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A Garizada do Rio de Janeiro deu o papo: Não Tem Arrego!

O local é a Fazenda Botafogo, uma região marcada pela pobreza e pela violência comum no subúrbio carioca. Próximo à um rio assoreado, que se tornou uma grande vala de esgoto a céu aberto, fica uma das gerências regionais da ComlurbCompanhia Municipal de Limpeza Urbana. Em sua página de divulgação, a Companhia se define como “sociedade anônima de economia mista” cuja prefeitura Rio de Janeiro aparece como acionista majoritária. E no meio dessa verdadeira salada de gestores fica a grande (e exploradíssima) mão-de-obra representada pelos profissionais da limpeza urbana, tradicionalmente conhecidos como gari, ou como os próprios gostam de se reconhecer, “A Garizada”.

Na tarde do dia 12 de Novembro, um grupo desses profissionais foi à regional da Fazenda Botafogo para continuar um processo de mobilização da classe na luta por direitos e melhorias na condição de trabalho. Essas reuniões, nomeadas pelos próprios como Reuniões para Propostas de Pauta, acontecem de forma simples e direta entre os próprios garis, e vêm se desdobrando atrás dos holofotes que nos últimos meses foram dados à realização da Copa do Mundo e ao processo eleitoral.

Não tem Arrego!
Não tem Arrego!

As reuniões de propostas de pauta possuem a estrutura já conhecida pelo movimento assemblear que eclodiu no Rio de Janeiro após as manifestações populares de Junho/2013. Na calçada da regional faz-se uma roda e os participantes iniciam um debate direto, sem líderes ou mesa centralizadora para dar o comando da reunião. Todos possuem direito à voz e destaca-se um responsável para realizar a inscrição dos participantes. Os que chegam depois e ficam curiosos para saber o que ocorre são recebidos por um participante, que os explica o que está acontecendo e qual o objetivo. Os assuntos são esgotados entre os participantes até que se defina um consenso. Do início da mobilização até o momento, as reuniões de propostas, seguindo este método, já definiram 25 pautas possíveis para representar as reivindicações dos garis. Entretanto, que fique claro, como os presentes fizeram questão de enfatizar: são propostas, e não definições. Ou seja, novas pautas podem ser acrescentadas e até mesmo algumas anteriores podem ser rediscutidas durante as assembleias deliberativas, que ocorrerão na sede do sindicato.

A ideia desse movimento de organização da base pela base partiu dos próprios garis que tiveram um papel mais participativo nas mobilizações de Março de 2014 e nas mobilizações anteriores. A lembrança da histórica luta dessa classe durante o carnaval carioca enche de orgulho (e por que não?) os que hoje participam da nova onda de reuniões. E é com a esperança de um futuro mais justo e organizado, e com o ardente desejo de que as outras classes de trabalhadores unam-se ao processo dos garis, que esse movimento de base pretende continuar. Não obstante, a garizada deixa bem claro: qualquer um, gari ou não, que deseja ajudar na organização dos trabalhadores é bem-vindo, desde que respeite a estratégia de organização dos garis e suas deliberações.

E parece que algumas vitórias, ainda que tímidas, começam a ser obtidas: numa tentativa de boicotar a organização, os gerentes das regionais estão realizando manobras para esvaziar o local no horário marcado para início da reunião. O mesmo fato se repetiu na Fazenda Botafogo e em outros locais, como Madureira. A consequência direta deste fato são folgas fora comum e maior curiosidade dos outros garis em conhecer a proposta de organização. E que fique explícito aos gerentes: as reuniões vão continuar acontecendo e a agenda de visitas às regionais será mantida, com ou sem sanções ordenadas pela prefeitura!

Uma das reuniões, também realizada em Bangu
Uma das reuniões, também realizada em Bangu

Um dos objetivos discutidos pelos presentes na reunião da última quarta-feira é exatamente pensar um movimento para além dos atuais sindicatos, que estão corrompidos e, obviamente, engessados. Por isso mesmo, uma nova organização com novos métodos se faz necessária e presente na vida destes trabalhadores, cujo empenho e desejo de mudança os mantém com forte convicção de que a classe irá unir-se e não haverá sindicato eleitoreiro ou qualquer barreira burocrática capaz de detê-los.

A nós, que não vivemos suas realidades e tampouco sentimos na pele a indiferença que os mesmos sentem diariamente, resta o desejo para que as estratégias que vêm sendo amplamente discutidas pelos garis tornem-se realidade e consiga contornar toda a burocracia presente no sindicato, além, claro, do apoio na divulgação de suas conquistas. A primeira delas nós deixamos aqui, para todos os nossos colaboradores e leitores: a garizada tá se organizando!