No dia 03 de novembro de 2015 o Núcleo de Familiares de Vítimas do Estado Racista Brasileiro, da Campanha Reaja, convocou uma audiência pública para tratar dos graves atos de intimidação, terror e morte em comunidades negras de Salvador e do Interior da Bahia, onde atuam os Núcleos Avançados de Luta da Campanha Reaja. Estavam presentes os representantes dos Familiares do Jovem Jakson Costa, morto e esquartejado em Itacaré, representantes de Amargosa, Feira de Santana, Ilhéus, representantes das vítimas da Polícia dos bairros soteropolitanos Fazenda Coutos, Valéria, Engenho Velho de Brotas, Periperi e São Cristovão, além dos familiares das vítimas do massacre do Cabula. Procedemos à protocolização de Convites na Sepromi – Secretaria de Promoção da Igualdade, Secretaria de Justiça e Direitos Humanos – Geraldo Reis, o assessor do Governador, Paulo Cezar Lisboa, o Ministério Público, a Organização Justiça Global e a Defensoria, essas ultimas presentes e solidarias com nossas demandas.
Como demonstração da desatenção, do descaso e da violência institucional do governo e sua incapacidade de dialogar com membros da Campanha Reaja, entre sua maioria Mães e Pais de jovens mortos pela política letal de segurança pública, todos os convocados, se fizeram ausentes, sem qualquer justificativa, demonstrando o total descaso com as vidas negras, respaldando as denúncias que foram colhidas pela Organização Justiça Global e pela Defensoria.
Abuso policial, tortura, desrespeito e criminalização das mulheres, execuções sumárias e extrajudiciais, racismo e terrorismo de servidores públicos de uma administração já largamente confessa em seus abusos contra a maioria da população, porém, que faz uso de seus ardis políticos e da propaganda com auxílio de religiosos, políticos, ativistas e capitães do mato negros que seguem fazendo o jogo do feitor.
Não nos causou espanto, mas revolta! Depararmos-nos com imagens e notícias no dia 04 de abril, com o anúncio de recursos vultosos para o Pacto Pela Vida, programa de segurança que desde o começo, ao contrário do que se imaginou nos círculos de “Igualdade Racial”, tem gerado mais mortes e terror nas comunidades negras.
Utilizando o capital cultural e simbólico dos negros e negras que, historicamente, sempre lutaram contra esse poder colonial da Bahia, o Estado ostenta a presença de líderes negros que continuamente tangenciam as dores e as desgraças que envolvem a comunidade por seus lucros pessoais. O lançamento e anúncio do programa na página da Sepromi foi uma segunda humilhação que o governo impôs aos familiares das vítimas que organizam e comandam a campanha Reaja. Como se isso não bastasse, divulgar fotos de pessoas sorridentes em comoventes místicas com policiais da Rondesp, entre os quais, os citados na ação penal que denunciou a tragédia do Cabula. Agora o governo ignora nossa dor e nosso direito às respostas sobre vários casos apresentados a essas secretarias, desde 2006, e nos impõe esse silêncio que pretende nos matar simbólica e politicamente, ignorando-nos, fingindo que nós não existimos.
O programa Pacto Pela Vida promete recursos para essas ONGs que não se respeitam, para que realizem cursinhos de direitos humanos, fomentem as invenções da moda, aprofundando o sequestro politico do mês da consciência negra. As camisas com o timbre do governo farão caminhadas “chapa branca” enquanto o sangue continua a escorrer nos locais onde moramos, ali mesmo local onde morremos sem que ninguém lamente.
Semelhante às combativas mulheres que lutam contra o terror de demolições e remoções engendradas por ACM Neto – face da mesma moeda de Rui Costa, nós da Reaja estamos nos preparando para ofertar a Rui Costa, num desses jantares e cafés da manhã que ele organizará em novembro, o Troféu Fuzil de Ouro. Com este troféu ele poderá ostentar em suas mãos a responsabilidade pelas mortes de tantas vidas negras e, ainda assim, ter amigos, seguidores e admiradores, entre as quais, pessoas que deveriam lutar contra isso.
Insistimos que essas Secretarias acima citadas , respondam aos chamados das famílias de vitimas e das comunidades atingidas pela violência da policia com seu terrorismo de Estado.
Não queremos mendigar cargo ou emprego , emenda parlamentar ou beneficio para nossos filhos e parentes num carguinho qualquer , queremos que eles respondam porque em 09 anos de incidência da Reaja, nenhuma questão suscitadas por nós foi atendida. encaminhada.
Se antes era a enganação, a conversa interminável e um mar de reunião agora é a desatenção com nossa dor. E as pessoas que se respeitam e que nos apoiam para além das redes sociais, boicotem essas festas de um governo Genocida.
Realizada pelo Fórum de Enfrentamento ao Genocídio do Povo Negro, a Feira Pretitude Econômica teve a sua primeira edição realizada no Complexo do Alemão no dia 18 de outubro, domingo.
A Feira foi construída a partir da iniciativa de movimentos e coletivos de maioria negra das áreas da saúde, da cultura, da culinária, da educação, da psicologia, do audiovisual, bem como familiares e vítimas do Estado racista Brasileiro.
Também teve como objetivo difundir a cultura de resistência africana e afro-brasileira, impulsionando o consumos de acessórios, músicas, arte, livros entre outros bens materiais e imateriais. Como proposta, parte da renda da Feira é revertido em fundo de apoio às vítimas do Estado.
Contando com a participação de moradores e moradoras do Complexo, a Feira conseguiu atingir o seu objetivo mesmo tendo pouco tempo de divulgação. Todo o processo foi de protagonismo negro, visando fortalecer a autonomia política e financeira dos coletivos e pessoas que participaram.
Dando continuidade a série de reflexões sobre Anarquismo Negro, compilação organizada pela Rede de Informações Anarquistas atendendo a necessidade de seguir descolonizando o anarquismo, reproduzimos aqui a tradução de um texto escrito por Ashanti Alston, ex-Panteras Negras. Agradecemos a Mariana Santos, do Coletivo Das Lutas, pela tradução, que contou com apoio de Caralâmpio Trillas. O texto a seguir foi originalmente publicado no site do Das Lutas. Os outros dois textos da série podem ser encontrados aqui (relato da greve na UFRJ sob a perspectiva de um coletivo negro) e aqui (tradução de um texto de outro ex-Panteras Negras, Lorenzo Kom’boa Ervin).
Muitos anarquistas clássicos consideravam o anarquismo como um corpo de verdades elementares que apenas precisavam ser reveladas ao mundo e acreditavam que as pessoas se tornariam anarquistas uma vez expostas à lógica irresistível da ideia. Esta é uma das razões pelas quais eles tendiam a ser tão didáticos.
Felizmente a prática vivida do movimento anarquista é muito mais rica do que isso. Poucos “convertem-se” de tal forma: é muito mais comum que as pessoas abracem o anarquismo lentamente, à medida que descobrem que é relevante para a sua experiência de vida e permeável a suas próprias percepções e preocupações.
A riqueza da tradição anarquista está justamente na longa história de encontros entre dissidentes não-anarquistas e o quadro anarquista que herdamos do final do Século XIX e início do Século XX. O anarquismo tem crescido através de tais encontros e agora enfrenta contradições sociais que antes eram marginais ao movimento. Por exemplo, há um século atrás, a luta contra o patriarcado era uma preocupação relativamente menor para a maioria dos anarquistas, mas hoje é amplamente aceita como uma parte integrante da nossa luta contra a dominação.
Foi somente nos últimos 10 ou 15 anos que os anarquistas na América do Norte começaram a explorar à sério o que significa desenvolver um anarquismo que tanto pode combater a supremacia branca como articular uma visão positiva da diversidade cultural e de intercâmbio cultural. Camaradas estão trabalhando duro para identificar os referenciais históricos de tal tarefa, como o nosso movimento deve mudar para abraçá-lo, e como um anarquismo verdadeiramente antirracista pode parecer.
O seguinte material, de Ashanti Alston, membro do conselho do IAS, explora algumas destas questões. Alston, que era membro do Partido dos Panteras Negras e do Exército Negro de Libertação, descreve o(s) seu(s) encontro(s) com o anarquismo (que começou quando ele foi preso por atividades relacionadas com o Exército Negro de Libertação). Ele toca em algumas das limitações das visões mais antigas do anarquismo, a relevância contemporânea do anarquismo para os negros, e alguns dos princípios necessários para construir um novo movimento revolucionário.
Esta é uma transcrição editada de uma palestra dada por Alston em 24 de outubro de 2003 no Hunter College, em Nova York. O evento foi organizado pelo Instituto de Estudos Anarquistas e co-patrocinado pelo Movimento Estudantil de Ação Libertadora, da Universidade de Cidade de Nova York ~ Chuck Morse
Embora o Partido dos Panteras Negras fosse muito hierárquico, eu aprendi muito com a minha experiência na organização. Acima de tudo, nos Panteras me marcou a necessidade de aprender com as lutas de outros povos. Eu acho que tenho feito isso e essa é uma das razões pelas quais sou um anarquista hoje. Afinal, quando velhas estratégias não funcionam, precisamos olhar para outras formas de fazer as coisas, para ver se podemos nos descolar e avançar novamente. Nos Panteras, absorvemos muita coisa de nacionalistas, marxistas-leninistas, e de outros como eles, mas suas abordagens para a mudança social tinham problemas significativos e me aprofundei no anarquismo para ver se haviam outras maneiras de pensar sobre como fazer uma revolução.
Eu aprendi sobre anarquismo através de cartas e de literatura enviadas para mim, enquanto estava em várias prisões por todo o país. No começo eu não queria ler qualquer material que recebi – parecia que o anarquismo era apenas sobre o caos e todo mundo fazendo suas próprias coisas – e por muito tempo eu o ignorei. Mas houve momentos – quando eu estava na solitária – que não tinha mais nada para ler e, para fugir do tédio, finalmente comecei a meter a mão no tema (apesar de tudo o que eu tinha ouvido falar sobre o anarquismo até o momento). Fiquei realmente muito surpreso ao encontrar análises de lutas populares, culturas populares e formas de organizações populares – aquilo fez muito sentido para mim.
Estas análises me ajudaram a ver coisas importantes sobre a minha experiência nos Panteras que não estavam claras para mim antes. Por exemplo, eu pensei que havia um problema com a minha admiração por pessoas como Huey P. Newton, Bobby Seal, e Eldridge Cleaver e com o fato de que eu os tinha colocado em um pedestal. Afinal de contas, o que isso diz sobre você, se você permitir que alguém se estabeleça como seu líder e tome todas as suas decisões por você? O anarquismo me ajudou a ver que você, como um indivíduo, deve ser respeitado e que ninguém é suficientemente importante para pensar por você. Mesmo que nós achemos que Huey P. Newton ou Eldridge Cleaver são os piores revolucionários do mundo, eu deveria me ver como o pior revolucionário, exatamente como eles. Mesmo que eu fosse jovem, tenho um cérebro. Eu posso pensar. Eu posso tomar decisões.
Eu pensei em tudo isso enquanto estava na prisão e me vi dizendo: “Cara, nós realmente nos colocamos de uma forma que éramos obrigados a criar problemas e produzir cismas. Fomos obrigados a seguir programas sem pensar”. A história do Partido dos Panteras Negras, tão incrível como é, tem esses esqueletos. A menor pessoa no totem deveria ser um trabalhador e o que estava na parte superior era quem tinha o cérebro. Mas na prisão eu aprendi que eu poderia ter tomado algumas dessas decisões sozinho e que as pessoas ao meu redor poderiam ter tomado essas mesmas decisões. Embora eu tenha apreço por tudo o que os líderes do Partido dos Panteras Negras fizeram, eu comecei a ver que podemos fazer as coisas de forma diferente e, assim, extrair mais plenamente nossas próprias potencialidades e nos encaminharmos ainda mais para uma autodeterminação real. Embora não tenha sido fácil no início, insisti com o material anarquista e descobri que eu não poderia colocá-lo de lado, uma vez que começou a me dar vislumbres. Eu escrevi para pessoas em Detroit e no Canadá, que tinham me enviado a literatura, e pedi para que me enviassem mais.
No entanto, nada do que eu recebi tratava de pessoas negras ou latinas. Talvez houvesse discussões ocasionais sobre a Revolução Mexicana, mas nada falava de nós, aqui, nos Estados Unidos. Houve uma ênfase esmagadora sobre aqueles que se tornaram os anarquistas fundadores – Bakunin, Kropotkin, e alguns outros – mas estes valores europeus, que abordavam as lutas europeias, realmente não dialogavam comigo.
Eu tentei descobrir como isso se aplicava a mim. Comecei a olhar para a História Negra de novo, para a História Africana, e as histórias e lutas das outras pessoas de cor. Eu encontrei muitos exemplos de práticas anarquistas nas sociedades não europeias, desde os tempos mais antigos até o presente. Isso foi muito importante para mim: eu precisava saber que não eram apenas os europeus que poderiam funcionar de uma forma antiautoritária, mas que todos nós podemos.
Fui encorajado por coisas que eu encontrei na África – não tanto pelas antigas formas que chamamos de tribos – mas por lutas modernas que ocorreram no Zimbabwe, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Ainda que fossem liderados por organizações vanguardistas, eu vi que as pessoas estavam construindo comunidades democráticas radicais na base. Pela primeira vez, nesses contextos coloniais, os povos africanos estavam criando o que era chamado pelos angolanos de “poder popular”. Este poder popular tomou uma forma muito antiautoritária: as pessoas não estavam só conduzindo suas vidas, mas também as transformando enquanto lutavam contra qualquer poder estrangeiro que os oprimia. No entanto, em cada uma dessas lutas de libertação, novas estruturas repressivas foram impostas logo que as pessoas chegavam próximo à libertação: a liderança estava obcecada com idéias de governança, em estabelecer um exército permanente, em controlar as pessoas depois que os opressores forem expulsos. Uma vez que a tão apregoada vitória foi conseguida, o povo – que havia lutado durante anos contra os seus opressores – foi desarmado e, em vez de existir um poder popular real, um novo partido foi instalado no comando do Estado. Assim, não houve reais revoluções ou a verdadeira libertação em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Zimbabwe, porque eles simplesmente substituíram um opressor estrangeiro por um opressor nativo.
Então, aqui estou eu, nos Estados Unidos, lutando pela libertação negra e me perguntando: como é que podemos evitar situações como essa? O anarquismo me deu uma maneira de responder a esta questão, insistindo que nós ponhamos no lugar, como fazemos em nossa luta agora, as estruturas de tomada de decisões e de fazer coisas que continuamente tragam mais pessoas para o processo, e não apenas deixar a maioria das pessoas “iluminadas” tomarem decisões por todos os outros. O próprio povo tem que criar estruturas em que articulem sua própria voz e em que tomem suas próprias decisões. Eu não recebi isso de outras ideologias: eu recebi isso do anarquismo.
Também comecei a ver, na prática, que as estruturas anarquistas de tomada de decisão são possíveis. Por exemplo, nos protestos contra a Convenção Nacional Republicana, em agosto de 2000, eu vi os grupos normalmente excluídos – pessoas de cor, mulheres e gays – participarem ativamente de todos os aspectos da mobilização. Nós não permitimos que pequenos grupos tomassem decisões por outros e, apesar de as pessoas terem diferenças, elas eram vistas como boas e benéficas. Era novo para mim, depois da minha experiência nos Panteras, estar em uma situação onde as pessoas não estão tentando disputar o mesmo lugar e realmente abraçam a tentativa de resolver nossos interesses por vezes contraditórios. Isso me deu algumas idéias sobre como o anarquismo pode ser aplicado.
Também me fez pensar: se pode ser aplicado para os diversos grupos no protesto contra a Convenção, poderia eu, como um ativista negro, aplicar essas coisas na comunidade negra?
Algumas de nossas idéias sobre quem somos como povo bloqueiam nossas lutas. Por exemplo, a comunidade negra é muitas vezes considerada um grupo monolítico, mas na verdade é uma comunidade de comunidades com muitos interesses diferentes. Penso em ser negro não tanto como uma categoria étnica, mas como uma força de oposição ou como pedra de toque para ver as coisas de forma diferente. A cultura negra sempre foi opositora e tudo isso é a busca de caminhos para criativamente resistir à opressão aqui, no país mais racista do mundo. Então, quando eu falo de um Anarquismo Negro, não está tão ligado à cor da minha pele, mas quem eu sou como pessoa, como alguém que pode resistir, quem pode enxergar de uma forma diferente quando eu estou bloqueado e, assim, viver de forma diferente.
O que é importante para mim sobre o anarquismo é a sua insistência de que você nunca deve ficar preso em velhas e obsoletas abordagens e sempre deve tentar encontrar novas maneiras de ver as coisas, de sentir e de se organizar. No meu caso, eu apliquei pela primeira vez o anarquismo no início de 1990 em um coletivo que criamos para rodar o jornal dos Panteras Negras novamente. Eu ainda era um anarquista “no armário” neste momento. Eu ainda não estava pronto para sair e me declarar um anarquista, porque eu já sabia o que as pessoas iriam dizer e como eles iriam olhar para mim. Quem eles veriam quando digo “anarquista”? Eles veriam os anarquistas brancos, com todos aqueles cabelos engraçados, etc. e dizer “como diabos é que você vai se envolver com isso?”
Houve uma divisão neste coletivo: de um lado havia companheiros mais velhos que estavam tentando reinventar a roda e, por outro, eu e alguns outros que diziam: “Vamos ver o que podemos aprender com a experiência vinda dos Panteras e construir em cima dela e melhorá-la. Nós não podemos fazer as coisas da mesma maneira”. Enfatizamos a importância de uma perspectiva antissexista – uma velha questão dentro dos Panteras – mas do outro lado estava algo do tipo “eu não quero ouvir todas essas coisas feministas”. E nós dissemos: “Tudo bem se você não quer ouvir isso, mas queremos que as pessoas jovens ouçam, para que eles saibam sobre algumas das coisas que não funcionaram nos Panteras, para que eles saibam que nós tivemos algumas contradições internas que não poderíamos superar”. Nós tentamos forçar a questão, mas se tornou uma batalha e as discussões tornaram-se tão difíceis que uma separação ocorreu. Neste ponto, deixei o coletivo e comecei a trabalhar com grupos anarquistas e antiautoritários, que foram realmente os únicos a tentarem lidar de forma consistente com essas dinâmicas até o momento.
Uma das lições mais importantes que eu também aprendi com o anarquismo é que você precisa olhar para as coisas radicais que já fazemos e tentar incentivá-las. É por isso que eu acho que há muito potencial para o anarquismo na comunidade negra: muito do que já fazemos é anarquista e não envolve o Estado, a polícia ou os políticos. Nós tomamos conta um do outro, nós nos importamos com os filhos uns dos outros, nós vamos para o mercado uns para os outros, encontramos maneiras de proteger nossas comunidades. Até mesmo igrejas ainda fazem as coisas de uma forma muito comunal, até certo ponto. Eu aprendi que existem maneiras de ser radical sem ficar distribuindo literatura e dizendo às pessoas: “Aqui está o retrato da situação, se você enxergar isso, vai seguir automaticamente a nossa organização e se juntará à revolução”. Por exemplo, a participação é um tema muito importante para o anarquismo e também é muito importante na comunidade negra. Considere o jazz: é um dos melhores exemplos de uma prática radical existente porque ele assume uma conexão participativa entre o individual e o coletivo e permite a expressão de quem você é, dentro de um ambiente coletivo, com base no gozo e no prazer da música em si. Nossas comunidades podem ser da mesma forma. Podemos reunir todos os tipos de perspectivas de fazer música, de fazer revolução.
Como podemos nutrir cada ato de liberdade? Seja com as pessoas no trabalho ou as pessoas que passam o tempo na esquina, como podemos planejar e trabalhar juntos? Precisamos aprender com as diferentes lutas ao redor do mundo que não são baseadas em vanguardas. Há exemplos na Bolívia. Há os zapatistas. Há grupos no Senegal construindo centros sociais. Você realmente tem que olhar para as pessoas que estão tentando viver e não necessariamente tentando chegar com as idéias mais avançadas. Precisamos tirar a ênfase do abstrato e focar no que está acontecendo na base.
Como podemos construir com todas estas diferentes vertentes? Como podemos construir com os Rastas? Como podemos construir com as pessoas da Costa Oeste que ainda estão lutando contra o governo, por conta da mineração em terras indígenas? Como podemos construir com todos esses povos para começar a criar uma visão da América que seja para todos nós?
Pensamento de oposição e os riscos de ser oposição são necessários. Eu acho isso é muito importante neste momento e uma das razões pelas quais eu acho que o anarquismo tem muito potencial para nos ajudar a seguir em frente. E isso não é um pedido para aderirmos dogmaticamente aos fundadores da tradição, mas para estarmos abertos a tudo o que aumenta a nossa participação democrática, a nossa criatividade e nossa felicidade.
Acabamos de ter uma Conferência Anarquista de Pessoas de Cor em Detroit, de 03 a 05 de outubro. Cento e trinta pessoas vieram de todo o país. Foi ótimo para vermos nós mesmos e bem como o interesse das pessoas de cor de todo o Estados Unidos em busca de formas marginais de se pensar. Vimos que poderíamos nos tornar aquela voz em nossas comunidades, que diz: “Espere, talvez nós não precisemos nos organizar assim. Espere, a maneira que você está tratando as pessoas dentro da organização é opressiva. Espere, qual é a sua visão? Gostaria de ouvir a minha?”. Há uma necessidade para esses tipos de vozes dentro de nossas diversas comunidades. Não apenas as nossas comunidades de cor, mas em toda comunidade há uma necessidade de parar o avanço dos planos pré-fabricados e confiar que as pessoas podem descobrir coletivamente o que fazer com este mundo. Eu acho que nós temos a oportunidade de deixar de lado o que nós pensamos que seria a resposta e lutarmos juntos para explorar diferentes visões do futuro. Podemos trabalhar nisso. E não há uma resposta: temos de trabalhar com isso à medida que avançamos.
Embora queiramos lutar, vai ser muito difícil por causa dos problemas que herdamos deste império. Por exemplo, eu vi algumas lutas muito duras, emocionadas, em protestos contra a Convenção Nacional Republicana. Mas as pessoas se mantiveram bloqueadas, mesmo quem começou a chorar no processo. Não vamos superar algumas das nossas dinâmicas internas que nos mantiveram divididos, a menos que estejamos dispostos a passar por algumas lutas realmente difíceis. Esta é uma das outras razões pelas quais eu digo que não há uma resposta: só temos que passar por isso.
Nossas lutas aqui nos Estados Unidos afetam todos no mundo. As pessoas nas classes subalternas vão desempenhar um papel fundamental e a maneira como nos relacionamos com elas vai ser muito importante. Muitos de nós somos privilegiados o suficiente para ser capaz de evitar alguns dos desafios mais difíceis e vamos ter de abrir mão de parte desse privilégio, a fim de construir um novo movimento. O potencial está lá. Nós ainda podemos ganhar – e redefinir o que significa vencer – mas temos a oportunidade de promover uma visão mais rica da liberdade do que já tinha antes. Temos que estar dispostos a tentar.
Como um Pantera, e como alguém que passou à clandestinidade enquanto guerrilha urbana, pus a minha vida no limite. Eu assisti meus companheiros morrerem e passei a maior parte da minha vida adulta na prisão. Mas eu ainda acredito que podemos vencer. A luta é muito difícil e quando você cruza esse limite, você corre o risco de ir para a cadeia, ficar gravemente ferido, morto, e assistir seus companheiros ficando gravemente feridos e mortos. Isso não é uma imagem bonita, mas isso é o que acontece quando você luta contra um opressor enraizado. Estamos lutando e isso vai tornar tudo mais difícil para eles, mas a luta também vai ser difícil para nós.
É por isso que temos de encontrar maneiras de amar e apoiar uns aos outros através de tempos difíceis. É mais do que apenas acreditar que podemos vencer: precisamos ter estruturas consolidadas que possam nos ajudar a caminhar, quando sentirmos que não podemos dar mais nenhum passo. Acho que podemos mudar novamente se pudermos descobrir algumas dessas coisas. Este sistema tem que cair. Isso nos fere a cada dia e não podemos desistir. Temos que chegar lá. Temos que encontrar novas maneiras.
O anarquismo, se significa alguma coisa, significa estar aberto para o que quer que for preciso em nosso pensamento, em nossa vivência e nas nossas relações – para vivermos plenamente e vencermos. De certa forma, eu acho que são a mesma coisa: viver a vida ao máximo é ganhar. É claro que vamos e devemos entrar em conflito com os nossos opressores e precisamos encontrar boas maneiras de fazê-lo. Lembre-se daqueles das classes subalternas, que são os mais afetados por isso. Eles podem ter diferentes perspectivas sobre como essa luta deve ser feita. Se nós não podemos encontrar caminhos para nos encontrarmos cara-a-cara afim de resolvermos essa situação, velhos fantasmas reaparecerão e nós voltaremos à mesma velha situação em que estivemos antes.
Vocês todos podem fazer isso. Você tem a visão. Você tem a criatividade. Não permitam que ninguém bloqueie isso.
Na última sexta-feira, 12 de Junho, o Coletivo Negro Carolina de Jesus – UFRJ realizou uma reunião aberta para todas as negras e negros da universidade, a fim de se discutir o movimento negro dentro da UFRJ e a importância de sua organização para levar a mobilização estudantil ao campo real das desigualdades econômicas e sociais e como este movimento pode dialogar dentro e fora dos espaços universitários.
A reunião, que contou com a participação de, aproximadamente, 40 pessoas, entre negras e negros da UFRJ, UFF, UERJ, UFRRJ e de outros espaços, conseguiu sintetizar em algumas horas de falas e narrativas diversas um pouco da dor que vive os estudantes negros e negras, pobres e precarizadas que hoje tentam se manter num curso de ensino superior. Os presentes entraram em consenso sobre a necessidade do ENEGRECIMENTO das universidades, ou seja, da necessidade de lutarmos pelo respeito e existência da cultura negra e da possibilidade de seu acesso às populações negras de toda a cidade.
Tendo como norte uma racialização necessária para radicalizar a luta pela assistência e permanência estudantil nas universidades, o coletivo deliberou diversas atividades pelo campus da UFRJ, além de fortalecer e potencializar o vínculo com coletivos negros de outras instituições. Os diálogos também demonstraram a necessidade de uma construção livre e autônoma dentro do movimento estudantil, uma vez que as principais instâncias representativas estão aparelhadas por partidos políticos que NÃO contemplam as falas das negras e negros na universidade. Segue abaixo um calendário resumido, publicado pelo coletivo e que contém as principais atividades desta semana:
A Rede de Informações Anarquistas abre uma seção de artigos e escritos, alguns traduzidos, outros produzidos por colaboradores, sobre a temática da luta antirracista e sua relação com o anarquismo, ou o Anarquismo Negro, por assim dizer, termo que ganhou força nos Estados Unidos devido a militância de pessoas negras, algumas ex-Panteras Negras, no meio libertário. Acreditamos ser um assunto a nós caro, pois o racismo foi historicamente tratado como uma questão secundária pela teoria e prática de esquerda, um equívoco do qual o movimento anarquista não escapou.
Tratar desse problema é, de certa forma, atualizar o anarquismo para as nossas realidades e temporalidades, para a favela e para o quilombo. O desafio diante de nós é árduo, pois devemos evitar naturalizações, etnocentrismos e colonialismos, molduras que impossibilitam a construção de um movimento social palpável de caráter combativo e libertador dentro de nossos contextos regionais nos quais questões locais, identitárias e culturais, são tão importantes quanto a tradicional luta global de trabalhadores e trabalhadoras contra o capital.
Desse modo, começamos com a tradução de um relato sincero e provocativo do escritor anarquista Lorenzo Kom’boa Ervin, ex-membro do Panteras Negras, e originalmente publicado em inglês no primeiro exemplar do Jornal da Anarquia e da Revolução Negra. Lorenzo discorre sobre as deficiências do movimento anarquista estadunidense no tocante à luta contra o racismo nesse país, trazendo algumas questões pertinentes para a construção de mobilizações antirracistas no seio do movimento anarquista brasileiro. Sem mais delongas, segue o texto.
FALANDO DE ANARQUISMO, RACISMO E LIBERTAÇÃO NEGRA
Por Lorenzo Kom’boa Ervin
Essa é a primeira edição do Journal of Anarchy and the Black Revolution (Jornal da Anarquia e da Revolução Negra) e apesar de eu achar que não vai ser o último, não sei que forma e contorno que o jornal vai tomar daqui em diante. Seu futuro dependerá amplamente da natureza da luta negra anti-autoritária que está sendo fermentada e desenvolvida em nossas comunidades. Nós não sabemos precisamente como será nossa relação com o movimento anarquista estadunidense – se será fraterna, hostil ou cautelosa.
Deve ser claro que um movimento que é todo branco, de classe-média, egocêntrico e ingênuo não é um com o qual podemos nos unir. Além disso, trate-se de um movimento o qual pode fazer muito pouco por contra própria, muito menos pela nossa luta. Então é o momento de uma conversa franca com o anarquismo se quisermos avançar da onde estamos para a possibilidade real de uma revolução social.
Por mais de 15 anos, desde que eu me iniciei no assim chamado movimento anarquista estadunidense, tenho estado em conflito com o mesmo. Venho continuamente apontado em meus textos e artigos em publicações anarquistas, apresentações orais e conversas pessoais que o cenário anarquista nos Estados Unidos não é o que deveria ser para ser levado a sério. Eu duvido até mesmo que trata-se de um movimento social propriamente dito, e sim uma cena de contra-cultura tocada por uma juventude branca.
Não sou o primeiro a reconhecer isso. Várias outras pessoas anarquistas negras e não-brancas com as quais tenho conversado como Juliana em Minneapolis, Greg em Seattle, Barbara em Nova Iorque, Ojore em Nova Jersey, Shawn em Massachusetts e outras vêm reconhecendo tal fato. No mesmo sentido, vários ativistas negros radiciais e comunitários que podem se interessar pelo anarquismo são repelidos pela cena majoritariamente branca e de classe-média. Quem pode culpá-los? O movimento anarquista possui algumas das piores políticas na questão da classe e da raça nessa sociedade e nem mesmo simulam estar interessado com as condições das massas negras oprimidas.
Sempre que tento chamar por reformas dentro do próprio movimento anarquismo, como diversificação racial e cultural, recrutamento de mais pessoas negras e do terceiro mundo, construção de um movimento antirracista alternativo que venha desafiar a identidade branca assim como a opressão de pessoas não-brancas, venho encontrando resistências por anarquistas “puristas” e radicais brancas dentro da cena. Eu lutei contra o Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo), contra a Social Revolutionary Anarchist Federation (Federação Social Revolucionária Anarquista) e outros grupos anarquistas dos Estados Unidos na década de 1970 quando me juntei à ao cenário anarquista. Recentemente passei pela mesma luta com um grupo chamado Love and Rage Revolutionary Anarchist Federation (Federação Revolucionária Anarquista Amor e Ódio) que tem a sua sede em Nova Iorque. Então não se trata de algo recente – isso vem ocorrendo por anos e anos!
Purismo Anarquista e Supremacia Branca
A questão então surge: estão os anarquistas deliberadamente construindo um movimento branco, questão a qual denomino como problemática dos “direitos brancos” que apenas a refinada classe-média radical está interessada? Esse é o caso mesmo quando a maioria dessas pessoas vivem em cidades cuja população é majoritariamente negra como Detroit, Oakland, Atlanta, Philadelphia e outras. Elas vivem em guetos anarquistas e olham para a comunidade negra que os circundam com uma hostilidade desconfiada e muda. Pode esse tipo de movimento trabalhar em prol da revolução social quando, no final dessa década, está previsto que metade da nação estadunidense será composta por pessoas não-brancas? Eu duvido!
Mesmo o Partido Republicano reconhece que não pode criar qualquer esperança de construir uma coligação governamental capitalista sem a participação da população não-branca, então o que diabos está errado com esses anarquistas?
O purismo anarquista é uma forma de conformidade ideológica, um método de manter os ideais anarquistas “puros” e de prevenir a emergência de qualquer movimento alternativo que violem os princípios cardinais do pensamento e da prática anarquista europeia tradicional. Tal ferramenta também serve para assegurar que apenas pessoas brancas vão definir e continuar a dominar a teoria anarquista e que apenas essas pessoas vão ocupar as fileiras do movimento.
Movimentos emergentes nas comunidades negras e hispânicas, os quais são influenciados pelo nacionalismo revolucionário e pelo núcleo anti-autoritário do anarquismo, estariam sendo denunciados como “não sendo verdadeiramente anarquista”, assim negado qualquer tipo de apoio. Eu presenciei isso sendo realizado historicamente – como é o caso do Student Non-Violent Coordinating Committee (Comitê Coordenador de Estudantes Pacíficos) na década de 1960; da Martin Sostre (e de mim mesmo) na década de 1970; do MOVE nos anos 80, e é algo que acontece até o presente dia. Sem fracassar, essa é uma forma de manter o movimento “em seu lugar” [e branco]. Contudo, também acaba por se transformar em uma camisa-de-força ideológica que o separa dos eventos sociais que ocorrem fora da comunidade branca radical, onde o mundo real e concreto acontece; como consequência, essas práticas colaboram com a marginalização do anarquismo quando o movimento demanda conformidade com o catecismo que Bakunin e Kropotkin escreveram há 100 anos atrás. Como que isso pode ser diferente do marxismo?
Também há a questão do elitismo e racismo desses anarquistas, como é o caso do grupo Love and Rage, que acreditam que eles podem pensar e falar pelos revolucionários e revolucionárias negras e pelas comunidades da onde estes ativistas são provenientes. Essas pessoas são de lares privilegiados que deixaram suas casas para brincarem de revolucionários malvados e fingirem ser pobres. A verdade é que um par de coturnos, calças rasgadas e camisetas sujas não fazem de uma pessoa alguém pobre ou um especialista em políticas raciais estadunidenses. Isso não é nada além de ação missionária para essas pessoas. Elas podem ter modificado suas atitudes; continuam sendo arrogantes doutrinários e condescendentes ao máximo. Elas podem achar que possuem a resposta e que todo mundo, especialmente pessoas negras, deve segui-los para a Terra Prometida. Apenas essas pessoas são qualificadas para falar sobre as questões de raça e classe. Elas sabem de tudo!
Radicais brancos como esses realmente me cansam. Por conta disso apenas um movimento egocêntrico e arrogante vai surgir com esse tipo de ética social dominante no centro do grupo.
Mas há um outro tipo de radical branco dentro do movimento anarquista que precisa ser combatido. Esse é o tipo que alega desconhecer qualquer diferença entre as condições dos trabalhadores e trabalhadoras negras e brancas e argumenta que “nós estamos todos no mesmo barco”. Esse tipo aparenta não enxergar qualquer forma de opressão racial na sociedade estadunidense e que pessoas negras e não-brancas não merecem qualquer “tratamento especial”. Esse tipo de pessoa é frequentemente encontrada no movimento anarco-sindicalista nos Estados Unidos. Trata-se de fato de uma tendência antiga, uma posição economicista, que sacrifica a luta contra o racismo em prol da paz intraclasse entre trabalhadores e trabalhadoras negras e brancas. Seguindo essa lógica, nós devemos unir com base em questões econômicas e evitar problemas “controversos” e “sectaristas” da raça. Entretanto, como pretendo expor logo adiante, essa é na verdade uma posição racista e escapista e demonstra que eles não possuem de nenhum modo alguma estrutura moral.
Trata-se de uma desculpa esfarrapada na tentativa de alegar que a “classe trabalhadora” está sendo oprimida sem apontar para o fato de que não existe uma classe trabalhadora monolítica no país – e que nunca existiu. Sempre houve uma classe trabalhadora afro-americana brutalizada e explorada, a começar pela escravidão, passando pelos períodos econômicos agrário e industrial, chegando na chamada era da informação. A mão-de-obra negra sempre esteve sujeita à opressão racial em adição à luta dos trabalhadores e trabalhadoras contra o governo do capital.
É um reducionismo do pior tipo alegar que não há diferenças nas posições sociais da classe trabalhadora negra, que não há uma opressão especial, como o grupo Workers Solidarity Alliance (Aliança Solidária dos Trabalhadores) faz. Em um artigo publicado em Ideas and Action (Ideias e Ações), o jornal político da WSA, um escritor declarou que via nenhuma diferença ou “nada em especial”, o citando, entre pessoas canhotas e as condições de pessoas afro-americanas. Mas a questão mais infame da publicação estava em um artigo que ocupava uma página inteira na 13ª edição, impressa em 1990, chamada “White Workers and Racism” (Trabalhadores Brancos e Racismo) e escrito em resposta ao assassinato racista de Yusuf Hawkins em Nova Iorque.
Da forma mais repugnante possível, o artigo tenta equiparar “ataques contra brancos inocentes por juventudes de minorias étnicas” com o assassinato racista de Hawkins. Neil Farber (um pseudônimo de um membro não-identificado da WSA) fala sobre “racismo e demagogos em ambos os lados”, uma clássica desculpa da classe-média branca. Ele nega haver algo como o privilégio da pele branca, dizendo que trata-se apenas de uma criação de setores da esquerda na década de 1960. Nós devemos assumir que ele está falando do Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras) ou do sindicato revolucionário League of Revolutionary Black Workers (Liga dos Trabalhadores Revolucionários Negros), apesar dele tentar afirmar que está falando sobre indivíduos radicais brancos.
O autor afirma ainda que o relativo padrão de vida superior é devido às “lutas dos trabalhadores”, como se trabalhadores brancos tivessem “ganhado” seu espólio por terem lutado contra o patrão. Falso. O padrão de vida da classe-média branca só é possível por conta da exploração disseminada de países colonizados e da escravidão e da continuação da ampla exploração de trabalhadores e trabalhadoras afro-americanas e não-brancas.
Esses absurdos escritos por Farber são coroados pela declaração do movimento anarco-sindicalista de que ele “sempre” apoiou as lutas de trabalhadores e trabalhadoras oprimidas. Isso é uma mentira. O movimento anarquista em geral nunca forneceu apoio à luta negra ou se envolveu em movimentos antirracistas. A WSA não é uma exceção. Eles estão apenas agora começando a assim fazer.
A negação do privilégio da pele branca é um tipo de obscurantismo o qual a esquerda branca no geral, e particularmente os anarquistas, é responsável pela sua existência. Esse obscurantismo, ou o obscurecer da concretitude da opressão negra, foi também denominada de “ponto cego branco” por radicais como Noel Ignatiey, organizador e teórico de longa data sobre questões da raça e da classe.
Mas em adição ao ocultamento de problemáticas econômicas, há um tipo de escapismo eclético dentro do anarquismo estadunidense que finge que a opressão de gênero, a opressão homofóbica, a exploração de classe e outras opressões, ou outras contradições dentre a nacionalidade branca, está a par ou é até mesmo mais importante do que a supremacia branca. Esses indivíduos são geralmente pessoas que aderem à comportamentalização, ou tentam confinar impecavelmente as dinâmicas do racismo como uma questão secundária ou como uma questão política singular, sendo apenas um outro “ismo”.
Isso reflete-se em seus movimentos – movimentos majoritariamente brancos contra o “fascismo” ou o que eles chamam de racismo, habitualmente organizações KKK/Nazis em bruto. Eles nunca lidam com o racismo institucional ou com o diferencial da supremacia branca na qualidade de vida desse país. São bastantes pueris, idealísticos e emocionais, e certamente não fazem nenhum bem à pessoas negras ou não-brancas. Nós não estamos mais protegidos do fascismo por conta desses bons samaritanos brancos. Eles são parte do problema, não parte da solução.
Quem sabe será possível para o cenário anarquista estadunidense coexistir com, muito menos trabalhar em conjunto com um movimento negro anti-autoritário há pouco emergente? Algo que os anarquistas brancos devem compreender é que não trata-se meramente de conseguir que pessoas negras ou não-brancas se juntem a associações anarquistas apenas para dizer que eles agora possuem uma face negra. Nós devemos trabalhar para construir uma sociedade não-racista; devemos, assim, ter uma unidade de princípios.