Este relato nos foi enviado por um associado do Partido Pirata – RJ, sobre sua primeira participação no evento “Mais amor, menos Capital!”, realizado no dia 23 de Dezembro de 2016. A proposta do evento, que segue em sua quarta edição, é um dia inteiro de atividades e atenção voltada aos moradores em situação de rua no centro do Rio de Janeiro.
Juro que ao ouvir a chamada pela primeira vez fiquei bem curioso. Vendo os meus amigos comentarem em um grupo do Partido Pirata – mas onde tem tudo quanto é gente -, sobre o evento em si, me chamou a atenção.
Principalmente por ser a Quarta Edição do evento e todos, com bastante animação em participar e ajudar de alguma maneira, mesmo sem saber o que seria, queriam estar lá. Fiquei interessado em poder participar, mas como?
Não sou uma pessoa famosa nas redes sociais, não sou da galera do midiativismo, não sou bom em artes no computador, muito menos artista ou pesquisador, quiçá ativista. Grana!? Nem pensar, sou professor da rede pública e estou sofrendo com atrasos no salário. Verbalizei com meus amigos a unica coisa que poderia fazer: lecionar. Afinal de contas, é a única coisa que sei fazer. A ideia foi bem recebida. O que era pra ser apenas uma verbalização, virou uma proposta. Caramba! Eu gosto de falar. Perguntei: para quem seria!? Aí, me veio a reposta: moradores em situação de rua, em sua grande maioria. Putz! Como assim? “O que poderia falar?”, me sentindo muito desafiado, perguntava a mim mesmo.
Foi proposto falar de História da Educação no país. Pensei: “Ótimo”! Poderia falar do processo de exclusão que a Educação tem no país e como isso serve para favorecer mais e mais poucos grupos. Fiz uma pequena pesquisa. Elaborei ensaio de fala. E tentar mostrar que a Educação é um caminho duplo. Queria abordar como eles detêm conhecimento também de experiências da vida nas ruas. Seria compartilhamento de informações. Juro que montei tudo para que houvesse sentido para ambos os lados. Para que eles, de alguma maneira, pudessem usar da informação que queriam compartilhar e, ao mesmo tempo, poder aprender a realidade de vida deles para que pudesse compreender melhor a vivência deles. Pensava, na minha inocência, tudo isso e ainda mais vender umas blusas do Partido Pirata para reverter o dinheiro para a família do Rafael Braga.
Chega o grande dia. Saio de São Gonçalo cedo, para que não me atrasasse. E imaginava como seria o meu discurso. Chego inflamado, já me preparo para falar. Porém, tudo mudou ali. Ao me deparar com a realidade, fui levado para uma lona colorida, onde tinha um rapaz ensinando dobragem de papel para as crianças. E elas, ali, podendo brincar. Ali, vi que minha expectativa não poderia ser alcançada. O que havia planejado não faria sentido. Crianças que têm a sua infância roubada pela condições de vida, ali, via que elas sorriam. Por algum momento elas estavam vivendo o que as outras crianças viviam. Sinceramente, sorri e me sentei. Fui brincar e ouvir essa meninada. Inexplicável. Saí, pois havia distribuição de coisas ali, e as crianças queriam ganhar coisas.
Depois, encontro os meus amigos e vejo o evento crescer. Eram performances, conversas e palestras. Ocorria tudo ao mesmo tempo. Pude reparar a dedicação das pessoas com o evento. Ah, sim, pude escutar idéias e relatos das pessoas que são geralmente silenciadas diariamente. Gente cheia de experiência para compartilhar. o microfone ficou vazio diversas vezes e pensei: “agora pego e falo o que ensaiei”. Porém, algo me dizia que não era isso.
Então, chega o momento mágico do Evento: a Ceia. Fui ajudar na distribuição do guaraná natural. Ali, aconteceu alguma coisa. Enquanto enchia os copos das pessoas, pude ver que elas se alimentavam com muita alegria. Algo muito simples. O sorriso e a satisfação daquela gente em poder se alimentar e se sentir tratada como iguais, foi indescritível. Foi motivador trabalhar, procurava sempre estar sorrindo e tendo bom humor para encher o copo de guaraná natural. Quase no final, servi três meninos. Enquanto enchia um copo, um deles, me disse: “tio, não precisa de mais, nós 3 podemos tomar desse copo”. Falei: “hoje é especial pois cada um terá o seu copo. Quando acabar e quiser mais, é só me chamar.” Servi a todos. Serviço concluído. Me despedi e me encaminhei para voltar à minha amada São Gonçalo.
Durante o retorno e em casa eu caí em lágrimas. E convivi uma realidade que não temos noção. Pensei que diante dos meus argumentos e talvez vaidade pessoal poderia falar coisas impactantes. Porém, a quebra disso foi muito maior que o satisfazer do ego. Coisas precisam ser feitas. Não existe tempo para ideologias. Pessoas precisam da sua ação hoje. Eles tem a ensinar a nós, seres acostumados com o conforto diário e reclamações vazias. Os moradores em situação de rua não são eleitores ou almas que precisam dar algo em troca de colaboração. Eles só podem nos oferecer sorrisos e suas trajetórias. E é aqui que procuro terminar. Até onde fui tolo em achar que o meu saber iria fazer diferença, pois essas pessoas precisam de alguém que as escute e também as tratem como tratamos nossos mais próximos.
Ficou assim, uma experiência diferente onde o meu corpo serviu à quem realmente precisava, e ao mesmo tempo minha mente esteve aberta ao aprendizado com aqueles que são mestres da sobrevivência diariamente.
Ah, e consegui vender duas blusas.
Ahoy!