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Um retrato da gentrificação

Por Rachel Gepp

Depois da entrada das UPP na Babilônia, favela situada no Leme, os moradores começaram a viver um processo acelerado de urbanização e a escutar com frequência sobre a tal gentrificação, mas sem entenderem bem o que é isso.

Gentrificação é a valorização de uma região, através do aumento do custo de vida, afetando as pessoas de baixa renda e dificultando a sua permanência.

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Moro no alto do morro da Babilônia, na Vila do Sossego, uma área que ainda tem casas originais do início da ocupação que deu origem à favela. Agora estão chamando aqui de Alto Leme. E essa arquitetura contemporânea em meio à casas de alvenaria, que chama atenção, são meus novos vizinhos!

Mas essa casa não estava aqui antes da “pacificação” e nem estaria. A UPP está justamento ocupando as favelas da zona sul para garantir os melhores espaços da cidade para as pessoas de classe social mais elevada.

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Quando a UPP entrou os moradores ficaram proibidos de construir. Mas essa casa não foi impedida de ser erguida, o que levou os moradores a reivindicarem o direito de seguir construindo. Essa casa é uma ilustração perfeita da gentrificação. Da reestruturação pretendida para os espaços urbanos, substituindo antigas residências e enobrecendo bairros populares.

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Esse é o caráter excludente e desigual da urbanização das favelas, que alimenta a militarização e já está criando uma grande pressão nos moradores devido ao controle da vida social, o aumento dos custos e a invasão de turistas que estão a disputar o espaço com os moradores.

Como resistir à barbárie desta forma social? Que futuro terão os pobres urbanos lutando por moradia, sujeitos à especulação capitalista e sob violência do Estado?

 

O perigo de ser mulher e negra na luta por direitos no Brasil

Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista, e ser negra numa sociedade racista (MUNANGA, 2006).

Ser mulher negra no Brasil significa constante perigo, principalmente na luta por direitos, contra o machismo, patriarcado, os recortes de classe e a opressão da mulher branca, presente cotidianamente, instituído, naturalizado, acordado. Ser mulher negra no Brasil é passar uma vida inteira tentando descobrir se você está sendo inferiorizada por ser mulher ou por ser negra, e no final percebe-se que por ambas. No Brasil o racismo não é explícito, devido a imposição de um flagelo histórico construído por uma elite branca, o mito da democracia racial. Construído apenas para ser enfiado goela abaixo e silenciar, distorcer e tornar mansos e passivos os que são discriminados, porque é mais importante combater a ideia de que racismo existe, do que combater propriamente o racismo.

Nesse contexto, ser mulher negra é viver uma negritude mutilada emocionalmente e fisicamente desde o nascer até a morte. A questão racial é tratada como mero elemento secundário, não sendo enfrentada com responsabilidade. Alimentando o silencioso acirramento, vivido atualmente nas ruas, faculdades, escolas, trabalho e redes sociais, crescendo de forma contundente e feroz, devido a força da opressão massificada contra os negros e negras. O Estado brasileiro, ao fingir que não vê tal situação, colabora amistosamente em suas instituições na manutenção dessas condições. Mantendo negras e negros como escravos modernos nos porões da sociedade, encarcerados em guetos, favelas e periferias sociais, a carne negra continua sendo vendida, destroçada e consumida de forma mais barata possível.

A carne mais barata do mercado sempre foi a carne negra, principalmente a carne da mulher negra. É a carne de todas as Thamires Fortunato, é a carne de todas as Miriam França. Essas mulheres-meninas negras carregam toda a ancestralidade mutilada e violada de quatrocentos anos de escravização do povo negro no Brasil. O que ambas têm em comum para estarem nesse texto? O fato de serem negras, mulheres de origem pobre. Ambas carregam em si toda carga simbólica que o Estado brasileiro sempre repudiou: a negritude. A grande massa populacional brasileira é negra, e isso o governo sempre lutou para eliminar, fomentando políticas de embranquecimento – é fato registrado nos anais da construção da sociedade brasileira.

Thamires sendo levada pela PM após ser brutalmente agredida, arrastada e ter suas roupas rasgadas.
Thamires sendo levada pela PM após ser brutalmente agredida, arrastada e ter suas roupas rasgadas.

Thamires Fortunato, estudante de filosofia da UFF, passou por uma repetição naturalizada cruelmente na história de ancestralidade negra no Brasil, agarrada brutalmente pela Polícia Militar como uma serva que não se sujeita aos poderes, mandos e desmandos dos senhores da Casa Grande. Foi violada física e emocionalmente – como indicativo de sua condição de negra e servir de exemplo de qual lugar na sociedade deveria ocupar. Thamires foi jogada ao chão, arrastada pelos cabelos, teve suas roupas rasgadas, seu corpo ferido, sua carne friccionada no solo por enormes homens ou melhor, capangas do Estado, que molestaram sua dignidade emocional e física. Qual o motivo? Ser negra e mulher na luta por direitos sociais que lhes são negados historicamente.

Não teve defesa, somente ataques. Apenas uma menina sem forças, abatida como caça, arrastada e dependurada como tecido esfarrapado para dentro de uma viatura cheia de homens. Foi ameaçada, socada na tentativa de quebrarem seus membros – tudo isso dito em alto som. Thamires estava sendo usada como objeto de exemplificação do que poderia ocorrer aos demais negros e negras que reagissem. Ah! A história se repete, lembrando que a corporação da Policia Militar tem em sua hierarquia Comandos Superiores que disseminam a ideologia Nazista pelos Quartéis. Creio que isso já amplia o quadro de compreensão da história atual do Brasil. Essa corajosa mulher/menina negra foi forte, lutou diante de tanta dor imposta, dores físicas e emocionais, que continuaram dentro de uma Delegacia misógina, machista e racista, ou seja, a senzala da modernidade. Thamires viu o tronco dos açoites, a chibata da modernidade. Sua carne foi a mais barata no dia 09 de Janeiro de 2015 na mão dos feitores.

A vivência de Thamires Fortunato vai de encontro ao de Miriam França, não havendo nenhuma coincidência, apenas fatos, ambas vítimas da violação, perseguição, massacre e expropriação pelo Estado brasileiro. É histórico no Brasil a polícia militar, o governo e a sociedade usarem sempre o artificio de jogar a culpa de suas mazelas no povo negro e negra, sentenciado e silenciado-os, para depois receber um julgamento e ter direito a uma investigação. É nessa ordem mesmo. Miriam foi encarcerada pelo simples fato de ser negra, sem provas de que tenha cometido algum delito – tendo seus direitos constitucionais vilipendiados pela magistratura racista do País.

Mirian França foi violada emocionalmente, humilhada e cerceada de seus direitos básicos de defesa – inocente até que se prove ao contrário. Ser negra ou negro no Brasil já os tornam culpados. Vejam que mesmo Mirian atingindo um elevado grau de estudo, estando em igualdade educativa em relação a inúmeras mulheres brancas, foi submetida a marginalização através dos códices racistas subliminares. A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão, com poucas mudanças, carregando as desvantagens do sistema injusto e racista do país, e as poucas que ascendem socialmente não conseguem, mesmo assim, romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial que se estruturam de forma velada. A jovem Miriam foi sentenciada pela polícia, sem julgamento e investigação, pela morte de Gaia uma turista italiana branca. Agora encontra-se em liberdade, graças à revogação de sua prisão. Porém, deverá permanecer no Ceará por 30 dias, tempo necessário para que, segundo declaração da polícia à imprensa, saia o resultado da perícia.

A luta pelo direito de existir, pelo respeito integral e o orgulho de sua negritude as tornam perigosas, indesejáveis e passiveis de serem eliminadas através de inúmeros artífices nas ruas desse país ainda escravocrata. A resistência cultural, social e emocional incomoda, como sempre, a elite branca, que sempre almejou ser “européia”. Mulheres Negras incomodam, porque gestam uma força contínua, suas vozes ecoam ao longo, seja baixo ou em alto bom som, não se rendem, não adormecem, não se dão por derrotadas, não conhecem o significado dessa palavra, são perigosas por que sua batalha é ancestral, nascem lutando e fortes como se soubessem sobre o que as aguardam. E certamente não se calarão, jamais irão se recuar, nunca tiveram opção e seguir em frente sempre foi a única condição.

Considerações acerca da primeira Escola de Rua em Santos, na União das comunidades da Alemoa (Ucom)

No dia 20 de dezembro de 2014 foi realizada a primeira Escola de Rua com projeção no bairro da Alemoa em Santos. Trata-se de um evento horizontal sem quaisquer vínculos com partidos políticos ou com o governo. A atividade é baseada na auto-gestão, na livre associação e no apoio mútuo (ideais libertários).

10859319_752171291536177_962037195_nComo o calor estava muito forte à tarde, de comum acordo decidimos deixar as atividades para o começo da noite. Por volta das 20:30 eu iniciei uma aula básica de geografia com um pequeno globo e uma lanterna, explicando os principais movimentos da Terra: movimento de rotação e o movimento de translação. As crianças prestaram atenção, sentaram ao redor de mim e ficaram extasiadas. Também surgiram muitas perguntas e muitas considerações sobre a geografia. A aula foi curta e algumas crianças ainda pediram que eu falasse mais sobre a geografia, mas como já era um pouco tarde, pedi para que eles procurassem um bom lugar para assistir ao curta O Reino Azul que pode ser visto no youtube.

10872382_752171254869514_1278530078_nApós o curta, Domingos Pardal Braz, que é professor de história, fez uma intervenção perguntando para as crianças e adolescentes sobre os temas tratados no curta e também distribuiu muitos doces para as crianças.

O amigo Rafael Pires foi o responsável por trazer o notebook, caixa de som, o projetor e o pano branco para a projeção e ele trouxe todo esse equipamento de ônibus, numa sacola e numa mochila, um verdadeiro ato de heroísmo, considerando como os ônibus da baixada santista sempre estão lotados e fora a caminhada que ele deu até à comunidade da Alemoa.

O outro filme tinha duração de uma hora e catorze minutos, desenho animado de bela computação gráfica contando a história do Brasil numa perspectiva vista pelos povos oprimidos dos índios, passando pela balaiada, pela ditadura militar e indo até um futuro distante que fala sobre o problema da água no Brasil. Penso que todos envolvidos saíram satisfeitos com o resultado.

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Sobre a situação recente de Ayotzinapa e as feridas abertas do México

Texto enviado por uma companheira de Guerrero, México.

O refrão de uma música muito conhecida no México entoa “la policía te está extorsionando pero ellos viven de lo que tu estas pagando y si te tratan como un delincuente, no es tu culpa dale gracias al regente. Hay que arrancar el problema de raíz y cambiar el gobierno de nuestro país. A la gente que está en la burocracia, a esa gente que le gustan las migajas.” (Gime the power, Molotov). É difícil encontrar qualquer comemoração no país em que essa canção não esteja presente, e portanto, é preciso ater-se ao simbolismo de um cântico tão onipresente: as instituições, sobretudo a polícia, não são consideradas pela população mexicana como confiáveis, e Guerrero não é uma exceção, figurando entre um dos maiores índices de desconfiança às instituições do país.

A essa altura não é nenhuma surpresa que o México tem lidado com uma crise institucional, frequentemente definida por acadêmicos norte-americanos e, mais recentemente pelo presidente do Uruguai José Mujica, como efeitos colaterais de um Estado Falido, mas em verdade com contornos de uma crise civilizacional. O desaparecimento de 43 alunos no final de Setembro, seguido da morte de seis, em Iguala, no sul do estado de Guerrero, na Escola Normal Rural de Ayotzinapa, mostrou ao mundo o lado mais cruel da falida guerra às drogas mexicana, como suas ligações perigosas entre o prefeito, governador e os narcotraficantes, reavivando importantes e sistemáticos protestos nas ruas, desde setembro de 2014.

São vários os simbolismos sobre os protestos a serem considerados, mas no geral o fato de que os alunos foram vítimas do que é conhecido no México como levantón (uma mistura de seqüestro e desaparecimento) retratou o mundo a crueldade da narcopolítica que governa o país. Os estudantes desaparecidos estavam, em 26 de setembro, à caminho para a Cidade do México, para o protesto anual de 2 de outubro, marca do (in)feliz aniversário do massacre de Tlatelolco, em 1968, onde mais de uma centena de estudantes foram mortos pelo exército mexicano.

1968, 2014... até quando?
1968, 2014… até quando?

Assim, é importante ressaltar como a escalada da violência vista nas últimas décadas no país, especialmente após a instalação da “guerra às drogas”, iniciada no governo de Felipe Calderon, em 2006, revelou repetidamente a sua ineficiência. As taxas de homicídio, bem como as taxas de desaparecimento têm aumentado acentuadamente desde o início dessa batalha perdida, chegando a 22 mil desaparecimentos desde 2006, segundo os cálculos da HRW¹, em 2013.

Enquanto o debate acadêmico busca enquadrar o México como um Estado falido, como se a solução de seus problemas passasse necessariamente pelo Estado ou ressalta a incapacidade estatal de lidar com o narcotráfico e à ausência de Estado, especialmente nas áreas rurais do país, categorias importantes trazidos pelas ruas têm sido largamente ignoradas. Essas fazem menção à existência da violência estatal e do terrorismo de Estado, em que se ouve frequentemente “fuel el Estado” e, após a resposta altamente repressiva do governo federal, “fuera Peña!”. Se para Foucault as categorias do “fazer viver e deixar morrer”, demonstram como o Estado seria um ator ativo na matança da população, a necropolítica mexicana evidencia tal realidade. Nesse sentido, apesar de às ruas seguirem com suas mensagens profundamente negligenciadas, seus protestos persistem: “vivos los levaran, vivos los queremos!”, entre outros gritos, clamando por justiça e castigo aos responsáveis pelo massacre.

Vivos los queremos
“Vivos se los llevaron; vivos los queremos”

Ademais, as ruas têm sido enfáticas em enviar outras mensagens que revelam o estado de abandono e descrédito institucional que enfrenta o “narcogobierno”. Um deles é sintomático da desconfiança em relação às instituições: “pienso, luego me desaparecen”, um provável indicador do relativo silêncio dos movimentos sociais nos últimos anos. Se 1968 foi um divisor de águas para os movimentos sociais que enfrentaram a polícia e brutalidade militar em toda a sua forma, foi também um período de efervescência social, a partir de maio na França, mas que se espalharam para outras partes do mundo, incluindo o México, com causas distintas, mas com um lema comum “soyons réalistes, demandons l’impossible” (sejamos realistas e exijamos o impossível).

Dessa forma, os protestos que começaram em 2 de outubro seguem até esse final de novembro, assistindo a um recrudescimento da brutalidade e arbitrariedade policial, que, se aparentemente orientada para não intervir nas primeiras marchas, busca censurar às ruas desde o a segunda quinzena de novembro. A longa marcha do dia 20 de novembro, por exemplo, foi um divisor de águas no movimento, pelo seu enorme contingente, que incluía a concentração em três pontos da cidade, sendo um deles o local do massacre de 1968, Tlateleloco, até o abuso da violência policial e detenções arbitrárias de 11 jovens no final da noite. Entre os presos figura o estudante de doutorado chileno Lawrence Maxwell Illabaca, de 45 anos de idade, provocando uma intensa mobilização em seu país de origem. É importante observar que todos esses jovens já foram encaminhados para presídios de segurança máxima, fora da capital do país, em um processo cuja agilidade difere diametralmente dos empenhos por encontrar os responsáveis pelo desaparecimento dos estudantes.

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#FueElEstado

Em uma tentativa de desarticular os movimentos de massa, são muitas as histórias de violações de direitos, em episódios cujo o ator central é o governo federal. Assim, os relatos de aparecimento de infiltrados e os subsequentes atos de depredação e vandalismo, conforme os termos da mídia hegemônica, proliferam como sendo iniciados pelos policiais, de forma a sustentar a repressão posterior e imputar uma dura legislação criminal aos manifestantes. Pesam sobre os presos políticos as acusações de responsabilidade em delitos de foro federal como tentativa de homicídio, associação delituosa e motim, com o provável adendo de terrorismo. Contudo, há uma ausência de provas para justificar as prisões realizadas até agora, recorrendo à falas de policiais, por exemplo, que afirmavam que os jovens se referiam uns aos outros como “compas”, de forma a provar que, portanto, fariam parte de organizações subversivas e criminosas.

Em um país onde o levante zapatista comemora o seu 20º aniversário resistindo a uma luta contra o “mal gobierno“, no sul do país, o estado de desconfiança estatal é um campo de batalha comum das ruas. No entanto, no que tem sido conceituada como uma “societas sceleris” (sociedade do crime), as sociedades onde o crime, ilegalidade e violações no Estado de direito não só são comuns, mas promovidos pelas forças políticas institucionais, ainda é difícil separar o alianças políticas e redes de narcotráfico que levaram o país ao que está sendo referido como uma crise institucional e à reativação de grandes protestos de rua. Pode-se ter a certeza, no entanto, que o movimento estudantil #YoSoy123, iniciado logo após a vitória apertada de Enrique Peña Nieto nas eleições presidenciais de 2012 deixou uma mensagem clara para os seguintes protestos: “nos quitaron todo, hasta el miedo“.

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A los anarquistas les compete la especial mision de ser celosos custodios de la libertad

1. HRW – Human Rights Watch – Observatório de Direitos Humanos

A Garizada do Rio de Janeiro deu o papo: Não Tem Arrego!

O local é a Fazenda Botafogo, uma região marcada pela pobreza e pela violência comum no subúrbio carioca. Próximo à um rio assoreado, que se tornou uma grande vala de esgoto a céu aberto, fica uma das gerências regionais da ComlurbCompanhia Municipal de Limpeza Urbana. Em sua página de divulgação, a Companhia se define como “sociedade anônima de economia mista” cuja prefeitura Rio de Janeiro aparece como acionista majoritária. E no meio dessa verdadeira salada de gestores fica a grande (e exploradíssima) mão-de-obra representada pelos profissionais da limpeza urbana, tradicionalmente conhecidos como gari, ou como os próprios gostam de se reconhecer, “A Garizada”.

Na tarde do dia 12 de Novembro, um grupo desses profissionais foi à regional da Fazenda Botafogo para continuar um processo de mobilização da classe na luta por direitos e melhorias na condição de trabalho. Essas reuniões, nomeadas pelos próprios como Reuniões para Propostas de Pauta, acontecem de forma simples e direta entre os próprios garis, e vêm se desdobrando atrás dos holofotes que nos últimos meses foram dados à realização da Copa do Mundo e ao processo eleitoral.

Não tem Arrego!
Não tem Arrego!

As reuniões de propostas de pauta possuem a estrutura já conhecida pelo movimento assemblear que eclodiu no Rio de Janeiro após as manifestações populares de Junho/2013. Na calçada da regional faz-se uma roda e os participantes iniciam um debate direto, sem líderes ou mesa centralizadora para dar o comando da reunião. Todos possuem direito à voz e destaca-se um responsável para realizar a inscrição dos participantes. Os que chegam depois e ficam curiosos para saber o que ocorre são recebidos por um participante, que os explica o que está acontecendo e qual o objetivo. Os assuntos são esgotados entre os participantes até que se defina um consenso. Do início da mobilização até o momento, as reuniões de propostas, seguindo este método, já definiram 25 pautas possíveis para representar as reivindicações dos garis. Entretanto, que fique claro, como os presentes fizeram questão de enfatizar: são propostas, e não definições. Ou seja, novas pautas podem ser acrescentadas e até mesmo algumas anteriores podem ser rediscutidas durante as assembleias deliberativas, que ocorrerão na sede do sindicato.

A ideia desse movimento de organização da base pela base partiu dos próprios garis que tiveram um papel mais participativo nas mobilizações de Março de 2014 e nas mobilizações anteriores. A lembrança da histórica luta dessa classe durante o carnaval carioca enche de orgulho (e por que não?) os que hoje participam da nova onda de reuniões. E é com a esperança de um futuro mais justo e organizado, e com o ardente desejo de que as outras classes de trabalhadores unam-se ao processo dos garis, que esse movimento de base pretende continuar. Não obstante, a garizada deixa bem claro: qualquer um, gari ou não, que deseja ajudar na organização dos trabalhadores é bem-vindo, desde que respeite a estratégia de organização dos garis e suas deliberações.

E parece que algumas vitórias, ainda que tímidas, começam a ser obtidas: numa tentativa de boicotar a organização, os gerentes das regionais estão realizando manobras para esvaziar o local no horário marcado para início da reunião. O mesmo fato se repetiu na Fazenda Botafogo e em outros locais, como Madureira. A consequência direta deste fato são folgas fora comum e maior curiosidade dos outros garis em conhecer a proposta de organização. E que fique explícito aos gerentes: as reuniões vão continuar acontecendo e a agenda de visitas às regionais será mantida, com ou sem sanções ordenadas pela prefeitura!

Uma das reuniões, também realizada em Bangu
Uma das reuniões, também realizada em Bangu

Um dos objetivos discutidos pelos presentes na reunião da última quarta-feira é exatamente pensar um movimento para além dos atuais sindicatos, que estão corrompidos e, obviamente, engessados. Por isso mesmo, uma nova organização com novos métodos se faz necessária e presente na vida destes trabalhadores, cujo empenho e desejo de mudança os mantém com forte convicção de que a classe irá unir-se e não haverá sindicato eleitoreiro ou qualquer barreira burocrática capaz de detê-los.

A nós, que não vivemos suas realidades e tampouco sentimos na pele a indiferença que os mesmos sentem diariamente, resta o desejo para que as estratégias que vêm sendo amplamente discutidas pelos garis tornem-se realidade e consiga contornar toda a burocracia presente no sindicato, além, claro, do apoio na divulgação de suas conquistas. A primeira delas nós deixamos aqui, para todos os nossos colaboradores e leitores: a garizada tá se organizando!