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(FRANÇA) Comunicado do grupo Regard Noir (Paris) da Federação Anarquista francesa, sobre ataques do dia 13 de Novembro de 2015 na região parisiense.

Passados o choque e o susto, é difícil achar as palavras que não parecerão vazias de sentido depois dessa noite de 13 de novembro. Ainda que saibamos que outros massacres acontecem frequentemente no mundo, ainda que sejamos internacionalistas e logo solidários às vitimas de ataques em Ancara, Nairobi, Suruç, Beirute, Tunis e em outros lugares, não podemos fingir que esses ataques não nos afetaram de forma especial. Enquanto militantes na região de Paris, esses ataques atingiram locais que frequentamos, ruas nas quais caminhamos, afetaram pessoas que conhecemos, camaradas e amigxs. Diremos, portanto, as coisas como as sentimos e pensamos.

Garantimos às famílias e parentes das vítimas nossa compaixão. Temos consciência que isso não mudará grande coisa para elas e eles, mas isso nos permitirá talvez de achar um sentido em tudo isso.

Manter a cabeça fria não é fácil sob a avalanche de discursos midiáticos e políticos que, sob o pretexto da solidariedade, tentam instrumentalizar nossa comoção. O que esses discursos pretendem ocultar é que esses atentados são fruto de uma situação política, econômica e social: esses atos homicidas têm raízes na guerra, na miséria, na estigmatização e na exclusão, dentro da França ou nos países onde esta faz intervenções militares. Os ideólogos que se servem da religião para canalizar os rancores gerados por esses atos em prol de seus interesses políticos, econômicos e militares prosperam nessa base. Prevenir de forma real esses ataques significa, sobretudo, lutar contras as condições que os tornaram possíveis. A França já há tempos está em guerra no Mali, na África Central, na Síria, principalmente. As medidas e os discursos reacionários na França, desde muitos anos, reforçam a estigmatização e a exclusão de muçulmanxs e assimiladxs. As políticas antissociais conduzidas governo após governo, a guerra contra os pobres e os trabalhadores conduzida pela burguesia compõem a receita desse coquetel explosivo do qual nossos dirigentes, de todos os partidos, são responsáveis.

Não devemos ceder à lógica da guerra civil. Assim como os atentados de janeiro (NT: ataques contra a sede da revista Charlie Hebdo), o principal objetivo dos mandantes desses atentados é reforçar a estigmatização dos muçulmanxs esperando nos fazer entrar numa lógica de guerra de civilizações e consolidar sua própria influência sobre essas populações marginalizadas. Não é relativizar os fatos notar que a maioria das vitimas de atentados são muçulmanxs, em países de maioria muçulmana. Os discursos sobre o fechamento de mesquitas ditas fundamentalistas ou radicais constroem um paralelo imediato entre “fundamentalista” e “terrorista”, a passagem de uma coisa a outra sendo apresentada como uma simples variação, ignorando que o recurso à violência armada tem sua origem numa lógica diferente. No âmbito desse tipo de discurso, observações sobre a “recusa de amálgama” (NT: amálgama entre a religião muçulmana e o terrorismo) são pura hipocrisia.

Não nos deixemos enganar pela campanha política em favor da união nacional. Os corresponsáveis desses atentados estão hoje no poder, nas mídias e em todos os partidos políticos: do Front de Gauche (NT: Frente de Esquerda, aliança de esquerda radical análoga ao PSOL no Brasil) que apoiou as intervenções militares, ao Front National (NT: Frente Nacional, partido de extrema direita – teve 18% de votos nas últimas eleições presidenciais na França) que todos conhecem os posicionamentos. Ao favorecer a estigmatização desses que consideramos como “estrangeiros”, atacando populações de outros países, e de maneira geral contribuindo às desigualdades sociais, a classe dirigente carrega uma grande parcela de responsabilidade. A união nacional deles proíbe nossas manifestações e estigmatiza os imigrantes. Os sindicatos retiram seus chamados à greve e as ameaças contra os movimentos sociais se fazem mais presentes. A união nacional deles é um artifício de comunicação para nos fazer aceitar o estado de sítio.

Por outro lado, consideramos que os ataques de 13 de novembro tenham talvez tido como alvo “a França”, mas é o proletariado que foi principalmente atingido em seus lugares de vida e lazer. Não foi o Senado nem o Fouquet (NT: restaurante frequentado pela alta burguesia parisiense) que foram atacados. São os nossos, em sua diversidade, que foram as vitimas desses ataques. O Estado francês não virou de uma hora pra outra nosso aliado. Lembremo-nos que as medidas de repressão tomadas depois dos ataques de janeiro. O Estado que se apresenta como nosso defensor não nos protege como ele alega, visto que sua própria existência e suas ações são as bases das desigualdades e da injustiça, condições prévias de massacres desse tipo.

E agora, como agir? Como não ceder às sirenes midiáticas e políticas? Como lutar para que tais acontecimentos não sejam mais possíveis? Como resistir à ofensiva xenófoba que não tardará a chegar? É preciso que fujamos da lógica do “choque de civilizações” promovida, que eles a admitam ou não, pelas classes dirigentes francesas, e recuperada pelo Estado Islâmico. Nosso lado não mudou, nossos aliados não estão e jamais estarão no poder. Nas lutas que se anunciam, nosso lugar está decididamente do lado dos sindicalistas reprimidos, dos coletivos de resistência à guerra contra os pobres, dxs migrantes, dxs muçulmanxs e assimiladxs que lutam contra a estigmatização e de todas as pessoas que sofrem ataques em função de suas crenças ou origens. Esse campo social é o da solidariedade entre nós outros de baixo que não podemos viver que de recursos modestos e que sofremos todos os dias as injustiças dos de cima. Hoje como ontem e ainda amanhã, é preciso que nos reunamos, nos associemos e nos organizemos para combater os males que afligem essa sociedade, impulsionando ou aderindo a associações de solidariedade, redes locais de ajuda mútua e de acompanhamento dos mais oprimidos. Se engajar, militar, fazer da liberdade e da igualdade valores concretos nas ações cotidianas.

Não devemos aceitar as determinações para ficarmos em nossas casas, à não mais agir, à “deixar a polícia fazer seu trabalho”. Devemos ao contrário nos reunir para mostrar que as tentativas de divisão de nossa classe não funcionam, que elas venham de assassinos no poder ou de assassinos ilegais. O bombardeamento de represália contra o Estado Islâmico mostra bem que nossos governantes não pretendem mudar sua maneira de agir. A linha de frente deles não é a nossa. Se existir uma linha de frente, ela deve ser contra o Estado, seja ele islâmico ou não. A guerra civil não acontecerá.

É preciso ter esperança. As expressões de solidariedade espontâneas, as doações de sangue, as “portas abertas”, os apelos à paz, as multidões reunidas em homenagem às vitimas expulsando os fascistas em Metz ou em Lille são todas demonstrações positivas. Cultivemos esses clarões de solidariedade contra o medo e a ordem securitária defendida por nossos inimigos. Os anarquistas devem se levantar contra as injustiças onde quer que elas apareçam, de onde quer que elas venham. Se a situação política toma o caminho de ataques, vindos do Estado ou não, contra imigrantes, fiéis de uma religião ou militantes progressistas, nossos inimigos vão nos encontrar em seu caminho.

Coragem, os dias ruins se acabarão.

12265595_900956699980802_5500422101567759694_o-752x440NT: Nota da Tradutora

O grupo Regard Noir (Paris) da Federação Anarquista francesa trata-se de um grupo de orientação anarco-comunista e sintetista focado em ações de rua e lutas sociais, considerando a implantação local e social como única garantia da propagação de ideias anarquistas no seio do proletariado.

Link em francês: http://www.regardnoir.org/passes-le-choc-et-la-frayeur/

Regard Noir no facebook: https://www.facebook.com/RegardNoirFA

Traduzido pela Rede de Informações Anarquistas