Tag Archives: democracia direta

(Artigo) Por um resgate do ¡que se vayan todos!

11141188_10153571908511973_2402133778064356282_n

A cartografia do Facebook, feita pelo Fábio Malini, demonstra que cresceu muito, em apenas uma semana, o número de eventos, grupos e páginas criadas para “defender a democracia” e dizer “não vai ter golpe”. Se em 19/03 eram 64, ontem, 27/03, já são 793 (para ler a cartografia completa do ‪#‎nãovaitergolpe‬ no Facebook feita pelo Malini, ver: http://bit.ly/22F2k2g).

É impossível dar conta de todas as páginas e eventos – mas entre os poucos que posso acompanhar se destacam dois elementos:

1) são, em sua maioria, eventos de cunho cultural, organizados por movimentos sociais, estudantis e pela classe artística;

2) a narrativa hegemônica dessas páginas e eventos se restringem a uma postura meramente defensiva, sem tecer críticas contundentes ao governo Dilma nem apresentar uma necessidade de ampliação/radicalização da democracia – chegam até mesmo a pedir pela “manutenção do Estado democrático de direito” (exemplo: http://bit.ly/1MN0Juz).

Sim, não posso deixar de reconhecer que, entre as vozes que compõem o discurso ‪#‎pelademocracia‬ e ‪#‎contraogolpe‬, eu incluso, há inúmeras falas críticas que pedem por mudança – mas, mesmo assim, a narrativa hegemônica por trás do movimento #nãovaitergolpe ainda é defensiva e reativa, e não propositiva e proativa; se defende mais do que propõe.

Para observadores externos, é essa narrativa – que se expressa, principalmente, nos títulos de páginas, nas descrições dos eventos, nas hashtags reproduzidas, nos memes compartilhados – a que importa. É essa a que dialoga com o mundo que nos cerca e que passa a imagem geral do movimento.

Sim, eu defendo o movimento #nãovaitergolpe, não por apoiar o governo, longe disso, mas por reconhecer que o que está em jogo não é apenas a manutenção ou não do Partido dos Trabalhadores (PT), mas os (poucos) direitos conquistados nas últimas décadas pelos movimentos sociais, direitos esses que estão sendo ameaçados frente ao avanço da direita e do discurso conservador.

No entanto, ao lutarmos contra esse avanço, acredito que estamos cometendo um erro grave. Posso estar enganado. Explico.

As últimas pesquisas realizadas pelo Datafolha reveleram que, enquanto 64% dos pesquisados rejeitam o governo Dilma, 68% são a favor do impeachment (links para as pesquisas, http://bit.ly/1TO3YIihttp://bit.ly/22pRexS, respectivamente).

Se partirmos do (limitado, reconheço) pressuposto que esses números são representativos do contexto político atual, poderíamos dizer que a indignação e desejo por mudanças é generalizado entre a população, e não apenas restritos à classe média profissional, majoritariamente presente nas manifestações no último 12/3 a favor do impeachment (para o perfil dos manifestantes que foram à Avenida Paulista, em São Paulo, no último 12/3, veja: http://bit.ly/1TepgPL).

Portanto, se há um desejo generalizado por mudanças, como esperamos dialogar com essa população, ator político fundamental no processo político, se a narrativa hegemônica do #nãovaitergolpe não só é meramente defensiva, como também chega até mesmo a pedir por manutenção?

Entre os discursos mais ressonantes postos no polarizado cenário político atual, as manifestações pelo impeachment do 12/3 são as únicas que pedem por mudanças – que representariam um retrocesso trágico, sim, mas ainda assim, talvez para o senso comum, mudanças (aqui desconsidero as vozes que mesclam críticas ao atual governo com a campanha contra o golpe por achar que nós, infelizmente, não conseguimos ainda vocalizar nossos ideais para fora de nossos nichos).

Nesse momento, apostar em um discurso da manutenção e da defesa enquanto a maior parte da população anseia está insatisfeita com o status quo e anseia por mudanças, é, ao meu ver, dar um tiro no pé. É dar espaço para o avanço conservador crescer, é nos recusarmos ao diálogo. Espero estar enganado.

Para finalizar, uma provocação: e se, ao invés de todos os “pela democracia” e “contra o golpe”, fizéssemos uma reedição do “¡Que se vayan todos!”, lema piquetero que surgiu durante a crise política e econômica de 2001 na Argentina – e que desencadeou na formação de assembleias populares nos bairros?

Ou seja, um “fora todo mundo!”, não negando a política cotidiana, como faz o neofascismo, mas sim pautando a radicalização da democracia e uma efetiva participação popular na política? “Fora todo mundo! Pela democracia direta!” (Sobre os movimentos piqueteros de 2001 na Argentina, ver: http://bit.ly/21PfPqr).

Nesse sentido, as escolas ocupadas no Rio de Janeiro, a ‪#‎OcupaMendes‬ e a ‪#‎OcupaGomes‬, dão um show de autogestão e democracia direta para além dos binarismos apresentados no contexto político atual (para acompanhar os trabalhos da ocupação da CE Prefeito Mendes de Moraes e da CE Gomes Freire de Andrade, sigam as páginas das ocupas, respectivamente: http://bit.ly/1pFvwEs e http://ow.ly/106XgF).

Por Sabiá

(Rio de Janeiro) Democracia são as escolas ocupadas | Sobre a Ocupa Mendes

12593530_1702449606710854_7853255752209288741_o

Cheguei com outros compas na Escola Mendes de Moraes, no último domingo, para realizar uma atividade de apoio. Fomos logo recebidos por um jovem de uns 16 anos na porta. Ele nos cumprimentou alegremente e explicou que era da comissão da portaria. Na piscina, estudantes brincavam dando um brilho novo ao dia de sol. Um outro estudante se aproximou, esse da comissão de comunicação, explicando com serenidade a situação da escola, as justas reivindicações e as ameaças do governo. Nos corredores, cartazes com poemas, piadas, músicas, chamados e as atividades do dia. Um início de biblioteca com livros recolhidos pela ocupação crescia ao lado de 4 câmeras cinzentas – essas instaladas pela SEEDUC – apontadas para um mesmo corredor pequeno que levava às salas de aula.

Começamos o debate proposto. As perguntas pulavam: como é a vida lá? Como podemos relacionar o vivido no México com nossa situação? Como aprender com outros mundos? Uma estudante com cerca de 17 anos – de perspectiva política distinta da nossa – questionou sem medo nossas afirmações. Sorri por não estar em posição de autoridade. Depois de um bom debate, fomos para o lanche preparado por eles, em uma cantina tomada por prosas e gargalhadas.

Se algum sentido bonito ainda resta para a palavra democracia está na construção direta e horizontal, nas ocupações, na política dos de “baixo”, nos experimentos-enfrentamentos à violência estatal, na luta contra as guerras perpétuas que o capitalismo faz reinar… É um pouco disso que esses estudantes nos ensinam.

Eles nos ensinam a retomar o mundo que nos é diariamente roubado pela Rede Globo, pela polícia ameaçando as ruas, pela polícia presente nos vizinhos…

Eles nos fazem um chamado para que nossas pautas não se reduzam ao “menos pior”, ao “não temos escolha”, ao “é ruim, mas não tem jeito”, às mesquinhas brigas da burguesia, mas sejam pela organização popular, para multiplicar os possíveis, na criação a partir de hoje de um futuro que não seja o da barbárie que já nos cerca. Sem subestimar o horror que causa o crescimento da direita, a onda bizarra contra um comunismo (que infelizmente nem existe), a redução de direitos, a passagem de ônibus, o preço do mercado, lutemos… Mas lutemos apoiando, sobretudo, as escolas ocupadas, os professores nas ruas, por um abril vermelho, negro, indígena, na retomada de terras nos campos cercados, retomada de tetos nas cidades sitiadas.

Segunda-feira começou com o governo entrando com o pedido de reintegração de posse da escola. Os estudantes avisam que não vão sair. Segunda-feira amanheceu também com mais duas escolas ocupadas. Mais duas flores do asfalto.

Como cantou Violeta Parra: “Que vivan los estudiantes/ Jardín de nuestra alegría/ Son aves que no se asustan/ De animal ni policía.”

Lutemos pela democracia, lutemos pelas escolas ocupadas.

Por A. P.