Manifestamos aqui nossa posição, das e dos anarquistas da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB), diante do agravamento no cenário de disputa feroz entre os setores dominantes pela direção do poder político nacional.
Os expedientes usados pelo juiz Sergio Moro, a Polícia Federal e o MPF, combinado com o espetáculo orquestrado pelos oligopólios da comunicação, em especial a rede Globo, desde a condução coercitiva de Lula até os grampos vazados em paralelo a sua nomeação como ministro, são descritivos de uma luta cada vez mais agressiva pela máquina do Estado.
A direita opositora ao governo do PT se vale da judicialização da política e de toda produção do discurso seletivo e criminalizador da mídia para atuar numa “zona de fronteira” dos marcos constitucionais do direito democrático burguês. Em meio a esse cenário, têm sido comuns entusiasmadas manifestações oportunistas de setores da esquerda anti-governista com pretensões eleitorais em torno da judicialização da política. Ao contrário do que sugere estas manifestações, a judicialização da política não guia para a esquerda, muito menos para uma “revolução política”. Sugerir isso demonstra o retrocesso de expectativas e horizonte estratégico e um esvaziamento de significado que faz do que se entende historicamente por “revolução”, uma infantil bravata para ser agitada de forma torpe nas redes sociais. O oportunismo que hoje abraça esse espetáculo abre caminho para a capitulação de amanhã. Trágicos exemplos que seguiram essa via não nos faltam.
Em tempos de crise política no Brasil, vemos uma intensa polarização no debate que se resume a coxinhas e petralhas, esquerda institucional ou direita liberal/conservadora, golpe ou democracia, poder ou poder(?).
No entanto a realidade mostra que a esmagadora maioria da população não se encaixa em nenhum dos dois lados e está a margem da discussão.
Do favelado que tem mais o que fazer pra botar comida em casa ao taxista classe média, que sequer pode pensar em parar de rodar para fazer política.
Será que não era a hora de colocar a realidade do quadro político em xeque? As instituiçoes estão a beira de um colapso. A presidenta não governa mais, escolhe um investigado em operação da federal para assumir um cargo de ministro, apenas pelo foro privilegiado fugindo assim de um juiz federal tresloucado, que faz o que bem entende.
O STF acovardado, faz vista grossa aos atos de tal juiz e no entanto se prepara para assumir os holofotes, pois é lá que essa grande palhaçada vai terminar.
Os sindicatos, movimentos sociais e organizações estudantis em sua grande maioria cooptados e com interesses eleitorais.
O senado e a câmara dispensam comentários. Enquanto o pau quebra na dicussão coxinha ou empadinha, aprovam leis que certamente irão provocar um enorme retrocesso para a sociedade em muito pouco tempo. Da não rotulagem de transgênicos a tipificação de terrorismo.
Dito isso, vamos ao que interessa:
Porque num momento como esse não se vê intelectuais, artistas, cientistas políticos ou economistas falando do momento de degradação moral e estrutural por qual passam todas as intituições do país? Porque continuamos alimentando essa palhaçada, como se a representatividade fosse a única saida?
Não é!
Está mais do que na hora de darmos um passo a frente. De incluir a DEMOCRACIA DIRETA nessa discussão.
Chega de representantes, chega de líderes, chega de presidentes e parlamentares.
A saída pra crise não é na economia nem na política institucional. A saída pra crise é auto organização do povo. É dar ao povo o que lhes é de direito: o controle sobre suas próprias vidas.
Mas aí eu me pergunto: Aonde estão os anarquistas? Perdidos em meio a essa polarização e a essa falsa dicotomia política, com certeza.
Onde estão as organizações anarquistas, que num momento como esse se acovardam, com medo de PARECER estar do lado do governo ou da oposição?
Algumas continuam com seu trabalho de base nas favelas e comunidades, o que é louvável, mas param por aí.
Outras se preocupam mais em fazer “campeonatos” para ver quem leu mais Bakunin e quem leu mais Proudhon, não que a teoria e o debate entre nós seja fator ruim, mas é preciso tencionar o nosso discurso para fora das rodas anarquistas, para a linguagem que o povo entenda, dialogar para fora da zona de conforto anarquista.
Especifistas vs Sintetistas pra mim é exatamente a mesma coisa que Dilma vs Aécio, o anarquismo é plural, tem diversas formas ditas e não ditas, o anarquismo é diferente e é por isso que não se limita e se torna lindo, o anarquismo é simplesmente anarquismo e ponto.
Não é hora de se acovardar. É hora de trazer ao menos a discussão à tona.
Esquecer as diferenças e ridicularizar os três poderes como eles merecem ser ridicularizados. De mostrar que existem soluções para fora da representatividade e que elas não são utopias.
Tencionemos a corda, precisamos dar uma resposta a altura do que está e vem acontecendo e o momento não é de silêncio e sim de marcar posição com a bandeira negra mostrando mais um caminho para o povo sem dizer o que ele tem que fazer e sim dizendo que estamos aqui para contruir juntxs marchando ombro a ombro!
Nós estamos com o povo, pois nós também somos o povo!
Antes de lerem estas palavras, peço aos amigos/as daqui que lembrem que quem escreve está à esquerda do governo, é critico do mesmo e jamais militou em partido eleitoral e menos assumiu cargo de confiança ou em comissão. Ou seja, não busquem ver governismo onde não há. Como trata-se de disputa de facções e projetos políticos e, estritamente, não estou vinculado a nenhum destes, fico bem à vontade para tecer os comentários.
O teor destas conversas está no mesmo patamar ou ainda menor que os grampos realizados durante o Leilão do Sistema Telebrás com Luiz Barros e Fernando Henrique Cardoso.
Após ouvir as gravações divulgadas entre Lula e aliados, incluindo a conversa com a presidente Dilma, me veio na memória um episodio semelhante durante a década de ’90. Não quero parecer Poliana, mas entendo que o teor das conversas está no mesmo patamar ou ainda menor do que os grampos realizados durante o Leilão do Sistema Telebrás, onde foram capturadas conversas pouco republicanas entre Luiz Carlos Mendonça de Barros – então ministro das Comunicações – e o presidente Fernando Henrique Cardoso. O processo decorrente terminou nulo. Em 2009, Mendonção foi absolvido pela Justiça Federal das denúncias de improbidade administrativa. As conversas entre Lula, Jacques Wagner, a de Luiz Inácio com o presidente da CUT nacional, Vagner Freitas e os curtos diálogos com a própria Dilma, me pareceram do mesmo teor.
Pode parecer pouco republicano, mas, de fato, é algo corriqueiro em um ambiente como o nosso. Lula fora nomeado para a Casa Civil tanto para salvar a sua carreira política como para jogar na forma mais arriscada possível, tentando manter o partido de governo – no mínimo – até o final do mandato e agora, quem sabe, tentando concorrer em 2018.
Estamos diante de um conjunto de medidas de tipo estrutura policial e jurídica com autonomia relativa, quase agindo por conta própria e, tecnicamente, tentando ficar dentro da lei. A conversa entre Dilma e Lula é proporcional aos ataques recebidos. Pode ser pouco republicana, mas é algo presumível e previsível. O que a todos surpreendeu foi a divulgação das gravações de Lula – todas autorizadas pela Justiça – e pelo visto, dentro de uma interpretação bem flexível da lei como da ética na política republicana.O juiz Sérgio Moro virou o fio, a Globo também, assim como a nova-velha direita ideológica.
Definitivamente, em escala midiática e sem participação das forças armadas ou algum poder moderador-interventor de tipo militar, o momento lembra o de 1954 em todos os aspectos. Se Lula recuar, acabou sua carreira política e o governo federal. Se ficar no cargo no limite da legalidade, o governo pode sobreviver e até renascer do limbo em 2018. Pode tanto sair preso, como pode terminar tudo em um processo de impeachment, como também – em proporção menor – terminar sendo eleito ou indicando quem irá suceder Dilma em 2018. O cenário esta totalmente aberto, e o projeto do pacto de classes e aliança capital-trabalho, definitivamente, foi para a tumba.
Como sempre, repito: não foi por falta de aviso.
Quanto à posição de quem está na rua como lacerdistas: ou a direita que está na rua eleva os níveis de protesto, realizando atos de violência e “vandalismo” (ao menos na Esplanada e em frente ao Palácio do Planalto), intensificando algum grau de conflito também em São Paulo capital e Grande São Paulo, ou não vão gerar a comoção de irracionalidade e sentido de “justiça” que tanto gostam de proclamar. Isso é o que faz a direita escuálida venezuelana, protestos violentos denominados lá de guarimba, e aqui de “vandalismo”. Como a TFP estilo fashion week não se dispõe ao risco físico, o frenesi de indignação não deve ultrapassar os limites da gritaria, a não ser em São Paulo e em Brasília.
Infelizmente, a direita ideológica avança na base do artifício da desinformação e das manobras midiáticas. O pacto de classes e o peleguismo afastaram quem crê e pratica luta popular.
Quanto à posição da centro ex-esquerda, que ainda está na base do governo e bastante acuada, o caminho também é estreito. A exemplo das entidades de base da Frente Brasil Popular, Povo sem Medo e outros aglomerados de setores sociais dentro do guarda-chuva do governo, falta uma plataforma de reivindicações que tenha possibilidade de convencimento.Sinceramente, não vejo capacidade de convocatória de quem não está nas alas governistas, a não ser que, por milagre e pensamento mágico tal como o proferido pelo presidente nacional da CUT, Vagner Freitas), ocorra uma evidente guinada à esquerda vinda do Palácio do Planalto.
A esquerda restante deve ficar muito atenta para não fazer coro com a nova-velha direita, sem com isso reforçar a proposta governista. Depois de mais de 13 anos de traições sem fim, fica quase impossível crer em qualquer tipo de “guinada à esquerda”, a não ser que ocorra alguma pouco provável reviravolta na direção dos movimentos da Via Campesina e afins.
Infelizmente, a direita ideológica avança na base do artifício da desinformação e das manobras midiáticas. O pacto de classes e o peleguismo afastaram quem crê e pratica luta popular.
A única saída para o PT é arrancar 171 votos mais um e se segurar no governo a qualquer custo. Por esquerda, o caminho é longo, contra a direita ideológica, mas sem poder defender o governo da ex-esquerda que padece.
Passado um ano das eleições nacionais, a ascensão da direita se consolida gradativamente com a aprovação parcial da redução da maioridade penal na Câmara Legislativa simbolizando a cereja do bolo. Independente de tal manobra ser apenas uma maquinaria para PMDB e PSDB minar ainda mais o PT de olho nas próximas eleições, de qualquer forma celebrou o avanço dessas pautas enquanto progressistas e esquerdistas assistiam – de arquibancada – revoltosos o que se passava. Nas redes sociais, a esquerda denunciava o avanço do conservadorismo. Faz parte do jogo.
No entanto, acreditar que a própria esquerda, seja partidária ou radical, está livre da crítica de que somos também responsáveis pelo cenário que se constrói em frente aos nossos incrédulos olhos, é querer forçar uma miopia grande o suficiente para falharmos em compreender a atual conjuntura política enquanto conseguimos, mesmo míopes, assistir indignados a barbárie de camarote. A esquerda que se conforma em ser reativa, “nenhum passo para trás, mesmo que nenhum seja dado para frente!”, a esquerda VIP, por assim dizer. Como se nunca tivéssemos desconfiado da força do conservadorismo e do reacionarismo, como se acreditássemos que, quase por um milagre divino de deuses marxistas ou bakuninistas, um despertar geral se espalharia pelo país, alterando consciências e pavimentando o caminho para o mundo livre. Tudo muito espontâneo.
Como detestamos a palavra “espontâneo”. Não aquela que sugere a criatividade dos indivíduos precarizados e das periferias marginalizadas de se organizarem espontaneamente para resolver problemas cotidianos de suas localidades (aliás, práticas que se tratam de ações diretas por tabela que em muito escapam ao limitado discurso militante tradicional). Mas sim aquela “espontaneidade” utilizada por cientistas e analíticos políticos para se referirem ao caráter definidor das revoltas de junho de 2013. Como se elas tivessem acontecido ao acaso, devido a uma série de encontros e desencontros que, por pura sorte, engrenaram em um processo que desencadeou as revoltas que tomaram Brasil afora, como se por trás daquelas revoltas não permeassem redes, relações, sociabilidades e rebeldias que já estavam sendo construídas há anos, por que não décadas.
Que o sistema representativo democrático em nada representa os anseios libertários, nós, militantes anarquistas, já sabemos. Que a democracia no Brasil tem donos, nomes, sujeitos diretos e indiretos e que não devemos mais ficar à mercê de partidos, sejam de esquerda ou de direita, também sabemos. Aliás, até o cidadão ou cidadã que pede por impeachment, intervenção militar ou coisas afins também compartilha de sentimentos parecidos, embora por propósitos completamente distintos. A antipolítica, ou a recusa pela política institucional, é crença disseminada pela sociedade brasileira. A solução seria deixar a governança dessa sociedade para aqueles que representam integralmente a tal da “moral e dos bons costumes”. Mas o que a esquerda tem a ver com isso?
Tem a ver porque o vazio que se sucedeu a negação da política é um espaço em disputa, a qual estamos perdendo de 7 a 1. Vamos por parte. Primeiro, falemos da esquerda institucional. E aqui retornamos à questão das eleições de 2014. Cada vez mais temos lido e ouvido companheiros e companheiras anarquistas sobre o tema do voto nulo. O que se sucedeu é notório dentro do movimento. Ouvimos a crítica proveniente da esquerda partidária de que o “voto nulo” não é instrumento de mobilização política legítima. O seu uso estaria contribuindo com a ascensão da direita no país, em uma lógica “melhor Dilma do que Aécio” (ou “melhor uma esquerda vendida para a direita do que a própria direita”?). Conforme assistíamos a aprovação parcial da redução da maioridade penal, vozes do passado se reafirmavam. A outrora ingenuidade de anarquistas, libertários e marxistas radicais era evocada com o recadinho “quem mandou não fortalecer em uma unidade de esquerda para disputarmos as instituições?”
Desmascaremos tal mesquinharia de pessoas que insistem em um jogo ideológico ao fazerem questão de afirmar suas tão preciosas identidades políticas (como se a valoração de meios fosse mais importante do que o exercício dos próprios meios), isso tudo enquanto está em vigência um processo que pode resultar na ampliação do genocídio e do encarceramento da juventude, em especial a pobre e negra. A nossa resposta é curta e seca: pois bem, foram os quase 15 anos de “atuação institucional” desde a eleição de 2002 que produziram esse monstro. Durmam com esse barulho.
O fato é que os 16 partidos da base que compõem o tal do governo dos trabalhadores votaram pela redução da maioridade penal. Esse é o belíssimo resultado do presidencialismo de coalização sustentado pelo projeto progressista do Partido dos Trabalhadores. A revolução é aumentar o poder de compra dos de baixo a partir da expansão do crediário e do famoso “20 vezes sem juros”. Os conchavos com banqueiros, agronegociantes, donos de abatedouros multimilionários, empreiteiros, bispos e tantos outros – como o próprio PMDB que encena o seu “golpe” – agora reivindicam o seu preço. E o custo cobrado é alto na conta da população brasileira, em especial a marginalizada, a desprovida, a precarizada, a assassinada. Em suma, a desgraça da esquerda foi causada por ela mesma. Até alguns militantes do PT passaram a reconhecer isso, embora insistem em acreditar em uma “volta triunfal”, no melhor estilo do mito de Dom Sebastião.
Aliás, sobre o tal “golpe”. Os partidos de esquerda fizeram um apelo ao “regimento interno da câmara”, como se houvesse alguma imparcialidade e neutralidade que regesse o espaço legislativo, “além do bem e do mal”. Contudo, todos e todas ali, e aqui incluímos PT e PCdB, se beneficiam de tais costuras de acordos para seus respectivos projetos de poder ao invés de se servirem da dita “racionalidade iluminada da norma”. Esquecem também que a própria existência de um congresso a decidir sobre, como e o porquê de nossos corpos existirem (congresso esse que, baseando-se em uma política de representação e legitimação acaba por despolitizar e desmobilizar possibilidades além-institucionais) é o que permite o ocorrido do último dia 2 acontecer – e continuará acontecendo, em um trágico mito do eterno retorno, independente de quaisquer novos acordos a serem costurados. Ou vocês conhecem algum congresso ou parlamento no mundo, mesmo nos países historicamente mais progressistas, que não tenha violado o corpo de suas minorias, de grupos oprimidos que constituem as sociedades que eles dizem representar?
Já a oposição de esquerda, boa parte dissidências que vazaram do próprio PT, não conseguiu até o presente momento mobilizar sociedade, base e trabalhadores e trabalhadoras de forma significativa. Preferem gastar suas energias aparelhando sindicatos, hegemonizando movimentos estudantis de universidades públicas até então elitizadas, se fechando em panelas onde só o membro afiliado garante o seu, enquanto a pauta máxima que deveria ser tocada por todo e qualquer movimento de esquerda sai perdendo: a autodeterminação da classe trabalhadora. Pois bem, vocês tiveram a sua oportunidade, e fracassaram. A fila anda, companheiros e companheiras. Para aqueles que possuem a coragem de não mais acreditar na via institucional da, nos perdoem o trocadilho, ex-querda: autogestão e autonomia.
Mas se o movimento que opta por atuar em outros espaços para além do institucional possui alguma ingenuidade, ela é outra. Pois ainda há aqueles e aquelas que acreditam que “a revolução será amanhã”, a ponto de sensacionalizar no melhor estilo “tabloide inglês” em cima da importante e fundamental pauta dos presos e presas políticas na espera da população imediatamente, “espontaneamente”, aderir a suas bandeiras e seguir seus delírios revolucionários. A verdade é mais dura que essa. De novo, a questão da redução da maioridade penal. Pesquisas demonstraram que a maioria esmagadora da população aprova tal medida. Independente de nossas descrenças nesses institutos estatísticos regidos pela grande mídia, a todo momento o cotidiano nos lembra do conservadorismo pulsante da sociedade brasileira com as inúmeras opressões que acontecem dia após dia. Sim, é tempo para outras alternativas. Mas cair na crença do povo libertário perpetuado pelos guetos virtuais é um equívoco colossal.
Aliás, o que diabos queremos dizer com “povo”? Sinceramente, não sabemos. Mesmo assim, preferimos agir como vanguarda iluminada a liderar as massas para a revolução com discursos dignos dos tempos de grêmio estudantil. Argumentamos: o avanço da pauta conservadora entre o “povo” também é de nossa responsabilidade, pois nunca soubemos bem dizer o que seria esse “povo”, muito menos se articular com “ele”. Correndo o risco do simplismo exacerbado, pois o desafio é árduo e a solução não está muito clara: apenas o trabalho de construção paulatina, pelas bases, aberto, dialógico e comunitário irá fazer com que o conservadorismo seja desconstruído e o anseio libertário, presente em todos nós mas talvez ainda dormente (assim insistimos em acreditar), disseminado.
Um último adento. Supracitando, “trabalho de construção paulatina, pelas bases, aberto, dialógico e comunitário”. Se abrirmos o escopo político e tivermos que dar um exemplo de quem realiza tal trabalho com maestria, diríamos: a igreja. Sim, a igreja. Esses templos religiosos pipocam nas periferias de grandes cidades, no interior esquecido. São edificadas sem a menor preocupação de holofotes, de alcançarem grandiosidades, de reivindicarem prestígio no próximo encontro internacional de algumas dúzias dos verdadeiros revolucionários (e aqui não há flexão de gênero, pois o normal desses grandes revolucionários é serem homens – ah, e brancos!). Na surdina, trabalham. Pequenos ou grandes, agregam, crescem, disseminam fé e comunhão. Se encontram articulados nos menores espaços que o tal do “povo” circula: brechós, festas tradicionais, cursos de alfabetização, salões de beleza, mutirões comunitário, distribuição de comida, entre outros.
Enquanto isso, o que nós conseguimos? Onde nós estamos? Restritos a guetos identitários querendo afirmar retóricas superiores, se preocupando com delírios dignos dos milagres da bíblia. Enquanto zombamos dos evangélicos, eles nos dão uma aula de política de base. Mesmo assim, quando a redução da maioridade penal é aprovada na câmara com apoio decisivo da bancada evangélica, buscamos apenas o alheio para responsabilizar, expurgamos Malafaias e Bolsonaros acreditando que a culpa reside inteiramente neles. Afinal, não somos a esquerda iluminada oprimida pela insolência do “povo” que teima em suas escolhas eleitorais? Dizemos fazer pelo “povo”, mas nos julgamos melhores que o próprio “povo”. Quem irá nos seguir?
A situação é trágica. Mas a saída, antes de qualquer teorização magnânima ou elaboração de grandes estratégicas, está em um gesto simples. Está na hora de nos olharmos no espelho, não temer a autocrítica e começar a trabalhar pelo que dizemos acreditar. Organização, olho-no-olho, trabalho cotidiano, ações incessantes e autogestão. Não é de baixo para cima? Então façamos micropolítica, pois os de baixo são muitos e sem tato e proximidade nós nos distanciaremos de nossos próprios ideais. Fazemos esse convite. Saiamos da reatividade. Passemos a pautar.
“O Estado não é, como pensam muitos socialistas, uma instituição que pode ser destruída por uma revolução, mas antes (…) uma condição, uma espécie de relacionamento entre seres humanos, um modo de comportamento humano; nós o destruímos começando outros relacionamentos, nos comportando de maneira diferente.” (Gustav Landauer, Um Chamado ao Socialismo)