Tradução colaborativa pela Rede de Informações Anarquistas
1) A gagueira não é um defeito individual, mas uma discriminação social e cultural contra certos padrões de fala.
A fonoaudiologia, a neurobiologia e a psicologia não estão dizendo toda a verdade sobre a gagueira. Foi-nos dito que a gagueira é uma coisa, um defeito biológico e médico dentro de nossos corpos; que pode ser visualizada através de tomografias, calculada usando medidores de fluências e gerenciada através de terapia: é um problema a ser consertado.
Nós discordamos. Nós nos recusamos a deixar que nossos corpos e nosso discurso sejam definidos por peritos médicos e científicos.
Após o movimento pelos direitos de deficientes que ganhou forma na década de 60, nós compreendemos a deficiência não como um defeito individual, mas, acima de tudo, como uma discriminação social contra certas formas de variação humana. Podemos falar de “capacitismo” assim como falamos de racismo e sexismo. Logo, a experiência que nós chamamos de gagueira não pode ser explicada apenas como uma mera dificuldade de vocalizar certas palavras, mas deve ser fundamentalmente entendida como uma discriminação contra formas disfluentes de comunicação e de utilização do nosso corpo.
A gagueira é apenas um problema – de fato, é somente anormal – porque a nossa cultura coloca tanto valor na eficiência e no autodomínio. A gagueira quebra a comunicação apenas por conta de noções capacitistas que decidiram de antemão o quão rápido e fluente uma pessoa deve falar para ser ouvida e levada a sério. Uma linha arbitrária foi desenhada ao redor do discurso “normal” e essa linha é vigorosamente defendida.
2) A assimilação do discurso é um processo cultural em curso no qual formas de discurso que não são consideradas fluentes e legíveis são estigmatizadas e sutilmente forçadas a se conformar com os padrões de fala dominantes.
Desde o primeiro momento que nós falamos, nos corrigem ou nos envergonham por qualquer atraso ou repetição. Parentes, professoras, professores e nossos colegas estudantes notam e estigmatizam qualquer discurso que não esteja conforme os padrões vigentes. A sociedade e suas instituições, em particular o Estado e as instituições processuais, intervêm para mudar o indivíduo, adicionando ansiedade às nossas vidas e fazendo com que seja ainda mais difícil falar ao invés de nos encorajar a sermos mais confidentes falando da forma que desejarmos.
3) O único jeito de nos liberar é através da reeducação local e da criação de comunidades que afirmam o discurso disfluente.
Individualmente e coletivamente, nós precisamos começar a compreender a “gagueira” como resultado de expectativas, normas e valores capacitistas disseminadas em toda nossa cultura e nos recusar a permitir que nossos corpos e nós próprios sejamos patologizados. Esse processo não é nada mais que uma mudança de paradigma que só pode ser alcançada através de educação e de uma reinterpretação da nossa fala, da nossa identidade e da nossa sociedade. Precisamos também, portanto, de comunidades que afirmam a necessidade de vozes disfluentes, nomeando e resistindo coletivamente ao pensamento capacitista do qual nós viramos objetos de vergonha e pena. Nós devemos juntos e juntas desaprender toda uma vida de ódio de si, subjugação e silenciamento.
4) Finalmente, nós defendemos um consentimento informado em todas as idades para qualquer forma de reabilitação fonoaudiológica como um direito e uma necessidade humana básica.
Não há nenhuma esperança de nos tornarmos confiantes ou de nos empoderarmos enquanto o discurso disfluente for estigmatizado. Nós permaneceremos sozinhos e sozinhas, humilhados e humilhadas enquanto a fala disfluente for um problema. Precisamos que seja nos dada a escolha se queremos ou não receber alguma reabilitação de nossa fala. Perspectivas positivas e negativas da disfluência devem sempre ser oferecidas antes de optarmos por um tratamento fonoaudiológico a longo prazo. Defendemos que em qualquer idade múltiplas perspectivas sobre disfluência são absolutamente necessárias para uma escolha autônoma em relação às opções terapêuticas que nós temos.
Texto original em: http://www.didistutter.org/.