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(ARGENTINA) Milhares de mulheres participam de Encontro único no mundo

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A cidade de Rosário recebeu entre os dias 8 e 10 de outubro dezenas de milhares de mulheres vindas de todas as regiões do país. Algumas viajaram a noite toda, das províncias do norte ou da Patagônia, percorrendo mais de 1.200 quilômetros. Se prepararam durante meses para participar do Encontro Nacional de Mulheres, um evento único no mundo, no qual as mulheres ocupam as ruas e fazem uso da palavra em oficinas para debater violência machista, feminicídios, direito ao aborto, educação sexual, mulher e trabalho, prostituição, juventude, e outros temas. Este ano o Encontro contou com novas oficinas: “Mulheres e Trabalhadoras sexuais” e “Mulheres e Cannabis”.

Rosário, localizada a 400 km de distância de Buenos Aires, é onde nasceu Che Guevara. Nos dias de hoje, porém, a rebeldia em Rosário tem rosto de mulher.

Esta edição do Encontro de Mulheres foi fortemente marcada pelo caso de Belén, uma jovem argentina que esteve presa por quase 900 dias. Seu crime: ter dado entrada num hospital com fortes dores em consequência de um aborto espontâneo. O tribunal condenou-a por “homicídio qualificado” e 8 anos de prisão. Recentemente, depois de uma enorme campanha por sua liberdade, no dia 18 de agosto deste ano, Belén conquistou a liberdade.

120 mil mulheres provocam a revolução feminista entre debates e oficinas
120 mil mulheres provocam a revolução feminista entre debates e oficinas

“Quero agradecer por se juntarem na minha luta e por seguirem lutando para que tudo se solucione. Dois meses depois de ter minha liberdade de volta, mando um enorme abraço à todas”, disse Belén em uma mensagem às mulheres que se reuniram este fim de semana.

O aborto na Argentina é ilegal e criminalizado pelo Código Penal, o que leva centenas de mulheres a morte todos os anos em consequência de abortos clandestinos, realizados sem mínimas condições de salubridade. Uma situação cujo atual governo de Macri não pretende modificar, assim como o governo anterior de Cristina Kirchner não apresentou mudança alguma. “Vou ao Encontro de Mulheres porque não quero nenhuma a menos por abortos clandestinos e para que nossa revolta se transforme em organização”, disse Paula Freddi, Diretora da Universidade Nacional de Artes Visuais (UNA).

Lorena Itabel, Delegada da Junta Interna dos funcionários do Ministério da Fazenda e Finanças Públicas, declarou que participa do Encontro “para que se cumpra a lei de licença por violência de gênero para as trabalhadoras estatais”. “Por creches e por abono de faltas nos casos de filho doente”, acrescentou Emilia Hidalgo, trabalhadora da aeronáutica. “Mexem com uma, nos organizamos milhares”, é o lema da bandeira de uma delegação de mulheres do Pão e Rosas vindas de Jujuy, fronteira com a Bolívia, uma das regiões mais pobres da Argentina.

No ato de abertura participaram diferentes agrupações, como Juntas a la Izquierda, Malas Juntas, Plenario de Trabajadoras, Movimiento Evita, Las Rojas, mulheres de ATE, e a maré violeta da organização de mulheres Pão e Rosas, que participou com uma destacada delegação que ocupou metade do monumento onde foi tirada a foto de abertura. Junto a esta delegação estavam as mulheres de Madygraf e as mulheres da fábrica de cerâmica Zanon, levando ao Encontro a luta das fábricas ocupadas e recuperadas pelos trabalhadores.

14657250_657587344404808_8982191419666676183_nNa semana antes no Encontro começou a circular uma carta exigindo da imprensa nacional uma cobertura ao vivo do evento. Uma das mulheres que impulsionou essa iniciativa foi Myriam Bregman, deputada nacional pela Frente de Esquerda e do PTS, ela reforçou que “os Encontros constituem uma grande instância de debate e organização para as dezenas de milhares de mulheres de todo o país que participam dos encontros a cada ano. Por isso, exigimos dos grandes meios de comunicação, a começar pela TV Pública, a transmissão para milhões de pessoas da jornada que protagonizares. Para que esta grande jornada que reunirá milhares de mulheres não seja visibilizada”.

Este foi o primeiro Encontro de Mulheres organizado durante o governo de Mauricio Macri, que está aplicando políticas neoliberais de demissões, aumento das taxas de serviços públicos e repressão. Durante o encontro houve debates entre setores kirchneristas e da esquerda que pretendem mobilizar-se de forma independente daqueles que governaram o país durante a última década, sem haver legalizado o aborto tampouco melhorado substancialmente a situação das mulheres trabalhadoras.

“As companheiras da agrupação de mulheres Pão e Rosas na Frente de Esquerda estamos convencidas de que somente a organização de uma força combativa de mulheres mobilizadas, independente dos partidos do regime político, do Estado e suas instituições, pode arrancar todos nossos direitos”, assegurou Andrea D’Atri, fundadora da agrupação Pão e Rosas, que este ano convocou milhares de mulheres em Rosário.

A partir do Pão e Rosas exigiram que se aprove um Projeto de Lei Integral contra a violência de gênero apresentado pela Frente de Esquerda no Parlamento, o avanço da legalização do aborto e a separação efetiva entre a Igreja e o Estado. Rechaçaram as medidas de ajuste e repressão do governo de Macri, denunciando a precarização das condições de trabalho das mulheres e exigindo dos sindicatos um plano de lutas nacional. Propôs-se uma campanha por cotas de emprego destinadas às pessoas trans, para acabar com a discriminação e demandam jardins de infância como responsabilidade dos patrões e do Estado, no marco de uma luta mais de fundo contra o patriarcado e o capitalismo.

Assista o vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=CgB1N-jDMlA

O que é amar – por Bakunin

Mikhail Alexandrovich Bakunin, the father of Russian nihilism.    (Photo by Nadar/Getty Images)

Carta de Bakunin ao irmão Paulo ( 29 de Março de 1845)

Continuo a ser eu próprio, como antes, inimigo declarado da realidade existente, só que com uma diferença: eu parei de ser um teórico, eu venci, enfim, em mim, a metafísica e a filosofia, e entreguei-me inteiramente, com toda a minha alma, ao mundo prático, ao mundo dos factos reais.

Acredite em mim, amigo, a vida é bela; agora tenho pleno direito de dizer isto porque parei há muito tempo de olhá-la através das construções teóricas e de conhecê-la somente em fantasia, pois experimentei efetivamente muitas das suas amarguras, sofri muito e entreguei-me frequentemente ao desespero.

Eu amo, Paulo, amo apaixonadamente: não sei se posso ser amado como gostaria que fosse, porém não me desespero; sei, pelo menos, que tem muito simpatia por mim; devo e quero merecer o amor daquela a quem amo, amando-a religiosamente, ou seja, activamente; ela está submetida à mais terrível e à mais infame escravidão e devo libertá-la combatendo os seus opressores e incendiando no seu coração o sentimento da sua própria dignidade, suscitando nela o amor e a necessidade da liberdade, os instintos da rebeldia e da independência, fazendo-lhe recordar a sensação da sua força e dos seus direitos.

Amar é querer a liberdade, a completa independência do outro; o primeiro acto do verdadeiro amor é a emancipação completa do objeto que se ama; não se pode amar verdadeiramente a não ser alguém perfeitamente livre, independente, não só de todos os demais, mas também e, sobretudo, daquele de quem é amado e a quem ama.

Esta é a profissão da minha fé política, social e religiosa, aqui está o sentido íntimo, não só dos meus actos e das minhas tendências políticas, mas também, tanto quanto me é possível, da minha existência particular e individual; porque o tempo em que poderiam ser separados estes dois géneros de acção está muito longe da gente; agora o homem quer a liberdade em todas as acepções e em todas as aplicações desta palavra, ou então não a quer de modo algum; querer a dependência daquele a quem se ama é amar uma coisa e não um ser humano, porque o que distingue o ser humano das coisas é a liberdade; e se o amor implicar também a dependência, é o mais perigoso e infame do mundo porque é então uma fonte inesgotável de escravidão e de embrutecimento para toda a humanidade.

 Tudo que emancipa os homens, tudo que, ao fazê-los voltar a si mesmos, suscita neles o princípio da sua vida própria, da sua actividade original e realmente independente, tudo o que lhes dá força para serem eles mesmos, é verdade; tudo o resto é falso, liberticida, absurdo. Emancipar o homem, esta é a única influência legítima e bem-feitora.

Abaixo todos os dogmas religiosos e filosóficos – que não são mais que mentiras; a verdade não é uma teoria, mas sim um facto; a vida é a comunidade de homens livres e independentes, é a santa unidade do amor que brota das profundidades misteriosas e infinitas da liberdade individual.

Nota biográfica

Mikhail Bakunin (1814-1876), de origem aristocrática, que percorreu toda a Europa como activista revolucionário e exilado político, foi um dos fundadores da Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida por I Internacional, sendo uma das figuras mais importantes do movimento e do pensamento anarquista. Da sua bibliogarfia destaca-se o livro Deus e o Estado.

A carta reproduzida acima tem data de 29 de Março de 1845 e foi enviada de Paris por Bakunin ao seu irmão Paulo.

Voltando a David Graeber: “Dívida sempre foi uma questão de poder”

debtEm setembro de 2011, o antropólogo americano David Graeber estava no grupo que planejou um acampamento coletivo no Parque Zuccotti, em Nova York, para protestar contra a desigualdade econômica. Foi o início do movimento Occupy Wall Street, que nos meses seguintes mobilizou milhares de pessoas e colocou em circulação slogans como “Nós somos os 99%”. Até então um acadêmico pouco conhecido, autor de uma pesquisa de campo no arquipélago africano de Madagascar, Graeber havia publicado meses antes o livro “Dívida: os primeiros 5.000 anos” (Três Estrelas), que se tornou um inesperado best-seller ao retratar a história da economia do ponto de vista da relação entre credores e devedores. Graeber falou ao GLOBO por e-mail sobre o livro, que chega ao Brasil ao mesmo tempo que “Um projeto de democracia” , seu ensaio sobre a história e o legado do Occupy Wall Street. (Outras Palavras, 8 de Abril de 2016)

Em “Dívida”, você diz que “a dívida dos consumidores é a força vital da economia e a dívida externa é o tema central da política internacional”. Como a dívida se tornou o centro das relações econômicas e quais são as consequências disso?

Estamos acostumados a pensar que o sistema de crédito é relativamente recente. A história padrão é que primeiro veio o escambo, depois o dinheiro físico e, só então, o crédito. Na verdade, parece ter acontecido o oposto. O crédito veio antes. A moeda foi inventada bem mais tarde, talvez dois mil anos depois das primeiras transações de crédito conhecidas. E o escambo (nota Portal Anarquista: troca de serviços ou bens, permuta) — do tipo “eu te dou 20 galinhas em troca dessa vaca” — só ocorre mesmo de forma ampla em lugares onde as pessoas estão acostumadas a usar dinheiro, mas de uma hora para outra perdem o acesso à moeda. Então, desse ponto de vista, crédito e dívida sempre estiveram no centro da economia. E o que o registro histórico revela é que hoje estamos fazendo tudo errado. Normalmente, em períodos dominados pelo crédito, são criadas instituições para proteger os devedores: os reis divinos da Mesopotâmia que anistiavam dívidas ou leis medievais antiusura, por exemplo. Do contrário, aqueles que têm o poder de criar crédito acabam dominando todo mundo. E agora, o que fazem? O exato oposto. Instituições como o FMI protegem credores contra devedores. O resultado é previsível: uma série sem fim de crises da dívida.

Você viveu em Madagascar e costuma citar o país como exemplo das contradições da dívida externa. Como sua experiência lá influenciou suas reflexões sobre a dívida?

Madagascar foi conquistado pela França, em teoria, porque não conseguia pagar suas dívidas. Um jovem príncipe inocente assinou um tratado prometendo concessões de livre comércio e, quando se tornou rei e tentou implementá-lo, foi derrubado. Então o governo francês exigiu indenização e, como Madagascar não pôde pagar, decidiu invadir o país. Mas mesmo depois de a França ter explorado o país por 65 anos e da conquista da independência, Madagascar ainda devia dinheiro à França! Como aconteceu isso, e não o contrário? Como o resto do mundo aceitou isso?

No livro você fala sobre a “dimensão moral” da dívida. Como ela funciona?

Dívida sempre foi uma questão de poder. Os verdadeiramente poderosos só precisam pagar suas dívidas se quiserem. Donald Trump faliu várias vezes — quem liga? Olhando para a História, o mais perturbador é o grande poder moral que a dívida tem para fazer relações de dominação violenta parecerem moralmente justificáveis e, mais que isso, para fazer parecer que a culpa é da vítima. E as pessoas aceitam isso. Mesmo quando eu falava do colapso do sistema de saúde em Madagascar causado pelos ajustes econômicos, e das mortes que isso provocou, se eu sugerisse que a dívida do país deveria ser abolida, mesmo os mais liberais diziam: “Mas eles pegaram dinheiro emprestado! Eles têm que pagar”. E eu estava falando da morte de milhares de crianças. Esse é o poder da dívida.

Você já disse que muitos participantes do Occupy Wall Street eram “refugiados da dívida”. Como a dívida fomentou os protestos?

Não fazíamos ideia de quem iria aparecer quando planejamos as ações no Parque Zuccotti. Vieram milhares de jovens que não conhecíamos, então alguns dos organizadores começaram a fazer entrevistas. A surpresa foi como a história deles era parecida. “Estudei duro, entrei numa boa universidade, fiz um empréstimo porque era necessário. Mas de repente os agentes financeiros quebraram a economia com seus negócios escusos e não havia mais empregos. Eles foram socorridos pelo governo, mas eu não fui socorrido. O governo vai assegurar que eles me tirem cada centavo, ainda que não haja emprego algum porque eles quebraram a economia e, como resultado, vou ter que passar o resto da vida escutando que sou caloteiro e imoral porque devo dinheiro a eles. Isso não é justo”.

Quais foram as contribuições do Occupy para o debate público?

Fizemos os americanos discutirem classes sociais outra vez. Desde quando isso não acontecia, os anos 1930? E não só isso, mas também poder de classe — esse é o significado do 1% e dos 99%. O 1% é a fração que não apenas detém o lucro do crescimento econômico, mas também faz a maior parte das contribuições de campanha, portanto consegue transformar sua riqueza em poder político e usar esse poder para aumentar sua riqueza. Por isso nos recusamos a participar do processo político, da forma como está ele é apenas suborno institucionalizado. Se não fosse o Occupy, acredito que em 2012 teríamos tido um presidente Romney (lembre-se que no início da campanha a experiência dele em Wall Street era considerada uma vantagem). E veja o que acontece em 2016. Nos dois partidos (Democrata e Republicano) há grandes rebeliões que, de formas muito diferentes, se insurgem contra a corrupção do sistema político.

Depois dos protestos antiglobalização dos anos 1990 e do movimento Occupy, no início deste década, quais são as frentes atuais da luta contra a desigualdade?

Acredito que, desde 2011, houve um realinhamento da compreensão sobre o que significa um movimento democrático. Não é mais possível pensar em democracia como apenas partidos políticos assumindo governos. Tem que significar algo mais, algo que opere também fora do Estado. Isso é verdade na Bósnia, em Hong Kong, no Praça Taksim (Istambul), ou mesmo em lugares como Rojava, na Síria, que estão fazendo experiências com democracia direta. Está claro que o sistema existente atingiu um ponto de ruptura. Para mim, a grande questão é o renascimento da imaginação econômica, política e social, porque a única sustentação do capitalismo nas últimas décadas, quando perdeu fôlego como força de progresso econômico, foi barrar a imaginação, dizer às pessoas que nada além disso é possível. Acho que precisamos usar muito nossa imaginação, e rápido, ou estaremos em apuros.

originalmente aqui: http://naofode.xyz/8r5k

(Artigo) Transformar a desconfiança nos de cima no apoio mútuo entre os de baixo: a influência anarquista

Numa ressaca pós-eleitoral, nossos companheiros e companheiras discutem quem é mais libertário, aguerrido ou combativo. Dado que na nossa opinião, o subcomandante insurgente Moisés resolveu a questão sobre a articulação entre a questão eleitoral e a questão organizativa não vamos ocupar espaços para discutir essa questão. Não seremos mais um bando de anarquistas dispostos a entrar numa política de identidade – ou numa luta por reconhecimento – afirmando que o nosso não comparecimento às urnas implica que sejamos mais revolucionários do que vocês.

Isso não significa, de outra parte, que estejamos ignorando solenemente o espetáculo, ou melhor dizendo, a farsa eleitoral dos governantes. Parafraseando um sujeito que concorre em eleições, não tencionamos nos retirar para o mundo fantástico do anarquismo retorico que só existiria em nossas narrativas. Muito antes, estamos profundamente conscientes do que nos espera. Em outros lugares, discutimos sobre a presença massiva dos aparatos de segurança nos projetos de cidade apresentados pelos candidatos dessa última eleição – o que demonstra a tendência assustadora do acirramento do nosso já conhecido Estado policial. Dessa vez, decidimos nos deixar pautar, no âmbito da reflexão, pelo resultado das eleições para tecer algumas conjecturas que talvez nos levem para a necessidade de construir e, fundamentalmente, de apoiar ações que nos direcionam para muito longe da política eleitoral.

Em poucas palavras, queremos refletir aqui sobre um pequeno dado, mas de dimensões profundas. Referimo-nos a derrota acachapante do PMDB no município do Rio de Janeiro. Dizendo de forma direta, acreditamos que a derrota do partido e do projeto que vem assujeitando a cidade do Rio de Janeiro, ha quase uma década, tenha implicações políticas muito mais significativas do que uma simples “dança das cadeiras” ou um “arranca-rabo dos de cima”. Na nossa visão, é todo um projeto de conciliação que entra em ruína. Se o Partido dos Trabalhadores representou, no plano nacional, um projeto de conciliação de classe, a máquina do PMDB no Rio de Janeiro sempre representou e ainda representa um projeto de conciliação de máfias. Mas, desta vez, o Príncipe das Milícias não elegeu seu sucessor.

Talvez o Bispo entre no tabuleiro para manter as peças nos seus mesmíssimos lugares. Talvez não entre. Em todo caso, parece pouco provável que o arranjo que orquestrou a cidade possa ser reproduzido da mesma forma sob a batuta de outros governantes e, principalmente, de outras forças políticas. A verdade é que o modelo de conciliação de máfias e abafamento dos conflitos através da militarização – projeto no qual UPPs e máfia dos transportes e merenda representam verso e reverso – já começou a ruir e parece ruir ainda mais.

Celebremos, companheiras e companheiros. Mas com cautela. Se a federação das máfias aparentemente faliu, economicamente e politicamente, isso não significa que dos escombros do mundo velho renascera automaticamente o mundo novo. Profetas do fim do mundo, contenham a vossa sanha niilista; é de suma importância levar em consideração que o simples fato da derrocada do PMDB não leva automaticamente à desconstrução desse modelo de cidade. Mas pode levar.

Algumas organizações parecem já se dar conta dessa nova conjuntura e desenvolvem suas estratégias. No momento em que escrevemos essas linhas algumas facções investem pesado e sem hesitação na retomada de territórios colonizados pelas UPPs – como atestam os casos do Fallet, Fogueteiro e Coroa, na região central do Rio. Antevemos, assim, um momento de conflitos acirradíssimos no curto espaço de tempo. Conflitos tao acirrados que se tornará cada vez mais difícil desmentir, como fazem os governantes, o fato de que o Rio de Janeiro vive uma guerra, na qual as vítimas são estritamente os pobres.

No entanto, enquanto essas organizações, comandos ou facções se encarregam de abolir o Estado através de todos os meios necessários, não para proclamar a anarquia, mas antes para construir verdadeiros feudos; nós, anarquistas, infelizmente estamos nos perdendo em debates estéreis sobre quem é mais combativo do que quem, numa disputa identitária de luta por reconhecimento.

Deveríamos, antes, aproveitar a ocasião para nos organizarmos para apoiar a luta contra o genocídio do povo preto e periférico – genocídio este que constitui o verdadeiro projeto político dos governantes dessa cidade – numa luta que articula pautas bastante concretas, que vão desde a abolição das policias e desmilitarização do cotidiano até o fim da guerra às drogas (guerra aos pobres, na verdade) passando por um “basta!” na política de remoções e desalojos, sem deixar de lado a questão do transporte público e da mobilidade urbana. Respeitando o protagonismo de quem sofre na pele as opressões desse modelo de cidade, deveríamos aproveitar o refluxo da federação das milícias para construir o nosso federalismo libertário. Se a construção do poder popular sempre foi uma necessidade, cada vez mais ela se faz uma urgência na medida em que dos escombros do mundo velho ameaça nascer um mais velho ainda.

Mas não estamos sozinhos. Talvez quem tenha efetivamente destituído a cúpula da máfia da prefeitura não tenham sido os eleitores do candidato x ou do candidato y, mas os mais de quarenta por cento do eleitorado que se recusaram, pelas mais distintas razoes, a referendar esse projeto de poder. Não acreditamos que aqueles que não votaram, votaram em branco ou anularam o voto, sejam, na sua maioria, anarquistas ou libertários. Infelizmente, as vezes, a rejeição da política eleitoral vem acompanhada de uma rejeição completa da política – o que pode levar ao endosso de políticos neoliberais, que se legitimam através das narrativas da competência e da gestão, como atesta o caso de São Paulo. Isso para não dizer da rejeição fascistoide que espera pelo líder conquistador e pelo arrebatamento.

Assim, para que das ruínas da política representativa possa emergir, não o espectro do fascismo, mas a rosa negra da autogestão faz-se necessário, agora e sempre, produzir e fomentar os espaços de autogestão, de autodefesa e de formação política. Devemos abandonar o mito jusnaturalista e liberal, muitas vezes difundido no interior do anarquismo, que afirma que todo ser aspira a liberdade e sabe, de maneira espontânea, o que é melhor para si. Preferencias, desejos e aspirações, são matérias políticas e como tais devem ser elaboradas. O fracasso das instituições partidárias, enquanto veículos de ruptura, não pode obscurecer o fato de que a transformação da desconfiança nos de cima em confiança e apoio mutuo nos debaixo é produto da articulação política enquanto tal. Cabe, portanto, a anarquistas e toda sorte de militantes combativos revolucionários conspirar para que isso aconteça através de todos os meios necessários.

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CISNE NEGRO

Relatos de um anarco-individualista num mundo autoritário.

Quantas vezes você, meu amigo anarquista, ja não ouviu em foruns, plenárias, reuniões ou em simples encontros anarquistas as seguintes frases:
“Precisamos nos organizar!”
“Devemos ser combativos!”
“Somos responsáveis por fazer a revolução!”

A todos esses eu diria NÃO. A esses e a todos que usam esse tipo de premissa imperativa, onde o interlocutor não usa absolutamente nada a não ser SUA PRÓPRIA visão de mundo para decidir que mundo é o ideal e que ações devemos tomar para um dia talvez alcança-lo.

Quer se organizar meu amigo? Organize-se! Mas encontre pessoas num círculo de afinidade e que tenham a mesma visão de organização e os mesmos objetivos que você. Simplesmente pare de tentar convencer os outros da SUA idéia de organização e lembre-se que nenhuma idéia pode ser imutavel, que sua idéia não é uma rocha.

Quer ser combativa minha amiga? Seja! Mas ao invés de saliva autoritaria, gaste seus coquetéis molotov na policia. Faça-os recuar quando estiverem vindo para a repressão. Convença as pessoas através de exemplos e não com seus malabarismos retoricos. Não chame para a linha de frente quem não tem a menor condição de segurar a onda.

Quer fazer revolução meu caro? Faça! Faça a sua revolução. Não se prenda a revoluções dos livros de historia, pois essas ja não cabem mais no mundo de hoje. Ou ao menos respeite quem pensa que esse tipo de revolução não funciona mais, assim como respeitaremos você.

Que mundo ideal pode ser proposto por uma unica pessoa ou grupo?
Que pessoa ou grupo seria capaz de idealizar esse mundo ideal COMUM A TODOS?
Fechados em nossos clubinhos tudo parece lindo quando vestimos o mundo de preto. Só que a relidade vai muito além do que alcançam nossos olhos e nossas mentes. Sempre haverá um cisne negro no meio de um milhão de cisnes brancos, para jogar por terra todas as nossas teorias e achismos.

Com essa fundamentação básica, gostaria de trazer a tona o que considero ser o principio basico da organização: A LIVRE ASSOCIAÇÃO.
Muitos pensarão: Ah mas isso é óbvio.
Talvez em nossas cabeças isso seja óbvio, mas seria tão óbvio assim na pratica?
Se é óbvio, porque continuamos vendo grupos anarquistas imporem suas visões de mundo a outros?
Porque continuamos vendo pessoas serem convencidas da visão de mundo de outras pessoas dentro deste grupo?
Porque continuamos vendo surgirem grupos anarquistas propondo sua própria revolução e esquecendo de combinar com o povo?
Sairemos algum dia de nossos castelos?

Pois bem, dito isso passamos ao proximo ponto: Organizar-se ou não?
A resposta para essa pergunta é sim e não.

SIM quando o individuo sente a necessidade de se organizar com outros individuos a fim de somar esforços para um objetivo maior.

NÃO quando um individuo ou grupo convence outro individuo ou grupo a organizar-se. Pois nesses casos a questão maior não é realizar objetivos e sim uma disputa ou mostra de poder apenas. “Somos grandes e organizados, portanto seremos nós os porta-vozes da revolução”

A esse segundo grupo, meu sincero FODA-SE.

A conquista diária da minha liberdade, por mais limitada que seja, jamais será atravessada por questões pessoais de outro(s) individuo(s).
Essa conquista é meu bem mais precioso e me agarrarei a ela com unhas e dentes.
Simplesmente não me diga o que eu devo fazer.
Faça! Faça você mesmo 10 vezes se achar necessário.
Seja você o exemplo do que quer para o mundo, pois se sua idéia for realmente genial, seu exemplo será automaticamente seguido e assim você poderá, pular toda a parte do malabarismo retorico que você faz pra tentar convencer os outros em suas reuniões secretas.

Consta ai então, uma breve defesa do individualismo como fator essencial para qualquer tipo de organização ou ação não-autoritaria e condizente com o mundo libertário.

Lembre-se que mesmo sendo pobre, talvez não seja negro.
Que mesmo sendo indio, talvez não seja mulher.
Que mesmo sendo gay, talvez não seja trans.
Não é a quantidade ou a falta de privilégios que irá fazer com que o mundo perfeito seja igual para todos.
Ja parou pra pensar que talvez eu não queira o seu mundo ideal para mim?
O mundo perfeito será sempre apenas o NOSSO PROPRIO mundinho perfeito.
Por isso jamais diga para mim qual seria o meu mundo perfeito. Você nunca saberá.

O nosso trabalho individual consiste em acordar em nós mesmos o cisne negro que existe dentro de nós.
Talvez um dia, quem sabe, quando os cisnes negros forem muitos, a revolução terá acontecido e sequer termos nos dado conta.

J.

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