A cidade de Rosário recebeu entre os dias 8 e 10 de outubro dezenas de milhares de mulheres vindas de todas as regiões do país. Algumas viajaram a noite toda, das províncias do norte ou da Patagônia, percorrendo mais de 1.200 quilômetros. Se prepararam durante meses para participar do Encontro Nacional de Mulheres, um evento único no mundo, no qual as mulheres ocupam as ruas e fazem uso da palavra em oficinas para debater violência machista, feminicídios, direito ao aborto, educação sexual, mulher e trabalho, prostituição, juventude, e outros temas. Este ano o Encontro contou com novas oficinas: “Mulheres e Trabalhadoras sexuais” e “Mulheres e Cannabis”.
Rosário, localizada a 400 km de distância de Buenos Aires, é onde nasceu Che Guevara. Nos dias de hoje, porém, a rebeldia em Rosário tem rosto de mulher.
Esta edição do Encontro de Mulheres foi fortemente marcada pelo caso de Belén, uma jovem argentina que esteve presa por quase 900 dias. Seu crime: ter dado entrada num hospital com fortes dores em consequência de um aborto espontâneo. O tribunal condenou-a por “homicídio qualificado” e 8 anos de prisão. Recentemente, depois de uma enorme campanha por sua liberdade, no dia 18 de agosto deste ano, Belén conquistou a liberdade.
“Quero agradecer por se juntarem na minha luta e por seguirem lutando para que tudo se solucione. Dois meses depois de ter minha liberdade de volta, mando um enorme abraço à todas”, disse Belén em uma mensagem às mulheres que se reuniram este fim de semana.
O aborto na Argentina é ilegal e criminalizado pelo Código Penal, o que leva centenas de mulheres a morte todos os anos em consequência de abortos clandestinos, realizados sem mínimas condições de salubridade. Uma situação cujo atual governo de Macri não pretende modificar, assim como o governo anterior de Cristina Kirchner não apresentou mudança alguma. “Vou ao Encontro de Mulheres porque não quero nenhuma a menos por abortos clandestinos e para que nossa revolta se transforme em organização”, disse Paula Freddi, Diretora da Universidade Nacional de Artes Visuais (UNA).
Lorena Itabel, Delegada da Junta Interna dos funcionários do Ministério da Fazenda e Finanças Públicas, declarou que participa do Encontro “para que se cumpra a lei de licença por violência de gênero para as trabalhadoras estatais”. “Por creches e por abono de faltas nos casos de filho doente”, acrescentou Emilia Hidalgo, trabalhadora da aeronáutica. “Mexem com uma, nos organizamos milhares”, é o lema da bandeira de uma delegação de mulheres do Pão e Rosas vindas de Jujuy, fronteira com a Bolívia, uma das regiões mais pobres da Argentina.
No ato de abertura participaram diferentes agrupações, como Juntas a la Izquierda, Malas Juntas, Plenario de Trabajadoras, Movimiento Evita, Las Rojas, mulheres de ATE, e a maré violeta da organização de mulheres Pão e Rosas, que participou com uma destacada delegação que ocupou metade do monumento onde foi tirada a foto de abertura. Junto a esta delegação estavam as mulheres de Madygraf e as mulheres da fábrica de cerâmica Zanon, levando ao Encontro a luta das fábricas ocupadas e recuperadas pelos trabalhadores.
Na semana antes no Encontro começou a circular uma carta exigindo da imprensa nacional uma cobertura ao vivo do evento. Uma das mulheres que impulsionou essa iniciativa foi Myriam Bregman, deputada nacional pela Frente de Esquerda e do PTS, ela reforçou que “os Encontros constituem uma grande instância de debate e organização para as dezenas de milhares de mulheres de todo o país que participam dos encontros a cada ano. Por isso, exigimos dos grandes meios de comunicação, a começar pela TV Pública, a transmissão para milhões de pessoas da jornada que protagonizares. Para que esta grande jornada que reunirá milhares de mulheres não seja visibilizada”.
Este foi o primeiro Encontro de Mulheres organizado durante o governo de Mauricio Macri, que está aplicando políticas neoliberais de demissões, aumento das taxas de serviços públicos e repressão. Durante o encontro houve debates entre setores kirchneristas e da esquerda que pretendem mobilizar-se de forma independente daqueles que governaram o país durante a última década, sem haver legalizado o aborto tampouco melhorado substancialmente a situação das mulheres trabalhadoras.
“As companheiras da agrupação de mulheres Pão e Rosas na Frente de Esquerda estamos convencidas de que somente a organização de uma força combativa de mulheres mobilizadas, independente dos partidos do regime político, do Estado e suas instituições, pode arrancar todos nossos direitos”, assegurou Andrea D’Atri, fundadora da agrupação Pão e Rosas, que este ano convocou milhares de mulheres em Rosário.
A partir do Pão e Rosas exigiram que se aprove um Projeto de Lei Integral contra a violência de gênero apresentado pela Frente de Esquerda no Parlamento, o avanço da legalização do aborto e a separação efetiva entre a Igreja e o Estado. Rechaçaram as medidas de ajuste e repressão do governo de Macri, denunciando a precarização das condições de trabalho das mulheres e exigindo dos sindicatos um plano de lutas nacional. Propôs-se uma campanha por cotas de emprego destinadas às pessoas trans, para acabar com a discriminação e demandam jardins de infância como responsabilidade dos patrões e do Estado, no marco de uma luta mais de fundo contra o patriarcado e o capitalismo.
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