Estive lhe observando… e percebi que ultimamente tem expressado através de suas ações algo que eu esperava encontrar em você há muito…
Você não é capaz de imaginar minha alegria…
Depois de tanto sofrimento as portas agora estão se abrindo… finalmente…
A inquietação fez você se mover até aqui…
Foi um longo caminho de mudanças… e muitas ainda estão para acontecer…
Sequer percebeu o quanto mudou… foi engolido por todas elas…
Seus olhos agora deixam transpassar muitas coisas que antes não conseguia sequer vislumbrar…
Seus ouvidos não escutam mais da mesma maneira… jamais escutou tão bem…
Sua boca já não lhe serve só para resmungos e cegas aceitações… agora expressam suas angústias e desilusões…
O ódio, antes adormecido, agora desperta para o sofrimento da realidade… e com ele o frenesi da coação…
Sua rotina tem mudado a passos longos desde a inquietação…
Sua mente descobriu o quanto pode ser útil para o mundo e para si…
Agora observa um horizonte bem maior…
E o caminho de sua vida o desviou para um lado bem mais coletivo…
E a principal mudança parece já estar acontecendo…
Seu coração já não pertence só a ti… ele é, por fim, do mundo… um mundo em decadência… mas com um longo caminho a ser percorrido…
E em algum lugar, a qualquer momento algo está para acontecer…
E quando acontecer esteja preparado!
Seja bem-vinda e bem-vindo à fonte dos loucos!
Enquanto se discute a reforma tributária, a reforma da previdência, a reforma do judiciário, a reforma disso e a reforma daquilo, um brasileiro bem humorado resolveu fazer, por conta própria, uma reforma em regra na Carta Magna, reduzindo-a a apenas dois artigos muito esclarecedores.
Artigo 1º
Todos os brasileiros são iguais perante a lei, exceto:
a – Os componentes do poder judiciário, por serem os pilares da democracia; b – Os políticos, por terem imunidade parlamentar; c – Os militares, por serem responsáveis pela segurança da nação; d – As pessoas jurídicas, por serem o sustentáculo financeiro do país, oferecendo emprego e produzindo os bens e serviços necessários à sobrevivência do povo; e – Os banqueiros, porque são banqueiros; f – Os donos de radio, TV e jornais, que colaboram diariamente para o fiel cumprimento desta lei, omitindo fatos que poderiam levar o resto do povo à revolta; g – Aqueles que forem julgados “especiais” pela Suprema Corte do País, pelos motivos que eles considerarem justos.
Artigo 2º
Caberá aos brasileiros, salvo as exceções previstas no artigo anterior:
a – Pagar seus impostos federais, estaduais e municipais, sob pena de prisão; b – Obedecer as leis, leis essas elaboradas e aprovadas por parlamentares eleitos graças a inestimável colaboração das pessoas inclusas no artigo 1º; c – Agradecer, toda manhã, o pão de cada dia, a escola pública de graça, o atendimento hospitalar fornecido pelo poder público, o transporte público, a água e a luz, desde que não se atrase os respectivos pagamentos, sendo que o uso de telefone fica transferido para a iniciativa privada, devendo a mesma estipular os seus regulamentos; d – Não se sentir ofendido quando um ministro do Supremo Tribunal Federal for à TV dizer ao povo, que vive com um salário mínimo de R$136,00, que o salário dos magistrados, hoje em torno de R$13.000,00 é insuficiente para sua subsistência, requerendo um abono de 20 salários mínimos a título de ajuda de moradia – moradia esta que, por sinal, eles já têm…
Revoga-se a lei natural da Revolta e da Indignação, objetivando manter as categorias previstas no artigo 1º eternamente como os supremos mandatários do país.
Essa lei entra em vigência na data de sua publicação, e tem validade até que o povo, não incluso no artigo 1º, abra os olhos e veja como funciona, de fato, toda a engrenagem.
Um rapaz passando pela frente de uma loja de animais, se interessou por um papagaio com jeito simpático. Entrando na loja, logo é abordado pelo vendedor, também simpático:
– Pois não?
– Quanto custa aquele papagaio ali na vitrine?
– Aquele custa R$ 500,00 reais…
– Nossa!, por quê tão caro?
– É que ele fala 2 línguas, entende de PABX, tem datilografia, taquigrafia e tem uma ótima memória para recados.
– Puxa!!! E aquele ali do outro lado, quanto custa?
– Aquele custa R$ 1.000,00 reais…
– Nossa!!! O que ele faz?
– Bem, faz tudo o que o outro faz e também é PHD em telecomunicações, analista de sistemas e fala 4 linguas…
– Maravilha, e aquele ali, no cantinho?
– Aquele custa R$ 5.000,00 reais…
– Esse deve saber muita coisa, não?
– Olha, até agora não descobrimos o que ele faz……. mas os outros 2 chamam ele de Chefe!
Ao largo da alegre avenida vão e vêm os transeuntes, homens e mulheres, perfurmados, elegantes, insultantes. Junto a um muro está o mendigo, a mão pedinte adiantada, nos lábios trêmulos a súplica servil.
– Uma esmola, pelo amor de Deus!
De vez em quando cai uma moeda na mão do pedinte, que este mete rapidamente no bolso emitindo louvores e reconhecimentos degradantes. O ladrão passa, e não pode evitar o olhar de desprezo sobre o mendigo. O pedinte se indigna, porque também a indignação tem pudor, e refuta irritado:
– Não tem vergonha, vadio, de se ver frente a frente a um homem honrado como eu? Eu respeito a lei: não cometo o crime de meter a mão no bolso alheio. Meus passos são firmes, como os de um bom cidadão que não tem o costume de caminhar nas pontas do pés, no silêncio da noite, por habitações alheias. Posso apresentar o rosto em todas as partes; não recuso o olhar de um policial; o rico me vê com benevolência e, ao largar uma moeda em meu chapéu, bate em meu ombro dizendo-me, “bom homem!”.
O ladrão abaixa a aba do chapéu até o nariz, faz um gesto de nojo, observa em seu redor, e replica ao mendigo:
– Não espere que eu me envergonhe em frente a ti, vil mendigo! Honrado tu? A honra não vive de joelhos esperando arrastar o osso que haveria de roer. A honradez é altiva por excelência. Não sei se sou honrado ou não; mas te confesso que tenho vergonha na cara para suplicar ao rico que me dê, pelo amor de Deus, uma migalha da qual me despojou. Violei a lei? Isto é certo; mas a lei é coisa muito distinta da justiça. Violo a lei escrita pelo burguês, e essa violação contém em si um ato de justiça, porque a lei autoriza o roubo em prejuízo do pobre; isto é uma injustiça; e quando arrebato ao rico parte do que roubou dos pobres, executo um ato de justiça. O rico te bate o ombro porque teu servilismo, tua baixeza abjeta, a ele garantirá o desfrute tranquilo daquilo do que a ti, a mim, e a todos os pobres do mundo nos tem roubado. O ideal do rico é que todos os pobres tenhamos alma de mendigo. Se fosses homem, morderias a mão do rico que te lança restos de pão. Eu te desprezo!
O ladrão cospe e se perde na multidão. O mendigo alça os olhos ao céu e geme:
Em 27 de Abril de 1894 Émile Henry apareceu diante do Tribunal Penal (Cour d’assises da Seine) para ser julgado por seus atos. Durante a audiência as respostas do “terrorista” anarquista foram em tom de desafio e provocação, fato que espantou os presentes.
Diante do comentário do juiz que presidia a seção, “…esticaste a tua mão (…) todos podemos vê-la hoje está coberta de sangue.“, Henry respondeu, “minha mão está tão coberta de sangue quanto essa sua roupa vermelha“.
Quando perguntado pelo promotor porque ele havia ferido tantas pessoas inocentes desnecessariamente, ele respondeu, “…não havia nenhum inocente lá, não existe burguesia inocente.“
Émile Henry, aos 22 anos de idade, foi guilhotinado às 4h14 da madrugada do dia 21 de Maio de 1894 na cidade de Paris. Na época sua execução foi alardeada pelos jornais das principais capitais como um exemplo de eficácia técnica e justiça. A manchete veiculada no jornal estadunidense New York Times foi: “A Guilhotina realmente funciona; A cabeça de Émile Henry foi decepada de seu corpo.“
Segue na integra o relato Émile Henry no dia do seu julgamento:
“O que vou dizer-lhes não é uma defesa. Não estou tentando escapar do castigo imposto pela sociedade que ataquei. Além do mais, só reconheço um tribunal capaz de julgar-me – eu próprio – e o veredito de qualquer outro não tem nenhuma importância para mim. Desejo apenas dar-lhes uma explicação sobre os meus atos e dizer-lhes como fui levado a praticá-los.
Faz pouco tempo que me tornei um anarquista. Foi só na metade de 1891 que ingressei no movimento revolucionário. Até então, freqüentava ambientes inteiramente imbuídos da moral vigente. Tinha sido educado para respeitar e até mesmo amar os conceitos de pátria, família, autoridade e propriedade. Pois a verdade é que os professores dessa geração moderna esquecem muitas vezes de uma coisa importante: que a vida, com suas lutas e derrotas, suas injustiças e iniqüidades, se encarrega de abrir indiscretamente os olhos daqueles que ainda ignoram a realidade. Isso aconteceu comigo, assim como acontece como todo mundo. Disseram-me que a vida era fácil, que estava aberta a todas as pessoas inteligentes e cheias de entusiasmo; a experiência me ensinou que só os cínicos e os servis conseguiam bons lugares no banquete. Disseram-me que as instituições sociais baseavam- se na justiça e na igualdade; eu observava a minha volta e só via mentiras e falsidade.
Cada dia que passava me fazia perder as ilusões. Por onde quer que andasse, testemunhava sempre a mesma coisa: a miséria de alguns e as alegrias de outros. Não tardei a entender que as grandes palavras que haviam me ensinado a venerar – honra, dedicação, dever – eram apenas máscaras que escondiam a mais vergonhosa baixeza. O dono da fábrica, que amealhava uma fortuna colossal graças ao trabalho de operários que nada tinham, era um cavalheiro; os deputados e ministros, cujas mãos estavam sempre estendidas à espera do suborno, eram homens dedicados ao bem comum; o policial, que experimentava um novo tipo de rifle alvejando crianças de sete anos, cumprira seu dever e era cumprimentado publicamente no parlamento pelo presidente do conselho. Tudo isso me enojava e minha inteligência foi aos poucos atraída pelas críticas feitas à organização social vigente. essas críticas já foram tantas vezes repetidas que não vale a pena voltar a fazê-lo. Basta apenas dizer que logo me tornei um inimigo de uma sociedade que eu julgava criminosa.
Atraído, no início, pelo socialismo não tardei a afastar-me desse partido. Amo demais a liberdade, tenho demasiado respeito pela iniciativa privada e demasiada repulsa pela organização militar para que pudesse me tornar apenas mais um número no exército ordenado do quarto estado. Além disso, cedo que o socialismo não chegava a modificar a ordem estabelecida pois mantinha o conceito da autoridade – e seja qual for a idéia que os livres pensadores autodidatas possam ter a respeito – tal conceito representa a sobrevivência de uma crença antiquada num poder superior.
Estudos científicos me fizeram ir percebendo o papel que as forças naturais desempenham no universo. Tornei-me materialista e ateu: entendi que a moderna ciência rejeita a hipótese da existência de deus porque não precisa dele. Da mesma maneira, a moral religiosa e autoritária baseada em falsas premissas, também deveria desaparecer. Perguntava a mim mesmo como harmonizar essa nova moral com as leis da natureza, capazes de regenerar o velho mundo, para que fosse possível tornar a humanidade mais feliz. Foi nesse momento que entrei em contato com um grupo de camaradas anarquistas que ainda hoje considero entre os melhores que já conheci. O caráter desses homens me cativou de imediato. Percebi neles uma grande sinceridade, uma franqueza total, uma vigorosa desconfiança de todos os preconceitos e quis entender as idéias capazes de produzir homens tão diferentes daqueles que eu até então conhecera.
Essas idéias, tal como consegui entendê-las, encontraram em minha mente um solo totalmente preparado – graças a observações e reflexões pessoais – para recebê-las. Elas vieram apenas dar objetividade ao que já existia de forma vaga e indecisa. E, por minha vez, eu também me tornei um anarquista.
Não é necessário que eu desenvolva aqui toda a teoria dos anarquistas. Desejo apenas salientar seu lado revolucionário e os aspectos negativos e destrutivos que me trouxeram a sua presença. Neste momento de amargo e acirrado combate entre a classe média e seus inimigos, sou quase tentado a dizer, como Souvarine em Germinal: “Todas as discussões sobre o futuro são criminosas, já que impedem a destruição pura e simples e retardam a marcha da revolução“.
Como contribuição pessoal à luta, eu trouxe um ódio profundo e renovado a cada dia pelo espetáculo dessa sociedade onde tudo é baixo, equívoco e feio; onde tudo serve de impedimento ao fluxo das paixões humanas, aos impulsos generosos do coração, ao vôo livre do pensamento. Desejava golpeá-la com tanta força e tanta justiça quanto fosse possível.
Comecemos com a primeira tentativa, a explosão na Rue des Carmaux. As primeiras notícias sobre a greve me encheram de alegria. Os mineiros pareciam enfim ter abandonado as inúteis greves pacíficas., nas quais o operário confiante espera pacientemente que seus poucos francos triunfem sobre os milhões da companhia. Pareciam ter finalmente escolhido o caminho da violência, que se manifestou decididamente no dia 15 de agosto de 1892. Os escritórios e prédios da mina foram invadidos por uma multidão de gente cansada de sofrer sem protestar; revoltados, os operários estavam prestes a justiçar o odiado engenheiro quando os mais medrosos decidiram interferir.
E quem eram esses homens? Os mesmos que fazem abortar todos os movimentos revolucionários porque temem que, uma vez livre, o povo não obedecerá mais ao seu comando. Os mesmos que convencem milhares de homens a suportar privações mês após mês para que , ao protestar contra essas privações, possam criar para si uma popularidade capaz de fazer com que se elejam. Tais homens – falo nos líderes socialistas assumiram de fato a liderança do movimento grevista.
Imediatamente surgiu na região, uma nuvem de cavalheiros loquazes que se colocavam inteiramente à disposição dos operários, para organizar listas para arrecadação de fundos, arranjar conferências e buscar em todos os lugares possíveis. Os mineiros entregaram a eles toda a organização do movimento e todos sabem o que aconteceu.
A greve continuou, estendeu-se durante dias e os mineiros estabeleceram relações muito íntimas com a fome, que se tornou sua mais fiel companheira. Logo esgotaram a pequena reserva de fundos de seu próprio sindicato e das outras organizações que tinham vindo em seu auxílio, então, ao fim do segundo mês de greve, cabisbaixos e humilhados, voltaram aos poços da mina mais miseráveis do que nunca. Teria sido tão simples no começo atacar a companhia no seu único ponto sensível – o financeiro – queimando os estoques de carvão, destruindo as máquinas e as bombas de recalque das minas. Se tivessem feito isso, a companhia certamente não tardaria a capitular. Mas os grandes pontífices do socialismo não permitiram a utilização desses métodos por serem típicos do anarquismo. Ao lançar mão deles estamos arriscados a levar um tiro e até quem sabe, a receber uma daquelas balas que deram resultados tão miraculosos em Fourmies. Essa não é, certamente, a melhor maneira de ganhar um lugar na câmara municipal ou na assembléia legislativa. Em resuma, após uma interrupção momentânea, a ordem voltou a reinar em Carmaux, uma vez eliminados alguns problemas passageiros. Mais poderosa do que nunca, a Companhia continuou a explorar o povo, e os cavalheiros acionistas cumprimentaram-se pelo feliz desfecho da greve, sentindo um redobrado prazer ao receber seus dividendos.
Foi então que decidi introduzir naquele concerto de sons tão alegres uma voz que os burgueses já conheciam, mas que julgavam ter morrido em Ravaxhel: a voz da dinamite. Queria mostrar à burguesia que, partir daquele momento, seus prazeres já não seriam tão completos, que as vitórias insolentes seriam perturbadas, que o bezerro de ouro balançaria violentamente no pedestal até o golpe final, que o faria rolar em meio ao sangue e à imundice. Ao mesmo tempo, desejava fazer com que os mineiros entendessem que só há um tipo de homem capaz de se preocupar sinceramente com os seus sofrimentos e dispostos a vingá-los: os anarquistas. tais homens não ficam sentados no parlamento como o Sr Guesde e seus associados, mas, marcham até a guilhotina.
Assim, preparei uma bomba. Num certo momento, lembrei-me da acusação que havia sido feita em Ravachol. E as vítimas inocentes? Mas logo resolvi esse problema. Os edifícios onde a Companhia Carmoux mantinha seus escritórios eram habitados apenas por burgueses: não haveria, portanto, vítimas inocentes. Todos os burgueses vivem da exploração dos menos afortunados e justos e deveriam pagar pelo seu crime; Assim, foi com a mais absoluta confiança na legitimidade do meu ato que deixei a bomba diante da porta dos escritórios da Companhia.
Já falei aqui sobre a minha esperança de que, caso fosse descoberta antes de explodir, minha bomba acabaria por detonar na delegacia, aonde aqueles que por acaso viessem a sofrer ferimentos também seriam inimigos. Tais foram os motivos que me levaram a cometer o primeiro atentado de que sou acusado.
Vejamos o segundo: o incidente no Café Terminus. Eu acabara de voltar a Paris na época do caso Vallant e fora testemunha da terrível repressão que se seguiu à explosão no Palácio Bourbon. Vi as medidas draconianas que o governo decidiu tomar contra os anarquistas. Havia espiões, buscas e prisões por toda parte. Um grupo de indivíduos detidos indiscriminadamente, arrancados de seus lares e jogados nas prisões. Ninguém se preocupou em saber o que aconteceria às suas esposas e filhos enquanto esses camaradas permanecessem confinados. O anarquista já não era mais considerado um ser humano, mas uma besta selvagem que devia ser caçada sem tréguas enquanto a imprensa burguesa, escrava da autoridade, exigia em altas vozes que todos eles fossem eliminados. Ao mesmo tempo, panfletos e papéis libertários eram confiscados e aboliu-se o direito de reunião. Pior do que isso: quando parecia aconselhável livrar-se de um camarada, um informante deixava no seu quarto um pacote que, segundo ele, continha tanino; no dia seguinte procedia-se a uma busca com um mandato datado do dia anterior e encontrava-se uma caixa com um pó suspeito. O camarada era então levado a julgamento e condenado a 3 anos de prisão. Se quiserem saber se o que digo é verdade, perguntem ao espião miserável que conseguiu penetrar na casa do camarada Merigeaud!
Mas tais métodos eram válidos pois atacavam um inimigo que havia espalhado o medo, e todos aqueles que tinham tremido de pavor queriam agora demonstrar coragem. Como coroamento dessa cruzada contra os heréticos, ouvimos o Ministro do Interior, Sr. Reynal, declarar na Câmara dos Deputados que as medidas tomadas pelo governo tinham implantado o terror entre os anarquistas. Mas isso ainda não era suficiente: um homem que nunca havia matado ninguém foi condenado à morte. Era necessário mostrar bravura até o fim, e numa bela manhã ele foi guilhotinado. Mas, senhores da burguesia, ao fazer tais planos, vocês esqueceram do principal, prenderam centenas de homens e mulheres, violaram dezenas de lares, mas, fora dos muros da prisão, ainda restavam homens que vocês desconheciam e que observavam, escondidos nas sobras enquanto vocês caçavam anarquistas, esperando apenas o momento propício para que eles, por sua vez, pudessem caçar os caçadores.
As palavras de Reynal eram um desafio arremessado aos anarquistas. O desafio foi aceito. A bomba encontrada no Café Terminus é a resposta a todas as violações à liberdade, às prisões, às buscas, às leis contra a imprensa, às deportações em massa, às guilhotinas. Mas – perguntarão vocês – por que atacar os pacíficos clientes de um café que estavam apenas sentados ouvindo música e que, não eram nem juizes, nem deputados, nem burocratas? Por quê? É muito simples. Os burgueses não faziam distinções entre os anarquistas. Vailant, um homem que agia sozinho, jogou uma bomba; mais da metade de seus camaradas nem ao menos o conhecia mas isso não teve nenhuma importância; era uma perseguição em massa e qualquer pessoa que tivesse ligações com os anarquistas, por menor que fossem, deveria ser caçada. E já que vocês responsabilizam todo um partido pelas ações de um só homem e atacam indiscriminadamente, nós também atacaremos sem escolher as vítimas. Acham talvez que devêssemos atacar somente os deputados que fazem as leis contra nós, os juizes que aplicam essas leis, à polícia que nos prende? Não concordo. Tais homens são apenas instrumentos. Não agem em seu próprio nome. Suas funções foram criadas pela burguesia como uma forma de defesa. Não são mais culpados que qualquer um de vocês. Esses bons burgueses que não tem qualquer cargo público, mas que colhem seus dividendos e vivem ociosamente graças aos lucros obtidos com o trabalho árduo dos operários, eles também devem sofrer a sua quota de vingança! E não só eles, mas todos aqueles que concordam com a ordem vigente, que aplaudem os atos do governo e assim se tornam seus cúmplices; os funcionários que ganham três ou cinco mil francos por mês e que odeiam o povo com fúria ainda maior que a dos ricos, aquela massa estúpida e pretensiosa de gente que sempre escolhe o lado mais forte – em outras palavras, a clientela diária do Terminus e de outros grandes cafés! Foi por essa razão que ataquei ao acaso e não escolhi as minhas vítimas.
Devemos fazer com que a burguesia entenda que aqueles que sofrem estão enfim cansados de sofrer. Começam a mostrar os dentes e quando atacarem serão tanto mais brutais quanto tiver sido a brutalidade usada contra eles. Eles não têm nenhum respeito pela vida humana porque os próprios burgueses já demonstraram que não se preocupam com ela. Não cabe aos assassinos responsáveis por aquela semana sangrenta e por Fourmies considerar que os outros são os assassinos.
Não pouparemos as mulheres e crianças burguesas porque as mulheres e crianças daqueles que amamos também não foram poupadas. Não deveríamos incluir entre as vítimas inocentes, as crianças que morrem lentamente de anemia nos cortiços porque não há pão em suas casas? As mulheres que vão se tornando cada vez mais pálidas trabalhando nas fábricas, esfalfando-se para ganhar alguns tostões por dia e podendo se considerar felizes se a pobreza não as levar à prostituição? Ou os velhos que foram tratados como máquinas durante toda a vida e que agora são lançados ao monte de refugos nos asilos, quando já não têm mais forças para trabalhar?
Tenham ao menos a coragem de assumir seus crimes, cavalheiros da burguesia, e reconheçam que nossas represálias são totalmente válidas. É claro que não tenho ilusões. Sei que as massas ainda não estão preparadas para entender meus atos. Mesmo entre os operários pelos quais lutei, muitos ainda serão enganados pelos jornais e me condenarão como a um inimigo. Mas isso não importa. Não estou preocupado com o que os outros pensam de mim. nem ignoro o fato de que há muitos indivíduos que se dizem anarquistas mas que se apressam a negar solidariedade aos que pretendem difundir a ação. Eles procuram estabelecer uma diferença sutil entre os teóricos e os terroristas.
Demasiadamente covardes para arriscar a própria vida, negam aqueles que têm essa coragem. Mas a influência que pretendem exercer sobre o movimento revolucionário é absolutamente nenhuma. Hoje o campo está aberto à ação, sem fraquezas ou desistências.
Certa vez Alexander Herzen, o revolucionário russo, disse: “devemos escolher entre duas coisas: condenar e marchar para frente ou perdoar e dar meia volta no meio do caminho“. Não pretendermos nem perdoar, nem voltar atrás e marcharemos sempre para frente, avançando até que a revolução, objetivo final de todos os nossos esforços, finalmente aconteça para coroar nosso trabalho com a criação de um mundo livre.
Nessa guerra sem piedade que declaramos contra a burguesia, não queremos que ninguém tenha pena de nós. Matamos e sabemos suportar a morte. É portanto com indiferença que aguardo a sentença. Sei que minha cabeça não será a última que vocês cortarão: outras ainda irão rolar, porque os que morrem de fome começam a aprender os caminhos que levam aos cafés e aos restaurantes, aos Terminus e Foyots. Outros nomes serão acrescentados à lista sangrenta dos nossos mortos. Vocês podem ter enforcado em Chicago, decapitado na Alemanha, garroteado em Jerez, fuzilado em Barcelona, guilhotinado em Montbrison e Paris, mas nunca conseguirão acabar com o anarquismo. Suas raízes são demasiadamente profundas, ele nasceu no coração de uma sociedade que está apodrecendo e se desintegrando. Representa todas as aspirações libertárias e igualitárias que se levantam contra a autoridade. Está em toda parte, o que faz que seja impossível controlá-lo. Acabará por matá-los a todos!”
-Emile Henry, in A Gazeta dos Tribunais, 27-28 de Abril de 1894.
Ao receber sua sentença, no momento em que estava sendo retirado do Tribunal Henry teria gritado:
“Camaradas, Coragem! Longa Vida a Anarquia!”
Henry era um anarquista ilegalista, vertente hoje conhecida como AnarcoIlegalismo.
O ilegalismo tomou grande importância para uma geração européia inspirada pelo descontentamento da década de 1890, durante a qual os anarquistas Ravachol, Émile Henry, Auguste Vaillant e Sante Caserio cometeram crimes memoráveis contra o capital e o estado, de acordo com a chamada “Propaganda pelo Ato”.
Seus adeptos adotaram abertamente o “crime” como modo de vida. Em suas reflexões e práticas condenavam a visão legalista enquanto limitadora da ação revolucionária, uma vez que as leis das sociedades burguesas eram vistas por eles como imorais e antiéticas já que compactuavam para a manutenção das injustiças sociais e com a exploração do homem pelo homem.