Na prática econômica, uma medida de austeridade fiscal tem por objetivo cortar gastos, endurecer o uso das verbas visando o reequilíbrio econômico de um sistema. Em teoria, o governo lança mão de recursos austeros na sua economia para favorecer a circulação de dinheiro, o que significa injetar mais recursos nas mãos de quem produz/detém capital e diminuir o uso do tesouro público com gastos que não geram retorno financeiro imediato. Porém, a prática é outra e muito mais agressiva à sociedade, principalmente aos mais pobres!
Numa realidade liberal como a que vivemos, apesar do governo brasileiro insistir na máscara do populismo, a austeridade fiscal corta imediatamente gastos de setores sociais e garantem, a todo custo, a manutenção do lucro de bancos e grandes empresas, os verdadeiros financiadores de todo o sistema. A realidade, que não é somente brasileira, mostra como o Estado está cada vez mais preso às dinâmicas econômicas de seus financiadores. Nenhuma política é elaborada sem passar pelo crivo daqueles que irão pagar parte da conta visando um retorno bem maior do que foi investido. E assim a máquina pública segue refém da voracidade capitalista.
É exatamente nesse quadro de grandes interesses atravessados às reais necessidades da população que assistimos a degradação diária da Educação no Brasil, por exemplo. Não adianta mais negar a adoção de pacotes que visam a austeridade fiscal no Brasil. Os governos, independente da esfera de poder e partido político, fazem esse exercício há anos, na tentativa de aproveitar a falta de atenção da população para o problema enquanto enriquecem seus próprios bolsos e os fundos bancários de seus financiadores. Mas uma hora a conta chega, a fumaça esvai-se e as mentiras (lembram-se da “marolinha”?) encontram seu fim. Nesse contexto, 2015 já pode entrar para a história recente do Brasil com uma enorme contradição: como pode um país ser pátria educadora com tantos cortes de verbas no setor da Educação espalhadas por cidades/capitais Brasil afora?
No Paraná, desde o anúncio dessas medidas pelo governador Beto Richa, que ficaram conhecidas como “pacotaço”, milhares de servidores públicos iniciaram mobilizações por todo o estado. Em nome dessa austeridade, Richa retiraria mais de 8 de reais do Fundo Previdenciário Estadual, recurso este destinado ao pagamento de servidores ativos. Somado a esse anúncio, inúmeros outros rombos nas contas públicas levaram os profissionais da Educação, um dos setores mais afetados pelo pacotaço, junto a outros servidores à ocuparem a ALEP – Assembleia Legislativa do Paraná. Com a ocupação, o pacotaço caiu. Porém a greve seguiu, uma vez que os cortes orçamentários na educação foram mantidos. No dia 25 de Fevereiro, mais de 50 mil pessoas tomaram as ruas de Curitiba em defesa da Educação no estado.
Situação similar acontece no Rio Janeiro, mesmo após a histórica greve da educação em 2013, que reuniu, pela primeira vez em anos, profissionais da esfera estadual e municipal. No Rio, o governador Pezão já anuncia desde o início do ano que fará cortes orçamentários em suas secretarias. A estimativa é de que a tesoura nos gastos chegue à mais de 8 bilhões de reais. Entretanto, nenhum detalhe sobre quais áreas, especificamente, receberão esse reajuste foi liberado até o momento. Ainda assim, Pezão começa a demonstrar publicamente a falência de sua gestão, uma vez que já confirmou à imprensa que depende do Tribunal de Justiça para conseguir pagar os aposentados e pensionistas do Rio de Janeiro. Numa análise otimista, o dinheiro duraria alguns meses antes do governo declarar falência em seus cofres.
Mais uma vez, a educação volta a sentir a austeridade no Rio! Pezão cortou mais de 114 milhões de reais em verbas para as universidades estaduais (UERJ, UEZO e UENF). Dessas, a UERJ é a que mais sofre com a tesoura na educação, pois vem enfrentando crises administrativas, atrasos no pagamento das bolsas aos estudantes e aos funcionários terceirizados que trabalham no campus, principalmente nos setor de limpeza. Ainda assim, o governador, aliado ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro e com aval do governo federal, parecem estar longe de cortar os gastos com obras para eventos faraônicos (como as Olimpíadas em 2016), grandes remoções e militarização das favelas.
Ainda no setor da educação, o Rio conta com outra situação, desta vez na esfera federal: a UFRJ já enfrenta uma crise em relação às verbas. Após anúncio oficial do pedido de desligamento da Superintendência Geral de Políticas Estudantis, o professor Ericksson Rocha e sua equipe deixaram a pasta e publicaram uma carta aberta à comunidade acadêmica, onde deixa claro seu descontentamento com a falta de atenção dada pela administração da universidade às políticas de assistência estudantil. Vale lembrar que a UFRJ, assim como todas as universidades em âmbito federal, devem seguir o decreto Nº 7.234, de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES. Muitos estudantes da instituição ainda não tomaram conhecimento do fato, assim como também não estão cientes dos ajustes já anunciados em relação à assistência que visa auxiliar a permanência dos ingressos durante o primeiro ano letivo. Atualmente, a UFRJ encontra-se numa situação que, no mínimo, merece a atenção de seus estudantes, professores e técnicos-administrativos, uma vez que o calendário acadêmico teve início adiado em uma semana por falta de pagamento ao serviço terceirizado responsável pela limpeza das dependências da universidade (problema semelhante que levou a UERJ ao antecipar, vergonhosamente, o final do período letivo em 2014. Lá os funcionários da limpeza iniciaram uma greve).
Esse quadro generalizado de cortes em verbas de setores que não geram capital imediato aos interesses dos governantes nos deixa uma inquietante pergunta: à quem servirá esse sistema? Certamente não será aos interesses da população, que vê seu dia-a-dia ficar cada vez mais caro e limitado. Num ano onde o grande fantasma dos parlamentares ainda é a falta sistemática de água no país, parece-nos, cada vez mais, que os governos estão interessados em tentar maquiar a austeridade, favorável à manutenção do capital na mão dos poucos produtores, para tentar impedir qualquer mobilização popular que conteste a ordem das coisas.
Todas essas medidas demonstram quem o Estado está longe de ser um protetorado às causas mais populares e necessárias a um desenvolvimento social justo e igualitário. Seus defensores, muitos ainda pautados por Keynes, por exemplo, acreditam ser a austeridade uma forma de intervenção estatal para salvaguardar os interesses da população. Mas nós perguntamos: que interesses? A quem interessa o aumento constante nos preços dos bens de consumo básico à vida de qualquer cidadão brasileiro ao mesmo tempo que assistimos direitos trabalhistas serem alterados? A quem interessa governos sem transparência real nos gastos públicos enquanto valores no setor de transporte público aumentam em todas as capitais brasileiras?
Seja na Europa, seja na América Latina: o Estado tende a falhar na sua proposta social através de seus interesses econômicos. Não importa se há bem-estar-social ou populismo, enquanto não houver uma compreensão real da necessidade de que todos os cidadãos de uma localidade devem ter acesso às máquinas de produção e participação direta nas decisões políticas de seu espaço, toda e qualquer intervenção será autoritária e terá como princípio resguardar os interesses de pequenos grupos de produtores em detrimento da sociedade. O Estado brasileiro já está dando sinais de sua limitada compreensão econômica em termos territoriais ao aprovar medidas que fazem prevalecer o sucesso dos mesmos grupos empresariais do eixo sul-sudeste. A nós, resta a organização contínua e manutenção das lutas contra esse modelo neo-desenvolvimentista, que pauta apenas o lucro dos grandes financiadores de partidos políticos, independente destes estarem no governo ou na oposição.