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(Artigo) Do transplante ao aborto: a coragem de fazer nascer a morte e a vida

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Foto de Kati Horna

Lá no seu íntimo, você sabe que abortar não é legal. Bem ali no seu íntimo, você sente que ser mãe é natural, é o seu destino ou o destino dela, e você ama o destino. No fundo do teu peito, mora um músculo que se aperta ao pensar na cena: pernas abertas e algum sangue a escorrer. Abortar é quebrar um contrato com Deus, é ter o diabo como advogado e um homem com poder de juiz. Seu íntimo ainda cochicha sobre a irresponsabilidade dela, que não se cuidou, que não pensou duas vezes. Ele se divide entre condenar por ignorância quem não se informou e tomou o remédio errado, por burrice quem confiou demais nos métodos contraceptivos, por vadiagem a quem se rende ao tesão descuidado, de merecedora que provocou com a saia encurtada. Toda vida é uma dádiva. E toda vida perdida é uma dívida.

Nosso íntimo é um ser em eterna gestação. Grávido dos valores e das certezas que encafifamos pelo caminho. Gosto da palavra encafifar. Aos meus ouvidos, ela chega como uma ilustração dessa coisa que é ser fruto das ideias que o mundo dá pra gente, mas do jeito que a gente mesmo consegue processá-las. O seu íntimo, o meu íntimo, é o fruto desse movimento. E desde de que seu íntimo é íntimo, que te mostram fotografias de outros fetos, semelhantes fisicamente ao bicho gente, dizendo que abortar é matar um ser pronto, um ser feito, um ser vivo. Antes de você saber que tinha ideias, já as colocavam dentro de você. E não consigo pensar em nada mais natural do que isso, além da própria possibilidade de refazer essas ideias, rever aquilo que eu quero em mim e o que eu não quero.

Hoje você (e o seu íntimo) é a favor do transplante. Na verdade, transplante é uma coisa que você nem pensa ser contra ou a favor. Transplante é uma necessidade que se apresenta, uma demanda da vida, uma política a ser melhorada, um objeto de estudo, mas não é algo a ser contra ou a favor. Só que nem sempre o transplante foi natural. Criaram a técnica, treinaram e aprimoraram as ferramentas, mas faltava decretar a morte, a ausência da vida. Era necessária uma legislação (apoio e adesão popular também, claro) que determinasse quando um coração poderia ser retirado de um corpo, sem que o matasse. Nesse momento, nasce a morte. Dar a luz à morte, exigiu a matança de muitos íntimos, tão justos e tão certos quantos esses nossos, para fazer viver outros seres, tão cheios de íntimo quanto nós. O que fizemos, humanidade, foi estabelecer que o corpo morre quando tais funções acabam, ainda que outras estejam muito bem obrigada. Legalizar o transplante de órgãos foi determinar onde a vida acaba. Legalizar o aborto será determinar quando a vida começa.

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(Rio de Janeiro) “Mulheres contra cunha” tomam as ruas do Rio de Janeiro em protesto

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MULHERES CONTRA CUNHA

Milhares de mulheres marcharam pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro nesta quarta-feira (28/10) contra a ofensiva da bancada conservadora da Câmara dos Deputados, liderada por Eduardo Cunha, a seus direitos conquistados.

A concentração começou por volta das 14h em frente a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), onde tramita a “CPI do aborto”, destinada a estabelecer punições mais rígidas para mulheres e profissionais de saúde que realizarem esse procedimento.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a cada 2 dias uma brasileira morre por aborto inseguro, um problema de saúde pública ligado à criminalização da interrupção da gravidez

Por volta das 17h, a marcha seguiu em direção à Cinelândia, passando pelo escritório do presidente da Câmera, Eduardo Cunha, o mesmo que já declarou que leis sobre a legalização do aborto só passariam “sobre seu cadáver”, sendo conivente assim com o cadáver de milhares de mulheres que morrem em decorrência de procedimentos clandestinos por conta da intransigência de um Estado autoritário que não se cansa de legislar sobre o direito ao corpo das pessoas. O protesto ficou marcado por frases como “machistas, fascistas, não passarão!”, “legaliza! o corpo é nosso, é nossa escolha, pela vida das mulheres!”, “pílula fica, Cunha sai”, “meu corpo, minhas regras”, entoadas tanto nos cantos quanto nos cartazes e faixas.

Ao chegar na Cinelândia, as mulheres e apoiadores, que somaram cerca de 4 mil manifestantes, tomaram a escadaria da Câmara Municipal e transformou a praça em um grande palco de intervenções artísticas com o intuito de denunciar o machismo presente tanto na sociedade quanto nas práticas do Estado brasileiro e conscientizar sobre o retrocesso que seria a aprovação do PL 5069-13, de autoria de Cunha, projeto de lei que dificulta o acesso de mulheres estupradas a procedimentos abortivos e que criminaliza quem ajudar uma mulher a abortar ilegalmente.

Segue mais fotos do ato:

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Foto: Tatiana Ruediger
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Foto: Tatiana Ruediger
Foto: Tatiana Ruediger
Foto: Tatiana Ruediger
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Foto: Tatiana Ruediger