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(Artigo) Anarquismo e 1º de Maio no Brasil

Manifestação operária em 1º de Maio de 1919 no Rio de Janeiro. Reproduzida da Revista da Semana, 10 de maio de 1919.

O Brasil conhecerá seu primeiro grande surto de industrialização a partir da última década do Império (1881-1889). Apesar do grosso da economia do país ainda assentar na exportação em grande escala de matérias primas e produtos agrícolas (com predominância para o café nesta fase), o número de estabelecimentos industriais, que era pouco mais de 200 em 1851 sobe para mais de 500 em 1889. Do total do capital investido nas atividades industriais naquela época, 60% concentram-se na indústria têxtil, 15% na da alimentação, 10% na de produtos químicos, 4% na indústria de madeira, 3,5% na do vestuário e 3% na metalurgia. Estas atividades produtivas manterão suas posições neste ranking durante as décadas seguintes. No período de 1890 a 1895 serão fundadas mais 425 fábricas, com investimento equivalente a 50% do capital investido no início dos anos 1880. Um primeiro censo geral das indústrias brasileiras realizado em 1907 mostrará a existência de 3.258 estabelecimentos industriais, empregando 15.841 operários. 33% destas fábricas estavam localizadas no Rio de Janeiro, então capital da recém proclamada república (1889), percentual a que se poderiam somar os 7% do antigo estado do Rio de Janeiro, 16% em São Paulo e 15% no Rio Grande do Sul. A hegemonia industrial do Rio de Janeiro cederia para São Paulo no período entre 1920-1938. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) dará grande impulso à indústria nacional, com a diminuição da importação dos países envolvidos no conflito e também com a diminuição da concorrência estrangeira, devido à forte queda do câmbio.

O período do início desta primeira industrialização do país coincide com a abolição jurídica da escravidão, trazendo alteração na política do Estado brasileiro em relação à mão-de-obra, passando o governo federal e os dos estados a elaborar leis e programas de subsídio à imigração de trabalhadores europeus e mais tarde asiáticos (japoneses). Entre 1871 e 1920, 3.390.000 imigrantes chegaram ao Brasil. 1.373.000 eram italianos, 901.000 portugueses e 500.000 espanhóis. A maioria deles estabeleceu-se no estado de São Paulo, cujo governo foi o mais ativo na criação de subsídios à imigração. A atividade a que os imigrantes eram inicialmente destinados era a agricultura, porém grandes parcelas encaminhavam-se para os grandes centros urbanos em função da nascente industrialização do país, em parte financiada pelos próprios fazendeiros. A imensa maioria destes imigrantes europeus tomou conhecimento da chamada “questão social” após sua chegada ao Brasil, e não vieram de seus países de origem já imbuídos da ideologia anarquista, desmentindo a imagem da “planta exótica” transplantada para o meio do trabalhador brasileiro cordato e bom. As condições de vida e de trabalho no campo e nas cidades por si já conduziam à luta social. Everardo Dias escreve, a propósito:

“O exíguo grupo capitalista, aglutinado em oligarquia patronal, que se havia abalançado à criação de fábricas geralmente de tecelagem e metalurgia, estabelecera seus cálculos sobre uma base salarial baixíssima, salário de escravo, exploração bruta do braço humilde que se encontrava com abundância no país, gente de pé descalço e alimentação parca (um punhado de farinha de mandioca, feijão, arroz, carne seca) artigos alimentares baratos e abundantes no mercado; café adoçado com mascavo, e um pouco de farinha, pois pão era artigo de luxo, bem como o leite, a carne, os condimentos, os legumes (esses últimos desconhecidos na casa do trabalhador). E quanto à moradia, estava confinada em barracões de fundo de quintal, em porões insalubres, em casebres geminados (cortiços), próximos às fábricas e pelos quais pagava de aluguel mensal 15, 20, 30 mil réis. Esse proletariado fabril, em grande parte feminino e constituído de mocinhas, era o preferido para a indústria têxtil, trabalhando das 6 da manhã às 7 e 8 horas da noite. (…) Na indústria metalúrgica ou mecânica o número de menores também era predominante, sendo que aqui o sexo aceito era o masculino. (…) Todos, ou quase todos, analfabetos, supersticiosos, tímidos, humilhados por palavrões e insultos depreciativos. Ignorância total. Ser dispensado do serviço significava mais fome, mais miséria em casa. Encarava-se o desemprego com arrepios de terror.”

Já os patrões julgavam “estar prestando um grande favor, praticando um ato de benemerência em dar trabalho para proteger essa pobre gente esfomeada… Os gerentes e diretores assumiam, por isso, ares altaneiros e superiores de grão-senhores, aos quais só se podia falar de chapéu sobre o peito, fazendo vênia de beija-mão, numa humildade de escravo.”

E é em uma São Paulo ainda com poucas fábricas que dezessete militantes operários reúnem-se no centro da cidade, à rua Líbero Badaró, número 110, a 15 de abril de 1894. Ali é aprovada a resolução do Congresso Socialista de Paris de 1889, que instituía o 1º de Maio como dia de luta e de protesto contra a condenação e execução dos mártires de Chicago. Os presentes pretendiam mesmo estudar a melhor maneira de comemorar o 1º de maio vindouro. Mas a reunião foi suspensa com a chegada da polícia, mobilizada por uma denúncia, segundo se acredita, do cônsul italiano. O grupo era composto por brasileiros e imigrantes italianos. Espancados e advertidos de que se persistissem em agitar os operários seriam castigados exemplarmente, foram separados em dois grupos, sendo dez deles, os de origem italiana, encaminhados à Casa de Detenção do Rio de Janeiro, de onde só seriam liberados a 12 de dezembro. Ao chegar à cidade de Santos para embarque para o Rio de Janeiro, um deles, Artur Campagnoli, teria conseguido fugir lançando-se ao mar, depois de ter perguntado durante a viagem de trem aos policiais de sua escolta se sabiam nadar. Campagnoli, ourives de profissão, depois de passagens pela França e pela Inglaterra, instalara com seu irmão Luciano uma colônia libertária na cidade de Guararema no interior de São Paulo já nos últimos anos da monarquia (1888).

A polícia de São Paulo colocou-se de prontidão no dia 1º de Maio daquele ano, temendo manifestações operárias e conflitos, que não ocorreram. No entanto, bombas explodiram em dois palacetes da burguesia paulistana e outra no Largo do Carmo, próximo ao quartel do 5º Batalhão de Polícia.

A libertação dos que passaram meses presos no Rio, segundo texto de um deles, Felix Vezzani, enviado ainda da prisão e publicado no jornal Il Risveglio (São Paulo, 2 de dezembro de 1894) só seria possível graças à intervenção do Apostolado Positivista junto ao recém empossado Presidente da República, Prudente de Moraes. Avisados por telegrama de sua libertação, os companheiros de São Paulo acorreram à estação ferroviária para saudar os camaradas que voltavam da então capital federal, furando o cordão de isolamento de soldados com baioneta calada, unindo-se aos libertos no canto da Internacional.

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(Artigo) As origens trágicas e esquecidas do 1° de Maio

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.

Hoje, tudo isso foi esquecido. A memória histórica dos povos é pior do que a de um octogenário esclerosado, com raros momentos de lucidez, intercalados por longos períodos de amnésia. Poucos são os trabalhadores, ou até os sindicalistas, que conhecem a origem do 1° de maio. Muitos pensam que é um feriado decretado pelo governo, outros imaginam que é um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos “seus” trabalhadores. Também existem – ou existiam – aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para provar o poder do Estado e das burocracias vermelhas.

As origens do 1° de maio prendem-se com a proposta dos trabalhadores organizados na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) declarar um dia de luta pelas oito horas de trabalho. Mas foram os acontecimentos de Chicago, de 1886, que vieram a dar-lhe o seu definitivo significado de dia internacional de luta dos trabalhadores.

No século XIX era comum (situação que se manteve até aos começos do século XX) o trabalho de crianças, grávidas e trabalhadores ao longo de extenuantes jornadas de trabalho que reproduziam a tradicional jornada de sol-a-sol dos agricultores. Vários reformadores sociais já tinham proposto em várias épocas a idéia de dividir o dia em três períodos: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer e estudo, proposta que, como sempre, era vista como utópica, pelos realistas no poder.

Com o desenvolvimento do associativismo operário, e particularmente do sindicalismo autônomo, a proposta das 8 horas de jornada máxima, tornou-se um dos objetivos centrais das lutas operárias, marcando o imaginário e a cultura operária durante décadas em que foi importante fator de mobilização, mas, ao mesmo tempo, causa da violenta repressão e das inúmeras prisões e mortes de trabalhadores.

Desde a década de 20 do século passado, irromperam em várias locais greves pelas oito horas, sendo os operários ingleses dos primeiros a declarar greve com esse objetivo. Aos poucos em França e por toda a Europa continental, depois nos EUA e na Austrália, a luta pelas oito horas tornou-se uma das reivindicações mais frequentes que os operários colocavam ao Capital e ao Estado.

Quando milhares de trabalhadores de Chicago, tal como de muitas outras cidades americanas, foram para as ruas no 1° de maio de 1886, seguindo os apelos dos sindicatos, não esperavam a tragédia que marcaria para sempre esta data. No dia 4 de maio, durante novas manifestações na Praça Haymarket, uma explosão no meio da manifestação serviu como justificativa para a repressão brutal que seguiu, que provocou mais de 100 mortos e a prisão de dezenas de militantes operários e anarquistas.

 Alberto Parsons um dos oradores do comício de Haymarket, conhecido militante anarquista, tipógrafo de 39 anos, que não tinha sido preso durante os acontecimentos, apresentou-se voluntariamente à polícia tendo declarado: “Se é necessário subir também ao cadafalso pelos direitos dos trabalhadores, pela causa da liberdade e para melhorar a sorte dos oprimidos, aqui estou”. Junto com August Spies, tipógrafo de 32 anos, Adolf Fischer tipógrafo de 31 anos, George Engel tipógrafo de 51 anos, Ludwig Lingg, carpinteiro de 23 anos, Michael Schwab, encadernador de 34 anos, Samuel Fielden, operário têxtil de 39 anos e Oscar Neeb seriam julgados e condenados. Tendo os quatro primeiros sido condenados à forca, Parsons, Fischer, Spies e Engel executados em 11 de novembro de 1887, enquanto Lingg se suicidou na cela. Augusto Spies declarou profeticamente, antes de morrer: “Virá o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que nos estrangulais hoje”.

Este episódio marcante do sindicalismo, conhecido como os “Mártires de Chicago”, tornou-se o símbolo e marco para uma luta que a partir daí se generalizaria por todo o mundo.

"Mártires de Chicago"
“Mártires de Chicago”

O crime do Estado americano, idêntico ao de muitos outros Estados, que continuaram durante muitas décadas a reprimir as lutas operárias, inclusive as manifestações de 1° de maio, era produto de sociedades onde os interesses dominantes não necessitavam sequer ser dissimulados. Na época, o Chicago Times afirmava: “A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social”, mas outros jornais eram ainda mais explícitos como o New York Tribune: “Estes brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações…”

Seis anos mais tarde, em 1893, a condenação seria anulada e reconhecido o caráter político e persecutório do julgamento, sendo então libertados os réus ainda presos, numa manifestação comum do reconhecimento tardio do terror de Estado, que se viria a repetir no também célebre episódio de Sacco e Vanzetti.
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A partir da década de 90, com a decisão do Congresso de 1888 da Federação do Trabalho Americana e do Congresso Socialista de Paris, de 1889, declararem o primeiro de maio como dia internacional de luta dos trabalhadores, o sindicalismo em todo o mundo adotou essa data simbólica, mesmo se mantendo até ao nosso século como um feriado ilegal, que sempre gerava conflitos e repressão.

Segundo o historiador do movimento operário, Edgar Rodrigues, a primeira tentativa de comemorar o 1 de maio no Brasil foi em 1894, em São Paulo, por iniciativa do anarquista italiano Artur Campagnoli, iniciativa frustrada pelas prisões desencadeadas pela polícia. No entanto, na década seguinte, iniciaram-se as comemorações do 1 de maio em várias cidades, sendo publicados vários jornais especiais dedicados ao dia dos trabalhadores e números especiais da imprensa operária comemorando a data. São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba e Rio de Janeiro foram alguns dos centros urbanos onde o nascente sindicalismo brasileiro todos os anos comemorava esse dia à margem da legalidade dominante.
1-de-maio-1919-pca-da-seForam décadas de luta dos trabalhadores para consolidar a liberdade de organização e expressão, que a Revolução Francesa havia prometido aos cidadãos, mas que só havia concedido na prática à burguesia, que pretendia guardar para si os privilégios do velho regime.

Um após outro, os países, tiveram de reconhecer aos novos descamisados seus direitos. O 1° de maio tornou-se então um dia a mais do calendário civil, sob o inócuo título de feriado nacional, como se décadas de lutas, prisões e mortes se tornassem então um detalhe secundário de uma data concedida de forma benevolente, pelo Capital e pelo Estado em nome de S. José ou do dia, não dos trabalhadores, mas numa curiosa contradição, como dia do trabalho. Hoje, olhando os manuais de história e os discursos políticos, parece que os direitos sociais dos trabalhadores foram uma concessão generosa do Estado do Bem-Estar Social ou, pior ainda, de autoritários “pais dos pobres” do tipo de Vargas ou Perón.

Quanto às oito horas de trabalho, essa reivindicação que daria origem ao 1º de maio, adquiriu status de lei, oficializando o que o movimento social tinha já proclamado contra a lei. Mas passado mais de um século, num mundo totalmente diferente, com todos os progressos tecnológicos e da automação, que permitiram ampliar a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis, as oito horas persistem ainda como jornada de trabalho de largos setores de assalariados! Sem que o objetivo das seis ou quatro horas de trabalho se tornem um ponto central do sindicalismo, também ele vítima de uma decadência irrecuperável, numa sociedade onde cada vez menos trabalhadores terão trabalho e onde a mutação para uma sociedade pós-salarial se irá impor como dilema de futuro. Exigindo a distribuição do trabalho e da riqueza segundo critérios de equidade social que o movimento operário e social apontou ao longo de mais de um século de lutas.

Texto extraído: Jorge E. Silva – Membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania – Florianópolis (CECCA)