Relato de uma mina moradora de favela sobre o ato realizado no Rio de Janeiro, no dia 11 novembro de 2016, contra as medidas de austeridade fiscal no estado e contra a PEC 241-55.
O ato se concentrou na Candelária e já estava cercado por policiais militares desde muito antes de começar a andar. Eles, os pms, estavam enfileirados por todo canto, devidamente armados com seus cacetetes, escudos e tudo o que têm direito. Ainda enquanto estávamos ali já chegavam informações de que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro -ALERJ, onde era o destino do ato, estava cercada por policiais também. A gente já sabia o que ia acontecer.
Andamos, palavras de ordem sendo ditas no carro de som, pessoas animadas durante o percurso até que conseguimos enxergar a escadaria e a ALERJ estava toda preta. Eram 4, eu diria até 5 fileiras de policiais nas escadas, logo na entrada do prédio. É como se eles já estivessem lá esperando a nossa chegada pra começar o “show” e assim foi feito.
A multidão se aglomerou, alguns se arriscaram a se aproximar da “escolta policial” que estava na escadaria mas a grande maioria observou de baixo, preferiu manter uma distância que fosse segura. Alguns fogos de artificio eram estourados durante a fala de algumas pessoas que estavam no carro de som, mas isso não estava impedindo o ato de começar ali. Num dado momento, enquanto estávamos parados ali, chegou pra nós a notícia de que a cavalaria da polícia havia chegado e estava montada em fileiras numa das laterais do ato (2016 ou 1964?). Enquanto isso, a tropa de choque da PMERJ estava ao lado oposto; estávamos cercados, quase um caldeirão Hamburgo. A gente tinha certeza sobre o que ia acontecer.
Um tempo depois as pessoas que estavam com o microfone do carro de som anunciaram o fim do ato. Vale ressaltar que pessoas do movimento ali representado haviam tentado agredir e criminalizar manifestantes, libertários e anarquistas, em atos anteriores, tendo relatos de que também estavam os entregando para policiais. Eles anunciaram o fim do ato mas deram o “start” para “brincadeira” da polícia começar. Foi ouvido um barulho, algo como uma bomba ou um rojão, e podíamos observar alguns policias descendo enfileirados pelas laterais das escadas da Alerj.
A movimentação de pessoas querendo sair dali foi imensa e mesmo assim eles partiram pra cima. Muita bomba de efeito moral, cavalaria indo pra cima de manifestantes mascarados, pessoas correndo pra todos os lados. Foi desesperador.
Alguns amigos e eu entramos numa rua onde haviam bares e várias pessoas bebendo, comendo e afins. Ao ver o que tava rolando essas mesmas pessoas se levantaram e começaram a gritar palavras de ordem contra os policiais, o que foi mais um deixa pra eles agirem.
Tentávamos sair por várias outras ruas, mas em todas haviam cruzadas armadas pela polícia e a cada rua que entrávamos, sentíamos um cheiro muito forte de spray de pimenta, ouvíamos barulhos de bombas, sabíamos que em outro lugar eles estavam indo pra cima dos manifestantes. Até que conseguimos voltar pra ALERJ, onde haviam poucas pessoas, mas a cavalaria ainda se fazia presente jogando bomba e disparando em cima das pessoas.
Tivemos que correr para não ficarmos sozinhos – nos perdemos e estávamos em três pessoas no inicio da confusão até então – no meio de todo aquele caos, achamos o grupo que estava conosco no inicio do ato e nos juntamos novamente. Enquanto corríamos, tínhamos consciência do que eles fariam se nos pegássemos numa minoria tão gritante. Eles nos perseguiram até a Candelária, continuaram jogando bombas e spray de pimenta na nossa direção, e chegando lá se agruparam na espera de terem outro motivo pra nos atacar.
O que a gente poderia fazer naqueles momentos além de correr? Eram as armas deles, armas que eles dizem ser não letais, mas ja cegaram várias pessoas, as forças deles, a suposta autoridade deles contra nós.
Quando nos acalmamos num lugar e eu consegui acompanhar as redes sociais, recebi a notícia de que duas amigas estavam cercadas dentro de um bar próximo de onde estávamos. Recebi a notícia de um midiativista que foi espancado. Recebi a notícia de pessoas feridas no hospital. Recebi fotos e vídeos de coisas que aconteceram enquanto eu procurava um lugar seguro pra ficar.
E é doloroso tomar consciência do desfecho que uma manifestação toma. Manifestar é um direito nosso e SEMPRE é a mesma repressão. Dias atrás houve uma manifestação de Servidos Públicos onde policiais militares, policiais, bombeiros e outros fizeram uma bagunça dentro do prédio da ALERJ. Que tipo de repressão sofreram? Não vi ninguém ferido, nenhuma bomba, nenhum tiro. Nada. O Estado com essas atitudes contra a população que luta pelos seus direitos acaba criando seu próprio inimigo e alimentando cada vez mais o ódio contra ele.
Dizem que a polícia do Rio de Janeiro não é bem preparada, eu descordo. Eles estão não muito bem preparados pra fazer todos os tipos de repressão contra as minorias e contra aqueles que dão o sangue e o suor na esperança de alguma mudança na nossa sociedade. E é por acreditar na mudança que gente não desiste, se amanhã tiver outro ato estaremos lá, estaremos juntos e estaremos prontos. Querem nos derrubar mas voltaremos mais fortes. Não vai ter arrego!
Que os ricos paguem a crise!