Tag Archives: situacionismo

(Artigo) A Miséria do Meio Estudantil

A miséria do estudante está aquém da miséria da sociedade, da nova miséria do novo proletariado. Numa época em que uma parcela crescente da juventude está se liberando cada vez mais dos preconceitos morais e da autoridade familiar para, cada vez mais depressa, fazer parte do mercado, o estudante se mantém, em todos os níveis, numa “menoridade prolongada”, irresponsável e dócil. Se a crise juvenil tardia o coloca de alguma forma em conflito com sua família, ele aceita sem problemas ser tratado como uma criança nas diversas instituições que regem a sua vida cotidiana.

A colonização dos diversos setores da prática social encontra sempre no mundo estudantil sua mais gritante expressão. A transferência para os estudantes de toda a má consciência social mascara a miséria e a servidão de todos.

Mas as razões que fundamentam o desprezo pelo estudante são de outra ordem. Elas não se referem apenas à sua miséria real mas também à sua complacência com relação a todas as misérias, sua propensão doentia a consumir alienação beatamente, nutrindo a esperança, face à falta de interesse  geral, de chamar a atenção para a sua miséria particular.

E76f89c7d3838d84c14d946743420f1f741e0e14As exigências do capitalismo moderno fazem com que a maioria dos estudantes acabarem conseguindo ser apenas “pequenos funcionários”. Diante do tão previsível caráter miserável desse futuro mais ou menos próximo, que irá “indeniza-lo” pela vergonhosa miséria do presente, o estudante prefere se voltar para o presente e orná-lo com prestígios ilusórios.

A própria compensação é lamentável demais para que alguém se prenda a ela.

Escravo estóico, o estudante acredita que quanto mais numerosos forem as cadeias de autoridade que o prendem, mais livre ele será. Como sua nova família, a universidade, ele se julga o mais “autônomo” ser social, sem perceber atado, direta e conjuntamente, aos dois mais potentes sistemas de autoridade social: a família e o Estado. Ele é o filho bem comportado e agradecido de ambos. Conforme a mesma lógica da criança submissa e as concentra em si. O que eram ilusões impostas aos empregados tornam-se ideologia interiorizada e veiculada pela massa dos futuros pequenos funcionários.

Os partidários de falsa oposição sabem reconhecê-los, e se reconhecer nos estudantes. Por isso, eles invertem esse desprezo real transformando-o numa admiração complacente e as organizações burocráticas decadentes (DCEs, UNEs, PSOLs, PSTUs, UJSs, entre outros da vida) travam enciumadas batalhas pelo apoio “moral e material” dos estudantes.

Pois o estudante, mais que qualquer outro, se sente feliz por se considerar “politizado”. Só que ele ignora que participa disso através do mesmo espetáculo. Assim, ele se reapropria de todos os restos dos frangalhos ridículos de uma esquerda que foi aniquilada há anos pelo reformismo “socialista” e pela contra – revolução stalinista. Isso ele ainda ignora, ao passo que o poder conhece bem claramente o fato e os operários têm dele um conhecimento confuso. Ele participa, com um orgulho cretino, das mais irrisórias manifestações que atraem somente ele próprio. A falsa consciência política é encontrada nele em seu estado mais puro, e o estudante constitui a base ideial para as manipulações dos burocratas fantasmagóricos das organizações moribundas (dos partidos comunistas até supostas organizações ditas de esquerda que insistem em pedir migalhas e restos ao Estado). Estas programam totalitariamente suas opções políticas. Qualquer desvio ou veleidade de “independência” entra docilmente, após um simulacro de resistência, numa ordem que em momento algum foi colocada em questão. Quando ele pensa estar obedecendo, como essas pessoas que se autodenominam, em função de uma patológica inversão publicitária, não sendo nem jovens, nem comunistas, nem revolucionários, é para aderir alegremente à palavra de ordem pontificial ditas e comandadas por essas organizações de forma totalmente e incontestável verticalizada.

Franca-Maio-1968 1228461-3780-atm14

É claro que, entre os estudantes, ainda existem pessoas com nível intelectual suficiente. Essas dominam com facilidade os miseráveis controles de capacidade previstos para os medíocres, sendo que essa dominação acontece justamente porque eles entenderam o sistema, porque eles o desprezam e são seus inimigos de formas consciente. Eles tomam o que há de melhor no sistema de estudos: as bolsas.Tirando proveito das falhas do controle, que, na sua lógica própria, obriga aqui e agora a conservar um pequeno setor puramente intelectual, a “pesquisa”, eles vão tranquilamente elevar a turbulência ao mais alto nível: seu desprezo declarado pelo sistema caminha no mesmo passo que a lucidez que lhes permite justamente serem mais fortes que os serviçais do sistema e, em primeiro lugar, mais fortes intelectualmente. As pessoas quem estamos falando já constam, na realidade, no rol dos teóricos do movimento revolucionário que se aproxima, e orgulham-se de serem tão conhecidos quanto ele no momento em que se começar a ouvir falar dele. Não escondem de ninguém que aquilo que tomam tão  facielmente do “sistema de estudos” está sendo utilizado para a destruição do mesmo. Pois o estudante não pode se revoltar contra nada antes de se revoltar  contra seus estudos, e a necessidade dessa revolta se faz sentir menos naturalmente que no caso do operário, que se revolta espontaneamente contra a sua condição. Mas o estudante é um produto da sociedade moderna. Sua extrema alienação só pode ser contestada pela contestação de toda a sociedade. Esta crítica não pode, de modo algum, ser feita no campo estudantil: o estudante, como tal, arroga-se um pseudo-valor que o impede de tomar consciência do quanto ele é um “despossuído” e, por causa disso, permanece no cúmulo da falsa consciência. Em todos os cantos onde a sociedade moderna começa a ser contestada existe, contudo, revolta na juventude, que corresponde imediatamente a uma crítica total do comportamento estudantil.

Os amanhãs não cantarão, e ele fatalmente se banhará na mediocridade. Eis porque ele se refugia num presente vivido de modo irreal.

murorj2014Texto retirado e  adaptado do livro: Situacionistas – Teoria e prática da revolução

Rede de Informações Anarquistas – R.I.A