Category Archives: ARTIGOS E RESISTÊNCIA

(A Emergência Anarquista) Introdução e Justificativa

A série de textos A Emergência Anarquista, da Liga Anarquista no Rio de Janeiro, pretende ser parte de um conjunto de estudos sobre teoria e prática do anarquismo contemporâneo. O primeiro da série, apresentado abaixo e originalmente publicado no site da Liga aqui, possui como objetivo introduzir o assunto, além de justificar sua necessidade enquanto estudo teórico e propositivo. É com prazer que a Rede de Informações Anarquistas irá publicar esses ensaios conforme forem produzidos. Viva a anarquia!

Liga Anarquista no Rio de Janeiro (LIGA-RJ)
Liga Anarquista no Rio de Janeiro (LIGA-RJ)

A emergência anarquista é uma proposta de estudo aproximativa dos conceitos anarquistas e libertários contemporâneos. Não sendo um estudo conclusivo que se propõe a afirmar conceitos fechados ou uma teoria unitária, traduz nossa leitura do próprio movimento anarquista, assim como do universo libertário, respeitando a multiplicidade, pluralidade e diversidade nos campos organizativos de ações, métodos e ideias. Tampouco é este um estudo que busca resgatar as teorias clássicas do anarquismo, não as desconsiderando ou estando desconectado do processo histórico, mas partindo de uma análise de que as manifestações recentes de novos atores sociais emergentes no campo político e econômico não estão necessariamente conectadas – pelo menos conscientemente – ou endividadas para com os clássicos teóricos do campo de ação anarquista. Obviamente que os conceitos amadurecidos e sistematizados pelos pensadores anarquistas e libertários estão presentes nesta reflexão, mas não como um tema central ou que nos ocupe como objeto de nossa pesquisa. Antes disso, são eles conceitos – como dito anteriormente – sistematizados a partir de uma prática, é esta prática que nos interessa, não diminuindo a importância deste esforço de teorização, mas julgamos que tais teóricos e suas teorias já são devidamente debatidas em outros estudos, não menos importantes e não menos urgentes.

É saudável pontuar uma separação entre libertários e anarquistas. Entendemos aqui todo anarquista como um libertário, mas o campo libertário é mais amplo que o anarquista, abarcando outras tendências que nem sempre terão as características definidoras de uma prática e um pensamento anarquista. Dada a diversidade do movimento libertário e a consequente confusão de suas zonas de contingência com o movimento anarquista, acreditamos que reforçar a ideia desta sinalização é um ponto importante de partida para as reflexões que seguirão.

Creio ser necessário, a título de justificativa, deixar clara nossa posição sintetista enquanto anarquistas. Tal posição obviamente guiará as questões que surgirão no decorrer da leitura deste ensaio e o próprio objetivo de aproximação, sem a pretensão de tirarmos daqui conclusões definitivas acerca das práticas e ideias anarquistas correntes. Sintetismo ou sinteticismo, em poucas palavras, pode ser entendido aqui como uma posição anarquista e libertária que respeita e encoraja múltiplas formas de ação no âmbito anarquista, busca uma síntese entre as correntes de pensamento que emergem ou orbitam o universo libertário e o movimento anarquista, rejeita, portanto, os planos fechados, plataformas ou programas que tendem a controlar o comportamento e delegar funções aos corpos que se movem em sentindo libertário, respeita a livre federação e aglutinação coletiva, sem, contudo, se fechar ao diálogo com as correntes de pensamento e organizações anarquistas que tendem ao plataformismo ou ao especifismo. Entendemos, portanto, que a pluralidade e multiplicidade de métodos e ações em diferentes campos e de formas variadas são elementos benéficos à construção de uma sociedade livre.

Faz-se necessária uma reflexão para dentro do próprio movimento anarquista. Esta esbarrará, como previsto, nas zonas de contingência que existem com o universo libertário e a prática autonomista. A emergência de ações coletivas e ainda individuais que se autoidentificam ou são lidas como – e não de forma ilícita – práticas anarquistas, impelem-nos a uma leitura e ao esforço de compreensão das mesmas em uma articulação com a conjuntura atual do movimento como um todo.

O recente e notório descontentamento popular com as estruturas governamentais representativas, as históricas desigualdades econômicas inerentes ao modo de produção capitalista somadas ao seu ciclo de crises estruturais e rupturas que abateram o sistema de forma global nas últimas duas décadas e, em uma perspectiva que nos coloca geográfica, histórica e socialmente inseridos no contexto latino-americano, ao total fracasso das estruturas sindicais em comportar as demandas da classe trabalhadora, geraram uma série de ações espontâneas que apontam para uma tendência autonomista e em alguns casos muito próximas das práticas que nos remetem à tradição anarquista. Seja o fenômeno das assembleias populares ou trabalhadoras que primam por métodos horizontais, sejam os recentes movimentos grevistas puxados pela base em detrimento dos grupos dirigentes de seus respectivos sindicatos e mesmo contra eles em alguns casos, os movimentos que pautam a questão da mobilidade urbana e o direito a cidade, reivindicando uma gestão mais direta do sistema de transportes e organizando-se de forma descentralizada e até federalizada, a tendência a autogestão que é identificada nas ocupações promovidas pelos movimentos pautados na questão da moradia – na verdade a falta dela – e a disseminação e radicalização de tendências libertárias que visibilizam questões como o direito ao corpo e a descriminalização das drogas. Todas estas tendências nos remetem de alguma forma ao universo que orbita ou emerge do conjunto de práticas e métodos anarquistas, autonomistas ou libertários. A presença deles é sentida em todos estes campos, sem que, contudo, estes possam ser classificados como movimentos anarquistas de fato.

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A Emergência Anarquista

Todos estes movimentos que desenvolvem em seu seio tais métodos o fazem por uma simples questão conjuntural, impelidos pelas necessidades organizativas, muito mais do que por tendência ideológica consciente, ainda que agrupamentos atuem no interior de tais movimentos e assim o façam de forma consciente não é possível afirmar que isso vale para o todo. Tal ação não configura o direcionamento da organização subsequente no sentido de controle do movimento por parte destes mesmos grupos atuantes.

Obviamente que as formas de organização assumidas pelos movimentos contemporâneos levaram consequentemente à exposição midiática do anarquismo e subsequentemente a um processo de criminalização da prática anarquista. Tal movimento criminalizante não é exclusividade do Brasil ou da América Latina – apesar dos recentes e alarmantes eventos de perseguição verificados neste continente – é um processo que se desenvolve em âmbito global e de forma articulada.

Tal situação nos leva a algumas questões da qual não podemos e não devemos nos furtar: é possível afirmar que há “O anarquismo” ou os anarquismos? O anarquismo ou os anarquismos constituem uma teoria político-econômica-social, uma ideologia, ou um conjunto de práticas libertárias em que seja mais correto falar em “cultura anarquista”? É desejável uma unidade de luta articulada, ainda que sem unidade teórica ou a potência do movimento anarquista se encontra precisamente em sua atomização e descentralização total, onde – perdoem a metáfora geológica – nos remete a uma configuração insular de arquipélago, encontrando-nos isolados e atuando em frentes desconectadas, desarticuladas e desprovidas de comunicação? Em que ponto os movimentos anarquista e autonomista encontram zonas de contingência e de separação entre si no campo libertário de ação?

Tais questões nos afligem e julgamos merecedoras de reflexão caso desejemos seriamente construir um mundo onde uma sociedade livre seja possível para além da utopia. Não só são questões provocadoras que justificam a reflexão e um amplo debate por uma maior articulação – se esse é nosso desejo enquanto companheiros e companheiras de luta – como são questões urgentes motivadas por uma conjuntura que nos indica uma articulação global de repressão às práticas anarquistas e libertárias. São destas questões que vamos nos ocupar nesta série de estudos que, apesar de constituírem uma ainda tímida provocação aos companheiros e companheiras, temos motivos para crer que são questões solúveis e de tomadas de posições possíveis dentro de nosso campo de atuação em direção a construção de um mundo novo, igualitário e liberto de opressões.

Por Liga Anarquista no Rio de Janeiro

(Rojava) Curdistão, as mulheres na linha de frente

Esclarecedor artigo do antropólogo Andrea Staid sobre o que ocorre atualmente no Curdistão, com especial ênfase ao protagonismo das mulheres curdas. Publicado originalmente em italiano na seção Antropologia e Pensamento Libertário da Rivista A, número 395, em fevereiro de 2015, e traduzido pela Liga Anarquista no Rio de Janeiro, tradução disponibiliza em seu site aqui.


Quero aprofundar o que é o Rojava no Curdistão, um território de maioria curda que compreende o norte da Síria e que se estende pela fronteira com a Turquia. É a parte ocidental de um hipotético “Grande Curdistão” que tomaria porções de territórios também do Iraque, Turquia e Irã. No Iraque, de fato o KRG (Kurdistan Regional Government) é autônomo, ainda que se formalmente sob o regime de Bagdá.

A segunda parte importante para a construção do “Grande Curdistão” é exatamente o Rojava, ele próprio um território autônomo desde 2012, quando graças à luta e à determinação dos milicianos e das milicianas o exército de Assad foi expulso. É importante sublinhar que o território autogerido pelos curdos não é sem solução de continuidade. De fato, é dividido em três regiões, Kobane, Efrin e Cyzire, administradas pelo Kurdish Supreme Committee, formado por elementos do Kurdish Democratic Union Party (PYD) e pelo Kurdish National Council (KNC). Os dois grupos, mesmo que com diferentes visões ideológicas e com frequentes choques em nível político, assinaram um acordo de cooperação em 12 de junho de 2012 para gerir um governo compartilhado nos territórios libertados da ditadura sírio.

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Geografia política atual da Síria

É importante sublinhar ainda uma vez que o braço armado do Kurdish Supreme Committee são as Forças de Defesa Popular, a People’s Defence Forces (YPG) e a Women’s Defence Forces (YPJ), que há mais de dois anos estão combatendo seja contra os grupos rebeldes islâmicos, seja contra o ISIS. Os curdos, especialmente aqueles do PYS, sempre foram muito cuidadosos em suas alianças, jogando frequentemente em mais de um front. A relação com o governo central de Damasco é também ambígua, baseada na não ingerência recíproca em nível territorial.

Mesmo que sobre os curdos tenha se falado pouco até agora, na realidade desde 2011 desenvolveu-se um grande movimento por uma democracia autônoma e os ativistas curdos aceleraram a formação de conselhos autônomos radicais. Os conselhos, de acordo com a região, seguem diferentes orientações políticas, culturais, étnicas, diferentes níveis de urbanização e diferentes níveis de repressão do Estado. A partir deste ano, ao invés, começou-se a falar do Rojava por causa do avanço do ISIS no Iraque e portanto, do envolvimento, não somente dos peshmerga (as forças militares curdas no Iraque), mas também dos guerrilheiros do PKK e, sobretudo de seus homólogos sírios do PYD. Foram eles e não os peshmerga que criaram um corredor humanitário sobre o monte Sinjar para permitir que milhares de yazids escapassem do assédio dos militantes do Califado em agosto do ano passado.

Atualmente a People’s Defence Forces (YPG) está adestrando centenas de yazids, reagrupados sob a sigla do Sinjar Protection Unit. Junto com o PYD e os guerrilheiros do PKK estão empenhados efetivamente em conter e enfrentar cotidianamente os milicianos do ISIS na Síria.

Os homens do PYD e do PKK não combatem somente na Síria ou ao longo do confim com o Iraque, mas chegaram a dar apoio forte aos peshmergas também em Jalawla, a 160 km de Bagdá e em Makhmour, ao sul de Mosul.

Infelizmente não pude ir pessoalmente entrevistar os protagonistas da luta pela libertação, mas li muitas entrevistas interessantes: Bujuck, por exemplo, luta contra o ISIS há vários meses. É uma ativista do movimento das guerrilheiras curdas e, até um mês atrás viveu na fronteira turco-síria em um vilarejo a poucos quilômetros de Kobane.

Kobane encontra-se na região do Rojava, ao norte da Síria, onde os curdos vivem em completa democracia ou, pelo menos, assim se declaram. Claramente estamos falando de uma democracia “quase” direta, construída através de conselhos independentes, uma espécie de confederalismo democrático muito diferente de nosso sistema de representação parlamentar. Na entrevista fala do importante rol das guerrilheiras curdas na defesa da cidade contro as barbáries das milícias negras do Califado e das tropas do ISIS.

“As mulheres curdas tem um papel de liderança na resistência em Kobane. Oferecem um extraordinário suporte militar à revolução. Combatem armadas somente com uma Kalashnikov contra tanques de guerra e morteiros. Não se pode imaginar uma revolução curda sem as mulheres na linha de frente. Unir-se ao YPG (a unidade de defesa do povo curdo) é uma forma de libertação. As jovens combatentes que entram no YPJ (a unidade de defesa do povo curdo composta somente de mulheres) são adestradas pelas mulheres comandantes. As mulheres são muito mais corajosas em batalha, não abandonando nunca o front, preferindo morrer a acabar nas mãos do inimigo. As mulheres curdas são guerrilheiras que escolheram esse estilo de vida.”

Creio que este aspecto da determinação na luta pela libertação de parte das mulheres seja importante para compreender aquilo que está acontecendo nos montes do Curdistão. Devemos estar atentos ao uso que as mídias de massa estão fazendo dessas mulheres. A grande imprensa quando fala delas o faz de modo muito superficial e não escreve sobre a preparação intelectual dessas mulheres de sua convicção de lutar não somente contra o ISIS mas para construir um mundo novo livre da exploração do homem sobre o homem, com uma forte atenção aos temas da ecologia social e ao feminismo radical.

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Lutadoras curdas do Women’s Defence Forces

I Fórum Geral Anarquista no Rio de Janeiro – Carta Convite

Nós, da Rede de Informações Anarquistas (RIA), compartilhamos e apoiamos o I Fórum Geral Anarquista no Rio de Janeiro, o qual a RIA irá cobrir, organizado pela Liga Anarquista no Rio de Janeiro com apoio do Núcleo Pró-Federação Libertária de Educação e Instituto de Estudos Libertários. Segue abaixo a carta convite para o evento, originalmente publicada no blog da Liga Anarquista.


I Fórum Geral Anarquista 2015 no Rio de Janeiro – Carta Convite

Olá companheiras.

Temos a alegria de convidarmos os indivíduos e coletivos anarquistas para o Fórum Geral Anarquista no Brasil a ocorrer na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 04 e 07 de junho de 2015.

A Iniciativa foi apresentada pela Liga Anarquista no Rio de Janeiro em evento anterior e contou com apoio do Instituto de Estudos Libertários (grupo dedicado ao fomento e divulgação do anarquismo nas suas diversas correntes) e Núcleo Pró-Federação Libertária de Educação (organização de libertárixs centrada nas experiências pedagógicas e práticas sociais) que atuam no Rio de Janeiro também, e foi aprovada por consenso entre os grupos presentes, além de apoiada pela Internacional de Federações Anarquistas – IFA, Federação Libertária Argentina -FLA, Federação Anarquista Francófona – FA, Federação Anarquista Alemã- FdA, Federação Anarquista do México, Federação Anarquista Local de Valdivia (Chile) – FALV, Grupo de Estudos Gomes Rojas (Chile) e todas as pessoas presentes na roda.

Ouvimos bastante sobre a organização federalista anarquista das federações e coletivos citados acima, o que nos motivou a iniciar conversas na direção do reconhecimento do movimento anarquista no país e de estudar possibilidades para sua construção.

Diante da conjuntura entre 2013 e 2015, destacamos os seguintes pontos: os levantes populares, ocupações, greves, assembleias populares horizontais, anticopa, manifestações pelo passe livre e tarifa zero em parte considerável do Brasil, eleições gerais 2014, crescimento da inflação, redução de direitos dos trabalhadores, demissões nas indústrias e serviços (atacando diretamente os terceirizados que são a parcela mais precarizada dos trabalhadores) aumento de taxas de energia e água, aumento nas tarifas de ônibus, manifestações de direita e esquerda, movimentações, projetos e discursos fascistas nas ruas, nas câmaras, congresso nacional, práticas fascistas pelo judiciário e executivo, visibilização de grupos paramilitares religiosos como de igrejas pentecostais, atuação militar oficial em chacinas nas periferias e favelas do país adentro. A LIGA convida xs companheirxs para expor suas analises, refletir sobre esta conjuntura, conversar sobre saídas propositivas para as trabalhadoras/trabalhadores e precarizadas/precarizados.

Este Fórum se propõe promover e reiniciar as conversações sobre Federalismo Anarquista no Brasil. Diante disso, a participação e apresentação do anarquismo nas cinco regiões do país darão uma imagem mais diversificada e menos imprecisa de como o anarquismo se encontra atualmente, de como podemos caminhar para atuar pontualmente ou coletivamente.

Acreditamos que a organização federalista anarquista pode contribuir potencializando os trabalhos de todos coletivos e indivíduos sejam na direção de quaisquer ações: assembleias populares horizontais, movimentos populares, movimentos sociais, movimentos sindicais, divulgação e propaganda das ideias e práticas ácratas, cooperativas autogestionárias de serviços e ou produtos, realização de artes, etc.

Consideramos outras formas de organizações anarquistas e suas atuações, respeitamos suas trajetórias e seguiremos na construção da nossa maneira de ver e viver o mundo anarquicamente, estabelecendo o diálogo quando desejável, possível e necessário. Todas as formas de organização anarquista serão bem vindas ao Fórum Geral Anarquista.

Todas aquelas e aqueles que se encontrem de acordo com estas proposições, sentimentos e objetivos são convidadxs. Cada indivíduo e coletivo virá por sua conta própria e nós ofereceremos apenas o alojamento para aqueles que realmente necessitem, ofereceremos uma lista de locais para nos alimentarmos o mais barato possível e com uma qualidade satisfatória. Em breve, divulgaremos mais detalhes sobre metodologia, estrutura e atividades do Fórum Geral Anarquista.

Atenciosa e fraternalmente, Liga Anarquista no Rio de Janeiro.

 Rio de Janeiro – RJ, 03 de Maio de 2015

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Caravana 43 por Sudamerica de Ayotzinapa para a América do Sul

Há mais de 7 meses do desaparecimento de 43 estudantes normalistas de Ayotzinapa, México, uma caravana internacional de solidariedade está sendo articulada. Na América do Sul diversos eventos para arrecadar fundos para a vinda de familiares desses 43 estudantes foram e estão sendo organizados, cuja intenção é percorrer Brasil, Argentina e Uruguai em uma caravana de difusão e solidariedade com o caso do brutal ataque do Estado Mexicano que levou ao desaparecimento desses jovens, além de deixar ao menos 3 mortos e dezenas de pessoas feridas em setembro de 2014.

Segundo o comunicado, “alguns parentes dos 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, México, nos visitarão em una Caravana por Sul-América para continuar espalhando seu grito. A luta deles, acompanhada pela solidariedade nacional e internacional, tem se transformado num símbolo e seus 43 filhos, em semente da resistência e dignidade. Queremos nos encontrar para que nos possam contar face a face, sua rabia e sua rebeldia, para demandar justiça junto a eles ao sistema político mexicano de morte e destruição. Eles floresceram junto aos outros milhares de assassinados e desaparecidos na América Latina e o grito pela vida e a dignidade se cresce no Sul: Vivos se los llevaron, vivos los queremos!”

Ontem (15 de maio) na Conferência de Imprensa se anunciou o começo da Caravana 43 por Sudamerica. A Caravana percorrerá Argentina (Córdoba, Rosario, Buenos Aires), Uruguai (Montevideo) e Brasil (Porto Alegre, São Paulo, finalizando no Rio de Janeiro).

“Nosotros hemos caminado muchísimo y vamos a caminar más para localizar a los 43 pero no solo a ellos sino también a los más de 30 mil desparecidos. Por las más de 30 mil familias que sufren por un desaparecido”, disse Mario González delegado da Caravana 43 por Sudamerica e pai de César Manuel González Hernández, um dos 43 normalistas desaparecidos.

Abaixo segue a programação contendo alguns eventos de apoio e arrecadação que irão ocorrer em algumas das cidades citadas. Para mais informações e atualizações, acompanhem diretamente no site da Caravana 43 por Sudamerica.


PRÓXIMOS EVENTOS NO RIO DE JANEIRO E CÓRDOBA

16 de Maio | Sábado | Rio de Janeiro | Festival Latino por Ayotzinapa

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18 de Maio | Segunda-feira | Córdoba | Córdoba por Ayotzinapa

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20 de Maio | Quarta-feira | Rio de Janeiro | Ayotzinapa no CEFET Maracanã

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2 de Junho | Terça-feira | Niterói (Estado do Rio de Janeiro) | Fórum Crise, Lutas Sociais e Violëncia de Estado

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(Anarquismo Negro) Falando de Anarquismo, Racismo e Libertação Negra

A Rede de Informações Anarquistas abre uma seção de artigos e escritos, alguns traduzidos, outros produzidos por colaboradores, sobre a temática da luta antirracista e sua relação com o anarquismo, ou o Anarquismo Negro, por assim dizer, termo que ganhou força nos Estados Unidos devido a militância de pessoas negras, algumas ex-Panteras Negras, no meio libertário. Acreditamos ser um assunto a nós caro, pois o racismo foi historicamente tratado como uma questão secundária pela teoria e prática de esquerda, um equívoco do qual o movimento anarquista não escapou.

Tratar desse problema é, de certa forma, atualizar o anarquismo para as nossas realidades e temporalidades, para a favela e para o quilombo. O desafio diante de nós é árduo, pois devemos evitar naturalizações, etnocentrismos e colonialismos, molduras que impossibilitam a construção de um movimento social palpável de caráter combativo e libertador dentro de nossos contextos regionais nos quais questões locais, identitárias e culturais, são tão importantes quanto a tradicional luta global de trabalhadores e trabalhadoras contra o capital.

Desse modo, começamos com a tradução de um relato sincero e provocativo do escritor anarquista Lorenzo Kom’boa Ervin, ex-membro do Panteras Negras, e originalmente publicado em inglês no primeiro exemplar do Jornal da Anarquia e da Revolução Negra. Lorenzo discorre sobre as deficiências do movimento anarquista estadunidense no tocante à luta contra o racismo nesse país, trazendo algumas questões pertinentes para a construção de mobilizações antirracistas no seio do movimento anarquista brasileiro. Sem mais delongas, segue o texto.

Lorenzo Kom'boa Ervin, ex-Panteras Negras, anarquista, ativista e escritor
Lorenzo Kom’boa Ervin, ex-Panteras Negras, anarquista, ativista e escritor

FALANDO DE ANARQUISMO, RACISMO E LIBERTAÇÃO NEGRA

Por Lorenzo Kom’boa Ervin

Essa é a primeira edição do Journal of Anarchy and the Black Revolution (Jornal da Anarquia e da Revolução Negra) e apesar de eu achar que não vai ser o último, não sei que forma e contorno que o jornal vai tomar daqui em diante. Seu futuro dependerá amplamente da natureza da luta negra anti-autoritária que está sendo fermentada e desenvolvida em nossas comunidades. Nós não sabemos precisamente como será nossa relação com o movimento anarquista estadunidense – se será fraterna, hostil ou cautelosa.

Deve ser claro que um movimento que é todo branco, de classe-média, egocêntrico e ingênuo não é um com o qual podemos nos unir. Além disso, trate-se de um movimento o qual pode fazer muito pouco por contra própria, muito menos pela nossa luta. Então é o momento de uma conversa franca com o anarquismo se quisermos avançar da onde estamos para a possibilidade real de uma revolução social.

Por mais de 15 anos, desde que eu me iniciei no assim chamado movimento anarquista estadunidense, tenho estado em conflito com o mesmo. Venho continuamente apontado em meus textos e artigos em publicações anarquistas, apresentações orais e conversas pessoais que o cenário anarquista nos Estados Unidos não é o que deveria ser para ser levado a sério. Eu duvido até mesmo que trata-se de um movimento social propriamente dito, e sim uma cena de contra-cultura tocada por uma juventude branca.

Não sou o primeiro a reconhecer isso. Várias outras pessoas anarquistas negras e não-brancas com as quais tenho conversado como Juliana em Minneapolis, Greg em Seattle, Barbara em Nova Iorque, Ojore em Nova Jersey, Shawn em Massachusetts e outras vêm reconhecendo tal fato. No mesmo sentido, vários ativistas negros radiciais e comunitários que podem se interessar pelo anarquismo são repelidos pela cena majoritariamente branca e de classe-média. Quem pode culpá-los? O movimento anarquista possui algumas das piores políticas na questão da classe e da raça nessa sociedade e nem mesmo simulam estar interessado com as condições das massas negras oprimidas.

Sempre que tento chamar por reformas dentro do próprio movimento anarquismo, como diversificação racial e cultural, recrutamento de mais pessoas negras e do terceiro mundo, construção de um movimento antirracista alternativo que venha desafiar a identidade branca assim como a opressão de pessoas não-brancas, venho encontrando resistências por anarquistas “puristas” e radicais brancas dentro da cena. Eu lutei contra o Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo), contra a Social Revolutionary Anarchist Federation (Federação Social Revolucionária Anarquista) e outros grupos anarquistas dos Estados Unidos na década de 1970 quando me juntei à ao cenário anarquista. Recentemente passei pela mesma luta com um grupo chamado Love and Rage Revolutionary Anarchist Federation (Federação Revolucionária Anarquista Amor e Ódio) que tem a sua sede em Nova Iorque. Então não se trata de algo recente – isso vem ocorrendo por anos e anos!

"Black anarchism", ou anarquismo negro, a junção da luta antirracista ao movimento anarquista
“Black anarchism”, ou anarquismo negro, a junção da luta antirracista ao movimento anarquista

Purismo Anarquista e Supremacia Branca

A questão então surge: estão os anarquistas deliberadamente construindo um movimento branco, questão a qual denomino como problemática dos “direitos brancos” que apenas a refinada classe-média radical está interessada? Esse é o caso mesmo quando a maioria dessas pessoas vivem em cidades cuja população é majoritariamente negra como Detroit, Oakland, Atlanta, Philadelphia e outras. Elas vivem em guetos anarquistas e olham para a comunidade negra que os circundam com uma hostilidade desconfiada e muda. Pode esse tipo de movimento trabalhar em prol da revolução social quando, no final dessa década, está previsto que metade da nação estadunidense será composta por pessoas não-brancas? Eu duvido!

Mesmo o Partido Republicano reconhece que não pode criar qualquer esperança de construir uma coligação governamental capitalista sem a participação da população não-branca, então o que diabos está errado com esses anarquistas?

O purismo anarquista é uma forma de conformidade ideológica, um método de manter os ideais anarquistas “puros” e de prevenir a emergência de qualquer movimento alternativo que violem os princípios cardinais do pensamento e da prática anarquista europeia tradicional. Tal ferramenta também serve para assegurar que apenas pessoas brancas vão definir e continuar a dominar a teoria anarquista e que apenas essas pessoas vão ocupar as fileiras do movimento.

Movimentos emergentes nas comunidades negras e hispânicas, os quais são influenciados pelo nacionalismo revolucionário e pelo núcleo anti-autoritário do anarquismo, estariam sendo denunciados como “não sendo verdadeiramente anarquista”, assim negado qualquer tipo de apoio. Eu presenciei isso sendo realizado historicamente – como é o caso do Student Non-Violent Coordinating Committee (Comitê Coordenador de Estudantes Pacíficos) na década de 1960; da Martin Sostre (e de mim mesmo) na década de 1970; do MOVE nos anos 80, e é algo que acontece até o presente dia. Sem fracassar, essa é uma forma de manter o movimento “em seu lugar” [e branco]. Contudo, também acaba por se transformar em uma camisa-de-força ideológica que o separa dos eventos sociais que ocorrem fora da comunidade branca radical, onde o mundo real e concreto acontece; como consequência, essas práticas colaboram com a marginalização do anarquismo quando o movimento demanda conformidade com o catecismo que Bakunin e Kropotkin escreveram há 100 anos atrás. Como que isso pode ser diferente do marxismo?

Também há a questão do elitismo e racismo desses anarquistas, como é o caso do grupo Love and Rage, que acreditam que eles podem pensar e falar pelos revolucionários e revolucionárias negras e pelas comunidades da onde estes ativistas são provenientes. Essas pessoas são de lares privilegiados que deixaram suas casas para brincarem de revolucionários malvados e fingirem ser pobres. A verdade é que um par de coturnos, calças rasgadas e camisetas sujas não fazem de uma pessoa alguém pobre ou um especialista em políticas raciais estadunidenses. Isso não é nada além de ação missionária para essas pessoas. Elas podem ter modificado suas atitudes; continuam sendo arrogantes doutrinários e condescendentes ao máximo. Elas podem achar que possuem a resposta e que todo mundo, especialmente pessoas negras, deve segui-los para a Terra Prometida. Apenas essas pessoas são qualificadas para falar sobre as questões de raça e classe. Elas sabem de tudo!

Radicais brancos como esses realmente me cansam. Por conta disso apenas um movimento egocêntrico e arrogante vai surgir com esse tipo de ética social dominante no centro do grupo.

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O Anti-Racist Action, uma rede de grupos antirracistas, serve como exemplo de movimento recente desse caráter que compartilha alguns dos princípios do anarquismo, como a ação direta

Mas há um outro tipo de radical branco dentro do movimento anarquista que precisa ser combatido. Esse é o tipo que alega desconhecer qualquer diferença entre as condições dos trabalhadores e trabalhadoras negras e brancas e argumenta que “nós estamos todos no mesmo barco”. Esse tipo aparenta não enxergar qualquer forma de opressão racial na sociedade estadunidense e que pessoas negras e não-brancas não merecem qualquer “tratamento especial”. Esse tipo de pessoa é frequentemente encontrada no movimento anarco-sindicalista nos Estados Unidos. Trata-se de fato de uma tendência antiga, uma posição economicista, que sacrifica a luta contra o racismo em prol da paz intraclasse entre trabalhadores e trabalhadoras negras e brancas. Seguindo essa lógica, nós devemos unir com base em questões econômicas e evitar problemas “controversos” e “sectaristas” da raça. Entretanto, como pretendo expor logo adiante, essa é na verdade uma posição racista e escapista e demonstra que eles não possuem de nenhum modo alguma estrutura moral.

Trata-se de uma desculpa esfarrapada na tentativa de alegar que a “classe trabalhadora” está sendo oprimida sem apontar para o fato de que não existe uma classe trabalhadora monolítica no país – e que nunca existiu. Sempre houve uma classe trabalhadora afro-americana brutalizada e explorada, a começar pela escravidão, passando pelos períodos econômicos agrário e industrial, chegando na chamada era da informação. A mão-de-obra negra sempre esteve sujeita à opressão racial em adição à luta dos trabalhadores e trabalhadoras contra o governo do capital.

É um reducionismo do pior tipo alegar que não há diferenças nas posições sociais da classe trabalhadora negra, que não há uma opressão especial, como o grupo Workers Solidarity Alliance (Aliança Solidária dos Trabalhadores) faz. Em um artigo publicado em Ideas and Action (Ideias e Ações), o jornal político da WSA, um escritor declarou que via nenhuma diferença ou “nada em especial”, o citando, entre pessoas canhotas e as condições de pessoas afro-americanas. Mas a questão mais infame da publicação estava em um artigo que ocupava uma página inteira na 13ª edição, impressa em 1990, chamada “White Workers and Racism” (Trabalhadores Brancos e Racismo) e escrito em resposta ao assassinato racista de Yusuf Hawkins em Nova Iorque.

Da forma mais repugnante possível, o artigo tenta equiparar “ataques contra brancos inocentes por juventudes de minorias étnicas” com o assassinato racista de Hawkins. Neil Farber (um pseudônimo de um membro não-identificado da WSA) fala sobre “racismo e demagogos em ambos os lados”, uma clássica desculpa da classe-média branca. Ele nega haver algo como o privilégio da pele branca, dizendo que trata-se apenas de uma criação de setores da esquerda na década de 1960. Nós devemos assumir que ele está falando do Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras) ou do sindicato revolucionário League of Revolutionary Black Workers (Liga dos Trabalhadores Revolucionários Negros), apesar dele tentar afirmar que está falando sobre indivíduos radicais brancos.

O autor afirma ainda que o relativo padrão de vida superior é devido às “lutas dos trabalhadores”, como se trabalhadores brancos tivessem “ganhado” seu espólio por terem lutado contra o patrão. Falso. O padrão de vida da classe-média branca só é possível por conta da exploração disseminada de países colonizados e da escravidão e da continuação da ampla exploração de trabalhadores e trabalhadoras afro-americanas e não-brancas.

Esses absurdos escritos por Farber são coroados pela declaração do movimento anarco-sindicalista de que ele “sempre” apoiou as lutas de trabalhadores e trabalhadoras oprimidas. Isso é uma mentira. O movimento anarquista em geral nunca forneceu apoio à luta negra ou se envolveu em movimentos antirracistas. A WSA não é uma exceção. Eles estão apenas agora começando a assim fazer.

A negação do privilégio da pele branca é um tipo de obscurantismo o qual a esquerda branca no geral, e particularmente os anarquistas, é responsável pela sua existência. Esse obscurantismo, ou o obscurecer da concretitude da opressão negra, foi também denominada de “ponto cego branco” por radicais como Noel Ignatiey, organizador e teórico de longa data sobre questões da raça e da classe.

Mas em adição ao ocultamento de problemáticas econômicas, há um tipo de escapismo eclético dentro do anarquismo estadunidense que finge que a opressão de gênero, a opressão homofóbica, a exploração de classe e outras opressões, ou outras contradições dentre a nacionalidade branca, está a par ou é até mesmo mais importante do que a supremacia branca. Esses indivíduos são geralmente pessoas que aderem à comportamentalização, ou tentam confinar impecavelmente as dinâmicas do racismo como uma questão secundária ou como uma questão política singular, sendo apenas um outro “ismo”.

Isso reflete-se em seus movimentos – movimentos majoritariamente brancos contra o “fascismo” ou o que eles chamam de racismo, habitualmente organizações KKK/Nazis em bruto. Eles nunca lidam com o racismo institucional ou com o diferencial da supremacia branca na qualidade de vida desse país. São bastantes pueris, idealísticos e emocionais, e certamente não fazem nenhum bem à pessoas negras ou não-brancas. Nós não estamos mais protegidos do fascismo por conta desses bons samaritanos brancos. Eles são parte do problema, não parte da solução.

Quem sabe será possível para o cenário anarquista estadunidense coexistir com, muito menos trabalhar em conjunto com um movimento negro anti-autoritário há pouco emergente? Algo que os anarquistas brancos devem compreender é que não trata-se meramente de conseguir que pessoas negras ou não-brancas se juntem a associações anarquistas apenas para dizer que eles agora possuem uma face negra. Nós devemos trabalhar para construir uma sociedade não-racista; devemos, assim, ter uma unidade de princípios.


Tradução colaborativa da Rede de Informações Anarquistas. Texto original em inglês.

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