Entrevista com Angela Davis feita por Alice Harrold e Olivia BlairTexto. Publicado originalmente com o título: ‘Angela Davis on racismo, feminism and Beyoncé’ no site do jornal eastlondonlines.co.uk em 02/12/2014. Tradução de Liliane Gusmão e Patrícia Guedes para as Blogueiras Feministas.
Líder acadêmica radical e feminista, Professora Angela Davis, visitou Goldsmiths, e que obteve um grau honorário, na semana passada para renomeação de um edifício em honra do falecido Stuart Hall. Ela falou com Alice Harrold e Olivia Blair.
Angela Davis teve uma longa jornada desde sua infância de forma segregada em Birmingham, Alabama, passou um período nos “10 mais procurados do FBI”, para se tornar um dos ícones do movimentos de direitos civis e uma respeitada acadêmica e autora.
Ela foi descrita pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon como uma “perigosa terrorista” e banida do posto de professora da Universidade da Califórnia por Ronald Reagan, governador da Califórnia na época. Contudo, Davis é hoje professora emérita no Departamento de Estudos Feministas da Universidade da Califórnia, Santa Cruz e foi homenageada como parte da Universidade da Califórnia pela campanha de Los Angeles ‘We the Optmists’.
Davis entrou no ativismo político nos anos 60, depois da igreja bombardeada pelo movimento supremacista branco em 1963, que matou quatro meninas na sua cidade natal. Ela começou então grupos de estudos interraciais e começou a trabalhar com os Panteras Negras. Em 1970 Davis foi alvo de intensa investigação policial, depois do tiroteio da corte de justiça do condado de Marin, pelo qual ela foi presa por 1 ano e 4 meses. Ela foi inocentada do crime por um juri formado unicamente por brancos em 1972.
ELL encontrou com Davis durante a conferencia do professor Stuart Hall na qual ela fez o discurso de introdução. Aproveitando imensamente o evento e ansiosa para não perder o próximo painel de discussão ela conseguiu uma pausa na sua programação para sentar com ELL e falar sobre raça, políticas para a juventude, movimento Occupy e Beyoncé.
Depois da decisão do grande juri de não indiciar o policial Darren Wilson pelo homicídio de Michael Brown em Ferguson, no Missouri e as subsequentes investidas da policia contra manifestantes, perguntamos a Davis qual era a opinião dela sobre o atual estado das relações de raça nos EUA.
“Essa é uma questão difícil de responder. Primeiramente porque nunca houve, em toda a história dos EUA, contando desde o fim da escravidão, uma conversa séria e contínua sobre como erradicar o país das múltiplas influências do racismo. Eu nem sei se podemos falar sobre relações raciais pois o conflito não está nas relações raciais e sim no racismo profundamente impregnado que habita em todas as estruturas sociais dos EUA.”
A prisão é o exemplo mais dramático, mas pode-se também olhar para o sistema de saúde, para a moradia ou educação e nota-se que, mesmo que as prescrições legais que permitiam a discriminação racial não funcionem mais, existe esse racismo estrutural e um reservatório de racismo pessoal muito profundo ainda.
O ativismo de Davis continua atualmente. Ela apoia o movimento Occupy e fez discursos em suas manifestações dizendo que o movimento estava “ reinventando o universo político”.
“Muitas pessoas ficaram incomodadas pelo fato do Occupy não ter nenhum resultado material, que não havia manifestos, nem exigências, nem agenda, mas é como Stuart Hall disse uma vez: ‘impacto é diferente de resultado’ “.
“O que eu achei interessante no Occupy foi que, por um período de tempo, pessoas representando os mais variados grupos sociais em raça, classe, gênero orientação sexual – aprenderam como conviver juntos, aprenderam como coabitar um espaço onde tiveram que reimaginar o que significa viver em sociedade, como resolver questões sem chamar a policia, como resolver questões como assédio/ violência sexual sem assumir automaticamente que o sistema penal, a aplicação das leis e o sistema penitenciário teriam que se envolver. E isso não se apaga, essa experiencia não se apaga. Eu acho que isso já faz parte da nossa história agora.
Davis constantemente liga a luta pelos direitos civis à luta pelos direitos das mulheres e é reconhecida pelo seu feminismo como pelo outras lutas que trava. Os ícones feministas atuais incluem muitas figuras da cultura popular como Lena Dunham, Emma Watson e Beyoncé. Davis diz que ela ‘aprecia’ Beyoncé.
“Claro que, quando se fala em indústria corporativa de cultura de massa e da mercantilização de corpos e da música – claro que tudo isso está posto, mas eu realmente gostei do fato de Beyoncé ter trazido uma das mais interessantes escritoras do nosso tempo, na minha opinião, Chimamanda Ngozi Adichie e que tenha sampleado o seu discurso sobre feminismo”
“Estou certa de que muitas mulheres jovens e, espero, homens jovens ou pessoas jovens que não necessariamente se identifiquem como homens ou mulheres se comoveram com isso, para, pelo menos, começar a pensar sobre o que pode significar o feminismo. Isto significa que eles podem ser conduzidos por uma jornada que lhes permitirá adotar uma noção mais ampla do que significa o feminismo, suas metodologias e suas abordagens com relação à militância e à pesquisa. Estou confiante de que ela tocou algumas pessoas com isso.”
Antes de voltar para assistir ao resto da conferência, Davis respondeu à pergunta do ELL sobre como jovens que se sentem apartados da política podem pressionar ativamente por mudanças que eles acreditem.
“De várias formas, isso deve ser decidido pelos próprios jovens. Não é uma geração que deve ditar a outra geração a melhor forma de fazer ativismo político.”
Sobre apatia, que é uma questão proeminente entre os jovens do Reino Unido (em 2010, a abstenção eleitoral foi de 44% entre as idades de 18-24 anos), Davis disse: “Toda geração fala sobre apatia. Quando eu era jovem, nós falávamos sobre quão apáticas eram as pessoas e isso foi durante a década de 60! Mas nós falamos sobre quão difícil era convencer as pessoas a se envolverem. E, muitas vezes, a carga de apatia nos absolve da responsabilidade de trabalhar para trazer pessoas para os movimentos políticos. Nunca acontece naturalmente; nunca acontece como uma coisa natural; sempre é o resultado de trabalho duro e sério. Eu sempre gosto de enfatizar o trabalho do organizador – trabalho esse que geralmente não é reconhecido, trabalho esse que geralmente não é visto”.
Davis diz que ela está “empolgada” com o panorama das gerações atuais de jovens “Provavelmente, há mais esperança na geração jovem hoje do que em qualquer outra época da minha vida que eu me lembre”.
Histórico de fatos: Angela Davis
Davis nasceu em 1944 em Birmingham, Alabama.
Davis foi uma peça-chave no Movimento pelos Direitos Civis das décadas de 60 e 70. Ela desempenhou o papel de líder do Partido Comunista dos EUA e foi candidata por duas vezes à vice-presidência do partido. Ela também possuía relações estreitas com o o Partido dos Panteras Negras, uma organização negra nacionalista e socialista.
Em 1969, Davis foi retirada de sua posição no Departamento de Filosofia na UCLA, como resultado de seu ativismo político e sua filiação ao Partido Comunista.
Em 1970, Davis foi inserida na Lista dos 10 Mais Procurados do FBI e foi alvo de intensa investigação policial. Ela foi julgada e, posteriormente, absolvida pelos crimes de conspiração, sequestro e homicídio durante a ocupação armada de um tribunal do Condado de Marin, um evento que terminou em quatro mortes.
Enquanto aguardava essas acusações, ela permaneceu presa por um ano e quatro meses. Durante este tempo, a campanha “Libertem Angela Davis” foi organizada, levando à sua absolvição em 1972.
Davis foi uma das fundadoras da Resistência Crítica, uma organização nacional dedicada à destruição do complexo prisional industrial, um termo que ela ajudou a tornar popular.
Ela é autora de nove livros, incluindo “Angela Davis: Autobiografia de uma Revolucionária”; “Mulher, Raça e Classe”, “O Legado do Blues e o Feminismo Negro”, “Seriam as Prisões Obsoletas?” e “O Significado de Liberdade”.
Atualmente, Davis é Professora Emérita no Departamento de História da Consciência Negra e no Departamento de Estudos Feministas na Universidade da Califórnia, Santa Cruz.