tão séria que não poderia estar a cargo de políticos. Ela é principio fundante da relação entre os que realizam e são, simultaneamente, responsáveis pela recriação de tudo, em favor de todos. É necessariamente obra coletiva.

Em sendo realização das massas, a Democracia só reconhece o que deriva do seu próprio movimento. Toda e qualquer outra forma de representação inspira desconfiança e mesmo desprezo. Não raro, as massas observam o que não lhes parece genuíno, com profunda indiferença. Não atribuem a essas instituições, qualquer mérito.

Os que entendem a política, fora desse processo criativo, costumam diagnosticar nas massas sua inapetência ou mesmo incapacidade para a política. Um tipo de atavismo, de substância constitutiva, de atrofia congenitamente adquirida.

Assim pensando, o chamado ao “Fora Todos”, implicaria no seu correspondente sequencial, o das “Eleições Já”. Uma sequencia previsível e não menos atrelada aos valores diametralmente opostos aos da Democracia Popular. Um déjà vu performático, completamente domesticado pela perspectiva que mantêm os privilégios do sistema liberal burguês. Um que se mantêm vivo através, dentre outras coisas, da pratica alienada do sufrágio.

Sou pelo “Dentro Todos”, na tradição democrática operária, comunalista, autogestionária e federativa. Na única forma possível de fugir ao binarismo criado e recriado pela política do espetáculo, da dimensão embrutecedora do sistema parlamentar burguês.

Por: Caralâmpio Trillas compa da R.I.A e Anarquista.

361629

(POEMA) Eu sobrevivi – Essa não é uma poesia de amor

Essa não é uma poesia de amor

Boto pra tocar um som primaveril
Pra instigar a esperança sutil
Preservar o sonho infantil
Ei mana, pensa só, eu saia a pouco da puberdade
Nesse mundo mó misoginia, já era suficiente a crueldade
A violência já tinha destruído o que cês chamam de família
Meu corpo já era motivo de assédio nessa correria
Tinha saído do trampo, matei aula pra entorpecer a alma
Tinha uma barato perto de casa, festa pra quem aguentava
Naquele tempo não importava o meio, a transgressão era o fim
Se liga mana, cocaína não tem cheiro de jasmim
Eu ia fundo naquela dança, koé parceiro, pó não é novidade pra mim
Sabe lá que era um salário na mão há mais de dez anos atrás?
Eu achava que o mundo não era metade do que é mesmo capaz
Tinham matado meu pai, levado minha casa e me convencido que eu tava sozinha
Porra, por que eu não fui pra casa com a vizinha?
Durante todo o tempo alguma coisa me dizia pra eu ir embora
Mas eu não levava a sério. Ah, é só uma prosa.
Eu me lembro de querer dançar, havia verde no quintal e precisava extravasar
Me lembro também que chorei num canto, euforia alguma parecia esconder aquele pranto
De repente um apagão.
Um apagão completo até chegar a porta de casa carregada por algum estranho que me dizia pra pedir ajuda.
Eu sentia dor. Sentia toda a dor do mundo de uma vez só, imensa e completa que passava por todo o meu corpo e atingia a alma com golpes violentos que me atiravam no chão.
Eu não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.
Eu quebrei a casa toda. Bati nos meus amigos.
Eu desferi socos em mim mesma, onde é que tava esse inimigo?
Eu tomei remédios, desmaiei e morri.
Eu ressuscitei num hospital. Tudo era branco, havia tubos no meu braço e tudo doía como antes.
Eu não acredito que não morri.
As médicas me olhavam como se eu tivesse feito alguma merda, o que será que eu fiz?
Porra, eu não tenho nem dezoito, se minha mãe não me entendia, agora ela me odiaria
Por favor, não chama ninguém, eu já sou emancipada, sei me virar
Aí eu lembro daquele irmão que me carregou, chorou comigo no caminho do corredor
Anos depois mataram ele também, parecia que velório era o destino do meu amor
Durante mais de dez anos foi esse o fim dessa história
Me reconheci como vítima, só que de certa forma eu via glória
Não foi falta de coragem, nem de certeza, nem de estudo
Eu contei pra mim mesma que tinha fugido daquele absurdo
Lutei como sobrevivente, quase foi comigo
Só que tinha alguma coisa errada
E não era qualquer grilo
Ja passava mais de uma década e muitas andanças
Eu tava por mais uma ocupa, vários debates, várias alianças
Foi quando fantasmas tomaram conta de uma noite comum
Eu me perguntei se a culpa não era do rum
Aos prantos eu via as cenas do dia macabro
Não era mentira, tinha acontecido comigo, não era imaginário
Me lembrei de rastejar no chão e sentir no meu corpo um monte de mão
De sentir rasgarem minha calcinha
Mano, eu tava dopada, que força eu tinha?
Minha mente não deixa eu chegar perto demais
Eram só flashs da cara deles, e dos gritos abissais
Não tem jeito, teu organismo te apaga porque não suporta
Ué garota, então tem certeza que você é que não gosta?
Quando eu tropecei fugindo no quintal, pude contar que eles eram sete
Porra maluco, acho que eu não tinha nem dezessete.
Eu sei irmã, que você já achou que tinha consentido
Que deve ser coisa normal mulher ter libido
Mas eu sinto muito, minha amiga
Aquilo não foi coisa natural de qualquer menina
Eu sei irmã, que você achou que a culpa fosse sua
Mas homem algum deveria ter te tocado, mesmo que cê tivesse nua
Eu sei irmã, que você teve muita vergonha
Mas o mundo precisa saber que isso acontece também sem maconha
Só mesmo essa semana eu cogitei ter sido dopada sem perceber
Sabe como é, na minha cabeça eu era a viciada culpada por me entorpecer
No final das contas, não faz diferença
Levei muito tempo pra perceber que essa violência é cultural
Você tem licença se tiver um pau
Cê pode ser boa, recatada, mãe, exemplar
O patriarcado sempre vai te estuprar
Irmã, a culpa não é sua
Tá me ouvindo, irmã?
A culpa não é sua
Hoje eu tomei coragem de dizer
E vou repetir pra cês nunca mais esquecer
Eu sofri um estupro coletivo
Eu sofri um estupro coletivo
EU SOFRI UM ESTUPRO COLETIVO
E não teve nenhuma outra razão senão o fato de eu ser mulher
Eu sou mulher
Eu sofri um estupro coletivo
A culpa é dos estupradores
Eles me estupraram porque eu sou mulher
Eu sofri um estupro coletivo porque eu sou mulher
Eu fui estuprada
Eu sou mulher
Eu sobrevivi
Fui estuprada
E sobrevivi
Eu sou mulher
E sobrevivi
Eu sofri um estupro coletivo
Eu sobrevivi

Poema feito por J. anarquista e amiga da R.I.A

13329830_1024670037619633_1921101829_n