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O mendigo e o ladrão – Ricardo Flores Magón

Por Ricardo Flores Magón.

Ao largo da alegre avenida vão e vêm os transeuntes, homens e mulheres, perfurmados, elegantes, insultantes. Junto a um muro está o mendigo, a mão pedinte adiantada, nos lábios trêmulos a súplica servil.

– Uma esmola, pelo amor de Deus!

De vez em quando cai uma moeda na mão do pedinte, que este mete rapidamente no bolso emitindo louvores e reconhecimentos degradantes. O ladrão passa, e não pode evitar o olhar de desprezo sobre o mendigo. O pedinte se indigna, porque também a indignação tem pudor, e refuta irritado:

– Não tem vergonha, vadio, de se ver frente a frente a um homem honrado como eu? Eu respeito a lei: não cometo o crime de meter a mão no bolso alheio. Meus passos são firmes, como os de um bom cidadão que não tem o costume de caminhar nas pontas do pés, no silêncio da noite, por habitações alheias. Posso apresentar o rosto em todas as partes; não recuso o olhar de um policial; o rico me vê com benevolência e, ao largar uma moeda em meu chapéu, bate em meu ombro dizendo-me, “bom homem!”.

O ladrão abaixa a aba do chapéu até o nariz, faz um gesto de nojo, observa em seu redor, e replica ao mendigo:

– Não espere que eu me envergonhe em frente a ti, vil mendigo! Honrado tu? A honra não vive de joelhos esperando arrastar o osso que haveria de roer. A honradez é altiva por excelência. Não sei se sou honrado ou não; mas te confesso que tenho vergonha na cara para suplicar ao rico que me dê, pelo amor de Deus, uma migalha da qual me despojou. Violei a lei? Isto é certo; mas a lei é coisa muito distinta da justiça. Violo a lei escrita pelo burguês, e essa violação contém em si um ato de justiça, porque a lei autoriza o roubo em prejuízo do pobre; isto é uma injustiça; e quando arrebato ao rico parte do que roubou dos pobres, executo um ato de justiça. O rico te bate o ombro porque teu servilismo, tua baixeza abjeta, a ele garantirá o desfrute tranquilo daquilo do que a ti, a mim, e a todos os pobres do mundo nos tem roubado. O ideal do rico é que todos os pobres tenhamos alma de mendigo. Se fosses homem, morderias a mão do rico que te lança restos de pão. Eu te desprezo!

O ladrão cospe e se perde na multidão. O mendigo alça os olhos ao céu e geme:

– Uma esmolinha, pelo amor de Deus!!!

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Regeneración, n. 216. 11 de dezembro de 1915.

 

O Anarquista Émile Henry – A defesa de um “Terrorista”

Em 27 de Abril de 1894 Émile Henry apareceu diante do Tribunal Penal (Cour d’assises da Seine) para ser julgado por seus atos. Durante a audiência as respostas do “terrorista” anarquista foram em tom de desafio e provocação, fato que espantou os presentes.

Diante do comentário do juiz que presidia a seção, “…esticaste a tua mão (…) todos podemos vê-la hoje está coberta de sangue.“, Henry respondeu, “minha mão está tão coberta de sangue quanto essa sua roupa vermelha“.

Quando perguntado pelo promotor porque ele havia ferido tantas pessoas inocentes desnecessariamente, ele respondeu, “…não havia nenhum inocente lá, não existe burguesia inocente.

Émile Henry, nascido Barcelona, 26 de setembro de 1872, anarquista francês.
Émile Henry, nascido Barcelona, 26 de setembro de 1872, anarquista francês.

Émile Henry, aos 22 anos de idade, foi guilhotinado às 4h14 da madrugada do dia 21 de Maio de 1894 na cidade de Paris. Na época sua execução foi alardeada pelos jornais das principais capitais como um exemplo de eficácia técnica e justiça. A manchete veiculada no jornal estadunidense New York Times foi: “A Guilhotina realmente funciona; A cabeça de Émile Henry foi decepada de seu corpo.

Segue na integra o relato Émile Henry no dia do seu julgamento:

“O que vou dizer-lhes não é uma defesa. Não estou tentando escapar do castigo imposto pela sociedade que ataquei. Além do mais, só reconheço um tribunal capaz de julgar-me – eu próprio – e o veredito de qualquer outro não tem nenhuma importância para mim. Desejo apenas dar-lhes uma explicação sobre os meus atos e dizer-lhes como fui levado a praticá-los.

Faz pouco tempo que me tornei um anarquista. Foi só na metade de 1891 que ingressei no movimento revolucionário. Até então, freqüentava ambientes inteiramente imbuídos da moral vigente. Tinha sido educado para respeitar e até mesmo amar os conceitos de pátria, família, autoridade e propriedade. Pois a verdade é que os professores dessa geração moderna esquecem muitas vezes de uma coisa importante: que a vida, com suas lutas e derrotas, suas injustiças e iniqüidades, se encarrega de abrir indiscretamente os olhos daqueles que ainda ignoram a realidade. Isso aconteceu comigo, assim como acontece como todo mundo. Disseram-me que a vida era fácil, que estava aberta a todas as pessoas inteligentes e cheias de entusiasmo; a experiência me ensinou que só os cínicos e os servis conseguiam bons lugares no banquete. Disseram-me que as instituições sociais baseavam- se na justiça e na igualdade; eu observava a minha volta e só via mentiras e falsidade.

Cada dia que passava me fazia perder as ilusões. Por onde quer que andasse, testemunhava sempre a mesma coisa: a miséria de alguns e as alegrias de outros. Não tardei a entender que as grandes palavras que haviam me ensinado a venerar – honra, dedicação, dever – eram apenas máscaras que escondiam a mais vergonhosa baixeza. O dono da fábrica, que amealhava uma fortuna colossal graças ao trabalho de operários que nada tinham, era um cavalheiro; os deputados e ministros, cujas mãos estavam sempre estendidas à espera do suborno, eram homens dedicados ao bem comum; o policial, que experimentava um novo tipo de rifle alvejando crianças de sete anos, cumprira seu dever e era cumprimentado publicamente no parlamento pelo presidente do conselho. Tudo isso me enojava e minha inteligência foi aos poucos atraída pelas críticas feitas à organização social vigente. essas críticas já foram tantas vezes repetidas que não vale a pena voltar a fazê-lo. Basta apenas dizer que logo me tornei um inimigo de uma sociedade que eu julgava criminosa.

Atraído, no início, pelo socialismo não tardei a afastar-me desse partido. Amo demais a liberdade, tenho demasiado respeito pela iniciativa privada e demasiada repulsa pela organização militar para que pudesse me tornar apenas mais um número no exército ordenado do quarto estado. Além disso, cedo que o socialismo não chegava a modificar a ordem estabelecida pois mantinha o conceito da autoridade – e seja qual for a idéia que os livres pensadores autodidatas possam ter a respeito – tal conceito representa a sobrevivência de uma crença antiquada num poder superior.

Estudos científicos me fizeram ir percebendo o papel que as forças naturais desempenham no universo. Tornei-me materialista e ateu: entendi que a moderna ciência rejeita a hipótese da existência de deus porque não precisa dele. Da mesma maneira, a moral religiosa e autoritária baseada em falsas premissas, também deveria desaparecer. Perguntava a mim mesmo como harmonizar essa nova moral com as leis da natureza, capazes de regenerar o velho mundo, para que fosse possível tornar a humanidade mais feliz. Foi nesse momento que entrei em contato com um grupo de camaradas anarquistas que ainda hoje considero entre os melhores que já conheci. O caráter desses homens me cativou de imediato. Percebi neles uma grande sinceridade, uma franqueza total, uma vigorosa desconfiança de todos os preconceitos e quis entender as idéias capazes de produzir homens tão diferentes daqueles que eu até então conhecera.

Essas idéias, tal como consegui entendê-las, encontraram em minha mente um solo totalmente preparado – graças a observações e reflexões pessoais – para recebê-las. Elas vieram apenas dar objetividade ao que já existia de forma vaga e indecisa. E, por minha vez, eu também me tornei um anarquista.

Não é necessário que eu desenvolva aqui toda a teoria dos anarquistas. Desejo apenas salientar seu lado revolucionário e os aspectos negativos e destrutivos que me trouxeram a sua presença. Neste momento de amargo e acirrado combate entre a classe média e seus inimigos, sou quase tentado a dizer, como Souvarine em Germinal: “Todas as discussões sobre o futuro são criminosas, já que impedem a destruição pura e simples e retardam a marcha da revolução“.

Como contribuição pessoal à luta, eu trouxe um ódio profundo e renovado a cada dia pelo espetáculo dessa sociedade onde tudo é baixo, equívoco e feio; onde tudo serve de impedimento ao fluxo das paixões humanas, aos impulsos generosos do coração, ao vôo livre do pensamento. Desejava golpeá-la com tanta força e tanta justiça quanto fosse possível.

Comecemos com a primeira tentativa, a explosão na Rue des Carmaux. As primeiras notícias sobre a greve me encheram de alegria. Os mineiros pareciam enfim ter abandonado as inúteis greves pacíficas., nas quais o operário confiante espera pacientemente que seus poucos francos triunfem sobre os milhões da companhia. Pareciam ter finalmente escolhido o caminho da violência, que se manifestou decididamente no dia 15 de agosto de 1892. Os escritórios e prédios da mina foram invadidos por uma multidão de gente cansada de sofrer sem protestar; revoltados, os operários estavam prestes a justiçar o odiado engenheiro quando os mais medrosos decidiram interferir.

E quem eram esses homens? Os mesmos que fazem abortar todos os movimentos revolucionários porque temem que, uma vez livre, o povo não obedecerá mais ao seu comando. Os mesmos que convencem milhares de homens a suportar privações mês após mês para que , ao protestar contra essas privações, possam criar para si uma popularidade capaz de fazer com que se elejam. Tais homens – falo nos líderes socialistas assumiram de fato a liderança do movimento grevista.

Imediatamente surgiu na região, uma nuvem de cavalheiros loquazes que se colocavam inteiramente à disposição dos operários, para organizar listas para arrecadação de fundos, arranjar conferências e buscar em todos os lugares possíveis. Os mineiros entregaram a eles toda a organização do movimento e todos sabem o que aconteceu.

A greve continuou, estendeu-se durante dias e os mineiros estabeleceram relações muito íntimas com a fome, que se tornou sua mais fiel companheira. Logo esgotaram a pequena reserva de fundos de seu próprio sindicato e das outras organizações que tinham vindo em seu auxílio, então, ao fim do segundo mês de greve, cabisbaixos e humilhados, voltaram aos poços da mina mais miseráveis do que nunca. Teria sido tão simples no começo atacar a companhia no seu único ponto sensível – o financeiro – queimando os estoques de carvão, destruindo as máquinas e as bombas de recalque das minas. Se tivessem feito isso, a companhia certamente não tardaria a capitular. Mas os grandes pontífices do socialismo não permitiram a utilização desses métodos por serem típicos do anarquismo. Ao lançar mão deles estamos arriscados a levar um tiro e até quem sabe, a receber uma daquelas balas que deram resultados tão miraculosos em Fourmies. Essa não é, certamente, a melhor maneira de ganhar um lugar na câmara municipal ou na assembléia legislativa. Em resuma, após uma interrupção momentânea, a ordem voltou a reinar em Carmaux, uma vez eliminados alguns problemas passageiros. Mais poderosa do que nunca, a Companhia continuou a explorar o povo, e os cavalheiros acionistas cumprimentaram-se pelo feliz desfecho da greve, sentindo um redobrado prazer ao receber seus dividendos.

Foi então que decidi introduzir naquele concerto de sons tão alegres uma voz que os burgueses já conheciam, mas que julgavam ter morrido em Ravaxhel: a voz da dinamite. Queria mostrar à burguesia que, partir daquele momento, seus prazeres já não seriam tão completos, que as vitórias insolentes seriam perturbadas, que o bezerro de ouro balançaria violentamente no pedestal até o golpe final, que o faria rolar em meio ao sangue e à imundice. Ao mesmo tempo, desejava fazer com que os mineiros entendessem que só há um tipo de homem capaz de se preocupar sinceramente com os seus sofrimentos e dispostos a vingá-los: os anarquistas. tais homens não ficam sentados no parlamento como o Sr Guesde e seus associados, mas, marcham até a guilhotina.

Assim, preparei uma bomba. Num certo momento, lembrei-me da acusação que havia sido feita em Ravachol. E as vítimas inocentes? Mas logo resolvi esse problema. Os edifícios onde a Companhia Carmoux mantinha seus escritórios eram habitados apenas por burgueses: não haveria, portanto, vítimas inocentes. Todos os burgueses vivem da exploração dos menos afortunados e justos e deveriam pagar pelo seu crime; Assim, foi com a mais absoluta confiança na legitimidade do meu ato que deixei a bomba diante da porta dos escritórios da Companhia.

Já falei aqui sobre a minha esperança de que, caso fosse descoberta antes de explodir, minha bomba acabaria por detonar na delegacia, aonde aqueles que por acaso viessem a sofrer ferimentos também seriam inimigos. Tais foram os motivos que me levaram a cometer o primeiro atentado de que sou acusado.

Vejamos o segundo: o incidente no Café Terminus. Eu acabara de voltar a Paris na época do caso Vallant e fora testemunha da terrível repressão que se seguiu à explosão no Palácio Bourbon. Vi as medidas draconianas que o governo decidiu tomar contra os anarquistas. Havia espiões, buscas e prisões por toda  parte. Um grupo de indivíduos detidos indiscriminadamente, arrancados de seus lares e jogados nas prisões. Ninguém se preocupou em saber o que aconteceria às suas esposas e filhos enquanto esses camaradas permanecessem confinados. O anarquista já não era mais considerado um ser humano, mas uma besta selvagem que devia ser caçada sem tréguas enquanto a imprensa burguesa, escrava da autoridade, exigia em altas vozes que todos eles fossem eliminados. Ao mesmo tempo, panfletos e papéis libertários eram confiscados e aboliu-se o direito de reunião. Pior do que isso: quando parecia aconselhável livrar-se de um camarada, um informante deixava no seu quarto um pacote que, segundo ele, continha tanino; no dia seguinte procedia-se a uma busca com um mandato datado do dia anterior e encontrava-se uma caixa com um pó suspeito. O camarada era então levado a julgamento e condenado a 3 anos de prisão. Se quiserem saber se o que digo é verdade, perguntem ao espião miserável que conseguiu penetrar na casa do camarada Merigeaud!

Mas tais métodos eram válidos pois atacavam um inimigo que havia espalhado o medo, e todos aqueles que tinham tremido de pavor queriam agora demonstrar coragem. Como coroamento dessa cruzada contra os heréticos, ouvimos o Ministro do Interior, Sr. Reynal, declarar na Câmara dos Deputados que as medidas tomadas pelo governo tinham implantado o terror entre os anarquistas. Mas isso ainda não era suficiente: um homem que nunca havia matado ninguém foi condenado à morte. Era necessário mostrar bravura até o fim, e numa bela manhã ele foi guilhotinado. Mas, senhores da burguesia, ao fazer tais planos, vocês esqueceram do principal, prenderam centenas de homens e mulheres, violaram dezenas de lares, mas, fora dos muros da prisão, ainda restavam homens que vocês desconheciam e que observavam, escondidos nas sobras enquanto vocês caçavam anarquistas, esperando apenas o momento propício para que eles, por sua vez, pudessem caçar os caçadores.

As palavras de Reynal eram um desafio arremessado aos anarquistas. O desafio foi aceito. A bomba encontrada no Café Terminus é a resposta a todas as violações à liberdade, às prisões, às buscas, às leis contra a imprensa, às deportações em massa, às guilhotinas. Mas – perguntarão vocês – por que atacar os pacíficos clientes de um café que estavam apenas sentados ouvindo música e que, não eram nem juizes, nem deputados, nem burocratas? Por quê? É muito simples. Os burgueses não faziam distinções entre os anarquistas. Vailant, um homem que agia sozinho, jogou uma bomba; mais da metade de seus camaradas nem ao menos o conhecia mas isso não teve nenhuma importância; era uma perseguição em massa e qualquer pessoa que tivesse ligações com os anarquistas, por menor que fossem, deveria ser caçada. E já que vocês responsabilizam todo um partido pelas ações de um só homem e atacam indiscriminadamente, nós também atacaremos sem escolher as vítimas. Acham talvez que devêssemos atacar somente os deputados que fazem as leis contra nós, os juizes que aplicam essas leis, à polícia que nos prende? Não concordo. Tais homens são apenas instrumentos. Não agem em seu próprio nome. Suas funções foram criadas pela burguesia como uma forma de defesa. Não são mais culpados que qualquer um de vocês. Esses bons burgueses que não tem qualquer cargo público, mas que colhem seus dividendos e vivem ociosamente graças aos lucros obtidos com o trabalho árduo dos operários, eles também devem sofrer a sua quota de vingança! E não só eles, mas todos aqueles que concordam com a ordem vigente, que aplaudem os atos do governo e assim se tornam seus cúmplices; os funcionários que ganham três ou cinco mil francos por mês e que odeiam o povo com fúria ainda maior que a dos ricos, aquela massa estúpida e pretensiosa de gente que sempre escolhe o lado mais forte – em outras palavras, a clientela diária do Terminus e de outros grandes cafés! Foi por essa razão que ataquei ao acaso e não escolhi as minhas vítimas.

Devemos fazer com que a burguesia entenda que aqueles que sofrem estão enfim cansados de sofrer. Começam a mostrar os dentes e quando atacarem serão tanto mais brutais quanto tiver sido a brutalidade usada contra eles. Eles não têm nenhum respeito pela vida humana porque os próprios burgueses já demonstraram que não se preocupam com ela. Não cabe aos assassinos responsáveis por aquela semana sangrenta e por Fourmies considerar que os outros são os assassinos.

Não pouparemos as mulheres e crianças burguesas porque as mulheres e crianças daqueles que amamos também não foram poupadas. Não deveríamos incluir entre as vítimas inocentes, as crianças que morrem lentamente de anemia nos cortiços porque não há pão em suas casas? As mulheres que vão se tornando cada vez mais pálidas trabalhando nas fábricas, esfalfando-se para ganhar alguns tostões por dia e podendo se considerar felizes se a pobreza não as levar à prostituição? Ou os velhos que foram tratados como máquinas durante toda a vida e que agora são lançados ao monte de refugos nos asilos, quando já não têm mais forças para trabalhar?

Tenham ao menos a coragem de assumir seus crimes, cavalheiros da burguesia, e reconheçam que nossas represálias são totalmente válidas. É claro que não tenho ilusões. Sei que as massas ainda não estão preparadas para entender meus atos. Mesmo entre os operários pelos quais lutei, muitos ainda serão enganados pelos jornais e me condenarão como a um inimigo. Mas isso não importa. Não estou preocupado com o que os outros pensam de mim. nem ignoro o fato de que há muitos indivíduos que se dizem anarquistas mas que se apressam a negar solidariedade aos que pretendem difundir a ação. Eles procuram estabelecer uma diferença sutil entre os teóricos e os terroristas.

Demasiadamente covardes para arriscar a própria vida, negam aqueles que têm essa coragem. Mas a influência que pretendem exercer sobre o movimento revolucionário é absolutamente nenhuma. Hoje o campo está aberto à ação, sem fraquezas ou desistências.

Certa vez Alexander Herzen, o revolucionário russo, disse: “devemos escolher entre duas coisas: condenar e marchar para frente ou perdoar e dar meia volta no meio do caminho“. Não pretendermos nem perdoar, nem voltar atrás e marcharemos sempre para frente, avançando até que a revolução, objetivo final de todos os nossos esforços, finalmente aconteça para coroar nosso trabalho com a criação de um mundo livre.

Nessa guerra sem piedade que declaramos contra a burguesia, não queremos que ninguém tenha pena de nós. Matamos e sabemos suportar a morte. É portanto com indiferença que aguardo a sentença. Sei que minha cabeça não será a última que vocês cortarão: outras ainda irão rolar, porque os que morrem de fome começam a aprender os caminhos que levam aos cafés e aos restaurantes, aos Terminus e Foyots. Outros nomes serão acrescentados à lista sangrenta dos nossos mortos. Vocês podem ter enforcado em Chicago, decapitado na Alemanha, garroteado em Jerez, fuzilado em Barcelona, guilhotinado em Montbrison e Paris, mas nunca conseguirão acabar com o anarquismo. Suas raízes são demasiadamente profundas, ele nasceu no coração de uma sociedade que está apodrecendo e se desintegrando. Representa todas as aspirações libertárias e igualitárias que se levantam contra a autoridade. Está em toda parte, o que faz que seja impossível controlá-lo. Acabará por matá-los a todos!”

-Emile Henry, in A Gazeta dos Tribunais, 27-28 de Abril de 1894.

Ao receber sua sentença, no momento em que estava sendo retirado do Tribunal Henry teria gritado:

                                 “Camaradas, Coragem! Longa Vida a Anarquia!”

Reconstituição de capa do jornal da época em que Émile Henry é preso logo após o ataque ao Café Terminus.

Henry era um anarquista ilegalista, vertente hoje conhecida como AnarcoIlegalismo.

O ilegalismo tomou grande importância para uma geração européia inspirada pelo descontentamento da década de 1890, durante a qual os anarquistas Ravachol, Émile Henry, Auguste Vaillant e Sante Caserio cometeram crimes memoráveis contra o capital e o estado, de acordo com a chamada “Propaganda pelo Ato”.

Seus adeptos adotaram abertamente o “crime” como modo de vida. Em suas reflexões e práticas condenavam a visão legalista enquanto limitadora da ação revolucionária, uma vez que as leis das sociedades burguesas eram vistas por eles como imorais e antiéticas já que compactuavam para a manutenção das injustiças sociais e com a exploração do homem pelo homem.

Relato da defesa de Émile Henry retirado de: A defesa de um terrorista

Uma homenagem à dinamite anarquista de Ravachol: “La Ravachole”

No dia 11 de Julho de 1892 Ravachol foi guilhotinado em Montbrison, aos 32 anos de idade, pelo Estado francês. Naquela mesma manhã um telegrama seria emitido pelo Estado que o executou descrevendo as últimas ações de Ravachol e o contexto em que se deu sua decapitação.

“A Justiça foi feita esta manhã às 4:05 sem incidentes ou protestos de qualquer tipo. Ele acordou às 3:40. O condenado recusou a presença do capelão e declarou que não tinha nada para confessar. Inicialmente pálido e trêmulo logo ele demonstrou um cinismo afetado e exacerbação aos pés do patíbulo momentos antes da execução. Em voz alta ele cantou rapidamente uma curta canção blasfema e revoltantemente obscena. Ele não pronunciou a palavra ‘anarquia’, e quando sua cabeça foi colocada no buraco ele emitiu um último grito de “Longa Vida à Re…” Uma calma completa reinou na cidade. E assim aconteceu como reportado.”

A canção descrita pelas autoridades como ‘obscena’ e ‘blasfema’ cantada por Ravachol aos pés do patíbulo foi a “La Ravachole”, uma paródia da “La Carmagnole” popularmente criada em sua homenagem. Seus executores consideraram que a palavra cortada pela lâmina da guilhotina era “República”, no entanto, é evidente que a palavra era de fato “Revolução”.

La Ravachole

Na grande cidade de Paris
Há burgueses bem nutridos
Há os miseráveis
Com o estômago vazio:
Aqueles têm os dentes longos,
Viva o som! Viva o som!
Aqueles têm os dentes longos
Viva o som!
Da explosão!

Dancemos a Ravachole
Viva o som! Viva o som!
Dancemos a Ravachole
Viva o som
Da explosão!

Há magistrados vendidos
Há banqueiros roliços
Há os policiais
Mas para todos esses patifes
Existe a dinamite
Viva o som! Viva o som!
Existe a dinamite
Viva o som
Da explosão!

Dancemos a Ravachole
Viva o som! Viva o som!
Dancemos a Ravachole
Viva o som
Da explosão!

Há os senadores decrépitos
Há os deputados corruptos
Há os generais
Assassinos e carrascos
Açougueiros de uniforme
Viva o som! Viva o som!
Açougueiros de uniforme
Viva o som!
Da explosão!

Dancemos a Ravachole
Viva o som! Viva o som!
Dancemos a Ravachole
Viva o som
Da explosão!

Ah! Em nome de Deus (é preciso acabar)
Por muito tempo lamentamos e sofremos
Não mais guerra pela metade
Não mais a piedade covarde
Morte à burguesia!
Viva o som! Viva o som!
Morte à burguesia!
Viva o som
Da explosão!

Dancemos a Ravachole
Viva o som! Viva o som!
Dancemos a Ravachole
Viva o som
Da explosão!

ravachol
François Claudius Koënigstein, mais conhecido como Ravachol

(ALERTA ANTIFASCISTA) Diego Vieira Machado assassinado por fascistas na UFRJ

No dia 02 de julho, no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na Ilha do Fundão, o estudante da Escola de Belas Artes Diego Vieira Machado foi encontrado morto por volta das 18h por colegas em uma viela próxima ao Alojamento Universitário, com sinais de espancamento no corpo. Diego era negro, homossexual, cotista, pobre e nascido em um bairro periférico de Belém do Pará. Essas características lembram uma ameaça feita através de um site criado para que pessoas possam mandar mensagens anônimas de email, 5ymail.com. Essa ameaça chegou a algumas pessoas estudantes e moradoras do alojamento da UFRJ, disfarçada como se tivesse vindo do SIGA (sistema interno da universidade) tendo como título “Relação de Bolsistas” e iniciando com uma referência a uma suposta demanda de criação de email para bolsistas.

Segundo o Jornal o Globo: “O corpo do aluno Diego Vieira  Machado, de 22 anos, foi encontrado por  colegas, por volta das 18h de sábado, com sinais de espancamento, sem  roupas e sem documentos em uma  das vielas próximo ao alojamento de  estudantes. A Divisão de Homicídios  foi acionada, e a perícia foi feita  ainda durante à noite.”

Jornal Extra: “Diego Vieira Machado, de 24 anos, estava com sinais de espancamento e  sem calças. Ele cursava Arquitetura e tentava transferência para Comunicação Social. Os amigos dizem ainda que o jovem foi vítima de homofobia.”

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Diego Vieira Machado estudante da UFRJ

Segundo uma estudante da UFRJ, ele praticava judô e kung-fu, era um rapaz alto e forte, o que indicaria, possivelmente, a participação de mais de uma pessoa no crime. No caso do email, a autoria declarada da ameaça é de “Juventude Revolucionária Liberal Brasileira“, nome que não havia aparecido em buscas no Google até hoje por conta de matérias em jornais comentando sobre a ameaça. É nítido que existe um clima de ódio à diversidade (sexual, étnica etc.) ocorrendo na UFRJ e que pode estar sendo fomentado por um grupo organizado, como o que foi responsável por enviar a ameaça mencionada. Não é possível afirmar que o assassinato de Diego tenha sido cometido exclusivamente por pessoas da universidade, mas a mensagem contendo a ameaça indica um acompanhamento da rotina de algumas pessoas da univerdade visadas por um grupo de ódio.

Segue a íntegra do texto contendo a ameaça:

“Referente à criação do email para os bolsistas. Sabemos a vida que vocês levam de baladas, drogas e promiscuidade. Tomem cuidado, observamos tudo e vamos contar tudo! Vamos começar por um certo alun@ que se diz minoria e orpimido por ser homossexual que gosta de fumar maconha e outras cositas a mais (cocaína, chá de amanita) as vezes com o dinheiro da bolsa ou da família opressora, que briga com os familiares por ter opiniões divergentes da sua grande intelectualidade Marxista, que odeia Bolsonaro, que prega a liberdade e o amor mas apoia o aborto e a discriminalização do uso da maconha para fins recreacionais. Que gosta de mandar e receber nudes de seus amiguinhos pederastas. Que apoia a Dilmãe! Aminguinh@! Seje men@as, né? Sabem de quem eu estou falando? Então, esse mesmo ser comete pequenos e médios furtos em um certo laboratório, denigre os coleguinhas de trabalho, é ofensivo com seus orientadores (a propósito, seria uma pena se eles descobrissem tudo), denigre a sua prórpia família e amigos, se acha afrodescendente e renega a sua educação cristã. Quer destruir o catolicismo a qualquer custo. Muita espert@ amiguinh@, SQN. Amig@ n@o seje burr@. Os gastos governamentais (bolsas, cotas, etc) são desleais com quem contruibui. Não vamos ficar sustentando vocês para que vocês fumem seus baseadinhos, vão fumar seus beck longe do Brasil. Hipócritas! Juventude Revolucionária Liberal Brasileira.”

13599856_942548025871486_9176072977041881483_nEsta não foi a única mensagem de ódio assinada dessa forma. Em 11 de maio 2016, houve outra. Estudantes que as receberam se queixaram na época mas parece que nada foi feito sobre o caso. Agora, com o assassinato de Diego, essas mensagens de email chegam ao centro da investigação.

Segue anexo abaixo:

13578572_1046716638748306_324526696_nEscrevemos esta matéria não somente para denunciar o caso, mas também para alertar as inúmeras pessoas estudantes da UFRJ, moradoras ou não do alojamento, cotistas, homossexuais, mulheres, negras, e todas as minorias estudantes e trabalhadoras que frequentam a universidade que a ameaça é real, que possivelmente há um grupo de inclinações fascistas em operação dentro da univerdade. É importante que haja cautela nos deslocamentos, que evitem andarem sozinhas (principalmente durante a noite, dados os problemas de iluminação e segurança frequentemente relatados no Fundão) e, caso seja possível, andem em grupos de 3 ou 4. Evitem locais escuros e de pouca circulação, avisem sempre a pessoas amigas onde vão, denunciem pichações que exaltem o ódio, procurem não se expor em redes sociais (pois grupos assim também monitoram essas vias), zelem por sua segurança e de quem está ao seu redor em situação precária e vulnerável, e nunca se esqueçam, VOCÊS NÃO ESTÃO SOZINHAS!

É preciso lembrar Boaventura Durruti: “O fascismo não se discute, se destrói.”

Importante: Qualquer informação para além do que está sendo veiculado nas mídias que você possuir sobre as mensagens de email ou sobre o assassinato de Diego, e que ajude na identificação desses grupos de ódio, pode enviar para brasileaks.org. A plataforma Brasileaks garante o anonimato das pessoas que denunciam e o sigilo da fonte, de forma que sequer sua equipe consegue saber de onde vieram as informações caso a pessoa não se identifique no corpo da denúncia. Brasileaks usa a rede Tor e o navegador de mesmo nome deve ser instalado para que a denúncia possa ser feita.

Mais informações sobre a plataforma em: Exclusivo: Nova plataforma pretende expor a sujeira da política brasileira

Links Relacionados ao caso:

1- Nota de Pesar – UFRJ

2- Estudante da UFRJ é encontrado morto às margens da Baía de Guanabara

3- Estudante é encontrado morto e com marcas de espancamento na UFRJ

4- Estudante da UFRJ é encontrado morto no câmpus do Fundão

5- Estudante de Letras é assassinado no campus da UFRJ

6- Estudante é encontrado morto e com marcas de espancamento na UFRJ

 

(MÉXICO) Polícia assassina o AnarcoPunk Salvador Olmos – Junho 2016

HUAJUAPAN DE LEÓN – Salvador Olmos García, de 27 anos, comerciante, jornalista comunitário, lutador social, ativista defensor das terras, cantor e pioneiro do movimento anarcopunk em Huajuapan foi encontrado gravemente ferido na manhã deste domingo (26/06) na colônia de “Las Huertas”, nesta cidade.

mexico-policia-assassina-salvador-olmos-ativista-1Por volta das 04h40 os socorristas da Comissão Nacional de Emergências (CNE) foram alertados por elementos da polícia municipal que na rua “Naranjos”, sem número, se encontrava uma pessoa seriamente ferida, ao que estes se aproximaram rapidamente a bordo da ambulância 06, da delegação 020.

Ao chegar, os paramédicos encontraram uma pessoa que estava caída às margens da via ao que o submeteram os primeiros socorros e o colocaram na maca.

Ao perceberem que havia sofrido lesões nas extremidades, cabeça e dorso, resolveram transladá-lo à área de Urgências do Hospital Geral de Huajuapan, Pilar Sanchéz Villavicencio, para que recebesse a atenção médica devida.

No entanto, após vários minutos de luta para salvar sua vida, “Chava”, como era conhecido por amigos e familiares, havia deixado de existir em razão do ar acumulado na cavidade da pleura (pneumotórax), fratura do úmero direito e rompimento de paredes interiores (hemorragia).

Depois do falecimento de Salvador, que também era narrador da rádio comunitária “Tunn Ñuu Savi”, os integrantes dessa rádio indicaram integrantes da polícia municipal dessa cidade como supostos autores materiais e intelectuais. Asseguraram que “Chava” havia sido detido e na sequência atropelado por uma viatura oficial.

Ao mesmo tempo, instaram posição das autoridades competentes para o imediato esclarecimento dos fatos e punição aos responsáveis, ou, do contrário, tomarão medidas alternativas para fazer justiça ao falecido, e também em relação a outros ocorridos que consideraram como fascistas e opressores por parte dos uniformizados.

Salvador Olmos García, radialista no programa “Pitaya Negra”, lutava há quinze anos pela defesa das terras e comunidades Mixtecas, ante a exploração de recursos naturais e a entrega de concessões a mineradoras estrangeiras por parte das autoridades governamentais.

Após esse lamentável fato, dezenas de pessoas, entre amigos, familiares e conhecidos, se concentraram nas instalações da rádio “Tuun Ñuu Savi” a fim de manifestarem sua solidariedade e exigir punição aos responsáveis.

Sociedade de Huajupan, esperemos que compreendam o que fizeram ao nosso companheiro; não queremos incitar a violência, mas estamos indignados e cheios de raiva por justiça. “Chava” sempre lutou por igualdade e era um companheiro produtivo para a sociedade, solidário e como anarquista sempre protegeu todos em seu entorno”.

Era um bom homem com alma de menino, com suas sandálias negras, rastas e botas, pois nele foi o único espaço que ela encontrou para se desenvolver livremente”, expressou um dos ativistas, companheiro próximo a Salvador.

Cl_cX4JVEAAY44QTradução: http://elenemigocomun.net/2016/06/journalist-activist-killed-oaxaca/

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